quarta-feira, 20 de março de 2024
'Polinização cruzada' na política faz extremistas usarem argumentos da direita e da esquerda
Uma imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — um líder de esquerda — com elementos do nazismo passou a circular em redes sociais como o X (antigo Twitter) depois da comparação feita por Lula entre a guerra em Gaza e o holocausto.
As montagens de Lula com o bigode de Hitler e rodeado de suásticas, no entanto, não se tratavam de críticas ou ironia ao discurso do presidente brasileiro, e nem de usuários falsos que tentam prejudicar a imagem de Lula — mas sim de manifestações de apoio.
Elas foram publicadas por extremistas que abraçam ideias políticas de diferentes vertentes conforme elas sejam convenientes às suas visões pessoais.
"Usuários da rede, criaram, inclusive, o termo 'lulismo esotérico' [fazendo uma relação direta com o 'hitlerismo esotérico', interpretações místicas dadas ao nazismo no contexto do pós-guerra] e estão produzindo propaganda", afirma a pesquisadora Michele Prado, pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo) e fellow na organização Social Change Initiative em Belfast, Irlanda do Norte.
Embora as ideias sejam aparentemente antagônicas, de acordo com a pesquisadora, o episódio se trata de um exemplo claro do conceito de "polinização cruzada".
Na natureza, esse termo se refere a um processo em que o pólen é transferido entre flores de plantas diferentes para promover a fertilização e diversidade genética.
Já no contexto discurso político, é usado para ilustrar a troca ou mistura de ideias extremistas entre grupos de espectros políticos aparentemente antagônicos.
E o presidente de esquerda brasileiro associado ao nazismo não é o único exemplo, como mostraremos ao longo desta reportagem.
Em 2020, Christopher Way, diretor do FBI, usou o termo "salad bar ideology" (algo como "ideologia self-service"), para descrever essa mistura de ideias que culminam em um extremismo violento.
Segundo Way, para quem trabalha com antiterrorismo, tentar encaixar os discursos em categorias bem definidas é um desafio.
"Uma das coisas que vemos cada vez mais são pessoas fazendo misturas confusas, uma variedade de ideologias diferentes."
De acordo com David Magalhães, coordenador do Observatório da Extrema Direita, um dos objetivos desses grupos extremistas é fazer oposição às ideologias dominantes.
"Temos um conjunto de ideias apoiadas por uma maioria e sustentadas em pilares liberais, como política parlamentar, tripartição de poder, respeito pelos direitos das minorias e a definição do papel do estado na economia. Grupos extremistas, sejam de direita ou de esquerda, buscarão desafiar essas bases no espectro ideológico."
Esses grupos, de acordo com os pesquisadores ouvidos na reportagem, escolhem partes de diferentes ideologias de forma a criar um conjunto que responda à crenças e queixas pessoais - que podem ser legítimas ou não.
"Comunidades de extrema direita, por exemplo, geralmente odeiam a ideia do Islã, mas ao mesmo tempo, algumas abraçam partes do islamismo radical. Temos comunidades de extrema direita antissemitas que estão apoiando o Hamas nos ataques de 7 de outubro como um meio de incentivar uma 'limpeza étnica'", exemplifica.
O pesquisador menciona, ainda, a existência de um grupo neonazista cultista [satanista] que usa elementos islâmicos para se descrever e apoia ataques terroristas que ocorreram no Ocidente.
Apesar da mistura de ideias aparentemente opostas, há também pontos de convergência entre os extremistas de diferentes "linhas". Entre eles, os pesquisadores citam: a crença em teorias da conspiração, posicionamentos anti-LGBTQIA+ e o antissemitismo.
Moustafa Ayad, diretor-executivo do ISD (Institute for Strategic Dialogue), explica as imagens de Lula associadas ao nazismo como uma oportunidade usada por extremistas para alcançar pessoas de grupos diferentes.
"Em certos casos, ao manifestar uma oposição a Israel, eles acentuam essa postura como uma declaração contra a fé judaica em sua totalidade."
"Hitler é considerado um reflexo desse pensamento. Se uma figura pública como Lula adota uma posição que pode provocar essa resposta, os extremistas veem isso como uma oportunidade estratégica para interseccionar e disseminar essas ideias de maneira mais ampla. É uma oportunidade de aproximá-los de uma audiência específica que eles não podiam alcançar antes."
Michele Prado menciona o grupo 'Nova Resistência' como mais um exemplo de polinização cruzada no cenário brasileiro.
"Trata-se de um grupo neo-fascista que incorpora uma variedade de conceitos provenientes de diversas ideologias extremistas, formando uma abordagem única. Essa estratégia, inclusive, visa ampliar sua base de apoio e recrutar mais adeptos."
Na avaliação de Prado, a Nova Resistência mistura conceitos de extrema esquerda, como o nacional-revolucionarismo (transformação radical da sociedade), terceiro-mundismo (cooperação entre países em desenvolvimento), nacional-bolchevismo (síntese entre ideias bolcheviques e nacionalismo), até extrema direita violenta, incorporando conceitos neo-fascistas (ressurgimento de ideias associadas ao fascismo).
