sábado, 15 de outubro de 2016

Hora de rever conceitos...

Desde o final de agosto, o status quo político brasileiro foi atingido por três belas pancadas: o impeachment de Dilma Rousseff, a contundente derrota do PT na eleição municipal e a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 (teto de gastos públicos), esta em primeiro turno, mas por larga margem. Considerando, ainda, que as três decorreram direta ou indiretamente da Operação Lava Jato, é razoável conjecturar que o próprio sistema político tende a se alterar em profundidade, e para muito melhor.

O impeachment concretizou-se apesar da fábula do “golpe”, que as forças ditas de esquerda se encarregaram de propagar pelo mundo afora, com zelo suficiente para levar na conversa alguns respeitáveis órgãos da imprensa internacional. Na eleição, o PT venceu em Rio Branco, capital do Acre, mas perdeu em São Bernardo. Em São Paulo, a joia da coroa, o estreante Doria derrotou o incumbente Haddad e, de quebra, três figuras já curtidas desde outros carnavais: Russomanno, Marta Suplicy e Luiza Erundina. No mesmo sentido, a PEC 241 foi aprovada com uma folgada margem de 255 votos (366 a 111), deixando ao menos temporariamente em suspenso aquele monstro a que se convencionou denominar “presidencialismo de coalizão”.

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Os efeitos produzidos pela avalanche de corrupção desvendada pela Lava Jato e pelos três episódios que venho de mencionar certamente levarão os pesquisadores políticos acadêmicos e os jornalistas de um modo geral a repensar os esquemas que utilizam em suas análises. Embora não os veja como um grupo homogêneo, creio que a maioria observa a cena pública brasileira por um prisma ideológico, esforçando-se para enquadrar a variedade das questões e dos agentes políticos na dicotomia direita x esquerda. Esse tipo de exercício às vezes abeira-se ao simplório, como na análise do Movimento Brasil Livre (MBL) escrita por dois jornalistas argentinos, Diego González e Julia Muriel Dominzain, publicada esta semana num site denominado America’s Program. Descrevendo o movimento como um dos grupos promotores do “golpe institucional”, os signatários o caracterizam como uma das faces da “nova direita” brasileira, embasando tal caracterização no fato de o MBL pedir o fim da Lei Rouanet, a simplificação do sistema tributário, a privatização dos bancos oficiais e a abertura da economia.

Mas tudo bem, os dois jornalistas citados são argentinos, e quiçá jovens. O problema é que o prisma ideológico a que me refiro remonta aos anos 1950 e raramente é questionado, mantendo uma presença incomodamente dominante no circuito de formação da opinião. Naqueles tempos, inegavelmente, a dicotomia direita x esquerda (ou conservador x progressista) fazia sentido, não exatamente porque uma tivesse mais “sensibilidade social” que a outra, mas porque eram os tempos da guerra fria, que dividira nesses termos não só o Brasil, mas o mundo inteiro. No Brasil de hoje, não há como não entrar na substância. Quem quer conservar o quê? Faz sentido afirmar que é progressista o defensor de estatais semifalidas e do corporativismo sindical, sendo conservador e até reacionário o defensor do mérito, da probidade na administração pública, do mercado e de uma economia mais aberta?

Num livrinho intitulado Partidos Conservadores no Brasil Contemporâneo, publicado no ano 2000, os cientistas políticos Scott Mainwaring, Rachel Meneguello e Timothy Power esmeraram-se no manejo das estatísticas, mas parecem não ter percebido a fragilidade do esquema de análise fundado na dicotomia direita-esquerda, já insinuada no título da obra. “Partidos conservadores” no Brasil contemporâneo? Quais são eles? O polo “não conservador”, como é fácil adivinhar, compreende o PT, o PDT e as pequenas siglas comunistas. Fernando Collor de Mello, cujo PRN era para inglês ver, é descrito como um mero populista, mas esse adjetivo não é aplicado a Lula, sutileza que implicitamente o transforma numa liderança “verdadeiramente” ideológica.

