quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Bolsonaro e Mourão são a quintessência da maldade

Balanço do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) aponta que, até 21 de novembro de 2020, foram registradas no Brasil 200 mil mortes, 24% mais do que era estimado para o ano findo. Naquela data, as perdas em decorrência da covid-19 chegavam a 168.989, conforme dados divulgados pelo consórcio dos meios de comunicação, já que o Ministério da Saúde se recusa a fornecer dados confiáveis. A coincidência levanta a hipótese de que, mesmo com aumento da população, a pandemia, maior causa de óbitos do País no ano, está muito longe de poder ser definida como mera “gripezinha”. Os números nunca mentem, mas isso não comoveu quem cruzou o marco do calendário gregoriano facilitando a contaminação pelo novo coronavírus.

Alguns brasileiros ilustres agiram como agentes desse contágio. O craque Neymar promoveu festa para 500 convidados em Mangaratiba, aviltando o tema do sucesso de Luiz Gonzaga. O influenciador em redes sociais Carlinhos Maia aglomerou centenas no Natal da Vila, resultando em 47 contaminados. Outro ídolo de crianças e adolescentes nas redes sociais, Felipe Neto, criticou-o, mas foi filmado jogando futebol. O governador de São Paulo, João Doria, jura adesão à ciência, mas fez um bate-volta para Miami a pretexto de “merecido” repouso de guerreiro. Outro tucano, Bruno Covas, festejou a reeleição para a Prefeitura de São Paulo num “covidão” que lembrou bailes funk da periferia, e ainda promoveu um bonde da alegria com aumento de 46% para si, o vice, vereadores e servidores. Merval Pereira definiu-os como “sem noção” em sua coluna no Globo.

Dentre eles, Jair Bolsonaro é hors-concours. Ganhou menção especial porque passou o Natal num forte militar em São Francisco do Sul (SC), pertinho de Presidente Getúlio, no Vale do Itajaí, onde 21 brasileiros morreram afogados numa enchente. Na companhia de um magote de bajuladores, deixou em Brasília a mulher, Michelle, que usufruiu o feriadão rodando de kart com o maquiador Agustin Fernandez no Ferrari Kart do Autódromo Nelson Piquet. Madame pode ser adicionada ao rol.

Depois, o presidente cometeu insanidades tentando desviar sua responsabilidade no combate à vacinação, com exigência de imagens do calo ósseo na mandíbula de Dilma, torturada no regime militar. E na grotesca exposição de sua barriga pseudoatlética ao se jogar de um barco ao mar para nadar até um grupo previamente reunido de apoiadores, que insultaram adversários aos berros e o chamaram de “mito”. Aglomerados e jorrando perdigotos, como só convém ao vírus.


No show de indiferença ao risco de morte de 212 milhões de vítimas desgovernadas por ele, destacou-se sua crítica desastrada à decisão do Congresso argentino de descriminalizar o aborto. Nem isso alterou o sono perpétuo decretado por seu pretenso adversário, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, a mais de 40 processos de impeachment. Parte dessa expressão de inércia se deve ao fato de seu substituto eventual, o vice Hamilton Mourão, ser, como ele, admirador confesso do torturador e assassino Brilhante Ustra, acusado por Dilma de lhe haver fraturado a mandíbula. A tortura, reconhecem os “mansos de coração” do sermão das bem-aventuranças Daquele que ele diz adorar, Jesus Cristo, é a máxima covardia. Só poltrões como Bolsonaro e seu vice podem considerar esse oficial “herói” e “homem de honra”. Covardia é o contrário de bravura, qualidade que dá medalhas a militares em ação nos campos de batalha. E só pode ser pior do que um torturador quem o admire sem coragem de imitá-lo, só por faltar ocasião.