"A Nova Resistência faz esse extremismo híbrido, e isso se reflete inclusive nos números, como eles conseguiram aumentar consideravelmente o número de seguidores no canal deles, no YouTube. E os discursos deles estão muito disseminados, inclusive, em veículos de mídia alternativa da esquerda. O grupo é um bom exemplo, um exemplo assim do extremismo híbrido, onde ocorre essa polinização cruzada de forma estrutural, inclusive."
Prado aponta que o o grupo também expressa discursos antissemitas, antiliberalismo político e se coloca contra pautas LGBTQIA+.
Uma das figuras públicas que já demonstrou afinidade com o grupo foi o deputado Robinson Farinazzo (PDT-SP), que em 2022 posou para uma foto na Avenida Paulista ao lado de militantes que seguravam uma bandeira com uma estrela verde e as letras "NR" ao centro.
O grupo, inclusive, apoiou campanhas de candidatos do PDT, como a o próprio Farinazzo, de Cabo Daciolo e Aldo Rebelo (que tentaram vagas no Senado por Rio de Janeiro e São Paulo).
A BBC News Brasil procurou o grupo e os políticos citados, mas não obteve resposta.
As montagens de Lula com o bigode de Hitler e rodeado de suásticas, no entanto, não se tratavam de críticas ou ironia ao discurso do presidente brasileiro, e nem de usuários falsos que tentam prejudicar a imagem de Lula — mas sim de manifestações de apoio.
Elas foram publicadas por extremistas que abraçam ideias políticas de diferentes vertentes conforme elas sejam convenientes às suas visões pessoais.
"Usuários da rede, criaram, inclusive, o termo 'lulismo esotérico' [fazendo uma relação direta com o 'hitlerismo esotérico', interpretações místicas dadas ao nazismo no contexto do pós-guerra] e estão produzindo propaganda", afirma a pesquisadora Michele Prado, pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo) e fellow na organização Social Change Initiative em Belfast, Irlanda do Norte.
Embora as ideias sejam aparentemente antagônicas, de acordo com a pesquisadora, o episódio se trata de um exemplo claro do conceito de "polinização cruzada".
Na natureza, esse termo se refere a um processo em que o pólen é transferido entre flores de plantas diferentes para promover a fertilização e diversidade genética.
Já no contexto discurso político, é usado para ilustrar a troca ou mistura de ideias extremistas entre grupos de espectros políticos aparentemente antagônicos.
E o presidente de esquerda brasileiro associado ao nazismo não é o único exemplo, como mostraremos ao longo desta reportagem.
Em 2020, Christopher Way, diretor do FBI, usou o termo "salad bar ideology" (algo como "ideologia self-service"), para descrever essa mistura de ideias que culminam em um extremismo violento.
Segundo Way, para quem trabalha com antiterrorismo, tentar encaixar os discursos em categorias bem definidas é um desafio.
"Uma das coisas que vemos cada vez mais são pessoas fazendo misturas confusas, uma variedade de ideologias diferentes."
De acordo com David Magalhães, coordenador do Observatório da Extrema Direita, um dos objetivos desses grupos extremistas é fazer oposição às ideologias dominantes.
"Temos um conjunto de ideias apoiadas por uma maioria e sustentadas em pilares liberais, como política parlamentar, tripartição de poder, respeito pelos direitos das minorias e a definição do papel do estado na economia. Grupos extremistas, sejam de direita ou de esquerda, buscarão desafiar essas bases no espectro ideológico."
Esses grupos, de acordo com os pesquisadores ouvidos na reportagem, escolhem partes de diferentes ideologias de forma a criar um conjunto que responda à crenças e queixas pessoais - que podem ser legítimas ou não.
"Comunidades de extrema direita, por exemplo, geralmente odeiam a ideia do Islã, mas ao mesmo tempo, algumas abraçam partes do islamismo radical. Temos comunidades de extrema direita antissemitas que estão apoiando o Hamas nos ataques de 7 de outubro como um meio de incentivar uma 'limpeza étnica'", exemplifica.
O pesquisador menciona, ainda, a existência de um grupo neonazista cultista [satanista] que usa elementos islâmicos para se descrever e apoia ataques terroristas que ocorreram no Ocidente.
Apesar da mistura de ideias aparentemente opostas, há também pontos de convergência entre os extremistas de diferentes "linhas". Entre eles, os pesquisadores citam: a crença em teorias da conspiração, posicionamentos anti-LGBTQIA+ e o antissemitismo.
Moustafa Ayad, diretor-executivo do ISD (Institute for Strategic Dialogue), explica as imagens de Lula associadas ao nazismo como uma oportunidade usada por extremistas para alcançar pessoas de grupos diferentes.
"Em certos casos, ao manifestar uma oposição a Israel, eles acentuam essa postura como uma declaração contra a fé judaica em sua totalidade."