No centro os autores colocam o PMDB e o PSDB – este, porém, pendendo para a direita por causa do papel proeminente que nele desempenha o “neoliberal” Fernando Henrique Cardoso. Do ponto de vista programático, os autores informam que o traço distintivo dos conservadores, nos anos 90, foi o papel dos Estados e mercados (o neoliberalismo tornou-se a bandeira unificadora da agenda política da direita). No Brasil, além do apoio ao governo “neoliberal” de Fernando Henrique, o que distinguiu os conservadores dos partidos de centro e de esquerda foi o fato de enfatizarem mais o crescimento econômico do que a distribuição, bem como o enxugamento da máquina estatal, a redução dos gastos públicos e a privatização. Sobre a iminência da hiperinflação em meados dos anos 90 os autores não se detiveram.

Do ponto de vista eleitoral, os conservadores geralmente se davam mal nas grandes cidades, angariando mais votos nos pequenos municípios que nos grandes centros. Quanto a este ponto, louve-se a isenção valorativa dos autores citados. Em outros tempos, era comum contrapor-se a iluminação ateniense dos grandes centros à treva perpétua dos “grotões”, como se o voto daqueles fosse portador de uma legitimidade superior à destes.

Embora sucintas, as citações acima devem ser suficientes para evidenciar o arcaísmo dessa estrutura conceitual e as distinções arbitrárias a que ela conduz. Contudo o ponto que desejo frisar é a urgente revisão de tal esquema à luz dos acontecimentos recentes. O que derrubou eleitoralmente o PT não foi a prévia ocorrência do “neoliberalismo” de Fernando Henrique, mas o paleoestatismo ideológico pelo qual se orienta, seus colossais erros de política econômica e a dimensão amazônica da corrupção posta a nu pela Lava Jato.

Palhaços de estimação

Não sei não, mas acho que ando vendo palhaços demais em minha vidinha besta. Basta uma rápida olhada na blogosfera para sabermos que somos acossados pela terceira guerra mundial, pela gravidade do Planeta X, pelos palhaços assombrações, pela prisão do meliante chefe da camarilha e por outras tantas hecatombes que fariam corar a sacristia toda. Aliás, ela mesma anda em polvorosa, mandando recados esquisitos e se recusando a abençoar o “governo golpista”, que vai queimar no inferno se resolver cobrar dos templos tudo o que eles devem em impostos.

Tempos esquisitos. Não sei se conta a pessoa acabar de perder o pai e a mãe e alguém vir confortá-la afirmando que “isso passa” e outras beatitudes e formalidades. Resumindo: não se questiona com razões, questões de fé, da mesma maneira que não adianta apelar para o civismo e para a cidadania, quando sabemos que estamos diante de um bando de ladrões em plena atividade parlamentar. É do jogo, como diria o próprio presidente Temer, que vem me ensinando algumas aulinhas de bom senso e tolerância.


Eu só acho que o abismo que nos olha tem nome, sobrenome e endereço certo. Não fomos nós que o parimos e o alimentamos; pelo contrário. Somos um povo até bastante tolerante com tudo o que está acontecendo no país. A estrondosa roubalheira capitaneada por todos estes homúnculos vem merecendo uma resposta rápida e contundente do poder público, antes que o sapato seja usado para abater estes salafrários todos. E haja sapato.

Continuo a brandir a diferença entre uma convicção e uma constatação. Por convicção sou contra a violência, seja ela uma sapatada, um tiro de canhão ou toda essa vigarice institucionalizada. Por constatação, no entanto, penso que só podemos pedir respeito às leis, às instituições, ao governo, à sociedade e à classe política, quando estes agentes da vida pública se fazem respeitar perante o conjunto de indivíduos a que estes deveriam representar. O resto é guerra.

É evidente que temos que ser a turma do “deixa disso”. Os bombeiros da nação exausta. Os “médicos sem fronteiras” dessa doença chamada Brasil. O problema é justamente a demora das soluções. A disparidade de versões. As avarias de julgamento. É muito bonito oferecer flores aos combatentes, mas não somos nós que sentimos o cheiro da morte em confrontos estúpidos. Não fomos nós que optamos pelo fim da civilidade em suaves prestações superfaturadas. Não fomos nós que trouxemos essa guerra para o nosso quintal. Mas ela está aí na porta, nos ameaçando o tempo todo.

