segunda-feira, 31 de julho de 2017

Charge O Tempo 30/07/2017

Nem o diabo acredita

De longe, é tudo sempre inacreditável. Uma região inteira que se auto dispensou de fazer sentido. Demitiu o senso comum. Entender já não é possível. E o verdadeiro, não é mais verossímil.

De perto, o inacreditável é tangível. Concreto. Destrói vidas. Ruim para todos. Parte da realidade, enfim. Mas também não precisava ser aceitável. Deveria, aqui e ali, existir pelo menos algum espaço para indignação, ou mesmo reconhecimento dos problemas. Ou, sendo realmente otimista, para aprender com erros passados.

Ninguém gosta de má notícia. É natural. Mas vestir óculos cor-de-rosa o tempo todo não ajuda. Nunca. Ser enganado é um fato da vida. Auto-engano é culpa exclusivamente nossa.

A esta altura, imagino, todos já deveriam ter entendido que os problemas são complexos. E que, portanto, não serão resolvidos nem por salvadores, nem rapidamente, nem facilmente, nem sem sacrifício.

Presidente Michel Temer, ao lado do ministro da Economia, Henrique Meirelles, do ministro da Justiça, Torquato Jardim, e do governador do Rio, Luiz Fernando Pezão
De que miséria riem os senhores?
Agora a gente deu para acreditar que um Estado da união que decretou falência a menos de um ano vai se recuperar simplesmente através da injeção de recursos a serem usados da mesma maneira. Como se repetir tudo do mesmo jeito pudesse gerar resultados diferentes.

No mesmo festival de auto-engano, lá vem anuncio de plano de segurança que vai resolver tudo. E que começa pela intervenção das forças armadas. Da até preguiça de falar disso. Notícia velha. E, pior, repetida, reciclada e vendida como novidade.

Na maior parte dos lugares, intervenção federal é atestado de incompetência do sistema político e administrativo. Fracasso de todos, eleitores e eleitos, enfim. Algo a ser evitado. Somente aceito de maneira relutante. Jamais com alegria. Com exceção, claro, do pais onde o inacreditável é sinônimo de aceitável.

Depois de dezenas de intervenções das forças armadas nos últimos anos, exercito patrulhando a rua não é sequer noticia nova. Faz tempo que deixou de ser remédio. É sintoma. De doença grave.

Mas a gente vai se acostumando. E empurra com a barriga. Envia dinheiro daqui. Declara insolvência dali. Atrasa pagamento. Deteriora serviço. E vai levando. Acostumados e completamente adaptados ao inaceitável.

Seguimos construindo com surpreendente zelo e vigor, a nossa versão particular de inferno. Nem o diabo acredita.

Elton Simões

Afundar ou nadar

— Reconheça que a situação é terrível. E escolha o que fazer diante dela: afogar-se ou nadar.

Esta era a filosofia da mãe da atriz Charlize Theron, que matou o marido bêbado e agressivo. Foi o que disse à filha quando a tragédia aconteceu.

É uma frase dita num contexto familiar e definindo uma reação individual. Mas pode ser aplicada ao momento em que o país anda tão decadente.

O que fazer diante de tantas notícias ruins no campo da política e dos vários níveis de governo? Nadar talvez signifique o que fazemos cotidianamente: trabalhar, tentar os melhores resultados possíveis, avançar.

Ao deixar a esfera individual e aplicar a frase à trágica situação do Rio de Janeiro, o que significa afogar-se ou nadar? Creio que uma braçada inicial seria encarar de frente o problema da segurança pública. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, descreveu a situação de segurança pública no Rio como o “coração das trevas”.

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A cidade tem mais de 800 comunidades, a maioria sob domínio territorial do tráfico. Este domínio acaba se refletindo na própria política: traficantes elegem aliados em vários níveis.

O ministro advertiu que não são todos, mas muitos políticos do Rio eleitos, de uma certa forma, em sintonia com o mundo do crime, pois dependem dos traficantes para fazer campanha nas áreas dominadas.

A proposta de criar uma força-tarefa federal para o Rio parece muito sensata nesse contexto. Jungmann propõe a articulação de vários órgãos, PF, Ministério Público, Polícia Rodoviária, entre outros. E um prazo de alguns anos para corrigir essa situação tenebrosa, na qual o crime não só domina territórios, mas, no mínimo, aniquila a vontade política de combatê-lo. Minha suposição é de que uma força-tarefa desse tipo encontraria um amplo apoio social. Não me refiro apenas a um apoio do tipo que a sociedade brasileira dá à Lava-Jato. As pessoas comuns rejeitam, mas desconhecem os mecanismos de corrupção nas altas esferas de governo.

No caso do Rio, trata-se de algo palpável, um drama que atinge a todos no seu cotidiano. As pessoas têm boas ideias, informações. Alguns países vivem o mesmo problema. No México, discute-se uma lei que cassa o mandato de um partido caso um de seus candidatos tenha relações com o crime. Em Medellín, que tive a oportunidade de visitar, também houve uma experiência vitoriosa de pacificação. O período inicial foi o enfrentamento ao cartel de Pablo Escobar, no qual a Colômbia contou com o apoio dos EUA.