"Hitler é considerado um reflexo desse pensamento. Se uma figura pública como Lula adota uma posição que pode provocar essa resposta, os extremistas veem isso como uma oportunidade estratégica para interseccionar e disseminar essas ideias de maneira mais ampla. É uma oportunidade de aproximá-los de uma audiência específica que eles não podiam alcançar antes."
Michele Prado menciona o grupo 'Nova Resistência' como mais um exemplo de polinização cruzada no cenário brasileiro.
"Trata-se de um grupo neo-fascista que incorpora uma variedade de conceitos provenientes de diversas ideologias extremistas, formando uma abordagem única. Essa estratégia, inclusive, visa ampliar sua base de apoio e recrutar mais adeptos."
Na avaliação de Prado, a Nova Resistência mistura conceitos de extrema esquerda, como o nacional-revolucionarismo (transformação radical da sociedade), terceiro-mundismo (cooperação entre países em desenvolvimento), nacional-bolchevismo (síntese entre ideias bolcheviques e nacionalismo), até extrema direita violenta, incorporando conceitos neo-fascistas (ressurgimento de ideias associadas ao fascismo).
"A Nova Resistência faz esse extremismo híbrido, e isso se reflete inclusive nos números, como eles conseguiram aumentar consideravelmente o número de seguidores no canal deles, no YouTube. E os discursos deles estão muito disseminados, inclusive, em veículos de mídia alternativa da esquerda. O grupo é um bom exemplo, um exemplo assim do extremismo híbrido, onde ocorre essa polinização cruzada de forma estrutural, inclusive."
Prado aponta que o o grupo também expressa discursos antissemitas, antiliberalismo político e se coloca contra pautas LGBTQIA+.
Uma das figuras públicas que já demonstrou afinidade com o grupo foi o deputado Robinson Farinazzo (PDT-SP), que em 2022 posou para uma foto na Avenida Paulista ao lado de militantes que seguravam uma bandeira com uma estrela verde e as letras "NR" ao centro.
O grupo, inclusive, apoiou campanhas de candidatos do PDT, como a o próprio Farinazzo, de Cabo Daciolo e Aldo Rebelo (que tentaram vagas no Senado por Rio de Janeiro e São Paulo).
A BBC News Brasil procurou o grupo e os políticos citados, mas não obteve resposta.
Michele Prado aponta que há indícios da chamada "polinização cruzada" desde os anos 90, quando a internet começou a ser democratizada.
"Na época, os ideais extremistas eram compartilhados em fóruns online de forma mais unilateral. Você tinha um produtor de conteúdo e um receptor passivo. E uns dos primeiros grupos a utilizar essa ferramenta da internet foram os neonazistas, que entenderam o quanto aquilo seria um instrumento para amplificar suas ideias além de fronteiras físicas."
O fenômeno tomou uma nova forma, de acordo com a pesquisadora, entre os anos 2000 e 2010, quando as pessoas começam a ser produtoras, mas ainda em um ritmo menor.
"A partir disso o Estado Islâmico, por exemplo, conseguiu radicalizar pessoas online, inclusive de países em paz."
Para Prado, o cenário atual é mais complexo, já que com as redes sociais, os indivíduos não são apenas consumidores passivos de conteúdo extremista, mas também produtores ativos.
"Hoje, enfrentamos um cenário chamado de extremismo pós-organizacional, onde não existem mais estruturas hierárquicas como antes, nos anos 2000. Para ser um extremista afiliado a um grupo não é mais necessário passar por processos de iniciação ou ter contato com um radicalizador."
É aí, aponta a pesquisadora, que surgem interações antes pouco prováveis entre extremistas que possuem ideologias que podem parecer opostas, mas que têm pontos convergentes.
A falta de um líder claro, analisa Moustafa Ayad, faz com que cada influenciador possa agir online isoladamente, sem a necessidade de um grupo por trás dele.
"Alguns deles estão vinculados a grupos formais, mas escolhem e selecionam entre os grupos aos quais estão afiliados, ou afirmam não ter filiação e estão apenas promovendo uma ideologia."
As redes sociais tornaram mais fácil o acesso a discursos extremistas.
Se antes uma pessoa precisava de muita pesquisa para chegar a comunidades extremistas — e poderia passar sua vida sem saber da existência delas — agora pode ser impactada facilmente por diferentes ideais violentos sem dificuldade.
Espaços não vigiados, como o Telegram, são câmaras de eco e muito propícios para a proliferação de ideias extremistas, aponta David Magalhães.
O pesquisador conta um exemplo de polinização cruzada que detectou ao acompanhar grupos dentro dessa rede social durante a pandemia.
"A direita criticava as ‘big pharmas' [grandes farmacêuticas], mas com uma visão populista, que acredita que o poder está sendo controlado por uma elite (corrupta) e há a necessidade de devolver o poder ao povo (puro). Em certa medida, essas ideias encontraram correspondência com discurso de parte da esquerda que tem um discurso anticapitalista, contra os grandes conglomerados econômicos."
