sábado, 19 de novembro de 2016

Cabral já foi, falta a Corte

Garotinho — preso na véspera — zombando da prisão de Cabral é um momento insuperável da política brasileira. Mais impressionante que isso, só o Brasil zombando dos fatos. A narrativa espalhada pelo pessoal que vive de espalhar narrativas é que a prisão de Cabral detona o PMDB e, consequentemente, o governo golpista que derrubou a mulher honesta. Como escreveria Nelson Motta: rsrs.

Ainda penando para sair do buraco, o país está louco para ser roubado de novo. Vamos contrariá-lo. Falta um dado essencial na investigação que levou à captura de Sérgio Cabral: a conexão Delta-Dilma. A empreiteira de estimação do ex-governador preso tornou-se subitamente a campeã das obras do PAC — do qual, como se sabe, Dilma é a mãe. E foi sob essa generosa proteção maternal que a Delta se associou a Carlinhos Cachoeira para plantar o laranjal em torno do Dnit — no escândalo dos superfaturamentos de estradas que o Brasil, claro, já esqueceu.

Charge do dia 19/11/2016

O PMDB de Cabral, portanto, é antes de tudo sócio histórico do PT de Dilma e Lula. Interessante observar que Fernando Cavendish, o ex-poderoso mandachuva da Delta, dedurou à polícia uma boiada inteira para ferrar seu ex-amigo, e aparentemente não tocou nos anjos da guarda de Brasília. Você está impressionado com os R$ 222 milhões desviados em quatro obras do Rio? Bem, isso é brincadeira de criança perto das fraudes detectadas nas obras viárias do PAC — que não levaram ninguém em cana porque o Brasil estava aclamando mamãe como a faxineira da nação.

A negociata do Maracanã aconteceu sob o mesmo guarda-chuva da Copa das Copas — a fantástica conexão entre os picaretas da Fifa e os do PT que rendeu os estádios mais caros da história da competição. O Maracanã de Cabral é primo do Itaquerão de Lula, já devidamente incluído na Lava-Jato, capítulo Odebrecht. A podridão do PMDB do Rio na última década, exposta agora pela Justiça e pela Polícia Federal, não pode ser alienada do reinado Lula-Dilma. Isso é roubo.

O que está acontecendo hoje em Brasília é um pouco diferente. Ao menos nos postos-chave do governo, Michel Temer fez a dedetização: ouviu a banda boa do Brasil (é incrível, mas ela ainda existe) e colocou no Banco Central, na Fazenda, no Tesouro, no BNDES e na Petrobras comandantes respeitados (todos eles) no mundo inteiro. Não é que Temer seja bonzinho, nem que o PMDB dele seja flor que se cheire: é apenas um presidente fazendo a coisa certa, talvez por instinto de sobrevivência, como fez Itamar Franco no Plano Real. Quem lembra que a estabilidade monetária foi conquistada num governo do PMDB? Ninguém, porque o plano foi feito apesar do PMDB.

Apesar de Renan Calheiros e grande elenco obscuro, o governo Temer abriu espaço para gente séria tomar conta do dinheiro. E todos os indicadores macroeconômicos estão começando a melhorar por causa disso — incluindo milagres como a recuperação da Petrobras, depenada pelos companheiros nacionalistas e guardiões do que é nosso (deles). Isso é uma tragédia para os profissionais da narrativa miserável. No que a vida do povo melhora, o palanque da salvação bolivariana fica às moscas.

Mas o conto de fadas da revolução progressista não pode morrer, porque administração séria é um tédio. Alguém acha que a MPB vai compor um hino para o equilíbrio das contas públicas? Que poeta emprestaria seu charme marginal para o saneamento do Tesouro? Era preciso pensar numa reação rápida contra o atentado de monotonia, perpetrado pelos homens brancos, velhos, recatados e do lar — e daí surgiu a ideia genial: demonizar a arrumação da casa. Assim nasceu o famoso slogan “A PEC do fim do mundo”.

Enfim, um sopro de poesia na aridez cruel dos números — quando todo mundo sabe que esse negócio de fazer conta é coisa de reacionário, especialmente se a conta fecha. A iniciativa do governo de propor um teto para os gastos públicos é uma ação neoliberal, praticamente nazista, porque certamente impediria o surgimento de novos heróis humanitários como Delúbio, Vaccari, Valério e Dirceu. Qualquer coxinha de esquerda metido em ocupação de escola sabe que, sem cheque especial ilimitado, a revolução engasga.

É comovente ver instituições de ensino invadidas e ocupadas por todo o território nacional contra a PEC do fim do mundo. Existe algo mais poético do que um país inteiro transformado num jardim de infância? Os invasores revolucionários acreditam — ou fazem de conta, o que no universo infantil dá no mesmo — que a PEC é para desviar dinheiro da Educação para o Conde Drácula do PMDB. Fora Temer!

Esses caçadores de Pokémon do pós-impeachment montaram uma cena épica na PUC. A universidade carioca foi “ocupada” contra a vitória de Donald Trump. Como se vê, o videogame ideológico da garotada tem um alcance formidável. Curiosamente, o jogo parece não ter caçada a Lula e Dilma, os bichinhos mais vorazes da fauna local.

Tudo bem. Deixem estes para os profissionais. Se o Brasil descobriu Cabral, haverá de chegar à Corte.

Guilherme Fiuza

O fedor continua o mesmo

Nem sequer empossado, Donald Trump, sabe-se lá até quando, continua a ser o terror para os ... comentaristas brasileiros! Talvez por não ter do que falar, independente dos analistas internacionais, ninguém deixa de dar seu pitaco na política norte-americana.

Enquanto se apavoram com o bilionário presidente eleito, o fogo vai se alastrando na taba tupiniquim. Os assombrados pelo fantasma Trump ainda discutem aqui um ressurgimento da direita contra o enfraquecimento das esquerdas de todos os matizes.

Parece que não há voz na mídia para alertar que há uma guerra interna brasileira, cada vez mais nítida, entre os Poderes e o país. Os políticos não admitem punição judicial por seus crimes deslavados e confabulam em bloco para impor um golpe contra as instituições em nome da permanência na gestão quadrilheira que garanta privilégios e salários (deles). 


Se Lula, sem governo, comanda suas tropas para pedir socorro internacional, de quebra blindando os petistas ainda soltos, os cangaceiros de Renan e a tropa de choque palaciana de Temer articulam uma cama de gato na Justiça. Não há santos, mas milhares de endiabrados bandidos prontos a pisotearem qualquer legislação em nome de uma governabilidade facínora.