Se eu precisar pegar no porrete para defender minha casa, minha família, minha vida e minha dignidade desses párias, o farei sem pestanejar. Não sou daqueles que oferece a outra face: só tenho uma para oferecer. O homem é um animal sem complacência, sem compaixão e sem limites. Entende o fim do seu território só quando começa o território do outro. Pois o cara que transpasse a minha cerca será alvejado por um pé 43. Republicanamente. Sem a menor dor na consciência. Só na careca. Vai encarar?

Qual país produz mais lixo?


O mapa mostra quantos quilos de lixo são gerados por pessoa ao ano em cada país. Além disso, os dez pontos pretos indicam alguns dos maiores lixões do mundo. Ao clicar neles, é possível obter informações sobre o seu tamanho, a quantidade de resíduos acumulados e o tipo de material predominante.

Os dados sobre a produção de lixo foram extraídos de diferentes fontes, entre elas o relatório What a Waste: a Global review of solid waste management, elaborado pelo Banco Mundial, os últimos indicadores do Eurostat e publicações sobre geração de resíduos de cada país compiladas pela organização The Waste Atlas.

Os lixões foram selecionados a partir da lista The world’s 50 biggest dumpsites, publicada pelo The Waste Atlas. Nela aparecem o Agbogbloshie, o lixão eletrônico de Accra (Gana), considerado o lugar mais tóxico do planeta, segundo um relatório da Green Cross Switzerland e do Blacksmith Institute, e onde mais de 10.000 pessoas desmontam equipamentos para revender seus componentes; além do Estrutural (em Brasília), um dos maiores e mais velhos do mundo, que acumula 25 milhões de toneladas de dejetos ao longo de 50 anos de atividade.

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PEC do Teto surge do reconhecimento de que Cocanha só existe na utopia

Antonio Palocci está na cadeia. Há 11 anos, à frente do Ministério da Fazenda, ele apresentou a proposta de uma política fiscal contracíclica, que faria a curva do gasto público declinar (em relação ao PIB) nas fases de expansão econômica e crescer nas de recessão.

"Despesa corrente é vida", retrucou a então chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, crismando como "rudimentar" a ideia de ancorar a trajetória dos gastos na morfologia do ciclo econômico. A colisão no núcleo do governo Lula opunha a política à demagogia. A PEC do Teto, uma resposta ao triunfo da segunda, implica a restauração da primeira.

A divergência entre as curvas do PIB e do gasto público começou no outono do regime militar, acentuando-se com o pacto da redemocratização. Desde 1980, as despesas aumentam, quase incessantemente, em ritmo mais acelerado que o do PIB. No início, financiou-se a cisão insustentável pela emissão de dinheiro, um expediente não negociado politicamente que desaguou na hiperinflação. Mais tarde, com o Plano Real, adotou-se a solução pactuada de ampliação da carga tributária. Finalmente, no primeiro mandato de Dilma, face à impossibilidade política de elevar ainda mais os impostos, o governo decidiu preservar as sacrossantas despesas pelo recurso a uma nova saída não negociada: o crescente endividamento público.

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A demagogia ganhou, então, uma auréola virtuosa, fantasiando-se como teoria: "Nova Matriz Econômica". O reino da Cocanha, um mito de raízes medievais, é a terra de abundância e prazeres na qual nenhum desejo será interditado.

Na Cocanha dilmista, a riqueza pública ilimitada propiciaria o atendimento simultâneo de todas as demandas. Podíamos elevar os proventos dos magistrados e aumentar o salário mínimo, erguer as arenas da Copa e construir hospitais, sustentar o crescimento inercial dos dispêndios previdenciários e ampliar os recursos destinados à Educação, garantir tanto o Bolsa-Empresário quanto o Bolsa-Família. A PEC do Teto surge do tardio reconhecimento de que a Cocanha só existe no mundo da utopia.