O desgovernante que torna inviável a vacinação, sonhada pelo povo real (e não o fictício na Praia Grande e no “chiqueirinho” do Alvorada) como sopro de sobrevida, não é, contudo, um ponto fora de curva na história dessa “Pátria Amada” ideal de comerciais de promoção da Secretaria de Comunicação. Bolsonaro e Mourão são a quintessência da maldade de momentos abjetos de nossa História. O Brasil foi a última Nação do Ocidente a abolir a escravidão de africanos transportados em brigues imundos através do Atlântico, e da qual se livrou em doses homeopáticas e condições indignas, denunciadas pelo abolicionista Joaquim Nabuco. A República cega e surda não enxergou a ignomínia do massacre dos crentes sertanejos em Canudos, comandado por covardes arrogantes como Moreira César, apesar do relato do gênio Euclydes da Cunha. Nem ouviu os gemidos dos dissidentes no Estado Novo de Getúlio, relatados em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos;

A encenação da grosseria contagiosa nas areias de Praia Grande, a cargo de agentes da morte treinados nas “milícias populares” do capitão terrorista em Polícias Militares (PMs), celebrou a agonia anunciada pelo combate ao uso da máscara, ao isolamento social e à imunização, condizentes com as melhores conquistas civilizatórias do honrado Brasil real. A farsa fúnebre nada tem que ver com a definição de amor, verdade e vida do Deus manso, ao Qual reza o facínora-mor. Só propicia safras malditas de ódio, mentira e dolorosa tortura da morte antecipada.

Brasil, cemitério de mentiras

 


Perdido na pandemia

“O Brasil está quebrado. Não consigo fazer nada” — disse, com todas as letras, o presidente Jair Bolsonaro, ontem, queixando-se da situação em que se encontra o governo federal. Para não variar, culpou a imprensa e se fez de vítima, mas o estrago está feito. Além de terem virado piada pronta nas redes sociais e motivo de chacota nos meios políticos, suas palavras são um desastre para a economia. O impacto de uma afirmação dessa natureza junto aos agentes econômicos e investidores estrangeiros pode ser avassalador.

Poderiam ser ditas por qualquer empreendedor em dificuldades financeiras ou trabalhador desempregado, porém, na boca do presidente da República, essas afirmações funcionam como uma mensagem de desesperança. Revelam que Bolsonaro não sabe o que fazer em meio à pandemia do novo coronavírus, pois nem crise sanitária nem recessão se resolvem com negacionismo, mas com ações governamentais. Não chega a ser uma novidade, porque o presidente da República sempre disse que não entende de economia e que, nesse métier, quem daria as cartas seria o ministro da Economia.



Entretanto, o Ministério da Economia passou recibo de que não tem dinheiro em caixa. O governo brasileiro não honrou o pagamento da penúltima parcela de US$ 292 milhões para o aporte de capital no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos cinco países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O prazo para a quitação da parcela terminou no último dia 3. Agora, o Brasil está inadimplente com o banco que ajudou a fundar e é um dos acionistas.

Por incompetência do Palácio do Planalto, o dinheiro para o pagamento da parcela da dívida com o Banco do Brics e outros compromissos com os bancos multilaterais ficou fora do projeto de lei que foi votado no fim do ano para remanejar despesas do Orçamento de 2020 e atender a demandas de obras de interesse do governo e emendas de parlamentares aliados. É um vexame: ficamos inadimplentes justamente no ano em que o brasileiro Marcos Troyjo assumiu a presidência da instituição por indicação do governo Bolsonaro, com US$ 3,5 bilhões em financiamentos aprovados para o Brasil, em 2020.

No fim do ano, o argumento para votar correndo o texto de remanejamento das verbas do Orçamento do ano passado, na frente de votação de outros projetos importante — como o aumento do Bolsa Família ou a revisão da tabela do Imposto de Renda — foi o de que o governo precisava honrar os seus compromissos com organismos multilaterais e não podia ficar com a imagem arranhada na comunidade internacional.

Não à toa, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), subiu nas tamancas ontem. O Ministério da Fazenda tentou responsabilizar o Congresso, mas foi a própria base do governo que manobrou para que não houvesse convocação extraordinária durante o recesso parlamentar. A prioridade do Palácio do Planalto é a disputa pelo controle das Mesas da Câmara e do Senado e, para os candidatos governistas, reunir o Congresso daria palanque para a oposição.