Não há aqui o estabelecimento de uma política de direita, como muitos alegam, depois do impeachment. O que existe nos gabinetes de todas as cores é a articulação, às claras, sob os holofotes da imprensa, de um ippon na população. É o silenciamento para que tudo fique como dantes na quartelada política. Os cães não querem largar o osso com que vêm sustentando as regalias familiares e amigas.
Luiz Gadelha

A eleição americana vista de Babel

De repente, não mais que de repente, o mundo ficou na iminência de acabar! Depois que passou a votar republicano, o eleitorado cativo dos democratas dos últimos 60 anos transformou-se subitamente numa ameaça para o futuro da humanidade…

Nunca será demais repisar: o pior erro da imprensa americana não foi não prever a vitória de Donald Trump, foi contribuir decisivamente para ela com os milhões de votos de repúdio que mobilizou com o fervor religioso com que, dependendo sempre das conveniências do momento, pisa nas pessoas e nos fatos para absolve-las ou condena-las à danação eterna segundo os dogmas do multiculturalismo e das ideologias de gênero e raça desde que se assumiu como a polícia dessa ditadura da “correção política” que se pretende universal.

A candidatura Trump, é fato medido, nasceu e se alimentou da exasperação que isso causa. E no entanto, com o eco das suas denuncias de ontem ressoando ainda, lá está ela atirando gasolina sobre as brasas, negando o veredito das urnas, assumindo o “discurso do medo” e abusando da adjetivação preconceituosa, racista e intolerante contra quem votou contra as suas “verdades” que apontava como os pecados mais ameaçadores do “trumpismo”.

Não é um fenômeno novo nem isolado. A reação figadal da fatia crescente do eleitorado americano que habita o lado escuro da globalização e não identifica no mundo em que vive o que a mídia “estabelecida” quer lhe impor como “a realidade” não será de todo estranha às massas aqui do nosso favelão continental de 60 mil assassinatos por ano a quem os “novaiorquinos” da mídia “bempensante” brazuca pretendem fazer crer que nada é a loucura dessa nossa combinação sinistra de supersalários na côrte (que eles acobertam ha anos com um escandaloso silêncio) com miséria e impunidade nas ruas, tudo vai da “minoria” à qual pertence o assassinado da hora (ou do minuto).

Está em toda a parte essa deliberação de não ver e de proibir que se veja engendrando uma exasperação às vezes ainda mais cega do que ela; extremismo engendrando extremismo na marcha batida da insensatez.


Tudo isso é decorrência de uma longa e intrincada cadeia de mentiras ancoradas todas no ponto mais fraco da condição humana que é a incapacidade de admitir os próprios erros. Essa suposta “luta de gêneros” com que tudo quer explicar a esquerda século 21 é a reencenação como farsa da “luta de classes” com que tudo queria explicar a esquerda século 20. Foi a saída que restou da sinuca conceitual em que a colocou o fato da classe operária sindicalizada, produto exclusivo do capitalismo democrático e eleitora cativa dos “liberal” americanos que agora votou em massa em Donald Trump, ter sido empurrada para o mais escuro beco sem saída da globalização justamente pelo único produto real do socialismo que até ontem eles receitavam como remédio que é esse novo proletariado global sem direitos nem sindicatos que trabalha por qualquer troco. “Branca” e portanto dispensada das atenções que só “as minorias” merecem, lá ficou ela esquecida pelos donos do poder ha 8 anos absortos em trocar amabilidades uns com os outros até o bilionário espertalhão se dar conta de que ela existia e poderia render fartos dividendos.

O segundo maior achado de Donald Trump, que nunca se destacou por entregar exatamente aquilo que vende – depois de Hillary Clinton, é claro – foi afirmar que o que deixou de funcionar não foi o “sonho americano” mas sim a relação dos Estados Unidos com o mundo e que a solução para isso não está em disseminar a cultura do direito mas sim em fechar os Estados Unidos ao mundo. Mentira, ele sabe melhor que ninguém, pois se simplesmente fechar-se ao mundo resolvesse alguma coisa Obama mesmo já o teria feito pois decisões como essa não são função de ideologia, o que as determina ou não “It’s the economy, stupid!”.

Eles precisam do mundo tanto quanto o mundo precisa deles e a crise do capitalismo democrático, vulgo “sonho americano”, isto é, do sistema que pela primeira e única vez na história da humanidade instituiu a única igualdade possível que é aquela perante a lei, criminalizou o privilégio, estabeleceu o trabalho e a inovação como as unicas formas de legitimar a desigualdade e apartou o Estado do Capital armando a mão do primeiro para coibir a constituição de monopólios, os piores inimigos da liberdade individual e da dignidade do trabalho, pelo segundo, é muito mais profunda do que isso.

Ela decorre justamente da impossibilidade de impor a ordem democrática à natural selvageria da luta econômica fora das fronteiras nacionais e, depois da globalização do mercado de trabalho aviltado pelo capitalismo de Estado que evoluiu do socialismo, mesmo dentro dos Estados Unidos da América pois, ao contrário do que se quer fazer crer, o presidente da Republica é a peça mais fraca da democracia americana. Está nela como uma excreção tolerada e o poder discricionário dele é 100% nulo dos Estados Unidos para dentro e quase nulo dos Estados Unidos para fora como comprova o fato de ser o que eles presidem, e não o sistema de exploração de todo o sempre contra o qual a revolução americana se insurgiu, que está ameaçado de desaparecer.

No dia mesmo da eleição, Harry Belafonte, o velho cantor negro cujo tempo de vida coincidiu com o apogeu do verdadeiro sonho americano, escreveu no New York Times que “os Estados Unidos são, antes de mais nada, um sonho, uma esperança, uma aspiração (de vitória do esforço e do merecimento sobre o privilégio) que pode não vir nunca a se realizar completamente, mas que nos anima a sermos sempre melhores e maiores” e que, por isso, o importante é não por o sonho a perder.

Nem Donald Trump, nem Hillary Clinton nem, muito menos, essa polícia da ditadura da “correção política” para a qual não basta enquadrar as palavras e os atos, há de se sujeitar também todos os pensamentos a uma ordem unida, têm qualquer coisa a ver com ele.

Paisagem brasileira

Rio Sabará, Jésus Ramos

A República no camburão

A política, como quase tudo na vida, nutre-se de símbolos. A prisão, no espaço de menos de 24 horas, de dois ex-governadores do Rio de Janeiro – Garotinho e Sérgio Cabral -, sob a mesma acusação, simboliza o onipresente drama nacional da corrupção.

Nada o expressa melhor que o passeio de ambos, de camburão, rumo às instalações do presídio de Bangu 8, que um, Cabral, inaugurou, e o outro o teme por ter, segundo disse, mandado para lá muitos inquilinos. Um reencontro problemático, sem dúvida.

Mas o símbolo aí não é negativo: o reencontro do Comando Vermelho com o Palácio Guanabara indica que algo está mudando.

Outro simbolismo, não desprezível, é o fato de as prisões terem ocorrido na sequência imediata da Proclamação da República, que inaugurou, há 127 anos, na mesma cidade do Rio de Janeiro, uma etapa nada republicana da história do país.