Moustafa Ayad complementa dizendo que há uma dificuldade em barrar grupos com discursos criminosos.
"Lembro-me de uma repressão a grupos brasileiros no Telegram devido à promoção de ideologias neonazistas. Mas essas comunidades persistem, uma vez que é viável derrubar canais, mas eles se reconstituem rapidamente. Ao alterarem seus nomes ou se desvincularem de uma estrutura formalizada, conseguem recriar-se de maneira constante."
A falta de clareza também dificulta o monitoramento de pesquisadores e agentes de segurança pública que atuam no combate ao terrorismo e ataques violentos.
"Como as autoridades policiais, por exemplo, definiriam uma possível ameaça que mistura neo-nazismo, mostrando forte apoio ao Terceiro Reich, mas se identificam como pessoas de esquerda, propagando também ideias do nacional-socialismo? É complexo, e muitas vezes a confusão impede que sejam classificados como perigosos", diz Ayad.
Ainda que sejam grupos minoritários, Ayad aponta que esses extremistas podem influenciar outros a cometerem ataques.
"Esse extremismo composto, inclusive, foi notado nas evidências de investigações dos criminosos que cometeram alguns ataques a escolas no Brasil", afirma Michele Prado.
"É o caso de Cambé, no Paraná, onde o jovem que cometeu os crimes havia se radicalizado em mais de um tipo de ideologia."
Os ataques, conforme explicam os pesquisadores, não são necessariamente em massa, direcionados a grandes grupos como são os que focam em escolas.
Podem ser também direcionados a indivíduos, com motivação ideológica, de raça ou de gênero, conclui Prado.
"Na época, os ideais extremistas eram compartilhados em fóruns online de forma mais unilateral. Você tinha um produtor de conteúdo e um receptor passivo. E uns dos primeiros grupos a utilizar essa ferramenta da internet foram os neonazistas, que entenderam o quanto aquilo seria um instrumento para amplificar suas ideias além de fronteiras físicas."
O fenômeno tomou uma nova forma, de acordo com a pesquisadora, entre os anos 2000 e 2010, quando as pessoas começam a ser produtoras, mas ainda em um ritmo menor.
"A partir disso o Estado Islâmico, por exemplo, conseguiu radicalizar pessoas online, inclusive de países em paz."
Para Prado, o cenário atual é mais complexo, já que com as redes sociais, os indivíduos não são apenas consumidores passivos de conteúdo extremista, mas também produtores ativos.
"Hoje, enfrentamos um cenário chamado de extremismo pós-organizacional, onde não existem mais estruturas hierárquicas como antes, nos anos 2000. Para ser um extremista afiliado a um grupo não é mais necessário passar por processos de iniciação ou ter contato com um radicalizador."
É aí, aponta a pesquisadora, que surgem interações antes pouco prováveis entre extremistas que possuem ideologias que podem parecer opostas, mas que têm pontos convergentes.
A falta de um líder claro, analisa Moustafa Ayad, faz com que cada influenciador possa agir online isoladamente, sem a necessidade de um grupo por trás dele.
"Alguns deles estão vinculados a grupos formais, mas escolhem e selecionam entre os grupos aos quais estão afiliados, ou afirmam não ter filiação e estão apenas promovendo uma ideologia."
As redes sociais tornaram mais fácil o acesso a discursos extremistas.
Se antes uma pessoa precisava de muita pesquisa para chegar a comunidades extremistas — e poderia passar sua vida sem saber da existência delas — agora pode ser impactada facilmente por diferentes ideais violentos sem dificuldade.
Espaços não vigiados, como o Telegram, são câmaras de eco e muito propícios para a proliferação de ideias extremistas, aponta David Magalhães.
O pesquisador conta um exemplo de polinização cruzada que detectou ao acompanhar grupos dentro dessa rede social durante a pandemia.
"A direita criticava as ‘big pharmas' [grandes farmacêuticas], mas com uma visão populista, que acredita que o poder está sendo controlado por uma elite (corrupta) e há a necessidade de devolver o poder ao povo (puro). Em certa medida, essas ideias encontraram correspondência com discurso de parte da esquerda que tem um discurso anticapitalista, contra os grandes conglomerados econômicos."
Moustafa Ayad complementa dizendo que há uma dificuldade em barrar grupos com discursos criminosos.
"Lembro-me de uma repressão a grupos brasileiros no Telegram devido à promoção de ideologias neonazistas. Mas essas comunidades persistem, uma vez que é viável derrubar canais, mas eles se reconstituem rapidamente. Ao alterarem seus nomes ou se desvincularem de uma estrutura formalizada, conseguem recriar-se de maneira constante."
A falta de clareza também dificulta o monitoramento de pesquisadores e agentes de segurança pública que atuam no combate ao terrorismo e ataques violentos.