Trabalhei com Jungmann por muitos anos no Congresso. Ele era um dos melhores formuladores em política de segurança pública, uma referência na área. Deve saber muito bem que o enfrentamento é só a primeira fase. Medellín compreendeu que a saída a longo prazo era política, envolvia outras dimensões além da policial. Tanto que, quando se fala em milagre de Medellín, as pessoas contestam. Foi preciso muito trabalho, liderado por um grupo de sonhadores em torno do prefeito Sergio Fajardo, um professor de matemática. Adotaram uma tríplice prioridade: educação, cultura e urbanização. E definiram como lema empregar o dinheiro público onde fosse mais necessário.

Uma força-tarefa atuando com eficácia no Rio não terá vida fácil. Mas certamente vai polarizar a esperança da sociedade e estimular o desejo por soluções mais duráveis. Isso certamente passa por melhores escolhas políticas. E pode ser também o começo de uma revolução cultural no Rio. Uma reavaliação das tênues fronteiras entre o crime e a cultura.

É de um dos mais talentosos artistas que viveram por aqui, Hélio Oiticica, a célebre frase: “Seja marginal, seja herói”. Isso comporta uma discussão em alto nível. No entanto, para simplificar, no estado a que chegamos, basta virar a frase de cabeça para baixo: os policiais que atuam dentro da lei são os heróis de uma sociedade aterrorizada.

Uma força-tarefa eficaz seria um marco nessa transformação simbólica. A única dificuldade que vejo é a financeira. O governo é rejeitado, vai mal das pernas. O pouco dinheiro que lhe restou, pensa em aplicar nas escolas de samba. Mas um grupo de instituições que funcionem pode conquistar uma legitimidade própria. E até pensar, se isso não for ilegal, em receber contribuições espontâneas.

O projeto das UPPs foi parcialmente financiado por empresários. Ele também deveria ter o seu lado social. Mas ali, em termos de segurança, visavam-se os grandes eventos. E em termos de política social apenas, alguns votos a mais para a gangue no poder. É possível refazer o caminho se o longo trabalho de uma força-tarefa se complementar com mudanças políticas e culturais. Pelo menos é uma ideia de braçada. Há outras, certamente. Há quem nade crawl, peito, costas, borboleta.

Do jeito que está, afundamos. Outro dia, o vice-governador errou ao abotoar o paletó e apareceu meio estranho em público. Isso acontece com qualquer um. Mas no momento pareceu um inconsciente pedido de socorro.

Fernando Gabeira

Gente fora do mapa

sad eyes ...

Minha doce prisão

Valeu o choro. Geddel Vieira Lima ganhou a troca da prisão-prisão pela prisão domiciliar e agora cumpre pena no condomínio Pedra do Valle, no Jardim Apipema, em Salvador. Não é o lar de seus sonhos, ele que, se os leitores se lembram, queria desfrutar a vista da Baía de Todos-os-Santos no La Vue, uma torre em construção na Ladeira da Barra, em desafio às posturas que regem o tombamento da área. O Pedra do Valle tem seu valor, no entanto. Quem o localizar no Google verificará que alcança cotação máxima numa tabela de avaliações. A primeira pessoa a opinar, um visitante que teve a fortuna de ali ser hospedado, afirma: “Lugar tranquilo… Sem barulho e sem baderna. Todos aqui são bem-educados e respeitadores uns dos outros, sem causar incômodo à vizinhança. E todos aqui estão de parabéns… Obrigado, Salvador, por me receber tão bem”.

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Doce prisão domiciliar. No mesmo dia em que Geddel estaria de volta, depois de dez dias na infausta Papuda, sua mulher foi flagrada pelo jornal A Tarde a comprar uísque, vinhos e queijos num supermercado. Havia o que comemorar. Na prisão domiciliar, os lava-jatistas reencontram o conforto de antes. Na maioria usam tornozeleira eletrônica (não Geddel, porque está em falta o produto no mercado) e não podem sair de casa, mas que sacrifícios são esses para quem vive em mansão com piscina ou cobertura de frente para o mar? Um deles, o ex-senador sul-mato-­grossense Delcídio do Amaral, passa boa parte do tempo em sua fazenda no Pantanal. Que é não sair de casa para quem mora numa fazenda?

Outros também não podem se queixar. O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró está trancafiado num condomínio amplo e verde de apenas nove casas no bairro de Itaipava, em Petrópolis. Outro diretor, o pioneiro delator premiado Paulo Roberto Costa, também vive numa mansão de Itaipava, de onde sai para ministrar aulas de reforço a alunos de uma escola das redondezas, o serviço comunitário a que está obrigado. Outro ainda, o operador Fernando Baiano, apesar do apelido popular, trancafiava-se até há pouco numa cobertura de 800 metros quadrados na Barra da Tijuca. De lá mudou-se para uma casa, no mesmo bairro, onde montou uma academia doméstica para cumprir pesada rotina de exercícios físicos.