Fruto de uma quartelada, a República no Brasil entrou pela porta dos fundos e, nas palavras de um republicano de então, Aristides Lobo, “o povo a tudo assistiu bestializado”. Não foi chamado a participar e levou semanas para entender o que se passava.

É possível que até hoje não tenha entendido.


Voltemos ao presente – e a outro cenário simbólico. As prisões se dão no exato momento em que o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, constata que está sem dinheiro até para pagar a seus servidores. Pior: quer que eles, os servidores, resolvam o problema que ele, governo, criou. Que paguem a conta.

Propõe redução de salários em 30% e pagamento dos que estão em atraso – em média, quatro meses –, já com os devidos descontos, em sete singelas prestações. Nada menos.

Estranhamente, o povo reagiu, embora mais uma vez bestializado. Mas sua ira não altera o essencial: não há dinheiro, e os governos não sabem fazê-lo; apenas gastam o que arrecadam – e alguns governadores, muitos, põem uma parte no próprio bolso.

O que ocorre no Rio não é fato isolado. Há mais estados falidos, vivendo o mesmo drama, ao tempo em que a Lava Jato prossegue sua faxina judicial, enquadrando gatunos. Só que agora, sem abandonar a esfera federal, investe na regional. Começa a caça aos governadores e, na sequência, aos prefeitos.

A semana política, que costuma inexistir quando pontuada por algum feriado, ignorou o 15 de novembro. Foi das mais densas, não apenas pelas prisões mencionadas, mas sobretudo pelas manobras parlamentares para esvaziar as dez propostas de combate à corrupção encaminhadas pelos procuradores da Força Tarefa da Lava Jato, que tramita na Câmara.

As dez viraram 18, depois 12 e o objetivo é que virem nenhuma – e que a Lava Jato acabe. Anistia para os crimes do passado – e não somente caixa dois – e um voto de confiança para o futuro, eis a síntese do que pretendem.

Trabalha-se por um desfecho como o da Operação Mãos Limpas, da Itália, que, entre 1992 e 1996, passou um trator na política daquele país, mas acabou esvaziada pela aprovação de leis que abortaram as investigações e culminaram na ascensão de um político, Sílvio Berlusconi, que simbolizava o oposto do que se buscava. Mas, naquela época, não havia ainda internet e redes sociais, o que faz toda a diferença em relação ao Brasil de agora.

É nas redes sociais que as manobras estão sendo denunciadas, com uma repercussão que assusta os parlamentares. A ausência dos partidos nas sessões da comissão especial das dez medidas evidencia o temor com o aprofundamento das investigações.

Sabe-se que poucos escaparão das garras da Lava Jato e que há um camburão a aguardá-los para um trajeto semelhante ao de Garotinho e Cabral. É a República no camburão.

No Senado, deu-se outro esvaziamento. Por falta de quórum, a comissão que examinaria a PEC do fim do foro privilegiado, de autoria do senador Álvaro Dias, não se reuniu. Se aprovada, a PEC devolverá políticos e autoridades dos três Poderes à vala comum dos cidadãos que os sustentam com impostos.

Numa hipótese, um ministro do STF poderia ser julgado por um juiz de primeiro grau, como Sérgio Moro. Há quem veja aí um exagero. O senador Ricardo Ferraço, por exemplo, acha que o foro deve ser mantido pelo menos para os presidentes dos três Poderes.

O certo é que a farra do foro deve acabar, o que facilitará sem dúvida o desenvolvimento de investigações como a Lava Jato. O desafio dos parlamentares que têm contas a acertar com a Justiça é ficar no âmbito do STF, que até aqui não condenou ninguém da Lava Jato, enquanto Sérgio Moro já condenou cerca de 120 infratores.

É a estatística a serviço da sobrevivência.

A receita simples da cidade que melhor educa no país

Segundo menor município do Brasil, Águas de São Pedro tem melhor IDH de educação. Para alunos do ensino infantil e fundamental, a única opção é a rede pública municipal, onde estudam crianças de todas as faixas de renda
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A cada nome anunciado no pátio da escola, novas palmas, gritos e assobios. O que à primeira vista poderia parecer a comemoração pelo resultado de uma competição esportiva era na verdade a premiação da 19ª Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Quinze medalhas foram entregues a alunos da Escola Municipal Maria Luiza Fornasier Franzin, em Águas de São Pedro, no estado de São Paulo, a cidade com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de educação do Brasil.

"Em três anos, conseguimos mais de 30 medalhas", conta a professora de Geografia Tatiana Heidorn. Com uma colega, ela preparou todos os alunos da escola, do quinto ao nono ano, para a olimpíada, com aulas interativas e multidisciplinares. "Acredito que esse tipo de projeto nos diferencie de outras escolas."

Águas de São Pedro pontua 0,825 no quesito educação do IDH. Medido pela ONU, o índice vai de 0 a 1 e leva em conta escolaridade da população adulta e o fluxo escolar da população jovem, ou seja a taxa de evasão. Em termos gerais, levando em conta também renda e longevidade, a cidade fica atrás apenas de São Caetano do Sul, também em São Paulo.

A cidade é pequena, tem apenas 3,2 mil habitantes, e, com seus 3,6 quilômetros quadrados, é o segundo menor município do Brasil em área. Todo mundo se conhece. Quando um aluno falta, alguém da escola vai à casa dele para saber por que – e isso faz com que a taxa de evasão seja praticamente zero.

Famosa por suas águas medicinais, Águas de São Pedro vive do turismo. A tranquilidade e a qualidade da educação vêm atraindo novos moradores. Somente do ano passado para este, 81 novos alunos se matricularam na rede municipal. Ela engloba uma creche e duas unidades de ensino fundamental, que são as únicas opções na cidade. No total, são 605 alunos.

No prédio que abriga 203 alunos do quinto ao nono ano do ensino fundamental, inaugurado em 2000 e ainda em perfeito estado, também funciona a Secretaria Municipal de Educação. Nos últimos anos, o município destinou cerca de 27% do orçamento à área – mais do que o mínimo de 25% previstos na Constituição. A escola de Ensino Médio da cidade é administrada pelo governo estadual.

Márcia Marques Cruz, mãe de uma aluna do sexto ano, se mudou de São Paulo para Águas de São Pedro em busca de qualidade de vida. Ela chegou à cidade em 2009, antes de o IDH municipal, referente a 2010, ser divulgado.

Depois de bancar uma escola particular na capital, Cruz decidiu colocar a filha mais nova na escola pública. E não se arrepende. "Nem todas as escolas particulares têm tudo o que tem aqui: robótica, culinária, judô, natação, tênis, psicólogo, fonoaudiólogo. Se uma escola em São Paulo proporciona isso, é extracurricular, e é preciso pagar", diz a administradora de empresas.