A política substitui a politicagem quando termina a demagogia. Na disjunção entre uma e outra, nasce um elemento fundamental das democracias: o Orçamento. Sob o paradigma demagógico do endividamento sem limites, como sob a inflação descontrolada, a previsão orçamentária é uma peça ficcional, fabricada por atos rituais do Executivo e do Congresso.

A PEC do Teto estabelece parâmetros políticos para a produção do Orçamento, impondo o debate sobre as prioridades nacionais. Se a riqueza não é infinita, precisamos escolher entre diversas demandas, atribuindo valor a cada uma delas. Política é isso: decidir, pacificamente, entre interesses legítimos conflitantes.

Os inimigos da PEC recusam-se a abandonar o ninho quente da demagogia para levar seus argumentos à áspera praça da política. A discórdia de fundo repousa na forma como se define a sociedade. Os demagogos não enxergam a sociedade como uma comunidade contratual de indivíduos, mas como uma coleção de corporações demandantes -e prometem realizar as vontades delas todas, começando pelas mais articuladas e barulhentas.

A virulenta reação à PEC do Teto evidencia a extensão da derrota sofrida pelos demagogos: eles não perdem uma batalha singular, mas o privilégio de borrar as regras do jogo político.


Nada, na PEC do Teto, autoriza a conclusão de que serão cortados os recursos da Educação ou da Saúde. A PEC tão difamada apenas explicita o conflito distributivo, suprimindo a crença na infinitude de recursos. De agora em diante, a alocação dos gastos públicos dependerá do jogo político.

No fim das contas, os demagogos que clamam contra a "PEC do fim do mundo" têm uma certa razão: a limitação dos gastos implode o reino da Cocanha, esse estranho mundo destinado a consumir-se na falência do Estado.

Demétrio Magnoli

Alegre Bom Dia



 Donald O`Connor, Debbie Reynolds e Gene Kelly em "Singin in the rain" (1952)

A Lava Jato e a 'criminalização' da corrupção

O leitor destas linhas deve saber que foi instalada em nossos hábitos e costumes uma distinção entre o crime contra o patrimônio praticado por um e o mesmo crime praticado por muitos. O "coletivo" da segunda situação permite atribuir-lhe a característica de movimento social, ideologicamente credor de benevolência e reverência. As razões pelas quais as coisas se passam assim no Brasil permanecem envoltas pelos mistérios inerentes à alquimia marxista. Tremem as luzes do intelecto, borbulham as retortas cerebrais, fumegam os neurônios e pronto: afirmar que qualquer dos ditos movimentos sociais violou dispositivo do Código Penal torna-se pura e simples criminalização do movimento e isso não é coisa que se faça.

O MST já conta 32 anos empenhado em crescente pluralidade de causas, entre as quais a que menos importa é a reforma agrária. Até o PT, com o tempo, descobriu que desapropriar terra para assentar o pessoal indicado pelo MST é jogar dinheiro fora. Sob o ponto de vista político, resulta mais eficiente e mais barato dar dinheiro para o movimento e bolsa família para seus militantes. Tanto isso é verdade que após 13 anos e quatro governos federais petistas, Michel Temer esquentava sua cadeira há apenas uma semana quando o MST lhe apareceu com extensa pauta de reivindicações. Sem nenhum constrangimento.

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Denunciar a "criminalização" dos movimentos sociais é ato de extrema astúcia, cujo objetivo consiste em criminalizar a denúncia do ato criminoso. Hoje, são condutas e expressões inseparáveis. Basta que alguém denuncie ou reaja a um crime contra a propriedade privada ou pública praticado por muitos para que, imediatamente, passe a ser acusado de estar criminalizando movimento social. Esta acusação pretende conseguir (e pela insistência e repetição consegue) que o denunciante seja percebido como réu ele mesmo. Invertem-se as culpas e responsabilidades. Graças a isso, o MST e os exércitos rurais do senhor Stédile sempre agem impunemente. Graças a isso, as milícias urbanas do MTST e do senhor Boulos obtêm a mesma proteção. Graças a isso, os truculentos máscaras-negras do senhor Freixo, conhecidos pela alcunha de Black Blocs, podem queimar lixeiras e espatifar vidraças sem serem tolhidos. Graças a isso, também, os adolescentes intelectualmente abusados por professores militantes podem invadir escolas e prédios públicos sem serem perturbados pelas instituições da República. E por aí vai a semeadura cultural da impunidade.