Casos como esses, e ainda há muitos outros, abrangendo virtualmente a totalidade dos contemplados com o mimo da prisão domiciliar, levaram dona Biloca a se dobrar sobre o assunto, em busca de maior justiça. Dona Biloca é uma sábia amiga e conselheira do colunista. É dela a máxima: “O barato sai caro, mas o caro sai mais caro ainda”. Também lhe pertence a constatação de que os apartamentos das novelas de TV estão proibidos de ter interfone. Os estranhos chegam à moda antiga, tocando a campainha. Abre-se a porta e ─ surpresa! A comoção de o intruso chegar de repente, a ser desenvolvida no próximo capítulo, é tão indispensável às tramas quanto as secretas paternidades.

No caso em exame, dona Biloca recomenda que os premiados com a prisão domiciliar a cumpram num conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida. Falta finalizar o projeto que ela pretende enviar ao Ministério Público, mas alguns detalhes estão adiantados. A casa seria adquirida, em transação transparente, sem malas de dinheiro, por mais que isso lhe causasse constrangimento, pelo próprio futuro morador. Só lhe custaria um pouco mais do que a taxa de condomínio numa cobertura de frente para o mar. Mas precisaria ser um Minha Casa Minha Vida autêntico, não falso como o tríplex no Guarujá, que seu suposto proprietário equiparou a “um Minha Casa Minha Vida, um em cima do outro”.

O interessado o mobiliaria a seu gosto. O que não poderia é comprar as casas vizinhas, ou até o conjunto inteiro, na miragem de produzir uma nova Itaipava, com piscina e quadras esportivas. O lado bom é que, ao contrário do comum dos moradores do programa, apelidado pelos críticos de Minha Casa Meu Fim de Mundo, não estaria condenado a perder horas percorrendo longas distâncias ─ a obrigação de ficar em casa tem dessas vantagens. O colunista atalhou se a casa não poderia ser no Complexo do Alemão. Dona Biloca discordou, em respeito aos moradores de lá. Mas reconhece que ouvir tiroteios na madrugada poderia ajudar. “Acorda! Este é o Brasil que você ajudou a construir”, diriam os tiros.

Decisão já

Conhecido como o mês do desgosto, o agosto de 2017 pode surpreender e até ser o oposto. Já nesta primeira semana tem-se a chance de ver resolvido o destino do presidente Michel Temer, em sessão na Câmara dos Deputados prevista para quarta-feira. E, seja qual for o resultado – contra ou a favor da abertura de inquérito --, o país ganha. Fecha-se um capítulo, passa-se a página.

Mas, como as assombrações agostinas são incansáveis, tudo está por um fio.

Para dar início à votação que autoriza o prosseguimento das investigações contra o presidente é necessário o registro de presença de 342 dos 513 deputados, número exigido também para aprovar a denúncia.

Quórum dificílimo. Sem alcançá-lo, a votação é adiada e o perrengue prossegue.

Do contrário, o mais provável é que Temer vença. Não por ter votos suficientes, mas pela dificuldade de seus opositores em reunir dois terços da Casa contra ele.


Na tentativa de não ser apeado do cargo, Temer tem lutado com todos os recursos disponíveis, literalmente. Usa sua experiência congressual para tentar convencer deputados a comparecerem à sessão, ainda que se abstenham do incômodo de votar em favor dele. Mima, adula, antecipa a liberação de emendas parlamentares que, mesmo tornadas obrigatórias por lei, tiveram calendário surreal neste ano – 63% delas foram atendidas no primeiro semestre, a maioria em julho.

Do outro lado a desordem é total.

Entre os tucanos – que usam a fama de muristas de acordo com a conveniência -- a ideia é usufruir dos ministérios que ocupam, das benesses do governo, e rechaçá-lo no plenário da Câmara. Um escárnio.

O PT, propagador da tese de “golpe” do vice de Dilma Rousseff, se encolheu em relação às denúncias de Joesley Batista, base da incriminação de Temer. Ao presidente atribuem a culpa por todos os males criados pelos governos petistas: aumento do desemprego, queda do consumo, recessão. Mas, claro, se calam quando o papo é JBS, enriquecimento ilícito, dinheiro sujo.

O fato é que nem mesmo a impopularidade recorde do presidente conseguiu fazer pegar o “Fora Temer”, que aparece em cartazes, mas não colou nas ruas, não encantou multidões. Como parcela significativa dos opositores do presidente tem contas mais pesadas do que ele no capítulo corrupção, a pregação pró-moralidade ficou prejudicada.

Ainda que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tenha fatiado as denúncias contra Temer e ameace com uma ou duas a mais, o resultado desse primeiro cabo de guerra pode pôr fim a um ciclo. E ditar as manobras seguintes – políticas e jurídicas.

Se o time de Temer conseguir reunir quórum e, ao mesmo tempo, impedir que se forme maioria qualificada contra o presidente, derruba-se a denúncia. Dificulta-se ainda o picadinho que Janot imaginou. Se perder, Temer é afastado e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assume. Imediatamente.