"Como as autoridades policiais, por exemplo, definiriam uma possível ameaça que mistura neo-nazismo, mostrando forte apoio ao Terceiro Reich, mas se identificam como pessoas de esquerda, propagando também ideias do nacional-socialismo? É complexo, e muitas vezes a confusão impede que sejam classificados como perigosos", diz Ayad.
Ainda que sejam grupos minoritários, Ayad aponta que esses extremistas podem influenciar outros a cometerem ataques.
"Esse extremismo composto, inclusive, foi notado nas evidências de investigações dos criminosos que cometeram alguns ataques a escolas no Brasil", afirma Michele Prado.
"É o caso de Cambé, no Paraná, onde o jovem que cometeu os crimes havia se radicalizado em mais de um tipo de ideologia."
Os ataques, conforme explicam os pesquisadores, não são necessariamente em massa, direcionados a grandes grupos como são os que focam em escolas.
Podem ser também direcionados a indivíduos, com motivação ideológica, de raça ou de gênero, conclui Prado.
Murar o medo
O medo foi um dos meus primeiros mestres. Antes de ganhar confiança em celestiais criaturas, aprendi a temer monstros, fantasmas e demônios. Os anjos, quando chegaram, já eram para me guardarem, servindo como agentes da segurança privada das almas. Nem sempre os que me protegiam sabiam da diferença entre sentimento e realidade. Isso acontecia, por exemplo, quando me ensinavam a recear os desconhecidos.
Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.
O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.
No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.
O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.
A Guerra-Fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.
Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.
Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.
Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incomodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivos se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?
Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.
Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples fato de serem mulheres.
A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.
É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.
Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:
“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”
E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.
Mia Couto, Conferências do Estoril (2011)
Na realidade, a maior parte da violência contra as crianças sempre foi praticada não por estranhos, mas por parentes e conhecidos. Os fantasmas que serviam na minha infância reproduziam esse velho engano de que estamos mais seguros em ambientes que reconhecemos. Os meus anjos da guarda tinham a ingenuidade de acreditar que eu estaria mais protegido apenas por não me aventurar para além da fronteira da minha língua, da minha cultura, do meu território.
O medo foi, afinal, o mestre que mais me fez desaprender. Quando deixei a minha casa natal, uma invisível mão roubava-me a coragem de viver e a audácia de ser eu mesmo. No horizonte vislumbravam-se mais muros do que estradas. Nessa altura, algo me sugeria o seguinte: que há neste mundo mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas.
No Moçambique colonial em que nasci e cresci, a narrativa do medo tinha um invejável casting internacional: os chineses que comiam crianças, os chamados terroristas que lutavam pela independência do país, e um ateu barbudo com um nome alemão. Esses fantasmas tiveram o fim de todos os fantasmas: morreram quando morreu o medo. Os chineses abriram restaurantes junto à nossa porta, os ditos terroristas são governantes respeitáveis e Karl Marx, o ateu barbudo, é um simpático avô que não deixou descendência.
O preço dessa construção [narrativa] de terror foi, no entanto, trágico para o continente africano. Em nome da luta contra o comunismo cometeram-se as mais indizíveis barbaridades. Em nome da segurança mundial foram colocados e conservados no Poder alguns dos ditadores mais sanguinários de que há memória. A mais grave herança dessa longa intervenção externa é a facilidade com que as elites africanas continuam a culpar os outros pelos seus próprios fracassos.
A Guerra-Fria esfriou, mas o maniqueísmo que a sustinha não desarmou, inventando rapidamente outras geografias do medo, a Oriente e a Ocidente. E porque se trata de novas entidades demoníacas não bastam os seculares meios de governação… Precisamos de intervenção com legitimidade divina… O que era ideologia passou a ser crença, o que era política tornou-se religião, o que era religião passou a ser estratégia de poder.
Para fabricar armas é preciso fabricar inimigos. Para produzir inimigos é imperioso sustentar fantasmas. A manutenção desse alvoroço requer um dispendioso aparato e um batalhão de especialistas que, em segredo, tomam decisões em nosso nome. Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. Todos sabemos que o caminho verdadeiro tem que ser outro. Todos sabemos que esse outro caminho começaria pelo desejo de conhecermos melhor esses que, de um e do outro lado, aprendemos a chamar de “eles”.
Aos adversários políticos e militares, juntam-se agora o clima, a demografia e as epidemias. O sentimento que se criou é o seguinte: a realidade é perigosa, a natureza é traiçoeira e a humanidade é imprevisível. Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa.
Todas estas restrições servem para que não sejam feitas perguntas [incomodas] como, por exemplo, estas: porque motivo a crise financeira não atingiu a indústria de armamento? Porque motivo se gastou, apenas o ano passado, um trilhão e meio de dólares com armamento militar? Porque razão os que hoje tentam proteger os civis na Líbia são exatamente os que mais armas venderam ao regime do coronel Kadaffi? Porque motivos se realizam mais seminários sobre segurança do que sobre justiça?
