quinta-feira, 3 de junho de 2021

Brasil do pleno emprego

 


Bolsonaro fala em rede nacional como presidente sem comprovação científica

Em rede nacional de rádio e televisão, Bolsonaro reagiu ao cerco que se forma em torno do seu projeto de reeleição com um discurso de presidente sem comprovação científica. A boa notícia é que o índice de desfaçatez do orador não aumentou. Continua nos mesmos 100%. Falou mal dos outros, bem de si e do seu governo. Teve a voz abafada pelo som das panelas, trilha sonora do resto do seu mandato.

Bolsonaro despejou no tapete da sala dos lares brasileiros uma miscelânea confusa de temas —da Copa América à Ceagesp, estatal de alimentos de São Paulo. O enchimento de linguiça obscureceu as duas poses principais. O orador celebrou como conquista pessoal o bom resultado da economia no primeiro trimestre e prometeu vacinar até o final do ano todos os brasileiros que desejarem. No primeiro caso, soou como oportunista. No segundo, como usurpador.


Bolsonaro exagerou no oportunismo ao insinuar que o PIB cresceu acima do esperado por conta dos seus conselhos para que os "maricas" não ficassem em casa. Deve-se o grosso da reação da economia à alta das commodities no mercado internacional, não ao consumo dos brasileiros que são forçados a desafiar o vírus cotidianamente.

O capitão usurpou realização alheia ao prometer vacinas como se a CPI da Covid não tivesse descoberto nada sobre os 130 milhões de doses que ele impediu que o Ministério da Saúde comprasse da Pfizer e do Butantan em agosto de 2020. Oito em cada dez doses de vacinas espetadas nos braços dos brasileiros saíram do Instituto Butantan. Confundindo amnésia com consciência limpa, Bolsonaro finge que nunca disse que jamais compraria a "vacina chinesa do Doria".

O presidente repetiu a lorota segundo a qual "o Brasil é o quarto país que mais vacina no planeta". Essa fantasia considera o número absoluto de brasileiros que receberam a primeira dose da vacina. A imunização só é obtida após a segunda dose. E o sucesso da vacinação é medido pelo percentual da população vacinada. Hoje, receberam a primeira dose 22% dos brasileiros. As duas doses, menos de 11%.

A ansiada imunidade coletiva só será alcançada depois que mais de 70% dos brasileiros forem vacinados. Graças ao atraso da entrada do Brasil na corrida por vacinas, a imunização caminha em ritmo de lesma bêbada. Em vez de avançar, recua. Em maio, aplicaram-se 4,1 milhões de doses a menos em comparação com o mês anterior. Queda de 16%.

Fantasiado de Zé Gotinha, Bolsonaro demonizou os governadores. "O nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa, não fechou o comércio, não fechou igrejas ou escolas e não tirou o sustento de milhões de trabalhadores informais." Ao confundir ciência com ficção científica, o orador se abstém de informar que as restrições sanitárias são impostas pelo vírus, não por governadores malvados.

As pesquisas, o barulho das panelas e os gritos de "fora, Bolsonaro" sinalizam que é cada vez menor o número de brasileiros dispostos a suportar ofensas à inteligência alheia.

E tome Copa


Estamos na vanguarda da estupidez
Luana Araújo

Algo no ar

Há algo no ar além dos aviões de carreira
Barão de Itararé

No dia 2 de julho de 2012, dois caças supersônicos Mirage F-2000 da Força Aérea Brasileira sobrevoaram a Praça dos Três Poderes tão baixo que estilhaçaram todos os vidros do prédio do Supremo Tribunal Federal (STF). O fato se repetiria, não em forma de acidente, caso o desejo do presidente Bolsonaro se realizasse.

Irritado com uma decisão do Supremo, o presidente revelou a pessoas próximas que gostaria de dar um susto nos ministros, fazendo com que os novos caças Gripen dessem um voo rasante sobre o prédio. O mais próximo disso aconteceu no dia 21 de outubro do ano passado, quando os novos F-39E Gripen foram apresentados em voo sobre a Esplanada dos Ministérios, sendo ouvidos na sala em que o hoje ministro do STF Nunes Marques estava sendo sabatinado pelo Senado.


O desejo do presidente não foi atendido, em mais um episódio do que está sendo conhecido nos meios militares como bullying de Bolsonaro, que quer impor suas vontades às Forças Armadas. Os generais do Alto-Comando do Exército, reunidos ontem para debater a situação da indisciplina do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, decidiram não anunciar a decisão no momento.

Aproveitarão o feriado para amadurecer a tendência de puni-lo, em clima de indignação com a atitude do presidente de proteger seu ex-ministro da Saúde, em claro confronto com a instituição a que pertence. Embora o vice-presidente Hamilton Mourão tenha falado que a nomeação de Pazuello como assessor diretamente ligado ao presidente na secretaria de Assuntos Estratégicos não interferirá na sua punição, que ele defende, ela é um recado do presidente ao Exército.

Evidente que um general da ativa investigado por indisciplina não poderia ser nomeado para nenhum cargo, muito menos um diretamente ligado ao presidente da República, a menos que ele queira protegê-lo e impor sua condição de comandante em chefe das Forças Armadas para pressionar o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira.

Bolsonaro não tem limites e não respeita nada nem ninguém. Ou você o aceita como é, ou será confrontado sempre, não apenas o STF, o Congresso, mas até as instituições militares a que ele é ligado, sempre marcado por indisciplina e insubordinações. A visão dele da Presidência da República é totalitária, acha que pode mandar em todo mundo. Caso Pazuello não seja punido, podem começar a surgir manifestações em escalões inferiores das Forças Armadas, que sempre foram proibidas.

