sexta-feira, 27 de janeiro de 2023
Cuidado com os 'homens de bem'
O patriota com camiseta de Bolsonaro que vandalizou o relógio no Palácio do Planalto tem três passagens pela polícia em Goiás, por ameaça física, tráfico de drogas e receptação de carros roubados. A patriota que, enrolada na bandeira do Brasil na invasão do STF, gabou-se de ter emporcalhado o banheiro dos ministros, também tem uma condenação por tráfico, em Santa Catarina. E outro patriota capturado nos distúrbios, munido de bombas, estilingues e material para coquetel molotov, era foragido por ter matado um homem a facadas no Pará em 2018.
Um patriota do Paraná, suspeito de ter fretado quatro ônibus que levaram golpistas de Londrina a Brasília, já cumpriu dois anos por sonegação de R$ 1,2 milhão em impostos. Outro patriota, este de Mato Grosso, foi acusado em 2021 de ameaçar a ex-mulher com uma barra de ferro e, ao ser preso, jurou matá-la "assim que saísse da cadeia". A quantidade de infratores da Lei Maria da Penha entre os capturados na praça dos Três Poderes é grande, com destaque para um patriota de Minas Gerais, que tentou esfaquear a mãe.
Todos os patriotas de Bolsonaro se dizem "homens de bem". Mas desde quando "homens de bem" estão associados a tantos problemas com a lei?
O cardápio de crimes em que se envolvem é infinito: genocídio dos yanomamis, contrabando de madeira, garimpo ilegal, assassinato de sertanistas, intimidade com milicianos, arsenais domésticos clandestinos, cocaína no avião presidencial, Viagra e próteses penianas para generais, venda de cloroquina, comissão na aquisição de vacinas, Bíblias a peso de ouro, rachadinhas, compra de mansões com dinheiro vivo, cheques para a primeira-dama, militares com salários de seis dígitos, mamatas com o cartão corporativo, empresários financiadores de terrorismo etc. etc.
Desconfie de gente de camisa amarela e ficha na polícia. Pode ser um "homem de bem".
Um patriota do Paraná, suspeito de ter fretado quatro ônibus que levaram golpistas de Londrina a Brasília, já cumpriu dois anos por sonegação de R$ 1,2 milhão em impostos. Outro patriota, este de Mato Grosso, foi acusado em 2021 de ameaçar a ex-mulher com uma barra de ferro e, ao ser preso, jurou matá-la "assim que saísse da cadeia". A quantidade de infratores da Lei Maria da Penha entre os capturados na praça dos Três Poderes é grande, com destaque para um patriota de Minas Gerais, que tentou esfaquear a mãe.
Todos os patriotas de Bolsonaro se dizem "homens de bem". Mas desde quando "homens de bem" estão associados a tantos problemas com a lei?
O cardápio de crimes em que se envolvem é infinito: genocídio dos yanomamis, contrabando de madeira, garimpo ilegal, assassinato de sertanistas, intimidade com milicianos, arsenais domésticos clandestinos, cocaína no avião presidencial, Viagra e próteses penianas para generais, venda de cloroquina, comissão na aquisição de vacinas, Bíblias a peso de ouro, rachadinhas, compra de mansões com dinheiro vivo, cheques para a primeira-dama, militares com salários de seis dígitos, mamatas com o cartão corporativo, empresários financiadores de terrorismo etc. etc.
Desconfie de gente de camisa amarela e ficha na polícia. Pode ser um "homem de bem".
Ode ao rebanho (Redondilhas bem intencionadas)
Pensar é só excepção
à tendência bem normal
de repelir a razão
que serve pra fazer mal.
A turba prefere seguir
a palavra do profeta:
obedecer faz sentir
tudo bom como chupeta.
Pensar por si faz doer,
dá trabalho e faz suar:
caminho próprio fender
é perigoso e dá azar.
Obedecer ao rebanho
dá conforto e sossego:
é bom como tomar banho
e não cria desapego.
Possuir ideias suas
é solene atrevimento:
exige boas charruas
e algum discernimento.
Sê por isso bem mandado,
bom menino e bem fodido:
pensar por si é pecado
e torna-se aborrecido!
Eugénio Lisboa
à tendência bem normal
de repelir a razão
que serve pra fazer mal.