Se queremos resolver (e não apenas discutir) a segurança mundial – teremos que enfrentar ameaças bem reais e urgentes. Há uma arma de destruição massiva que está sendo usada todos os dias, em todo o mundo, sem que sejam precisos pretextos de guerra. Essa arma chama-se fome. Em pleno século 21, um em cada seis seres humanos passa fome. O custo para superar a fome mundial seria uma fração muito pequena do que se gasta em armamento. A fome será, sem dúvida, a maior causa de insegurança do nosso tempo.
Mencionarei ainda outra silenciada violência: em todo o mundo, uma em cada três mulheres foi ou será vítima de violência física ou sexual durante o seu tempo de vida… A verdade é que… pesa uma condenação antecipada pelo simples fato de serem mulheres.
A nossa indignação, porém, é bem menor que o medo. Sem darmos conta, fomos convertidos em soldados de um exército sem nome, e como militares sem farda deixamos de questionar. Deixamos de fazer perguntas e de discutir razões. As questões de ética são esquecidas porque está provada a barbaridade dos outros. E porque estamos em guerra, não temos que fazer prova de coerência nem de ética nem de legalidade.
É sintomático que a única construção humana que pode ser vista do espaço seja uma muralha. A chamada Grande Muralha foi erguida para proteger a China das guerras e das invasões. A Muralha não evitou conflitos nem parou os invasores. Possivelmente, morreram mais chineses construindo a Muralha do que vítimas das invasões do Norte. Diz-se que alguns dos trabalhadores que morreram foram emparedados na sua própria construção. Esses corpos convertidos em muro e pedra são uma metáfora de quanto o medo nos pode aprisionar.
Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente… Citarei Eduardo Galeano acerca disso que é o medo global:
“Os que trabalham têm medo de perder o trabalho. Os que não trabalham têm medo de nunca encontrar trabalho. Quem não tem medo da fome, tem medo da comida. Os civis têm medo dos militares, os militares têm medo da falta de armas, as armas têm medo da falta de guerras.”
E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.
Mia Couto, Conferências do Estoril (2011)
Liberdade, desigualdade, agressividade
O clássico “liberdade, igualdade, fraternidade”, que deu suporte à construção das modernas democracias, parece foi substituído pelas palavras e atitudes que intitulam o presente texto. Liberdade só para os fortes; desigualdade sendo até celebrada como instrumento de “desenvolvimento”, e agressividade como meio de “progresso” na vida, de indivíduos e nações. Triste e perigosa transformação!
A defesa da liberdade individual irrestrita, sem limites mesmo com consequências danosas para terceiros, tem levado à desigualdade e à agressividade crescentes, afastando-nos do sonho original.
Como acolher pleitos de que a liberdade individual não pode ser restringida? Qualquer um pode ter o “direito” de dirigir do lado esquerdo da pista, mesmo estando no Brasil, ou do direito, quando na Inglaterra? E o “direito” de difundir falsidades ou ocultar verdades, apenas por que trazem benefício a quem as espalha ou oculta? E o “direito” de mascarar que o fumo e a queima de combustíveis fósseis fazem mal? A extensão da “liberdade” pessoal ao capital, por sua vez, é que possibilita a destruição da biosfera, em proveito de poucos: ainda hoje, nada menos que 77% dos humanos vivem com menos de R$3.000,00/mês (fonte: Our World in Data)!
Oligopólio e manipulação de mercados são consequências da liberdade sem peias ao capital. Por mais que algumas dessas estruturas sejam denunciadas, é forçoso reconhecer que esta é, hoje, a forma dominante de organização da economia, local e mundialmente. Alguns dos efeitos desse tipo de organização, além da destruição citada, são a obesidade crescente da população (e custos cada vez maiores em mortes e em despesas com saúde!), decorrente da “liberdade” de anunciar o consumo de refrigerantes como sendo a porta da felicidade, ou de opioides como solução dos males sociais de solidão e desagregação social, ou defender mais armas para se chegar à paz! Levando, ainda, à ampliação da desigualdade.
Processo que desemboca em maior agressividade, tanto para “subir na vida” (para tal, “danem-se os princípios morais”!), como para se defender daqueles que não “subiram na vida” e passaram a ser vistos como “inferiores” e “invasores”, a exemplo de quem busca sair do Sul Global migrando ao Norte Global. Tidos, por alguns possíveis dirigentes de grandes nações, como “animais”.
A agressividade se manifesta também no discurso político: Ocidente X Oriente; líder A x líder B; alguns ameaçando guerra nuclear; outros praticando genocídios.
E onde estão sendo aplicadas políticas, coerentes e eficazes para além do discurso, para ampliar as liberdades, desde que preservada a qualidade de vida de terceiros, para reduzir as desigualdades e para promover a fraternidade? Não é loucura esperar que esses valores e atitudes sejam reabilitados e floresçam, apesar da manutenção de políticas que os estão solapando e minando?
A mudança de rumo tem de ser radical! Talvez seja hora de inverter dogmas assentados em muitas constituições e proibir que maiores de 35 anos assumam cargos diretivos em municípios, estados e nações!