Se o leitor destas linhas observar a reação desses mesmos grupos, bem como a dos partidos e lideranças políticos que os sustentam, perceberá que a mesma estratégia está sendo aplicada em relação à força-tarefa da Lava Jato e, especialmente, ao juiz Sérgio Moro. Atacam os delegados, os procuradores e o juiz por estarem "criminalizando" condutas criminosas. O petrolão não foi um movimento social. Foi mais um movimento societário. Mas a Lava Jato está criminalizando a corrupção e isso deixa muita gente indignada.

Percival Puggina

A prioridade do saneamento

O acesso à rede de esgoto sanitário é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) um direito humano fundamental. No Brasil, porém, o tema vem sendo relegado a plano secundário pelos governos com desumana indiferença. Recente levantamento da ONG Contas Abertas indica que, nos últimos 16 anos, mais de 60% dos recursos federais autorizados para o saneamento básico não foram investidos na área.

A pesquisa analisou os gastos públicos de 2000 a 2015 na área de saneamento. No período foram autorizados, em valores atualizados, R$ 50,5 bilhões para aplicações federais nas subfunções “Saneamento Básico Rural” e “Saneamento Básico Urbano”. Desse total, apenas R$ 19 bilhões foram efetivamente gastos, o que representa meros 37,7% do valor autorizado. No período de 16 anos, o governo federal deixou de aplicar R$ 31,4 bilhões em saneamento básico. Eram valores que o Congresso Nacional autorizou, por meio das leis orçamentárias anuais, a gastar com saneamento, mas que, na hora de efetivamente investir, o Poder Executivo federal decidiu que havia outras prioridades e que o saneamento básico podia esperar.

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O governo federal faz pouco-caso não apenas de suas obrigações internacionais, já que o Brasil é signatário da declaração da ONU que reconhece o saneamento básico como um direito humano fundamental. Ele parece esquecer a própria legislação nacional. A Lei n.º 11.445/07 atribuiu à União a responsabilidade de elaborar o Plano Nacional de Saneamento Básico, com “os objetivos e metas nacionais e regionalizadas, de curto, médio e longo prazos, para a universalização dos serviços de saneamento básico e o alcance de níveis crescentes de saneamento básico no território nacional”. Ele engloba abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem das águas pluviais urbanas.

Aprovado em 2014, o atual Plano Nacional de Saneamento Básico estabelece como meta a universalização do abastecimento de água até 2023 e o atendimento de 92% da população com rede de esgoto até 2033. No entanto, em fevereiro deste ano, o governo federal admitiu que o País “terá dificuldades” no cumprimento das metas. Era o reconhecimento antecipado da derrota, deixando transparecer a falta de comprometimento estatal com o saneamento básico.

Mais do que nas palavras, porém, o desleixo do poder público é evidente quando se olham os fatos. Segundo recente diagnóstico, mais de 42% da população urbana brasileira não é atendida por redes coletoras de esgoto. Com esse quadro, não devem causar surpresa, portanto, as dificuldades encontradas para combater a proliferação de Aedes aegypti, responsável pela recente epidemia de zika no País. Trata-se, portanto, de mais uma consequência desse conhecido modo de fazer política que, indiferente às reais prioridades nacionais, se contenta com promessas.

Essa disparidade entre discurso e realidade foi justamente o que ocorreu com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Desde sua primeira edição, o saneamento básico foi listado como uma prioridade da infraestrutura nacional. Os dados das várias edições revelam, porém, outra ordem de valores. De acordo com a entidade Contas Abertas, o PAC 1 (2007 a 2010) e o PAC 2 (2011 a 2014) previram R$ 62 bilhões para investimentos em saneamento. Foram gastos, no entanto, apenas R$ 4,2 bilhões, representando menos de 7% da previsão anunciada. Assim, o saneamento teve o pior resultado entre todos os setores do PAC. É um lamentável indicador da pouca preocupação dos governos petistas com o tema.