Mesmo assim, Bolsonaro se faz de vítima: “Queria mexer na tabela de Imposto de Renda. Esse vírus potencializado pela mídia que nós temos, essa mídia sem caráter que nós temos. É um trabalho incessante de tentar desgastar para retirar a gente daqui para voltar alguém para atender os interesses escusos da mídia”, disse. Assim, o presidente passou recibo de que não está fazendo as entregas que deveria, depois de dois anos de mandato.

Talvez por isso tenha sido organizada a sua “visita técnica” ao Ministério da Saúde, que durou quase duas horas. Segundo o ministro Eduardo Pazuello, Bolsonaro se inteirou das providências que estão sendo tomadas para comprar vacinas, agulhas e seringas para a campanha de vacinação contra a covid-19. O presidente da República saiu da reunião sem dar entrevistas. Moral da história: continuamos sem saber quando começará a campanha de vacinação.

O Brasil não quebrou. Bolsonaro é que não tem conserto

No seu primeiro dia de aparente trabalho em Brasília depois de oito a navegar atrás de golfinhos e a provocar aglomerações sem máscaras em praias paulistas, o presidente Jair Bolsonaro brindou o país com desabafos tão desastrosos que alguns dos seus auxiliares se viram obrigados a tentar consertá-los.

O primeiro deles foi feito diante de um grupo de devotos à entrada do Palácio da Alvorada: “O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela de imposto de renda. Tem esse vírus potencializado por essa mídia que nós temos aí. Essa mídia sem caráter que nós temos”.

O segundo desabafo veio na sequência e na mesma ocasião: “Então, [o Brasil] é um país difícil de trabalhar. Quando se fala em desemprego, né, [são] vários motivos. Um é a formação do brasileiro. Uma parte considerável não está preparada para fazer quase nada. Nós importamos muito serviço”.

No fim da tarde, no mesmo lugar e em resposta a um devoto que lhe cobrou a promessa de reajustar a tabela do Imposto de Renda para beneficiar os que ganham menos, Bolsonaro disse: “Eu queria mexer na tabela. Mas não esperava esta pandemia. Temos uma dívida de aproximadamente R$ 700 bilhões”.

Se Bolsonaro nada consegue fazer uma vez que o país quebrou no seu colo, por que ele não pede as contas? No começo do seu desgoverno, reconheceu que não nascera para ser presidente. De fato, ao examinar-se sua biografia, pelo visto não nasceu para fazer grande coisa. Não faria falta se renunciasse.

Como militar, Bolsonaro destacou-se como um bom corredor de longas distâncias, acumulando elogios. Mas consta do seu prontuário que acabou afastado do Exército por má conduta. Como deputado federal por quase 30 anos, passou em branco. Uma vez eleito presidente, o que fez até agora que prestasse?

De quem é a culpa pelos problemas que enfrenta e por não saber combatê-los? A acreditar-se no que diz, é da imprensa que só o critica. É da justiça que o tolhe. É do Congresso que não o apoia. Pode ser de parte dos seus ministros, embora ele os tenha escolhido. É da pandemia. Mas dele e dos seus filhos não é.

Ao afirmar que o Brasil está quebrado, o que é uma mentira, Bolsonaro se desculpa pelo que gostaria de fazer, mas não pode. O que não gostaria ou o que não admite como necessário é justamente o que o aconselham a fazer. Como não sabe administrar nem para onde seguir, sua vida é um inferno.

Faltam-lhe conhecimentos para governar. Falta-lhe perfil para ser presidente da República. Falta-lhe disposição para pegar no pesado. Falta-lhe grandeza para reconhecer suas limitações e cercar-se de uma equipe competente. Jamais imaginou que se elegeria, salvo depois da facada. Para completar então…

Põe os problemas dos filhos, educados para ser um espelho do pai, acima dos problemas do país. E por deficiência sua, enxerga o mundo pelos olhos deles. Se os filhos fossem pelo menos os gênios que ele nunca foi, mas não são. O pai nunca os estimulou a estudar e a pensar com liberdade. São bonecos de ventríloquo.

“Alguns falam que ‘não sei quem’ não deixa eu governar. Quisera eu que fosse só um ‘não sei quem’, unzinho só”, queixou-se Bolsonaro no seu último desabafo do dia com a esperança de que seus devotos sintam pena dele. O Brasil não está quebrado, já teve. Seu presidente é que não tem conserto.