Maia, também citado pela Lava-Jato, frequenta a torcida de muitos. Curiosamente, por rezar a mesma cartilha de Temer.

Está alinhado com a rigidez fiscal do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defende as reformas da previdência e tributária. Mais: já provou que tem estrela, atributo essencial para jornadas de sucesso na política. Tornou-se presidente da Câmara dos Deputados depois dos rolos que levaram Eduardo Cunha à renúncia e posterior cassação. E, aos 47 anos, pode ser presidente da República se Temer for descartado.

O desfecho – se Temer ou Maia – pode até não empolgar. Mas, de um jeito ou de outro, o melhor seria decidir já. Daria fôlego ao país e outros ares ao malfadado mês de agosto.

O fim do surto de 13 anos de demência

No meio da gritaria sobre as denúncias do procurador-geral da República contra Michel Temer, os sucessivos anúncios de mais uma iminente derrota do governo na votação das reformas e outros exercícios de maciça perda de tempo, não tem chamado muita atenção a mais importante conquista do Brasil nos últimos anos: o óbito e o sepultamento de um surto prolongado de demência ao qual se deu o nome de “política econômica” do ex-presidente Lula, do PT e da esquerda nacional.

Lula não foi o único culpado. Foi, sem dúvida, o grande mestre de obras da coisa toda, mas seu partido mostrou-se indispensável para criar, executar e apoiar praticamente todos os disparates cometidos contra o progresso econômico do país durante os 13 anos e meio em que estiveram lá. E Dilma Rousseff, então? Trata-se de uma calamidade inventada unicamente por Lula, mas ainda assim a ex-presidenta tem direitos autorais indiscutíveis sobre os absurdos que saíram de sua cabeça.
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São coautores destacados, também, os integrantes do habitual angu de empresários-escroques, intelectuais com diploma de economistas, empreiteiros de obras públicas, bispos da Igreja Católica, senadoras histéricas, gente que ganha a vida como chefe de “movimentos sociais”, e por aí afora. Somados, produziram as Dez Pragas do Egito na economia brasileira. Fora do governo, são um alívio — o simples fato de não estarem mais com a caneta e a chave do cofre na mão já faz uma diferença monumental para melhorar o presente e o futuro.

A expectativa no momento é que não voltem mais. As previsões sobre o que vai acontecer sempre são mais seguras quando feitas depois de ocorrerem os fatos previstos — razão pela qual é melhor não garantir nada, principalmente no Brasil. Mas é certo que todo mundo, hoje em dia, tem informações precisas sobre a real natureza da gestão econômica de Lula. Desse “todo mundo”, naturalmente, é preciso excluir os milhões de eleitores que não têm informação, nem interesse, nem paciência para pensar em coisas de governo; é um problema real, pois transforma o direito de voto numa questão de fé.

O ex-presidente já tirou todo o proveito possível dessa doença. Conseguirá de novo? Precisa, em primeiro lugar, ser realmente candidato, coisa que não é. Num país em que a maior parte da população pouco acredita na inocência de quem é condenado à prisão — considera–se, ao contrário, que haja gente demais fora da cadeia —, terá uma caminhada morro acima para vender o conto de que é uma vítima.

Também não tem mais o que prometer. Prometer o quê, a esta altura? Fazer o contrário, caso eleito, de tudo que fez quando mandava? Limpar o Brasil da corrupção? Investir na Petrobras para tornar o povão rico com o “pré-sal”? Chamar seus marqueteiros hoje na cadeia para inventarem outras bolsas-família? Na verdade, prometem que vão radicalizar — ou seja, vão cometer os mesmos erros, só que em dobro.

O fato é que a cada dia se fala mais abertamente nos resultados reais da “política econômica” Lula-PT-Dilma — uma sucessão de fracassos, sobretudo nos últimos cinco anos, difícil de ser igualada em qualquer governo. Estão em sua conta os 14 milhões de desempregados; eles não apareceram de repente, logo depois da deposição de Dilma. Conseguiram também jogar o país na maior recessão de sua história, quebrar boa parte da indústria, concentrar renda, arruinar o Erário, gastar como nunca antes na concessão de privilégios, falsificar contas e anular os “ganhos sociais” de que falam até hoje.

Gerir a economia, para eles, é inventar indústrias “nacionais” para vender “sondas” à Petrobras. É hostilizar o comércio com os Estados Unidos e achar que as economias realmente promissoras deste mundo são as de Guiné, Venezuela ou Faixa de Gaza. É entregar o governo e o Tesouro às empreiteiras e a empresários-modelo, como Joesley Batista, Eike Batista e assemelhados. Mais do que o erro, sua grande marca foi a estupidez. Terão agora de explicar esse prontuário. Não será fácil.

Para alegrar a semana

O alemão Sven Otten (JustSomeMotion) criador de um estilo 
que tem marcado comerciais no mundo

Cleptocracia renitente

A espantosa revelação de que, com a Lava Jato comendo solta e um monte de gente presa, Aldemir Bendine negociou o recebimento de pelo menos R$ 3 milhões em propina da Odebrecht às vésperas de assumir a Petrobrás com a missão de saneá-la mostra a profundidade do buraco em que o Brasil se meteu na última quadra.