O desenvolvimento social do País inclui necessariamente uma mudança no patamar do saneamento básico. Sem água encanada e sem esgoto tratado, é difícil falar em melhora da qualidade de vida da população, por mais que possa ter havido crescimento do consumo. Não há margem de erro: toda vez que um governo posterga o saneamento básico, ele decide mal, ele perpetua a injustiça.

Imagem do Dia

Olha quem quiser me dar esse quarto aceito ok:
Ao Dia do Professor que possibilita 
esse conhecimento mágico do mundo 

Um dia a coisa explode

Proibição das coligações partidárias nas eleições para a Câmara dos Deputados, cláusula de barreira para reduzir o número de partidos políticos, teto para gastos nas campanhas eleitorais e voto em listas partidárias em vez de candidatos a deputado federal. Some-se a reforma da Previdência Social e se terá a pauta das reforma até o final do ano.

Desse sucinto elenco apenas um contraria a natureza das coisas: a obrigação do eleitor votar apenas na sigla do partido de sua preferência, sem fulanizar o voto. Desde o Império que a gente escolhe em quem votará. Tanto faz se João, Benedito ou Antônio, mas tem sido assim há séculos.


Agora, querem mudar o objetivo do voto para deputado. Cada um que escolha o seu partido, cabendo aos dirigentes de cada um preparar as listas dos que serão votados. Claro que se colocarão nos primeiros lugares, nem precisando fazer campanha ou gastar dinheiro.

Será um retrocesso. Deixar de optar por quem pretendemos representar-nos afastará a decisão personalizada. Poderão ser eleitos candidatos despojados da vontade do eleitor, bafejados por amizades ou motivos menos nobres.

As reformas políticas se limitarão ao imprescindível, havendo dúvidas, também, sobre a questão previdenciária. Aumentar o prazo para aposentadorias parece certo, mas pelo jeito não se cuidará da reforma trabalhista. Suprimir direitos levantará protestos, mas será bom ir com calma. O desemprego ultrapassa todos os limites enquanto inexistem sinais de arrefecer. Um belo dia a coisa explode, sem que se possa conter a indignação geral.

Tirando o Brasil do vermelho

Não entendi a celeuma no decorrer da semana passada para o governo aprovar sua campanha de publicidade inaugural, dando conta do estado em que encontrou as contas públicas, do déficit estimado em estratosféricos R$ 170 bilhões e das providências amargas que terá de tomar. Quando o Planalto afirma que hesitou em lançar mão da expressão “vamos tirar o Brasil do vermelho” para evitar o duplo sentido, contábil e político-ideológico, fico a me indagar por que, se o próprio eleitorado excluiu de maneira tão eloquente a cor vermelha do mapa dos resultados consolidados das eleições. É unânime a leitura de todos os analistas políticos que, diante dos escândalos de corrupção em série e da barbeiragem petista na gestão das contas públicas, o eleitorado deu uma clara guinada à direita, punindo a irresponsabilidade fiscal da esquerda governista e apoiando a continuidade da Operação Lava Jato.

Temer desempregado pedindo esmola temer Meirelles aceito crise reforma previdencia

Não há o que hesitar. Se o governo quer mesmo se comprometer com o equilíbrio das contas públicas para criar condições de resgatar 12 milhões de empregos extintos e voltar a índices positivos de crescimento econômico, terá mesmo de dar demonstrações inequívocas de responsabilidade fiscal, austeridade na gestão e coragem de seguir na pauta de remédios amargos. Não se faz omelete sem quebrar ovos. A recuperação da confiança de investidores internos e externos depende desses sinais de disposição governamental. Afinal, governar com responsabilidade, como diz a assinatura do anúncio, é manter as contas públicas equilibradas. E ter a humildade de voltar à política do pão, pão, queijo, queijo. Não há mais espaço para as ambiguidades de nosso atávico gosto pelo contorcionismo mental e moral, nossa linguagem barroquista e o andar perambulante de quem não quer encarar a realidade. Se a cidadania deu um recado claro de viés centrista e conservador, não se pode admitir a dubiedade da demagogia renitente dos governantes. Temos de tirar de fato o país do vermelho, nos dois sentidos da expressão: tanto do déficit das contas públicas quanto da gestão irresponsável do esquerdismo petista dos últimos anos.