Como a rede pública é a única opção em Águas de São Pedro, crianças de todas as faixas de renda estudam juntas. "Aqui tem do filho do jardineiro ao filho do empresário. Isso não se vê em outras escolas", diz Cruz.

"Normalmente filho de empresário vai para escola particular, aqui em Águas é tudo misturado. As crianças crescem todas juntas, não têm preconceito", completa Lucélia Francisco, mãe de aluno e funcionária da cozinha da escola.

João Pontes, coordenador pedagógico da unidade, diz que há ali alunos de todas as classes sociais, da A à E. "Trabalhar com composição heterogênea é a grande riqueza e o grande desafio ao mesmo tempo", afirma ele, nascido em Águas de São Pedro e ex-aluno da escola.

Além do IDH, a cidade também se destacou nos últimos anos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que leva em consideração a taxa de aprovação escolar e o desempenho na Prova Brasil. A nota da quarta série ou quinto ano subiu de 4,8 em 2005 para 7,0 em 2005. No último ano do ensino fundamental, passou de 4,3 em 2005 para 5,6 em 2015. A nota 6 corresponde ao sistema educacional de países desenvolvidos.

O envolvimento dos pais é fundamental, e conseguir isso é mais difícil entre as famílias de baixa renda, diz Pontes. Regularmente há atividades para as famílias aos sábados, e hoje já há um grupo de cerca de 50 pais que participam ativamente da vida escolar.

Cruz faz parte dele. Como voluntária, ela deu aula de culinária durante dois anos – atividade hoje sob responsabilidade de estudantes de gastronomia do Senac. Ela é uma espécie de fiscal da escola, controlando periodicamente a qualidade da merenda e dos materiais.

"Quanto mais pais participam, melhor. Acho que a dificuldade de escolas públicas serem de primeira linha é a falta de interesse dos pais", diz.

Pontes concorda: "A escola pública em condições normais está muito enfraquecida, é preciso trazer olhares de fora: pais, parcerias com empresas, universidades, terceiro setor – assim se consegue oferecer na escola pública coisas que não se conseguiria só com a verba disponível."

Além do Senac, a Fundação Telefônica é uma importante parceira, tendo doado 400 tablets e notebooks como parte do projeto Escolas Inovadoras. A tecnologia também está presente nas aulas de robótica, que fazem parte da grade curricular para os alunos do sétimo ano e são elegíveis para os do oitavo e nono ano.

Divididos em grupos de quatro, os alunos têm a tarefa de montar um protótipo diferente a cada aula, com peças de Lego especiais. Desta vez, o desafio era fazer uma catapulta funcionar. Concentrados, eles programam o robô no computador, e comemoram quando uma bolinha é arremessada com sucesso.

A professora de robótica é Heidorn, a mesma que prepara os alunos para a Olimpíada de Astronomia nas aulas de Geografia. Quando questionada sobre o que nessa escola tão particular – numa cidade tão pequena – pode servir de exemplo para outras, ela responde:

"Você começa a ver mudanças a partir do momento em que a equipe escolar é unida, em que se consegue trazer os pais para a escola, e todo mundo junto pensa na melhor forma de ensinar."
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O êxito corrompe

Os êxitos têm apenas por companhia inseparável a confusão e um punhado de ideias baratas sobre o mundo. Notamos de imediato aqueles que têm êxito e gozam a consideração alheia, ficam gordos de uma auto-complacência contente, e a força da vaidade infla-os como balões e quase deixamos de os reconhecer.
 
Deus proteja um bom homem da consideração de terceiros. Se não se tornar mau, ficará pelo menos confuso e perderá a força
Robert Walser

O Berlusconi aterrissou em Brasília

A recente tradução para o português do célebre livro de Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio intitulado Mani Pulite – La Vera Storia, 2012 – tradução essa editada pela CDG Edições e Publicações, 887 páginas, sob o título Operação Mãos Limpas – suscitou uma grande excitação em Brasília, na aguerrida bancada Pro Corrupcione, que atua hegemonicamente no Congresso Nacional.

Aqueles autores italianos dedicam nada menos que 330 páginas a demonstrar, cronologicamente e em detalhes, as despudoradas manobras de toda espécie – incluindo mídia, leis, chantagens, desmoralização das instituições – empreendidas por Silvio Berlusconi, o vergonhoso primeiro-ministro da Itália em dois períodos entre 1997 e 2011, que levaram à total destruição dos benefícios da Operação Mãos Limpas, do início dos anos 2000. A Itália em 2012 ocupava a 69.ª posição entre os países mais corruptos do mundo, atrás de Gana.

Nada melhor, portanto, do que aprender com o execrável Berlusconi os métodos e os meios de destruir a Lava Jato.

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Como toda a população brasileira sabe, o Congresso Nacional está dividido em dois blocos. O primeiro, o grupo dos deputados que formam a combativa Frente Parlamentar Anticorrupção, presidida pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame e da qual participam os deputados Onyx Lorenzoni, Joaquim Passarinho e dezenas de outros abnegados. No lado oposto, o sinistro bloco Pro Corrupcione, liderado pelo presidente do Senado, pelo líder do governo no Congresso (“é preciso estancar a sangria”) e pelo líder do governo na Câmara dos Deputados, tendo como braço seguro, no Poder Executivo, o ministro da Transparência.

A primeira lição haurida do arquicorrupto Berlusconi é a da necessidade de desmoralização do Poder Judiciário.

Entre nós, tomou essa empreitada o condestável da República, Renan Calheiros. Reuniu ele, para anunciar a missão destruidora da reputação institucional do Judiciário, nada menos que o presidente da República, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o futuro presidente do Congresso Nacional, etc. E ali anunciou que vai revelar, para toda a população brasileira, os supersalários dos juízes, promotores públicos, desembargadores e ministros dos tribunais superiores.

Essa medida berlusconiana, segundo ele, desmobilizará o povo, que ficará desiludido com a Lava Jato. Estará, em consequência, aberta a porta para a pôr em pauta, em regime de urgência, o famigerado Projeto 360, de Abuso de Poder, que responsabiliza pessoalmente os juízes por suas sentenças, se nelas ousarem condenar os corruptos, ou então prendê-los, ou deles homologar qualquer delação. Nessa intimidação legalizada estará incluída também a Polícia Federal, que fica de mãos atadas na sua atividade investigatória, interrogatória, de condução e de custódia.

Ademais, o grupo de trabalho Pro Corrupcione atribuiu ao lídimo líder do governo na Câmara, o deputado André Moura, mais conhecido como André Cunha Moura, por ser o principal esteio do antigo presidente daquela Casa, a missão de pôr em regime de urgência um substitutivo ao Projeto n.º 3.636, de 2015, que altera a Lei Anticorrupção. Esse sórdido substitutivo institui, a favor das empreiteiras corruptas, acordos de leniência de fachada – os famosos sham programs –, conhecidos da literatura criminal e antitruste no mundo todo. Esse sham compliance é descrito em minúcias no Guia de Programas de Compliance do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), item 3.1.2.