Trata-se de uma cleptocracia renitente, em que seus integrantes de todos os escalões ignoram o Estado de Direito, zombam da capacidade de punição dos corruptos, se sentem à vontade para pedir dinheiro por mensagem eletrônica, como se houvesse um caixa eletrônico virtual da propina, correm pela rua com malas recheadas de pixuleco para pegar táxi e discutem à luz do dia a mudança das leis de forma a permitir que a pilhagem continue sem admoestações.

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A corrupção brasileira não começou com o PT, mas foi obra do lulismo a construção desse regime de ladrões, em que todos os escalões foram loteados por companheiros cuja única razão de estarem onde estavam era montar uma rede de financiamento político-partidário cedendo a empresários “amigos” financiamentos, contratos, leis feitas sob encomenda, negócios em países governados por ditaduras aliadas e toda sorte de traficância.

Os petistas, em seu exercício quase comovente de autoengano, vão se apressar em gritar: mas e Michel Temer? O atual governo, que manteve a cleptocracia instalada, nada mais é que continuação do de Dilma Rousseff.

Não há ginástica retórica nem cambalhota intelectual que altere o fato histórico de que foi Lula quem inventou do nada a candidatura de Dilma e colocou Temer como seu vice. Foi ele quem designou o casal João Santana e Monica Moura para repaginar Dilma, que a vendeu como uma técnica competente (!), “mãe” do PAC, depois “faxineira” da corrupção e outras tantas mistificações para alguém que era incapaz de governar o País, por inabilidade política, por incapacidade de gestão e uma visão totalmente enviesada do papel da economia, atributos reais escondidos sob o manto do marketing e pelos quais o País vai pagar décadas.

Não cola também o outro véu com que se tentou vestir Dilma, o da presidente honesta que não sabia de nada do sambalelê da corrupção que grassava em seu governo.
Afinal, foi ela quem trocou José Sérgio Gabrielli pela amiga Graça Foster e ordenou o desmonte do condomínio PT-PMDB-PP que parasitava a companhia. Depois, foi ela quem sucumbiu às pressões e trocou a amiga pelo agora preso Bendine, vendido como alguém que iria recolocar a empresa nos trilhos.

Não foi por falta de aviso prévio. A gestão de “Dida” no Banco do Brasil já havia sido coroada de episódios capazes de inabilitá-lo para essa missão em qualquer governo minimamente sério.

Ele comprou um apartamento por R$ 150 mil em dinheiro vivo, usou as linhas de financiamento do BB para dar mimos à amiga Val Marchiori e se meteu numa guerra de gangues com o então presidente da Previ, Ricardo Flores, em que as armas eram dossiês, ameaças e o uso do fundo e das diretorias do banco como instrumentos para derrubar os inimigos.

O esquema do PMDB na Caixa, com Geddel Vieira Lima, Eduardo Cunha e Fábio Cleto à frente, nada mais é que a fatia dos aliados dada pelo PT na cleptocracia lulo-dilmista. O mesmo vigorou na Transpetro, dada como capitania ao outro PMDB, o do Senado, e em todos os demais espaços públicos.

Não é possível, portanto, os petistas apontarem o dedo e berrarem “Fora, Temer”. Foi seu líder supremo quem transformou o aparelho de Estado numa lucrativa organização político-partidária destinada a tornar ricos empresários que aceitassem colaborar com o esquema e burocratas com vocação para mafiosos. Essa é a verdadeira herança de pai Lula e mãe Dilma, uma cleptocracia que resiste.

Vera Magalhães

Inacessível

Empresários e o ministro da Saúde continuam trabalhando com afinco para mudar as regras de comercialização dos planos. Querem vender contratos com coberturas ainda mais reduzidas e preços menores. O valor médio da mensalidade dos planos em 2016, após sucessivos reajustes, era R$ 280. Com essa quantia, que inclui cerca de 30% de subsídios públicos, não dá para atender tudo. Ficam de fora, entre outros, casos crônicos de saúde mental, medicamentos de uso contínuo e o pagamento ocasional de consultas, terapias, exames e complementação de cuidados hospitalares.

Diminuir preços e não permitir aos clientes nenhuma previsão sobre gastos com saúde é plano de arrecadação de dinheiro e engodo assistencial. Essa proposição seria mais uma peripécia especulativa, não fosse a irrupção de tantas exceções que se tornam regras.

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A força econômica e política de interesses privados na saúde cresceu exponencialmente. Uma prova dessa potência é a do poder de mal denominar. Os planos baratos com muralhas para o acesso aos serviços de saúde foram cunhados de acessíveis. Usamos o mesmo verbo quando nos referimos a coisas, objetos e experiências. Diz-se eu tenho sapato e tenho dor, mas ninguém supõe que a dor de um ser humano possa ser trocada, vendida ou emprestada. Os problemas de saúde são determinados pelas disfunções, declínio do corpo, por forças externas destruidoras, como as violências, poluição, aquecimento global e relações com outros seres humanos. Qualquer programa que não intervenha sobre as causas da situação sanitária e tente conferir ao sofrimento, sentimento, sensação e necessidade de cuidado o mesmo status de utensílio está fadado ao fracasso.