Aliás, é bom que se explicite a partir de agora o significado simbólico da adoção romântica das esquerdas à bandeira vermelha. A cor da emoção, do sangue, da animosidade revolucionária, por excelência. Da negação de “tudo isto que está aí”. A cor da revogação dos costumes e da tradição, do relativismo moral, da flexibilização dos valores e do gosto pela quebra de paradigmas. Perspectivas que produzem efeitos extraordinários no campo das artes e da cultura como costumo dizer. Mas de consequências desastrosas no campo da economia e da política. Pois a própria noção de equilíbrio é refutada pela alma romântica na mesma medida em que idealizada pela concepção classicista do mundo. O romantismo esquerdista é pura extravasão, acreditar mais do que ponderar, sonhar mais do que precaver, ousar mais do que sopesar. Mas não é só repúdio pela destemperança do vermelho que o eleitorado manifestou. É também pela estrela que quer anunciar boas-novas de todas as ideologias esquerdistas cosmovisionárias desde que o romantismo consagrou a arrogância do homem em querer determinar seu destino e se igualar a Deus. A clássica estrela de Belém, sinal divino que anunciava o Cristo, não era dos homens. Como a estrela estilizada que passou a bordar as armas e os uniformes dos sovietes russos, as bandeiras das comunas de agricultores chineses e as boinas dos guerrilheiros latino-americanos. Parece maldição, mas quando a estrela vermelha do esquerdismo, por simbolizar os cinco dedos da mão, as cinco classes sociais da vanguarda revolucionária e os cinco continentes da Terra, quer suplantar a azulada estrela de David de 12 lados, símbolo das 12 tribos de Israel, perde os anéis para não perder os dedos.

O maior problema da ambição internacionalista do comunismo, e sobre a qual se desgraçou na história, foi exatamente o de não respeitar os limites das nações, das famílias e das comunidades locais, para não falar na sagrada dignidade da pessoa humana. A aritmética cobra um preço alto nesses casos. As contas no vermelho não levam desaforo para casa, como diz a tradição. Aliás, as contas são vermelhas porque são deficitárias e os homens não toleram déficits na tradição ancestral do comércio. Pois a arte de comerciar, de trocar, que celebra a paz social, não paga tributo ao comunismo, uma vez que precisa salvaguardar o valor relativo dos preços das mercadorias, índices desprezados pelos esquerdismos, enfeitiçados pelas ilusões de mudar a natureza do homem, de criar um “novo” homem à custa de utópicas revoluções sociais ou culturais. A razão do fracasso das esquerdas é de não saber lidar com a cultura e tentar separa-lá das tradições no delírio gramsciano. De vermelho mesmo, o que o petismo conseguiu foi apenas colocar em déficit, não apenas as contas públicas, mas a renda dos próprios trabalhadores.

Por ironia do destino, o populismo tarifário da gestão petista só conseguiu mesmo decretar a bandeira vermelha nas contas de luz do trabalhador. O déficit das empresas na contratação dos empregos. O vermelho do alerta, da censura, do pare, do sacrifício, do holocausto, da suástica nazista, do radicalismo, da desmedida, do inferno e do demônio, enfim. Ao contrário da estrela azul de Israel. Porque o romantismo esquerdista despreza fazer contas, respeitar contratos ou honrar a palavra. Acha que tudo pode e brinca de Deus com a fé dos homens, sobretudo com os mais humildes na contradição irreversível de sua soberba. O momento não é para hesitações sociais-democratas, senão para o resgate do pragmatismo liberal amaldiçoado pelos socialistas. Daí a importância estratégica de se dar visibilidade aos conservadores na sua missão de temperar os liberais contra os socialistas envergonhados como os social-democratas. O momento não é para hesitações de nenhuma espécie, pois 12 milhões de desempregados têm pressa. É para tirar o Brasil do vermelho mesmo! Nos dois sentidos: tirar as contas públicas do vermelho e tirar a má gestão esquerdista dos governos. Como quer a maioria dos cidadãos que, há várias manifestações dos últimos anos, entoam o estribilho: “Nossa bandeira jamais será vermelha!”.