E mais. Por meio dessa encenação de compliance de fachada, não apenas as empreiteiras corruptas poderão voltar a contratar com o poder público federal, estadual e municipal como também os seus controladores, diretores e funcionários terão seus processos e condenações promovidos pela Lava Jato automaticamente extintos.

Para que se “aperfeiçoe” melhor esse simulacro de acordo com as empreiteiras corruptas estarão afastados da sua celebração o Ministério Público e o Tribunal de Contas, a quem cabe declarar a inidoneidade dessas empresas por irregularidade nos contratos de obras.

Essa missão do grupo Pro Corrupcione, visando a extinguir todos os efeitos dos processos levados avante pela Lava Jato, conta com a decidida contribuição do Ministério da Transparência, onde serão “celebrados” os acordos de compliance de fachada. O líder do governo André Moura declarou que tem o apoio do titular daquele ministério. Questionado pela imprensa, o ministro Torquato Jardim respondeu que a única providência que deve ser tomada é – pasmem – mudar a denominação “acordo de leniência” por um nome mais elegante, mais fino, menos chocante para as empreiteiras hipocritamente arrependidas e que agora voltam ao convívio do governo, com leis que garantem, para sempre, a corrupção.

Tudo isso em nome da moralidade pública. Um verdadeiro massacre, tal e qual ocorreu na Itália do nefasto Berlusconi. Ali o Judiciário foi humilhado, com todo o tipo de manobra, inclusive o desaforamento dos processos que corriam em Milão, para outras comarcas mais complacentes com os negócios de Berlusconi et caterva. A prescrição dos crimes de corrupção foi diminuída pela metade, as empresas corruptas puderam “regularizar” os seus balanços, sem revelar o montante de propinas que, durante décadas, pagaram aos políticos e partidos, e assim por diante.

Na Itália, legalizaram a corrupção por obra e graça do senhor Berlusconi e seus asseclas na Câmara e no Senado. No Brasil, inspirados no exemplo edificante daquele país, desejam os nossos políticos corruptos não só se eximir de sua responsabilidade criminal, mas também “reerguer” as empreiteiras corruptas, sob o pretexto de manutenção de empregos – tal como proclamava a ex-presidente Dilma – para, assim, dar continuidade ao festival eterno de corrupção nas obras públicas, sem cujo oxigênio não podem os políticos viver e muito menos sobreviver.

Condenados à morte

Uma pesquisa, realizada em 2011 pelo Ibope, a pedido da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), concluiu que 46% da população eram favoráveis à introdução do mecanismo da pena de morte no Brasil e 69% à prisão perpétua. Penso que, se refeita nos dias de hoje, talvez os números não diferissem muito – ou, quem sabe, como resultado do agravamento da situação social, o percentual de defensores da pena capital possa ter até mesmo crescido.

A questão é que não precisamos nem reformular a Constituição: a pena de morte já existe no Brasil para a população pobre que mora nas periferias e para mulheres e homossexuais, perseguidos pelo machismo e homofobia. O Atlas da Violência 2016 revela que 59,6 mil pessoas foram assassinadas no Brasil em 2014, o que nos coloca em primeiro lugar no ranking mundial de violência urbana. Quase metade dos homens que morrem entre 15 e 29 anos são vítimas de homicídio, mas os assassinatos são seletivos: dependem do grau de instrução e da cor da pele do indivíduo.

Damned in hell (15th century) Fra Angelico for the most part they seem to be enjoying a nice warm spa treatment. Minus the severed heads, of course.:
Fra Angelico (séc. XV)
Um jovem de 21 anos, idade de pico dos assassinatos, e com menos de sete anos de estudo, tem 16,9 vezes mais chances de ter uma morte violenta do que aquele que chega ao ensino superior. E as chances de jovens negros e pardos morrerem por homicídios são 147% maiores do que o de outros grupos étnicos. O estudo ainda aponta que, entre 2004 e 2014, houve um crescimento de 18,2% de homicídios contra negros e uma diminuição de 14,6% contra brancos. Levantamento do 10º Anuário de Segurança Pública indica que ao menos nove pessoas morrem todo dia por conta de intervenção policial, somando cerca de 3,2 mil pessoas por ano, e as vítimas são sempre as mesmas: jovens moradores das periferias...

Também detemos o triste quinto lugar no ranking mundial de feminicídio, assassinatos de mulheres, com 4,8 mortes por 100.000 habitantes, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). As estimativas mostram algo em torno de 6.000 mulheres assassinadas por ano, 33% delas vítimas de parceiros ou ex- parceiros. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos e, do total de mortes, 61% foram de mulheres negras.

Curioso é que as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher só funcionam de segunda a sexta-feira, de 8 às 18 horas, mas 36% dos assassinatos ocorrem em finais de semana. Estima-se que desde o início do ano cerca de 260 homossexuais já foram mortos – em 2015, o Disque 100 recebeu quase 2.000 denúncias de agressões contra gays, mas o número deve ser bem maior. Se um cidadão sofrer uma agressão física ou verbal, pelo fato de ser homossexual, não irá conseguir registrar queixa na delegacia de polícia porque não existe o crime de homofobia na legislação brasileira. No entanto, há estatísticas que revelam que a cada 28 horas um homossexual é assassinado no país.

Muitas e complexas são as causas da violência urbana, que incluem pobreza, racismo, machismo, homofobia, baixa escolaridade, tráfico de drogas. Mas pouco lembrada é a alta taxa de corrupção como fator desestabilizador da sociedade. O Brasil é a quarta nação mais corrupta do mundo, segundo levantamento do Fórum Econômico Mundial. Estudo realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) revelou que o custo médio anual da corrupção no Brasil representa de 1,38% a 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, gira em torno de R$ R$ 41,5 bilhões a R$ 69,1 bilhões.

A corrupção drena a saúde financeira do país. Sem ela, a renda per capita do Brasil poderia ser de US$ 9.000, 15,5% mais elevada que a atual; o número de alunos matriculados na rede pública do ensino fundamental saltaria de 34,5 milhões para 51 milhões; a quantidade de leitos para internação nos hospitais públicos do SUS, que hoje é de 367.000, poderia crescer 89%, ou seja, disponibilizaria mais 327.000 leitos para os pacientes; o número de moradias populares cresceria 74,3%; a quantidade de domicílios atendidos por saneamento básico poderia crescer em 103,8%, somando mais casas com esgotos, diminuindo os riscos de saúde e a mortalidade infantil. As mãos dos corruptos estão sim sujas de sangue.