Confederação dos anões

Enfim, nenhum esforço para melhorar, nenhum impulso para a frente e para cima. Unifiquemos-nos na baixeza. Todos de rastros, ao nível dos excrementos
Aníbal Machado, "Cadernos de João"

Pandemia, comportamento e cura

O ano que formalmente acabou de acabar, mas está colado a este que se inicia, foi pródigo em assinalar nossa fragilidade diante de uma doença mortal e contagiosa. Este 2021 baliza, espero, a etapa da vacina e da cura. Uma vacina lamentavelmente politizada, sabotada, burocratizada e, por isso, irracional e desumanamente postergada entre nós. 

O mais doloroso numa doença contagiosa é que ela não coloca ninguém acima de qualquer suspeita e, com isso, sacode axiomas sociais pouco discutidos. Por exemplo: pode o amor de mãe contaminar? Nossa casa pode ser um ninho virulento? Como festejar sem o contato físico e o abraço amoroso? A vacina deve seguir a velha hierarquia social ou as necessidades médicas dos grupos de risco?

Doenças de contágio são fatos sociais totais: elas nos atingem biológica e culturalmente. Matam anônimos e entes queridos, em paralelo, condenam gestos e hábitos que fazem parte do nosso arsenal de carinho. O contágio maltrata o cerne de nossas vidas porque somos seres sociais e, como tais, dependemos e somos constituídos de relações. Sem elas, entramos no reino das orfandades, cujo lar é o espaço em que os elos se desfazem: o mundo da rua.

O traço distintivo da pandemia é a sua universalidade. A inusitada “democracia” da Covid (tal como ocorreu de modo ainda mais patente noutras epidemias) conturba pelo inesperado igualitarismo biológico. O vírus “pega”. Passa de uma pessoa a outra independentemente da posição dessa pessoa, o que, numa sociedade em que as relações pessoais têm enorme importância, é um escândalo e um contrassenso. 

Como não abraçar pai e mãe? Como estar com os amigos sem deles “chegar perto”, acariciá-los ou dar um “cheirinho de amor numa morena flor”, como cantam Toquinho e Vinícius? 

Se ignorarmos o protagonismo da “ética da casa”, jamais entenderemos o comportamento de nossos filhos e netos quando se aglomeram, infelizmente negligenciando as normas da saúde pública. 

O que faz um pai quando um filho tem embaraços com a Justiça? Ora, ele o defende, mesmo tendo que demitir o ministro da Justiça e reordenar todo um sistema. A ética das relações familiares, sendo costumeira e implícita, resiste à legislação positiva apropriada para a “rua” — para o mundo “público”. Já a “casa” — e as relações nela fabricadas, como sugeri no livro “A casa e a rua” (publicado em 1985) — deve ser vivida “aquém” das instituições públicas, conforme revelam nossas abusivas e recorrentes roubalheiras. 

Sobre isso, basta lembrar que, até anteontem, dizíamos que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Hoje há sinais de mudança, de modo que casa e rua estão mais próximas em matéria de direitos. A casa não mais exime seus “donos” de seguir regras universais.


Penso que a irritante resistência à regra do isolamento (e do uso de máscara) denuncia uma duplicidade. Existem leis universais, mas elas têm um alcance relativo a cargos, pessoas e espaços. Nosso ponto de partida histórico não foi o puritanismo messiânico, igualitário e individualista que tanto assombrou Tocqueville na América. Aqui, crescemos no patriarcalismo hierárquico católico, no escravismo negro e numa aristocracia situada à margem. Todo o sistema estava fundado exatamente na desigualdade. 

O que isso tem a ver com o isolamento? É simples. No Brasil, sabemos que os mandões e as autoridades relativizam as leis com seus foros privilegiados. O resultado é trivial: obedecer é um sinal de inferioridade social. O ideal é, lamentavelmente, desobedecer marginalmente, na base da malandragem. É o que vemos nas praias e festas.