Na retomada do debate sobre o Obamacare nos EUA torna-se claro que nenhuma solução diminui a intervenção governamental sem engrossar as fileiras dos sem-seguro ou dos atendidos em regime do por favor, da caridade. A rejeição do sistema de saúde defendido por Trump, baseado na capacidade individual de pagar seguro privado, se efetivou com voto de senadores republicanos. Sinceros adeptos do laissez-faire sabem que o funcionamento de ambulâncias em via pública e bancos de sangue exigem financiamento de fontes públicas e que os custos totais com saúde aumentam quando se exclui segmentos populacionais das estratégias de proteção aos riscos e das chances de obter diagnósticos e tratamentos precoces. No entanto, o processo de debate e proposta nacional de plano barato estão completamente desconectados da racionalidade teórica e das evidências cientificas.

A vontade de mega-vendedores de produtos para a saúde, não mediada ou filtrada pelas instituições públicas, requer que a sociedade permaneça capaz de discriminar enunciados e ações inevitáveis e necessárias daqueles que são inúteis e inaceitáveis. Segundo as promessas empresariais, o país, em função da crise econômica mundial, reduziu e irá cortar gastos públicos com saúde, logo a única solução é comercializar mais planos privados. Porém, a associação automática da austeridade com redução das despesas com saúde é incorreta. Em plena recessão, alguns países ampliaram despesas com a área — por exemplo, França, Alemanha e Holanda — e houve redução no Reino Unido, na Espanha e, é claro, na Grécia e na Irlanda. Assim, menosprezar os efeitos das políticas de austeridade sobre a saúde é um erro tão importante quanto afirmar a inevitabilidade da privatização.

Afirmar que os sistemas universais são mais custo-efetivos pode ser contraintuitivo. Dependendo de como se faça as contas atender a todos, por definição, custa muito mais. Mas as demonstrações existentes são robustas, as políticas de saúde que abrangem a população inteira conseguem conter preços e melhorar as condições e a qualidade de vida. Lobbies empresariais da saúde se valem de desejos e desafios no curto prazo. Exibem pesquisas, pagas por eles mesmos, que confirmam o senso comum: os brasileiros querem ter planos de saúde e concordam em pagar menos pela mensalidade e aceitam, em condições saudáveis, tirar mais do bolso quando tiverem que usar serviços. Porém, ignoram aquelas que retratam a imensa insatisfação com a saúde, até maior dos que a dos que têm plano. Na pesquisa CNI-Ibope, a saúde é “desaprovada” por 85% do total e por 93% e 90% dos entrevistados com maior escolaridade e renda.

Como os brasileiros que querem plano privado nunca foram interrogados a respeito das mazelas para utilizá-los, talvez considerem que a política conduzida pelo ministro da Saúde, cujo carro-chefe é o estimulo ao setor privado, não presta. É perceptível que se os atuais planos, hipoteticamente caros em relação aos que virão, impõem barreiras ao acesso e à qualidade, a tendência é de multiplicar pela redução do preço as dificuldades de ingressar e sair de um lugar ou nível de assistência para outro. É falso propagar uma única alternativa, um caminho sem volta para a organização do sistema de saúde. O uso do termo acessível para alcunhar o plano de menor preço faz uma confusão proposital. Barato significa não ter acesso, pagar plano e ser atendido pelo SUS. Temos a possibilidade de recusar falsas designações, resgatar o sentido clássico do termo acesso, como igual oportunidade de dispor de ações e serviços de saúde, e o de instituições públicas, como organizações que trabalhem para a saúde de todos.

Ligia Bahia

Lembrando Adam Smith, a propósito da intervenção militar

É compreensível que a aguda crise econômica leve muitos brasileiros a defender uma intervenção militar, como se esse tipo de providência fosse capaz de resolver os problemas nacionais, de uma hora para outra. Mas não é assim que funciona. Na verdade, não existem soluções mágicas e imediatas, é ilusão pensar que os militares possam se sair bem se tomarem o poder na marra. O que eles iriam ou irão fazer?
Iriam ocupar o Planalto, demitir os ministros? Afastar os governadores e prefeitos? Fechar o Supremo, o Congresso, as Assembleias, as Câmaras Municipais? Nem pensar, chega a ser ingenuidade, o país pararia, a economia iria direto para o brejo. O que hoje chamamos de grave crise passara a ser apenas um aperitivo.

Justamente por isso, é preferível direcionar esforços para debater os principais problemas nacionais, não somente visando a encontrar soluções de uma forma institucional, mas também para evitar que o governo faça idiotices.

De início, precisamos partir da premissa de que muita coisa já mudou para melhor. Afinal, pela primeira vez na História, temos políticos e milionários na cadeia, em meio a importantíssimas investigações em andamento, a fila está andando e não há dúvida de que se trata de um avanço concreto e inquestionável.