Doce de música


Arthur Moreira Lima:(piano), Paulo Moura:(clarineta) e Heraldo do Monte (guitarra)
tocam a música de Jacob do Bandolim no  Kaiser Bock Winter Festival de 1997

A vaquejada e a morte do sertanejo

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Depois, ao findar do dia, a última tarefa: contam as cabeças reunidas. Apartam-nas. Separam-se, seguindo cada um para sua fazenda tangendo por diante as rezes respectivas. E pelos ermos ecoam melancolicamente as notas do aboiado...
‘A vaquejada’, Euclides da Cunha

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra a vaquejada é um daqueles episódios capazes de anunciar num pequeno engano uma grande tragédia, ou num inocente sintoma um grave mal. A ação golpeia muito além do rústico esporte equestre praticado pelos nordestinos e, sob outras formas, por brasileiros de todas as regiões onde o homem, o cavalo e o boi ajudaram a construir a formação social brasileira e a identidade nacional.

Em preciosa passagem de Os Sertões, Euclides da Cunha eleva “o bandeirante, o jesuíta e o vaqueiro” à condição de formadores da gente brasileira. E acrescenta sobre o vaqueiro: “Bravo e destemeroso como o primeiro, resignado e tenaz como o segundo, tinha a vantagem de um atributo supletivo – a fixação ao solo”.

Aliás, é ainda Euclides da Cunha que recorre ao historiador paulista Pedro Taques para cogitar de parentesco longínquo entre o sertanejo, notadamente aquele estabelecido às margens do Rio São Francisco, e o bandeirante. Para os historiadores consultados por Euclides, o vale do São Francisco seria, desde o século 17, uma colônia quase exclusiva dos paulistas e, portanto, de bandeirantes ou seus descendentes. A confirmar a tese do autor de Os Sertões da conjuração do bandeirante, do jesuíta e do vaqueiro na formação do Brasil, quis o destino que fosse exatamente um jesuíta o último representante formal da Igreja a fazer a visita espiritual a vaqueirama insurgente no Arraial de Canudos.

Graciliano Ramos colhe da caatinga o vaqueiro Fabiano para imortalizá-lo nas páginas de Vidas Secas. E Câmara Cascudo faz de vaquejada e vaqueiros temas recorrentes de eruditos ensaios e verbetes sobre história, cultura e folclore do Nordeste e do Brasil.

Pelo menos nos antigos manuais do ginásio, o Ciclo do Gado constava, no capítulo de geografia econômica, como uma das etapas da história econômica do Brasil, com a capital em Oeiras, antiga sede do governo do Piauí. A periodização, que incluía o açúcar, o ouro, o café e a borracha, tinha o efeito didático de exaltar as presenças do homem, do cavalo e do boi na construção material e espiritual da civilização brasileira.

Montado ainda em tempos remotos pelo vaqueiro no sertão nordestino, pelo gaúcho nos pampas ou pelo índio guaicuru, o cavalo projetou sua presença na edificação do Brasil desde que os primeiros exemplares aqui desembarcaram, por determinação de Martim Afonso de Sousa, em São Vicente, e Duarte Coelho, em Pernambuco, na primeira metade do primeiro século da colonização. A propósito dos guaicurus, há uma estátua do índio cavaleiro na entrada da Brigada de Cavalaria Mecanizada (Brigada Guaicurus), em Dourados, Mato Grosso do Sul, homenagem ao comportamento heroico desses índios em defesa do Brasil na Guerra da Tríplice Aliança.

O boi aportou em São Vicente, trazido de Cabo Verde, pelas mãos de dona Ana Pimentel quando dirigia os destinos da capitania. Essa linhagem ficou conhecida como gado vicentino, espalhou-se até o Rio Grande do Sul e contribuiu, com o homem e o cavalo, para forçar a corda do meridiano de Tordesilhas na direção do oeste.

A vaquejada encena uma técnica de manejo usada desde o início da colonização pelos vaqueiros nas criações extensivas para reunir o gado. Estilizada, a técnica converteu-se em próspero negócio do ramo do entretenimento para pequenos e médios criadores de cavalos, e uma rede de seleiros, arreeiros, domadores, tratadores, entre outros.

Essas pessoas perderão, no todo ou em parte, o seu meio de vida. E por mais que digam que elas se podem reciclar profissionalmente, é difícil imaginar um domador de cavalos se convertendo em, vejamos, técnico em informática.

A verdade é que a importação de paradigmas e valores por nossas instituições públicas e privadas (mídia, Executivo, Judiciário e Legislativo) explica melhor a decisão sobre a vaquejada do que a alegada e legítima preocupação com a proteção dos animais.

Por iniciativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dos governos recentes, o Brasil adotou o paradigma racial americano. Deixamos de ser uma nação miscigenada para nos tornarmos uma nação bicolor de brancos e de negros, já que o IBGE e o governo incorporam os pardos aos negros para efeito estatístico e de políticas públicas.

Decretada a “morte” sociológica, política e jurídica do mestiço, o passo natural seria mesmo a extinção dos seus diversos tipos, entre eles o sertanejo; e no sertanejo, o seu representante mais característico e viril, o vaqueiro, aquele que, surpreendido pelo escritor no drama derradeiro da existência, foi aclamado por sua virtude mais visível: “Antes de tudo, um forte”.

A evolução do manejo nas pastagens nordestinas e do País já reduziu quase à extinção o vaqueiro antigo. Permanece sua memória, história e cultura num baião de Luiz Gonzaga ou numa modinha de Tonico e Tinoco; na rica culinária sertaneja, nas expressões incorporadas ao idioma pátrio e nas festas de vaquejada.

Já se disse que o passado não é o que passou, mas o que ficou do que passou. Assim, a decisão do Supremo como que retira da sala de nossas lembranças o retrato querido de antepassados valorosos: o vaqueiro e o sertanejo.

O que se espera é que as instituições políticas e jurídicas da Nação devolvam ao espaço de nossa memória o quadro estimado de nosso passado comum: a vaquejada.

Decisão do Supremo como que retira da sala de nossas lembranças um retrato querido.

Engana-se quem acha que Senado tem presidente. Renan é que tem o Senado

O Brasil tem que ter cuidado para não irritar Renan Calheiros. Irritado, Renan paralisaria a votação das reformas. Renan já coleciona 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Uma dúzia de processos! A 12ª investigação acaba de ser aberta. Mas não convém falar sobre isso em voz alta. Faça como o Planalto, o Congresso e o próprio Supremo. Suprima dos seus hábitos o ponto de exclamação. Vamos lá, é pelo bem da República. É absurdo? Sim, mas o absurdo vai adquirindo uma admirável naturalidade.

Oito dos inquéritos abertos contra Renan referem-se à Lava Jato. Um diz respeito à Operação Zelotes. Outro trata do recebimento de propinas na obra da hidrelétrica de Belo Monte. Há até um processo que já virou denúncia formal da Procuradoria. Renan é acusado de pagar com propinas da Mendes Júnior a pensão de uma filha que teve fora do casamento. Coisa de 2007.