Há um movimento muito claro de insubordinação incipiente, mas preocupante, nas polícias militares, como no caso do guarda de Goiás que queria obrigar um civil a tirar do carro um adesivo de “Bolsonaro genocida” e foi afastado. Em Pernambuco, o comandante da PM caiu, depois da violência excessiva contra manifestantes que estavam nas ruas contra o presidente. Cenas recentes de formatura de turma da Polícia Federal em tons marciais e pronunciamentos de coronéis da PM do Distrito Federal usando o mesmo slogan de Bolsonaro —“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”— reforçam a sensação de que a influência bolsonarista nos quartéis está se alastrando. Se a atividade política for liberada implicitamente, a chance de acontecer uma crise atrás da outra é grande. Até porque Bolsonaro incentiva a participação de militares na política.

Se Pazuello for punido, e se Bolsonaro cancelar a punição, estará desmoralizando o comandante do Exército. Já tivemos graves crises por causa de indisciplina militar, de embates entre presidentes da República e o Exército. A crise de 1955 é a mais clara, quando o general Lott, ministro da Guerra, reagiu contra um coronel que, mesmo à paisana, fez um discurso num velório contra a posse de Juscelino Kubitschek, recém-eleito presidente da República.

O coronel Bizarria Mamede acabou preso, e sua prisão gerou uma crise política que derrubou presidentes, até que Juscelino tomasse posse no tempo correto. Há ainda uma dúvida jurídica se o presidente da República, na condição de comandante em chefe das Forças Armadas, tem capacidade, pela Constituição, de interferir numa questão disciplinar de uma das Forças, que têm suas próprias regras e comandantes. Há quem considere que ele pode apenas indultar o punido, pois, no caso de um general de divisão, nem mesmo anistiar poderia, pois a anistia só pode ser concedida a cidadãos comuns, não a funcionários do Estado. Tomando esse caminho tortuoso, Bolsonaro estaria buscando uma crise institucional.

Bolsonaro semeia a anarquia militar para reeleger-se. Ou então…

De anarquia militar, o presidente Jair Bolsonaro entende. É doutor na matéria. E como dela aproveitou-se no passado para escapar de ser expulso do Exército e ganhar a patente de capitão, quer aproveitar-se dela mais uma vez para reeleger-se no ano que vem. Ou, se perder, para recusar-se a aceitar o resultado.

Presidente da República que nomeia para ocupar cargo de destaque, com direito a gabinete no Palácio do Planalto, general da ativa investigado pelo Exército por violar o código de disciplina da Arma, que recado manda às Forças Armadas? Simples. Anarquia militar a seu favor, pode e será bem-vinda.


O general Eduardo Pazuello, uma figura que se tornou bizarra desde que veio a público, perdeu o Ministério da Saúde para servir a Bolsonaro e ganhou um novo emprego para servir a Bolsonaro. Está-se para ver um general tão vassalo, desfrutável, medíocre e burlesco quanto ele. Burlesco, não, porque nem risos desperta.

A certa altura do avanço da pandemia no ano passado, dado que o governo deixou-a livre para matar quem tivesse de morrer, foi preciso que rolasse alguma cabeça para salvar a do presidente. Então rolou a do general que não metia medo a ninguém. Pegou mal para o Exército, mas e daí? Para Bolsonaro, pegou bem.

Ao pilotar uma moto no Rio, subir num carro de som e discursar para motociclistas em uma manifestação político-partidária, outra vez Pazuello prestou-se ao papel de cumprir a vontade do seu chefe. Afinal, manda quem pode, obedece quem tem juízo. Ali, o general desertou do Exército e aderiu à força inimiga. Um Calabar!

O comandante do Exército, general Paulo Sérgio Noronha, encontra-se entre a cruz e a espada. Será crucificado por seus pares se não usar a espada contra Pazuello. Há maioria no Estado Maior do Exército favorável à punição de Pazuello com o rigor que o caso exige. No mínimo, que ele seja duramente censurado por escrito.

Intimidado por Bolsonaro, Noronha protela sua decisão. Cogita limitar-se a advertir Pazuello oralmente, sem que nada venha a constar na sua folha corrida depois que for para a reserva. Seria a punição mais branda prevista nos regulamentos. Equivale à reprimenda que um pai dá num filho travesso. Nem palmada é.

E quando o guarda da esquina, ou o soldado raso, concluir que um fardado armado jamais será punido de vez que o general bolsonarista não foi? Ou ao general é permitido desrespeitar regulamentos, mas ao soldado não? O exemplo de insubordinação de Bolsonaro no seu tempo de quartel começa a dar frutos.

Era 14 de maio último, quando o deputado Major Vítor Hugo (PSL-BA) deu início a mais uma live no Instagram, apareceu Luan Ferreira de Freitas Rocha, 3.º sargento de Material Bélico da ativa, que trabalha na Companhia de Comando da 15.ª Brigada de Infantaria Mecanizada, com sede em Cascavel, no Paraná.

Como conta Marcelo Godoy em O Estado de S. Paulo, Luan dividiu a tela com o deputado para reclamar do aumento de tempo de permanência como terceiro-sargento imposto aos graduados pela chamada reforma da previdência dos militares, que os obrigou a ficar mais cinco anos no posto antes de se aposentar.

O sargento quer a criação da graduação de “sargento-mór”, logo abaixo dos subtenentes. Diz que seus colegas que trabalham em São Paulo não conseguem viver com o que ganham. Se os generais do Planalto podem furar o teto do funcionalismo e ganhar até 69% de aumento, por que os sargentos devem ficar à míngua?

Foi com um discurso parecido com esse que surgiu Bolsonaro. Como seus superiores não lhe deram ouvido, ele planejou atentados a bomba a unidades militares do Rio.