A defesa da liberdade individual irrestrita, sem limites mesmo com consequências danosas para terceiros, tem levado à desigualdade e à agressividade crescentes, afastando-nos do sonho original.
Como acolher pleitos de que a liberdade individual não pode ser restringida? Qualquer um pode ter o “direito” de dirigir do lado esquerdo da pista, mesmo estando no Brasil, ou do direito, quando na Inglaterra? E o “direito” de difundir falsidades ou ocultar verdades, apenas por que trazem benefício a quem as espalha ou oculta? E o “direito” de mascarar que o fumo e a queima de combustíveis fósseis fazem mal? A extensão da “liberdade” pessoal ao capital, por sua vez, é que possibilita a destruição da biosfera, em proveito de poucos: ainda hoje, nada menos que 77% dos humanos vivem com menos de R$3.000,00/mês (fonte: Our World in Data)!
Oligopólio e manipulação de mercados são consequências da liberdade sem peias ao capital. Por mais que algumas dessas estruturas sejam denunciadas, é forçoso reconhecer que esta é, hoje, a forma dominante de organização da economia, local e mundialmente. Alguns dos efeitos desse tipo de organização, além da destruição citada, são a obesidade crescente da população (e custos cada vez maiores em mortes e em despesas com saúde!), decorrente da “liberdade” de anunciar o consumo de refrigerantes como sendo a porta da felicidade, ou de opioides como solução dos males sociais de solidão e desagregação social, ou defender mais armas para se chegar à paz! Levando, ainda, à ampliação da desigualdade.
Processo que desemboca em maior agressividade, tanto para “subir na vida” (para tal, “danem-se os princípios morais”!), como para se defender daqueles que não “subiram na vida” e passaram a ser vistos como “inferiores” e “invasores”, a exemplo de quem busca sair do Sul Global migrando ao Norte Global. Tidos, por alguns possíveis dirigentes de grandes nações, como “animais”.
A agressividade se manifesta também no discurso político: Ocidente X Oriente; líder A x líder B; alguns ameaçando guerra nuclear; outros praticando genocídios.
E onde estão sendo aplicadas políticas, coerentes e eficazes para além do discurso, para ampliar as liberdades, desde que preservada a qualidade de vida de terceiros, para reduzir as desigualdades e para promover a fraternidade? Não é loucura esperar que esses valores e atitudes sejam reabilitados e floresçam, apesar da manutenção de políticas que os estão solapando e minando?
A mudança de rumo tem de ser radical! Talvez seja hora de inverter dogmas assentados em muitas constituições e proibir que maiores de 35 anos assumam cargos diretivos em municípios, estados e nações!
Gaza: o que virá depois de um cessar-fogo provisório?
Passados cinco meses de bombardeios maciços e operações militares terrestres de Israel, resultando em mais de 30 mil mortes de palestinos, entre as quais 10 mil crianças, a Faixa de Gaza tornou-se um campo de ruínas. Além da destruição de 6 hospitais e 12 universidades, tudo o que dizia respeito à vida social foi arrasado: mesquitas, tribunais, escolas, arquivo histórico, museus, centros culturais. A infraestrutura civil de água, esgoto e eletricidade também foi aniquilada.
As ordens militares de evacuação da população resultaram em deslocamento forçado do norte para o centro, logo alvo de bombardeios, para o sul e, dali, para Rafah —agora também sob ataque.
Todo esse quadro é agravado por impedimentos, por parte dos israelenses, para a distribuição de ajuda humanitária —apesar de uma das medidas provisórias impostas pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) ter obrigado Israel a facilitar o acesso do apoio internacional à região.
O volume de ajuda humanitária entrou em colapso em razão dos ataques de Israel a policiais —suspeitos de serem militantes do Hamas— que vigiam os comboios. Nas últimas semanas, 62 caminhões entraram em Gaza —bem abaixo dos 200 por dia que Israel se comprometera a liberar, ainda que se estime que para atender às necessidade básicas da população seriam necessários 500 veículos.
Há piquetes de civis israelenses, compostos inclusive por mulheres e adolescentes, muitos deles com machadinhas e cortadores de caixas, que atacam os comboios a pretexto "de impedir que a ajuda vá para o Hamas". O ministro da Segurança Nacional, Ben-Gvir, indicou que a polícia não iria reprimir protestos bloqueando o acesso dos caminhões.
Apesar das tentativas de dissuasão por parte dos aliados ocidentais, o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, promete que Israel atacará Rafah depois de evacuar 1 milhão e meio de refugiados. Mas qualquer ordem de evacuação nas presentes condições na região —sem abrigo, comida, água e atendimento médico— provocaria sofrimentos cruéis e seria uma flagrante violação do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.