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O inquérito de número 12 destina-se a apurar uma movimentação bancária de Renan incompatível com sua renda. Farejaram-se nas contas do senador algo como R$ 5,7 milhões. O diabo é que, quanto mais Renan se encrenca, menos os senadores, as autoridades do governo e os ministros do Supremo se espantam. A República se faz de morta para não irritar Renan. Ele pode colocar a sua pauta da vingança à frente da PEC dos gastos públicos.

Quando Renan estufa o peito como uma segunda barriga e torce o nariz para alguma coisa, faz-se um silêncio reverencial ao redor. Paralisam-se os processos. Fecham-se as gavetas de Cármen Lúcia, a presidente do Supremo. Protela-se o anúncio do veredicto que sacramentará o entendimento segundo o qual réus não podem ocupar cargos na linha de sucessão da Presidência da República.

Aos pouquinhos, vai ficando claro que o Senado não tem um presidente. Renan Calheiros é que possui o Senado. A vida pública de Renan não é do interesse de ninguém. O país é que atrapalha a vida privada do senador. A República virou um puxadinho da cozinha de Renan, num processo muito parecido com o que os historiadores costumam chamar de patrimonialismo.

Se fosse em outra hora...

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O momento não me deixa à vontade para continuar recebendo acima do teto
Eliseu Padilha, da Casa Civil, abrindo mão de parte do salário para se adequar ao teto constitucional

Bastião da moralidade

Um deputado chega à chapelaria da Câmara e pede uma informação ao atendente.
— Então, queria saber onde fica o Setor das Propinas. Tem uma aí que não pude pegar.

— Não pôde, é?

— É, tinha designado o meu suplente para cuidar desse tipo de assunto, mas o cara foi cassado.

— Puxa, que chato.

— Nem me diga. Aí fica essa dor de cabeça. Eu mesmo preciso vir. Despenquei da minha cidade só para isso.

— Um transtorno.

— Enorme, enorme. Vou até perder a festa de aniversário da sobrinha do vizinho da minha ex-sogra.

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— Lamento por Vossa Excelência.

— Obrigado. Em trinta anos nesta casa, é a primeira vez que uma situação dessas me acontece. Já foi mais simples. Tinha uma época que a gente recebia em cheque, num lindo envelope, fechado com cera quente. Coisa fina, de muito bom gosto.

— Lembro bem. Tempos de ouro.

— Muito ouro. Tudo funcionava direitinho. Eu chegava ao aeroporto, entrava em um táxi, buscava o envelope, tomava um café, fazia um discurso inflamado para a TV e voltava a tempo de pegar o penúltimo voo, porque o último sai muito tarde e eu gosto de dormir e acordar cedo.

— No que Vossa Excelência faz muito bem, senhor deputado. Deus ajuda…

— … a quem cedo madruga.

— É o que diz a sabedoria popular.

— E aí veio a época do depósito direto. Funcionou bem até aquele assessor dar com a língua nos dentes e obrigar todo mundo a abrir contas secretas em paraísos fiscais. A minha, por exemplo, está em Liechtenstein. Nem sei onde fica no mapa.

— Ninguém é obrigado a saber, senhor deputado.

— É o que eu sempre digo por aí. E é melhor assim. Se der zebra (bate na madeira três vezes, gesto repetido pelo atendente), ninguém poderá me obrigar a ir ao banco retirar o dinheiro.

— Muito sábio de vossa parte.

— Aí, tiveram essa ideia de criar o Setor das Propinas. É boa, admito. Escancarando a coisa, ninguém percebe. Quando tudo era escondido, sempre havia aqueles jornalistas que não tinham nada melhor para fazer e ficavam procurando informações confidenciais, pistas, conexões secretas.

— Esses jornalistas…

— O inconveniente é que agora alguém precisa passar para encher a maleta e assinar o recibo em três vias.

— Pra que tanta burocracia, Vossa Excelência?

— Pois é, pra… Ai, meu Deus!

— O que houve, senhor deputado?

— Ficamos aqui nesse papo bom e esqueci que tenho um pronunciamento agora, no plenário. Aproveitei que vinha e marquei na agenda.

— Posso perguntar qual o assunto do discurso de Vossa Excelência?

— Pode, claro. Vou esbravejar contra a corrupção que assola o nosso Brasil.

— Bravo! É gente como o senhor que constrói um país melhor.

Daniel Cariello

Imagem do Dia

*misty morning:

Com medo de ser preso, Lula afronta a Justiça e se recusa a ser interrogado

As repentinas e rumorosas prisões de dois de seus maiores aliados políticos (Anthony Garotinho e Sérgio Cabral) levaram o ex-presidente Lula da Silva ao desespero. Sem a menor condição de enfrentar o juiz federal Sergio Moro, que o intimara a prestar depoimento na semana que vem (dias 21, 23 e 25 de novembro), sobre as acusações de corrupção passiva e lavagem dinheiro no esquema de cartel e propinas na Petrobras, Lula jogou a toalha. Com medo de ser preso, pediu que seus advogados o representassem nos interrogatórios a serem conduzidos pelo magistrado, na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

A defesa do ex-presidente imediatamente divulgou que Lula não vai comparecer e será representado pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira nas audiências previstas para a próxima semana.


A defesa afirma que a representação por advogados pode ser feita com base em decisão de Moro proferida em outubro, “que dispensou o comparecimento de todos os acusados, desde que as respectivas defesas concordassem em receber as intimares para as próximas audiências.”

“Na condição de advogados de Lula, informamos, no processo, que ele não iria comparecer, sendo, portanto, improcedentes as notícias sobre a existência de decisão em contrário do juiz de primeiro grau de Curitiba”, diz nota encaminhada pelos advogados.

A decisão representa um desafio à Justiça, porque na verdade o juiz Moro não abriu essa possibilidade de Lula não ser interrogado, apenas pediu que as defesas se encarregassem da intimação dos réus. No caso, nem houve intimação através dos advogados, porque o juiz Moro fez questão de determinar que Lula fosse notificado diretamente pela Justiça Federal de São Bernardo do Campo, onde ele mora.

O interrogatório é a fase derradeira da instrução criminal e o réu dela não pode se esquivar, como Lula está fazendo, com a conivência de seus defensores. Note-se que advogado principal, o criminalista José Roberto Batochio, não assinou essa chicana judicial.

A recusa do réu, se propositadamente deixa de obedecer a uma intimação criminal, funciona como admissão de culpa, é uma semi-revelia, embora ele esteja representado por seus advogados, que não podem ser interrogados no lugar dele. Trata-se de uma versão jurídica do “Samba do Crioulo Doido”, de Sérgio Porto, na fase pré-politicamente correto (hoje, o título seria “Samba do Afrodescendente com Necessidades Especiais”).