A turba prefere seguir
a palavra do profeta:
obedecer faz sentir
tudo bom como chupeta.
Pensar por si faz doer,
dá trabalho e faz suar:
caminho próprio fender
é perigoso e dá azar.
Obedecer ao rebanho
dá conforto e sossego:
é bom como tomar banho
e não cria desapego.
Possuir ideias suas
é solene atrevimento:
exige boas charruas
e algum discernimento.
Sê por isso bem mandado,
bom menino e bem fodido:
pensar por si é pecado
e torna-se aborrecido!
Eugénio Lisboa
No caso yanomami, desafio da PF é provar dolo de Bolsonaro em genocídio
Nos próximos meses, uma pergunta latejará no noticiário: Pode Bolsonaro ser fisgado numa ação penal por genocídio? Na CPI da Covid, a ideia de vincular o capitão a um genocídio produzia ebulição nas redes sociais. Mas a tipificação desse crime exige um alvo específico —como os judeus para os nazistas ou os armênios para os turcos. Agora a coisa é diferente.
Nos últimos quatro anos, o governo tomou o partido dos garimpeiros ilegais. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar a prática de crimes como omissão de socorro, desvios de verbas destinadas à saúde indígena e, para desassossego de Bolsonaro, genocídio.
No Brasil, o genocídio é definido na lei 2.889, de 1956. O artigo 1º anota que genocida é quem teve “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Na pandemia, o negacionismo de Bolsonaro produziu mortes indiscriminadamente. Os yanomami, porém, se encaixam na definição legal como alvo individualizado.
Portanto, a degradação letal a que foram submetidos os indígenas pode, sim, configurar o crime de genocídio. A culpa pode ser atribuída por ação e também por omissão. Proliferam evidências de que as digitais de Bolsonaro estão impressas no flagelo yanomami. A exemplo do que fez em outros casos, o capitão produziu provas contra si mesmo. Mas será necessário demonstrar que houve dolo, má-fé. Esse é o principal desafio da Polícia Federal.
Faltam aos yanomamis comida, remédio, água limpa e proteção contra criminosos ambientais. Lula deflagrou no final de semana uma operação interministerial para socorrer os indígenas. Bolsonaro classificou a crise humanitária de “mais uma farsa da esquerda”. Disse que, em maio de 2021, numa visita a Roraima, não ouviu dos indígenas senão um pedido por “internet”. Lamentou que esteja empacado no Congresso projeto que abre reservas dos patrícios originários para o agronegócio.
Sempre que Bolsonaro se apropria de uma notícia, os fatos se perdem para sempre. Mas certas realidades, por eloquentes, não deixam de existir apenas porque os ignorantes as ignoram. No momento, pouca coisa é tão palpável quanto o o sofrimento inflingido aos yanomami. A assistência governamental aos indígenas jamais foi um primor. Mas o descaso ganhou sob Bolsonaro a aparência de escândalo. O capitão, como de hábito, diz o que bem quer. É preciso que investigadores e magistrados comecem a lhe dizer o que ele não deseja ouvir.
Nos últimos quatro anos, o governo tomou o partido dos garimpeiros ilegais. Nesta quarta-feira, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar a prática de crimes como omissão de socorro, desvios de verbas destinadas à saúde indígena e, para desassossego de Bolsonaro, genocídio.
No Brasil, o genocídio é definido na lei 2.889, de 1956. O artigo 1º anota que genocida é quem teve “a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Na pandemia, o negacionismo de Bolsonaro produziu mortes indiscriminadamente. Os yanomami, porém, se encaixam na definição legal como alvo individualizado.
Portanto, a degradação letal a que foram submetidos os indígenas pode, sim, configurar o crime de genocídio. A culpa pode ser atribuída por ação e também por omissão. Proliferam evidências de que as digitais de Bolsonaro estão impressas no flagelo yanomami. A exemplo do que fez em outros casos, o capitão produziu provas contra si mesmo. Mas será necessário demonstrar que houve dolo, má-fé. Esse é o principal desafio da Polícia Federal.