Enquanto a lei impessoal não se tornar concreta — e o concreto no igualitarismo democrático é sua aplicabilidade para todos —, não há como seguir normas gerais, sejam elas jurídicas ou sanitárias.

Comportamentos diante da saúde, da sexualidade, da morte, da comida e dos elos de compadrio e parentesco estão livres das recomendações formais. É o que vemos na praia e nos infalíveis abraços, quando o gesto de afeto compete com as regras impessoais de higiene com trágicos resultados. 

Por tudo isso, é preciso, reitero, desburocratizar e acabar com a sabotagem política da vacina. Uma vacinação em massa seguindo critérios do bom senso é a maior prova de que podemos unir o formal e o costumeiro, o país com a sociedade, revelando a nós mesmos que eles podem andar juntos.

Pensamento do Dia

 


Bolsonaro disfarça incompetência na tese de país quebrado

A declaração do presidente de férias no Guarujá é tão irresponsável quanto todas as outras, porque com isso ele justifica a sua própria incapacidade administrativa, e seu pouco interesse em trabalhar e tomar decisões que possam melhorar a situação do país.

Bolsonaro disse que não pode fazer nada pois o país está quebrado. A função dele como presidente é administrar o país. Por que ficará mais dois anos no poder se acha que não há como agir? 



Um país com dificuldades fiscais e financeiras deve ajustar as contas, fazer escolhas. Por exemplo, em vez de colocar quase R$ 8 bilhões para capitalizar uma estatal do setor militar, ele poderia investir em algo que tivesse retorno para o país e os brasileiros. Por exemplo, trabalhar pela solução de vendas de empresas estatais que ele havia prometido na campanha, em vez de criar mais uma, a NAV, ligada ao Ministério da Aeronáutica.

O que Bolsonaro quer dizer com “país quebrado”? Se este déficit já estava antes de ele se candidatar, por que mesmo assim quis o cargo? O país está endividado, mas a dívida é junto aos brasileiros. O que quer dizer que os investidores brasileiros acreditam na capacidade de pagamento do governo e querem manter suas poupanças e riquezas em papéis da dívida pública.

Ao Deus dará


Não tem plano para sair da crise, não tem combate à pandemia, não tem vacina, nem emprego, nem auxílio emergencial. E agora, finalmente o presidente assumiu, não há governo, não há presidente! 
Randolfe Rodrigues (Rede)

Estamos próximos do ponto de não retorno para o clima global

À medida que os programas de vacinação contra a covid-19 vão sendo implementados, 2021 começa tendo à vista a esperança de um fim da pandemia. Precisávamos de liderança corajosa, decisões duras e financiamento direcionado para chegar até este ponto. Agora temos que aplicar o mesmo vigor para combater a mudança climática, ou arriscar ter pela frente muitos anos tão ruins quanto o passado.


O ano de 2020 – provavelmente o mais quente já registrado – trouxe tempestades, incêndios florestais, secas, inundações e o derretimento de geleiras. A desaceleração econômica ditada pela pandemia gerou uma queda temporária das emissões de dióxido de carbono, embora com efeito insignificante sobre as temperaturas, no longo prazo: nossas emissões passadas ainda estão na atmosfera, e nós estamos acrescendo-as.

Mesmo que os países aplicassem os comprometimentos incondicionais mais recentes – conhecidos como Contribuições Determinadas em Nível Nacional (NDCs, na sigla em inglês) – assumidos no Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, ainda estaríamos a caminho de um aumento de 3,2 ºC da temperatura global, neste século. Tal aquecimento traria dor, miséria e distúrbios muito piores do que tudo com que a covid-19 nos tem confrontado.

Estamos perto do ponto de não retorno.