Os aliados ocidentais de Israel, diante desse quadro humanitário horrífico, reafirmam mais uma vez o direito de defesa do país de atacar o Hamas, ainda que essa defesa tenha se constituído na retaliação contra a população civil em Gaza. Imersos numa enorme contradição, esses países começaram a cobrar de Israel a proteção aos civis palestinos, a entrada da ajuda humanitária e, ainda, a proposta de um cessar-fogo de seis semanas. Dessa forma, iniciaram o lançamento de ajuda fundamental básica por aviões, como também anunciaram uma rota marítima com a construção de um píer flutuante, permitindo assegurar o fornecimento regular. Calcula-se, porém, que esse porto deverá levar dois meses para ser construído.
Depois de serem vetadas no Conselho de Segurança da ONU todas as resoluções impondo um cessar-fogo (inclusive as do Brasil), os aliados de Israel negociam com os países árabes, que têm acesso ao Hamas, um cessar-fogo de seis semanas —sem muito sucesso até este começo do Ramadã.
A pergunta obrigatória é: o que vai acontecer caso se realize esse cessar-fogo provisório de seis semanas? Israel vai bombardear Raffah? Continuará a desrespeitar as medidas provisórias ditadas pela CIJ, não protegendo os palestinos de Gaza de atos de genocídio, como o deslocamento forçado da população, a privação do acesso à comida e água e a obstrução de ajuda humanitária, incluindo combustíveis, abrigo, roupas e higiene? E quanto à destruição da vida dos palestinos em Gaza?
Não há nada mais macabro e cruel que uma pausa de atos de genocídio com prazo marcado de antemão para sua continuidade. Todos os Estados-membros da ONU que respeitam o direito internacional, incluindo o Brasil, devem tomar medidas para que esse cessar-fogo seja permanente. Nenhum crime pode ser interrompido com data marcada para sua continuidade.
As ordens militares de evacuação da população resultaram em deslocamento forçado do norte para o centro, logo alvo de bombardeios, para o sul e, dali, para Rafah —agora também sob ataque.
Todo esse quadro é agravado por impedimentos, por parte dos israelenses, para a distribuição de ajuda humanitária —apesar de uma das medidas provisórias impostas pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) ter obrigado Israel a facilitar o acesso do apoio internacional à região.
O volume de ajuda humanitária entrou em colapso em razão dos ataques de Israel a policiais —suspeitos de serem militantes do Hamas— que vigiam os comboios. Nas últimas semanas, 62 caminhões entraram em Gaza —bem abaixo dos 200 por dia que Israel se comprometera a liberar, ainda que se estime que para atender às necessidade básicas da população seriam necessários 500 veículos.
Há piquetes de civis israelenses, compostos inclusive por mulheres e adolescentes, muitos deles com machadinhas e cortadores de caixas, que atacam os comboios a pretexto "de impedir que a ajuda vá para o Hamas". O ministro da Segurança Nacional, Ben-Gvir, indicou que a polícia não iria reprimir protestos bloqueando o acesso dos caminhões.
Apesar das tentativas de dissuasão por parte dos aliados ocidentais, o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, promete que Israel atacará Rafah depois de evacuar 1 milhão e meio de refugiados. Mas qualquer ordem de evacuação nas presentes condições na região —sem abrigo, comida, água e atendimento médico— provocaria sofrimentos cruéis e seria uma flagrante violação do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.
Os aliados ocidentais de Israel, diante desse quadro humanitário horrífico, reafirmam mais uma vez o direito de defesa do país de atacar o Hamas, ainda que essa defesa tenha se constituído na retaliação contra a população civil em Gaza. Imersos numa enorme contradição, esses países começaram a cobrar de Israel a proteção aos civis palestinos, a entrada da ajuda humanitária e, ainda, a proposta de um cessar-fogo de seis semanas. Dessa forma, iniciaram o lançamento de ajuda fundamental básica por aviões, como também anunciaram uma rota marítima com a construção de um píer flutuante, permitindo assegurar o fornecimento regular. Calcula-se, porém, que esse porto deverá levar dois meses para ser construído.
Depois de serem vetadas no Conselho de Segurança da ONU todas as resoluções impondo um cessar-fogo (inclusive as do Brasil), os aliados de Israel negociam com os países árabes, que têm acesso ao Hamas, um cessar-fogo de seis semanas —sem muito sucesso até este começo do Ramadã.
A pergunta obrigatória é: o que vai acontecer caso se realize esse cessar-fogo provisório de seis semanas? Israel vai bombardear Raffah? Continuará a desrespeitar as medidas provisórias ditadas pela CIJ, não protegendo os palestinos de Gaza de atos de genocídio, como o deslocamento forçado da população, a privação do acesso à comida e água e a obstrução de ajuda humanitária, incluindo combustíveis, abrigo, roupas e higiene? E quanto à destruição da vida dos palestinos em Gaza?
Não há nada mais macabro e cruel que uma pausa de atos de genocídio com prazo marcado de antemão para sua continuidade. Todos os Estados-membros da ONU que respeitam o direito internacional, incluindo o Brasil, devem tomar medidas para que esse cessar-fogo seja permanente. Nenhum crime pode ser interrompido com data marcada para sua continuidade.
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