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Devemos acreditar nos jovens magistrados, procuradores, delegados e auditores que estão passando este país a limpo, para compensar o fracasso da geração anterior. Além disso, como não há passe de mágica civil ou militar, devemos acreditar também na chamada “mão invisível do mercado”, identificada pelo genial filósofo escocês Adam Smith (1723+1790), uma espécie de pai da Ciência Econômica, criador de teses que até hoje se sustentam e influenciaram sobre todos os pensadores que surgiram depois dele, inclusive Karl Marx e Friedrich Engels.

Em sua obra clássica “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, de 1776, mais conhecida como “A Riqueza das Nações”, composta por cinco volumes, Adam Smith expôs essa teoria da “mão invisível do mercado”, que até hoje é a base do liberalismo, mas fez também primorosas restrições aos males do livre mercado.

Em pleno o século XVIII, celebrizado como “século das Luzes”, Adam Smith denunciou os perigos da formação de monopólios e cartéis, ou seja, a concentração de faixas do mercado nas mãos de poucos produtores, e apontou essa situação com um dos riscos ao funcionamento da economia de mercado.

Nunca houve nada de tão verdadeiro. Como costuma dizer o engenheiro Félix Bulhões, que durante longo período presidiu a multinacional White Martins, “pior do que um monopólio estatal, só um monopólio privado”.

Até hoje continua valendo essa impactante lição da Adam Smith. Em tradução simultânea, significa que o Estado precisa ter “uma mão visível”, sempre pronta a intervir contra a instalação de qualquer cartel ou monopólio privado, simples assim.
Adam Smith enxergou longe. Sempre que surgem distorções à plena liberdade de mercado, a “mão invisível” não consegue depurar o sistema. Foi por dar seguimento às ideias de Adam Smith que os professores universitários Eric Maskin (Princeton), Leonid Hurwicz (Minnesota) e Roger Myerson (Chicago) ganharam o Nobel de Economia em 2007 com sua teoria sobre o funcionamento ineficaz dos mercados.

“A clássica metáfora de Adam Smith sobre a ‘mão invisível’ refere-se a como o mercado, sob condições ideais, garante uma alocação eficiente de recursos escassos. Mas, na prática, as condições normalmente não são ideais. Por exemplo, a competição não é completamente livre, os consumidores não são perfeitamente informados e a produção e o consumo desejáveis podem gerar custos e efeitos sociais“, assinalou a Academia Real das Ciências da Suécia, ao justificar a outorga do Nobel de 2007.

Ao receber o Nobel, o professor norte-americano Eric Maskin alertou que “as sociedades não devem contar com as forças do mercado para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de saúde de qualidade para todos os cidadãos”, acrescentando que “os mercados trabalham aceitavelmente com bens chamados por economistas de bens privados” (como produzir carros e outros objetos duráveis), mas “o mercado não funciona muito bem quando se trata de bens públicos” (prestar serviços públicos).

Antes disso e também seguindo a linha de Adam Smith, os economistas norte-americanos Joseph Eugene Stiglitz, A. Michael Spence e George A. Akerlof tinham recebido o Nobel de 2001 justamente por estudarem a “assimetria de informações” (o fato de alguns saberem mais do que outros), que deturpa a “mão invisível do mercado”.

“As teorias que eu e outros desenvolvemos apenas explicaram porque os mercados livres frequentemente não só não conduzem à justiça social, mas sequer produzem resultados eficientes. É interessante notar que não tenha havido um debate intelectual à refutação da mão invisível de Adam Smith: indivíduos e empresas, na busca de seu auto-interesse, não são necessariamente, ou em geral, conduzidos por uma mão invisível rumo à eficiência econômica“, disse Stiglitz, um dos mais renomados economistas do mundo, professor das mais importantes universidades dos EUA.

Tudo isso deve servir de alerta aos defensores do neoliberalismo, que insistem em achar que o mercado pode resolver tudo. Pelo contrário, essa esdrúxula tese jamais foi defendida por nenhum economista de respeito, conforme o grande pensador Adam Smith, pai do liberalismo, deixou bem claro três séculos atrás.

Ressalve-se que, da mesma forma que o capitalismo não pode resolver tudo, o socialismo e o comunismo ainda apresentam muitas imperfeições. O melhor caminho, portanto, está em aceitar os pontos mais positivos de cada ideologia, para que convivam de forma harmônica, em benefício de todos.

É por essas e outras que todos nós precisamos agora repensar o Brasil, sem delegar essa função aos militares, que devem ser preservados para o desempenho de suas funções específicas, como a manutenção da ordem pública.

Paisagem brasileira

Paisagem em Santa Corona, Vasco Machado (1956)

Corrupção generalizada

Alguns dos mais importantes países democráticos da América Latina precisam urgentemente estabelecer os mecanismos necessários para combater a corrupção que possam evitar que este flagelo cause um dano profundo não só em suas economias, mas na credibilidade de seus próprios sistemas políticos. O escândalo Odebrecht é provavelmente o melhor exemplo em escala global das graves consequências políticas e sociais que uma trama internacional muito bem organizada de subornos a chefes de Estado e de Governo pode causar.