Os líderes mundiais podem recuar da beira do abismo, investindo em soluções verdes, sustentáveis no contexto dos esforços para recuperação da pandemia. O Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2020 do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) nos disse que desse modo poderíamos reduzir 25% das emissões calculadas para 2030, colocando o mundo mais ou menos onde precisa para ter uma chance de alcançar a meta do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento global a 2 ºC. Comprometimentos de emissão zero poderiam até mesmo nos aproximar da meta de 1,5 ºC.
Preparando-se para a maratona

Medidas de recuperação verdes e sustentáveis podem garantir esse corte, e ao mesmo tempo sustentar outras metas ambientais sociais e econômicas. Precisamos de apoio direto a tecnologias e infraestrutura de emissão zero: fim dos subsídios para o carvão mineral e combustíveis fósseis; politicas permitindo consumo com menor produção de CO2; soluções com base na natureza – incluindo restauração de paisagens e reflorestamento em grande escala, dentro da Década da ONU para Restauração dos Ecossistemas, que começa em 2021.

Até agora, foram poucas as nações que investiram em pacotes de estímulo verde. Isso tem que mudar.

Em 2021 também transcorre a 26ª Conferência da ONU sobre a Mudança Climática (COP26), um encontro-chave dos países signatários do Acordo de Paris. Segundo o Relatório sobre a Lacuna de Emissões, 126 países adotaram, anunciaram ou estão considerando planos de emissão zero. Se o novo governo dos Estados Unidos se unir ao movimento, como prometido, os países responsáveis por mais de 63% das emissões globais de CO2 terão se comprometido com a neutralidade carbônica.

Contudo – assim como quem, no primeiro dia de janeiro, promete que vai correr uma maratona no fim do ano – precisamos tomar certas medidas, a começar já, a fim de estarmos prontos para a corrida. Esses compromissos precisam urgentemente se traduzir em políticas e ações de curto prazo, integradas a uma recuperação da pandemia de baixa emissão carbônica e incluídas em NDCs novas e mais fortes, antes do encontro de novembro. Senão, tudo não passará de promessas vazias.

Outra prioridade é ajudar os países e comunidades vulneráveis a enfrentarem os impactos crescentes das mudanças climáticas. O Relatório sobre Lacunas de Adaptação, a ser publicado pelo Pnuma nas próximas semanas, mostrará que ainda não estamos levando a sério a adaptação.

O financiamento permanece muito abaixo dos níveis necessários, e a maioria das iniciativas ainda se destina a minorar os riscos climáticos. Como comentou o secretário-geral da ONU, António Guterres, antes da COP26 precisamos de um comprometimento global para dedicar à adaptação a metade do financiamento climático total.

Este ano temos uma chance real de evitar a catástrofe climática. Empregando sabiamente os recursos de estímulo para dar partida a uma mudança sistêmica real, planejada e monitorada por NDCs mais fortes e compromissos de emissão zero, não só poderíamos alcançar a meta de 2 ºC do Acordo de Paris, como teríamos uma chance palpável de chegar ao 1,5 ºC.

Devemos aproveitar esta oportunidade para proteger nosso clima e natureza, e consequentemente a saúde, paz e prosperidade humanas, pelas próximas décadas. Esta pode ser uma das últimas oportunidades que teremos.
Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)

Labirinto

Primeira semana da nova década. Continuamos perdidos. Como estivemos todo o ano de 2020. Sem leme, sem governo, sem presidente, sem plano de enfrentamento da pandemia.

Mais de 40 países já estão vacinando sua gente, enquanto Bolsonaro passou Natal e Ano Novo desrespeitando, como sempre, a grande maioria da população que teme o coronavirus.

Não compramos vacinas, não compramos seringas. Sabe Deus quando teremos o alivio dos vizinhos argentinos, que já começaram a receber as primeiras doses de antivirus.

Por lá, os hermanos ainda tiveram o conforto das palavras do presidente Alberto Fernandez. Em discurso contundente, na noite de 31/12, estendeu a quarentena, disse que continuará preservando a vida das pessoas e pediu mais participação dos empresários.



Que inveja dos vizinhos. Por aqui, nada novo. O Capitão aglomerou. Sem máscara. Deu barrigada no mar da Praia Grande para encontrar os fãs na praia, previamente avisados. Nada tão mal quanto administra o país.

Nesse labirinto de inação e desgoverno, inauguramos 2021. Loucos para deixar a peste para trás, nos vimos não só engolfados por cenas dantescas de Bolsonaro. Assistimos a um reveillon de babacas.