Faltam aos yanomamis comida, remédio, água limpa e proteção contra criminosos ambientais. Lula deflagrou no final de semana uma operação interministerial para socorrer os indígenas. Bolsonaro classificou a crise humanitária de “mais uma farsa da esquerda”. Disse que, em maio de 2021, numa visita a Roraima, não ouviu dos indígenas senão um pedido por “internet”. Lamentou que esteja empacado no Congresso projeto que abre reservas dos patrícios originários para o agronegócio.
Sempre que Bolsonaro se apropria de uma notícia, os fatos se perdem para sempre. Mas certas realidades, por eloquentes, não deixam de existir apenas porque os ignorantes as ignoram. No momento, pouca coisa é tão palpável quanto o o sofrimento inflingido aos yanomami. A assistência governamental aos indígenas jamais foi um primor. Mas o descaso ganhou sob Bolsonaro a aparência de escândalo. O capitão, como de hábito, diz o que bem quer. É preciso que investigadores e magistrados comecem a lhe dizer o que ele não deseja ouvir.
A nossa Noite dos Cristais
O poeta Ferreira Gullar costumava dizer que seus poemas nasciam do espanto a que era acometido diante dos incidentes da vida, daí lhe viria a inspiração em que o inesperado deflagrava nele o impulso para fixar num poema a sua percepção do que sentia sobre a experiência vivida. Gullar nos deixou uma obra genial, mas o tamanho do espanto que sentimos com os fatos calamitosos desse inesquecível dia 8 de janeiro que não abandonam a nossa memória não nos têm conduzido às sendas da criação, e já se ouvem vozes que nos sugerem ir em frente, passar um pano e voltarmos ao regaço do cotidiano de sempre.
O dia 8 de janeiro foi a data da profanação do que havia de sagrado entre os brasileiros no culto de suas tradições e seu projeto de futuro, sempre reiterado de seguir em frente na realização dos ideais civilizatórios de que Brasília, saída das mãos de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa como projeto sinalizador da utopia brasileira de realizar nos trópicos pela obra de um país miscigenado uma cultura democrática e singular. Os palácios de Brasília, as sedes dos três poderes republicanos, não eram separados das vistas do público por muros, mas por vidros a fim de afirmar os ideais da transparência do poder. Neste famigerado dia 8 abateram-se as vidraças dos palácios de Brasília com a mesma fúria com que as hordas nazistas, em 1938, levaram a efeito um pogrom num bairro judeu destruindo suas lojas.
Seu propósito era o de colapsar a sede do poder democrático recentemente investido a fim de impedir a realização dos seus fins declarados de ruptura com uma história nascida da relação monstruosa entre o latifúndio e a escravidão, que preservada em seus fundamentos de exclusão, encontrou lugar nos processos de modernização autoritária que nos trouxeram aos dias de hoje. A tentativa criminal foi abortada, mas antes disso ela conspurcou e maculou o que dava sentido à nossa história e alento para seguir seu curso.
Os alemães, depois de 1945 com a derrota do nazismo, acertaram suas contas com os sicários que a tinham dissociado da sua rica história cultural no Tribunal de Nuremberg. Aqui, e pelas mesmas razões, é imperativo levar aos tribunais todos os que atentaram por ações ou omissões contra a nossa incipiente democracia. Qualquer tergiversação nessa linha deixa os flancos abertos para recidivas do fascismo que já encontrou as brechas em nossa sociedade para se infiltrar, que não se restringem às ocupações de posições de poder, mirando com igual intensidade as interpretações sobre o sentido da nossa história que vinham animando a construção da nossa democracia, do que foi exemplar a elaboração da Carta de 1988. Tais interpretações que foram se sucedendo e se retroalimentando desde José Bonifácio, Euclides da Cunha e tantos outras que imediatamente as seguiram, encontraram ressonância na ensaística moderna como nas obras de Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Roberto Schartz, Rubem Barbosa Filho, para citar apenas alguns, que tentaram desvendar quais poderiam ser os rumos para uma sociedade cujo ponto de partida, o atraso ibérico, lhe era tão pouco propício. Cada qual, a seu modo, interpretava o nosso destino como vocacionado para uma intervenção de ruptura com o nosso passado.