O presidente Michel Temer, sem dúvida, tem responsabilidade nessa postura de Lula, pois espantosamente afirmou em rede nacional que o ex-presidente não deve ser preso. Como jurista que alega ser, Temer revelou-se um rábula da pior categoria, pois defendeu o descumprimento da regra constitucional de que todos são iguais perante a lei. Na democracia, é assim que funciona. Mas na cleptocracia, como diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, parece que as coisas são um pouco diferentes.

Não se sabe como reagirá o juiz Sérgio Moro. O mais importante é que na próxima semana ele vai interrogar 10 testemunhas de acusação contra Lula. Na segunda-feira, os executivos Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite, ligados à Camargo Corrêa, e o ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT/MS). Na quarta-feira, o ex-deputado Pedro Corrêa, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da área Internacional da estatal Nestor Cerveró e o ex-gerente executivo da companhia Pedro Barusco. E na quinta-feira, o doleiro Alberto Youssef, o operador de propinas Fernando Baiano, o lobista Milton Pascowitch e o pecuarista José Carlos Costa Marques Bumlai.

Como diz o músico e compositor Pepeu Gomes, em breve haverá Lua cheia, tudo pode acontecer.

Flint e Vitória

Você já ouviu falar de Flint? Trata-se da sétima maior cidade de Michigan (EUA). Sua economia gravita em torno de empresas que lá se instalaram por conta de generosos benefícios fiscais. Como elas apenas necessitam, no mais das vezes, de mão-de-obra pouco qualificada, 41,6% de seus habitantes vivem abaixo da linha da pobreza.

Eis que, em um dado dia, uma destas empresas - precisamente a maior delas, uma montadora de veículos - detectou que a água fornecida pela rede pública causava ferrugem em seus produtos, sendo contaminada e imprópria até para uso industrial.

A situação foi resolvida da seguinte forma: a montadora de veículos recebeu ajuda das autoridades municipais para passar a receber água da vizinha cidade de Detroit. Problema resolvido!


Enquanto isso a população continuava a usar e beber daquela água imprópria, recordemos, até para uso industrial. Somente um ano depois, por conta de uma verdadeira "epidemia" de doenças relacionadas à contaminação da água, o caso transformou-se em um escândalo.

Constatou-se, então, que os habitantes da cidade estavam expostos a toxinas as mais diversas - e vários morreram por conta delas. Nove mil crianças apresentavam sintomas de intoxicação por chumbo, com consequentes danos ao cérebro.

Diante da repercussão negativa a nível nacional, finalmente movimentaram-se as autoridades: o povo de Flint passou, então, a receber aquela mesma água lá de Detroit, consumida pela montadora de automóveis, adequada para uso industrial e humano.

Lembrei-me deste episódio ao ler uma tese de doutorado apresentada à USP, desenvolvida em torno do ar daqui de Vitória. Transcrevo algumas conclusões:

"As prevalências de sintomas respiratórios encontradas foram elevadas em Jardim Camburi e Jardim da Penha, quando comparadas a estudos nacionais e internacionais".

"Foi encontrada uma associação entre proximidade da indústria, contribuição industrial à poluição, e sintoma respiratório no bairro de Jardim Camburi".

Pense, agora, em quantas crianças daqui estão sofrendo por conta de doenças respiratórias as mais diversas. Calcule quantos dias de vida você terá a menos por conta dos resíduos industriais aspirados para seu pulmão. E lembre, com as vítimas de Flint, da famosa frase de Henry Ford: "amar o povo é fácil, o difícil é amar o próximo".

Pedro Valls Rosa

'Imposto sobre o sol': portugueses pagarão mais tributos por casa bem iluminada

"Hoje nos cobram pelo sol, amanhã pelo ar que respiramos.” Assim, indignada, é a resposta de António Frias, presidente da Associação Nacional de Proprietários de Portugal (ANP), depois que entrou em vigor a revisão cadastral com o chamado “imposto do sol”. O Governo socialista aprovou uma revisão dos valores cadastrais dos imóveis na qual a “localização e operacionalidade relativas” têm um peso de 20%. Sob esse eufemismo se abriga uma revalorização da propriedade em função do sol que recebe e de sua qualidade ambiental.

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Largo das Portas do So (Lisboa)
Nos indicadores da tabela de valorização de imóveis são contemplados outros fatores, como a existência de elevador, climatização central e garagem. No entanto, a grande novidade é o imposto do sol, pois passa de um peso máximo de 5% para 20%, cinco vezes mais que, por exemplo, uma piscina privada na casa ou sete vezes mais que uma quadra de tênis.

A novidade causou indignação aos agentes imobiliários, por um lado, porque vai representar uma elevação do Imposto municipal sobre Imóveis (IMI, em Portugal), mas também porque o fator solar é muito subjetivo. Vai se pagar mais em função das horas em que há sol na casa? E se estiver nublado o ano inteiro? E se uma árvore me tira a luz? É o que considera a Associação de Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), que vê uma maior complexidade e subjetividade nas perícias.


A nova tabela está em vigor desde agosto para toda residência nova e após a revisão cadastral na moradia já existente –uma reavaliação realizada pelos municípios a cada três anos, e que é uma de suas principais fontes de receita.
O presidente da Associação Lisboeta de Proprietários (ALP), Menezes Leitão, qualificou de “gravíssima” a alteração “porque vai gerar valores insuportáveis”. “A ideia de tributar um patrimônio já é por si só gravíssima porque pode ser que o patrimônio não gere nenhum rendimento por ser a moradia habitual do contribuinte”. Segundo Menezes, com a revisão do valor cadastral, sobre o qual se aplica o IMI da residência, passa a ser “praticamente impossível que a maioria das pessoas tenha um imóvel”.

"Era inevitável que esses cérebros que inventam essas alterações acabassem por taxar o sol que temos”, diz Antônio Frias, o presidente da ANP. “Portugal é um país com sol 365 dias do ano e, portanto, acharam que daí se podia aumentar a arrecadação fiscal.”

"Todas as casas em Portugal têm exposição ao sol porque somos um país meridional e o sol é abundante. Tudo indica que a fase seguinte vai ser taxar o oxigênio que as pessoas respiram.” Ele se pergunta “o que é uma boa vista? Pode haver valorização se há uma estação de metrô perto, mas a exposição solar é algo absurdo.”

A nova avaliação dos imóveis não chega sozinha. Os novos orçamentos contemplam um novo imposto imobiliário para taxar o patrimônio imobiliário que supere os 600.000 euros (2,16 milhões de reais), o que também tem provocado protestos do setor, que, graças ao turismo estrangeiro, vive um boom imobiliário sem precedentes, sobretudo em Lisboa e linha marítima até o Estoril e Cascais.