Jorge Maranhão

Cheran, onde as mulheres expulsaram policiais, políticos e traficantes

No México, o crime organizado está por toda a parte, até nos menores vilarejos - com exceção de uma cidadezinha no estado de Michoacán. Governada por mulheres locais, a população de Cherán defendeu sua floresta de madeireiros armados - e aproveitou para já expulsar também policiais e políticos ao mesmo tempo.

As mulheres se reuniram em segredo para bolar o plano. Elas estavam fartas dos assassinatos e sequestros que haviam se tornado rotina e tinham raiva dos homens mascarados que circulavam pela cidade extorquindo pequenos comerciantes. Além disso, durante mais de três anos, elas assistiram, indignadas, aos caminhões passando um a um carregados de madeira recém cortada de suas florestas.

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Mulheres comandam escolha do Conselho
Antigamente, os cartéis mexicanos lidavam exclusivamente com drogas, mas eles diversificaram seu modelo de negócios e, hoje, tentam dominar outros setores lucrativos - incluindo a indústria madeireira, a base da economia de Cherán.

Em 2011, os madeireiros estavam chegando perto da nascente de água da cidade. "Estávamos preocupadas", recorda Margarita Elvira Romero, uma das conspiradoras. "Se você corta as árvores, há menos água. Nossos maridos têm gado, onde eles beberiam água sem a nascente?

Um grupo de mulheres foi à floresta tentar dialogar com os homens armados. Elas foram verbalmente agredidas e perseguidas. A partir daí o plano evoluiu. Elas sabiam que era muito perigoso confrontar os madeireiros na floresta perto do manancial, então decidiram que interromperiam a passagem dos caminhões na cidade com a ajuda dos vizinhos.

No começo do dia 15 de abril de 2011, o "levantamiento de Cherán", ou levante, começou. Na estrada que leva à floresta, diante da casa de Margarita, as mulheres pararam as picapes e levaram alguns dos madeireiros como reféns.

Ao nascer do dia, quando soaram os sinos da cidade de El Cavario e rojões explodiram alertando a comunidade do perigo, a população de Cherán correu para ajudá-las. Foi tenso - alguns mais esquentados tiveram de ser contidos e convencidos pelas mulheres de não enforcar os reféns em uma árvore antiga na frente da casa de Romero.



"Todos corriam pelas ruas com suas facas nas mãos", diz Melissa Fabian, que na época tinha 13 anos. "As mulheres estavam correndo para cima e para baixo com o rosto coberto. Dava para ouvir as pessoas gritando e os sinos tocando sem parar."

A polícia municipal chegou com o prefeito e homens armados vieram libertar seus amigos reféns. Houve um confronto entre moradores, madeireiros e polícia. O conflito terminou após um jovem atirar um rojão em dois madeireiros, que ficaram feridos. E Cherán - uma pequena cidade de apenas 20 mil habitantes - iniciou sua jornada rumo à autonomia.


"Lembrar daquele dia me dá vontade de chorar", diz Margarita. "Foi como um filme de terror, mas foi a melhor coisa que poderíamos ter feito."
Margarita Elvira Romero

A polícia e os políticos locais foram rapidamente expulsos da cidade porque a população desconfiava de que eles estariam conspirando com a rede criminosa. Os partidos políticos foram - e ainda são - banidos sob a acusação de dividir a população. E cada um dos quatro bairros de Cherán elegeram representantes para compor um comitê municipal.

Em vários sentidos, Cherán - uma cidade de população indígena da tribo Purepecha - retomaram suas raízes e a maneira antiga de fazer as coisas sem depender de forasteiros. Ao mesmo tempo, pontos armados de patrulha foram instalados nas principais estradas que levam à cidade.

Hoje, cinco anos mais tarde, os pontos de patrulha ainda existem e são defendidos por membros da Ronda Comunitária, uma milícia ou força policial local composta por homens e mulheres de Cherán. Todos os veículos que passam pela localidade são parados e seus ocupantes questionados sobre sua origem e destino.