O avanço continuado do moderno, antípoda do processo de modernização com que a ordem burguesa abriu seu caminho entre nós pelo autoritarismo político e a exclusão social, pôs em cheque a reprodução do passado, sustentado na ordem burguesa pelos seus vínculos com a ordem patrimonial que lhe garantia no plano da política. O regime Bolsonaro significou em todos os sentidos, político, cultural, econômico, um levante das forças do passado a fim de obstar a passagem do moderno, e foram elas que estavam presentes nos acampamentos em que se gestava o assalto à democracia brasileira, quer financiando suas ações, quer nas concepções dos seus movimentos, quer arrostando como massa de apoio setores retardatários da sociedade.
Esconjurar nosso espanto diante da calamidade a que fomos expostos, saída das próprias entranhas da nossa sociedade, é obra coletiva a ser desencadeada por um julgamento público, quando se investigue as origens presentes e remotas do mal que nos ronda, sempre com a inspiração de que jamais o dia 8 de janeiro ocorra mais uma vez.
O dia 8 de janeiro foi a data da profanação do que havia de sagrado entre os brasileiros no culto de suas tradições e seu projeto de futuro, sempre reiterado de seguir em frente na realização dos ideais civilizatórios de que Brasília, saída das mãos de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa como projeto sinalizador da utopia brasileira de realizar nos trópicos pela obra de um país miscigenado uma cultura democrática e singular. Os palácios de Brasília, as sedes dos três poderes republicanos, não eram separados das vistas do público por muros, mas por vidros a fim de afirmar os ideais da transparência do poder. Neste famigerado dia 8 abateram-se as vidraças dos palácios de Brasília com a mesma fúria com que as hordas nazistas, em 1938, levaram a efeito um pogrom num bairro judeu destruindo suas lojas.
Seu propósito era o de colapsar a sede do poder democrático recentemente investido a fim de impedir a realização dos seus fins declarados de ruptura com uma história nascida da relação monstruosa entre o latifúndio e a escravidão, que preservada em seus fundamentos de exclusão, encontrou lugar nos processos de modernização autoritária que nos trouxeram aos dias de hoje. A tentativa criminal foi abortada, mas antes disso ela conspurcou e maculou o que dava sentido à nossa história e alento para seguir seu curso.
Os alemães, depois de 1945 com a derrota do nazismo, acertaram suas contas com os sicários que a tinham dissociado da sua rica história cultural no Tribunal de Nuremberg. Aqui, e pelas mesmas razões, é imperativo levar aos tribunais todos os que atentaram por ações ou omissões contra a nossa incipiente democracia. Qualquer tergiversação nessa linha deixa os flancos abertos para recidivas do fascismo que já encontrou as brechas em nossa sociedade para se infiltrar, que não se restringem às ocupações de posições de poder, mirando com igual intensidade as interpretações sobre o sentido da nossa história que vinham animando a construção da nossa democracia, do que foi exemplar a elaboração da Carta de 1988. Tais interpretações que foram se sucedendo e se retroalimentando desde José Bonifácio, Euclides da Cunha e tantos outras que imediatamente as seguiram, encontraram ressonância na ensaística moderna como nas obras de Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Roberto Schartz, Rubem Barbosa Filho, para citar apenas alguns, que tentaram desvendar quais poderiam ser os rumos para uma sociedade cujo ponto de partida, o atraso ibérico, lhe era tão pouco propício. Cada qual, a seu modo, interpretava o nosso destino como vocacionado para uma intervenção de ruptura com o nosso passado.
O avanço continuado do moderno, antípoda do processo de modernização com que a ordem burguesa abriu seu caminho entre nós pelo autoritarismo político e a exclusão social, pôs em cheque a reprodução do passado, sustentado na ordem burguesa pelos seus vínculos com a ordem patrimonial que lhe garantia no plano da política. O regime Bolsonaro significou em todos os sentidos, político, cultural, econômico, um levante das forças do passado a fim de obstar a passagem do moderno, e foram elas que estavam presentes nos acampamentos em que se gestava o assalto à democracia brasileira, quer financiando suas ações, quer nas concepções dos seus movimentos, quer arrostando como massa de apoio setores retardatários da sociedade.
Esconjurar nosso espanto diante da calamidade a que fomos expostos, saída das próprias entranhas da nossa sociedade, é obra coletiva a ser desencadeada por um julgamento público, quando se investigue as origens presentes e remotas do mal que nos ronda, sempre com a inspiração de que jamais o dia 8 de janeiro ocorra mais uma vez.
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