Em Trancoso, houve congestionamento de jatinhos de bacanas e grandes festas. Teve grandes festejos em outras praias, outras cidades, mansões, clubes. País afora.

E o Neymar? Com aquela roupa ridícula de papel alumínio, fez farra com centenas de pessoas em mansão alugada, em Mangaratiba, por sete dias. Vários músicos fizeram o regozijo de seus convidados. Antes de voltar a Paris fez foto com Flavio Bolsonaro, filho zero 01, envolvido com a justiça.

Nem o futebol de Neymar pode polir a imagem do moleque que faz pouco da pandemia e dos brasileiros. Bolsonarista, negacionista, deslumbrado, irresponsável, babaca. Nesse labirinto em que está metido o Brasil, Neymar não merece nem o espelho.
Mirian Guaraciaba

Se o presidente deixar, esse ano eu não morro

Na maioria dos lares onde vive quem têm os dois neurônios necessários para entender o que é uma pandemia, as comemorações de fim de ano foram reduzidas ao mínimo. O Natal não teve prima militante enfiando o dedo na cara de avô reaça, sobrinho anarquista apontando hipocrisias familiares e nem mesmo tio isentão fazendo discurso de autoajuda às duas da manhã. Um horror. O réveillon foi na mesma linha: mal deu meia-noite e já tinha acabado a festa, sem amigos e parentes para abraçar, gente para pegar e estranhos com quem tretar. Outro terror. Esse ano será diferente? Qual o plano deste brilhante, prodigioso e admirável presidente?

Orgulhoso da sua comovente incapacidade para governar qualquer coisa, inclusive a si próprio, o esfuziante gênio tomou no começo da pandemia uma decisão histórica: apostar no negacionismo mais torpe e obtuso. Morreriam milhares de brasileiros – fazer o quê, né? – mas ele salvaria a economia, que, na sua privilegiada visão, pode ser resumida a uma frase: “o de cima sobe, o de baixo desce”.

Para manter a, por assim dizer, tática, o presidente montou um show de diversionismo, apresentando como atração principal a própria ignorância, digna de picadeiro ou de manual de psiquiatria. A função do show era tanto atiçar sua matilha de descerebrados online como zurrar crendices e fakenews, guiando o gado cativo rumo ao precipício da estupidez. Deu no que deu: um contágio descontrolado.


A primeira temporada da pandemia no Brasil terminou com quase duzentos mil mortos.

O iluminado decidiu repetir a dose em 2021. Com as vacinas já disponíveis, todos os governantes do mundo, ao menos os não oligofrênicos, fizeram um cálculo óbvio: quanto mais cedo começar a vacinação, mais vidas se salvam e mais cedo se volta ao normal. O que concluiu sobre essa lógica cartesiana o nosso oráculo do Planalto central? Vacinação é para os fracos, vamos continuar boicotando todas as soluções, sejam testes, máscaras, distanciamento ou as próprias vacinas. A matilha online, que batia palmas furiosamente para os psicopatas e os robôs dançarem nas redes, começou a ficar desmoralizada: até os...hummm...menos inteligentes começaram a perceber que, se o governo é incompetente e imprestável, não faz a menor diferença se é de direita, esquerda ou centro. Acabam todos no mesmo brejo. Brigar para quê? No brejo dos inaptos qualquer ideologia é bem-vinda.

A vacinação, quando houver, será comandada por outro prodígio de farda, o ministro da saúde, a autointitulada divindade da logística. Esse mesmo que acabou de descobrir que vacinas não são aplicadas com colher e aviãozinho, e sim com agulha e seringa. Também foi só agora que o luminar de uniforme camuflado percebeu que precisava ter encomendado as tais seringas e agulhas meses atrás, mais ou menos na mesma época que deveria ter negociado a compra das vacinas. É esse ás da sabedoria e do planejamento que tem a saúde do país nas mãos.

A meta dessas sumidades é nos juntar de novo com o avô reaça, a prima militante, o sobrinho anarquista e o tio isentão. Não numa festa de Natal ou Ano-Novo, mas sim numa UTI. Não vão conseguir. Como cantou Belchior — e agora Emicida — "ano passado a gente morreu, mas este ano a gente não morre".