A entrevista exclusiva publicada pelo EL PAÍS com Rodrigo Tacla, ex-advogado do Departamento de Operações Estruturais da Odebrecht – a unidade de negócios da construtora brasileira especializada em comprar vontades de políticos em todo o continente americano – mostra um panorama de corrupção sistemática e admitida. Algo incompatível com qualquer noção de respeito pelas normas democráticas de transparência do sistema e respeito aos contribuintes e eleitores de cada país afetado.

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As revelações de Tacla explicam um modus operandi completamente mafioso da construtora que parasitava precisamente o sistema democrático dos países que tinha como objetivo com uma primeira abordagem através do financiamento de campanhas eleitorais. Depois, com uma rede de pagamentos, presentes e subornos de todo tipo, a Odebrecht transformava, literalmente, milhares de funcionários latino-americanos em seus cúmplices. Uma armadilha cuja única saída possível é a cadeia. Foi o que aconteceu no caso do presidente da empresa, Marcelo Odebrecht – condenado a 19 anos de prisão – e de 77 altos executivos de sua empresa.

O fato de que o escândalo afete muitos líderes latino-americanos coloca vários países em uma perigosa crise institucional. De ex-presidentes como o peruano Ollanta Humala ou o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva a – o que é pior em termos de estabilidade política – presidentes em exercício como Michel Temer do Brasil, Juan Manuel Santos da Colômbia e Danilo Medina da República Dominicana, a lista ameaça aumentar com o avanço das investigações.

Parece que com a recuperação da democracia em muitos países da América Latina após anos de ditaduras, aconteceu uma combinação perigosa de Estados fracos, administrações incapazes e a necessidade de um rápido desenvolvimento em infraestrutura. Tudo isso sobre um importante crescimento impulsionado por anos de bonança deu como resultado uma bolha colossal de subornos que tinha que estourar.

É fundamental que as sociedades afetadas não caiam em um perigoso desencanto com o sistema democrático frente ao grau de penetração da corrupção. Para isso é necessário primeiro uma forte atuação dos tribunais, como está fazendo a Justiça brasileira e, depois, a implementação de medidas de controle e transparência para evitar o saque dos cofres públicos sofrido pelos países afetados pelo caso Odebrecht. E isso não poderá ser feito sem uma profunda transformação da classe política, seus princípios e prioridades.

Prostituição política

No momento em que escrevo, só 5% dos brasileiros aprovam o presifraude Temer.

Que democracia é essa na qual temos que aturar um criminoso se ninguém o quer?

Continua conspirando e subornando porque corrompe parlamentáveis prostituídos que o sustentarão desde que ele abra o cofre e as pernas para emendas (leia-se roubalheira).

Enquanto isso, Meirelles mantém seu blablá tecnocrata do eixo Boston-Chicago. O “crescimento” anunciado está pertinho de zero e o desemprego beira os 15 milhões.

A quadrilha Temer exibe todo tipo de miragem. Vi um gráfico subindo quase verticalmente na telinha, mas o número não conseguia encobrir a cascata: aumento de 0,09% em um treco otimista...

O desgoverno fracassou em tudo. Deve propor nos próximos dias um plano de suicídio coletivo para o funcionalismo.

Os ministros da Educação, Saúde, Trabalho, Agricultura e outros são o que Vó Noemia chamava de “cavalos vestidos”.

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Conforme o terrível documento encaminhado por meu amigo Marcelo Chalreo, guerreiro na área de direitos humanos da OAB-RJ, trocam-se as vidas de índios, quilombolas, populações ribeirinhas e outros bestializados pelo entreguismo ao agronegócio, às formas mais perigosas de mineração, à devastação ambiental.

O nome disso é genocídio.

Bilhões são gastos nesses prostíbulos de corrupção para manter o presifarsa no cargo-descarga, mas não há verbas para fiscalizar trabalho escravo e infantil, para passaportes, para evitar a venda do que é nosso como aeroportos, estradas, material de telefonia... A lista é interminável. Pedro Parente Deles deve tê-la completa. Temeroso é blindado por simulacros como o tribunal eleitoreiro, a comichão de prostituição e justi$$a, o supremo circo federal, com seus parlapatões.

O “assessor especial” Yunes vendeu para o presidrácula um andar inteiro em prédio de luxo, uma casa “doada” para Marcela Temer, e duas salas de escritório para o operoso Michelzinhho! Tudo avaliado abaixo do preço real, mamata de 20 milhões na época e que está valorizada a píncaros geddelianos.

A 12ª Vara Civil/Agrária de MG suspendeu a ação de 155 bilhões contra a Samarco. Nenhum preso. A lama já asfixia o santuário de Abrolhos.

Procurem ver a distância entre a região de Mariana e o arquipélago, e vocês terão a dimensão do crime.

No exterior, o presibesta nos humilha: “Vamos continuar trabalhando para aumentar o desemprego”.

Temer e Maia brigam por “socialistas” que também são ruralistas! Pertencem ao PSB.

E eu pensando que só os socialistas pernambucanos roubavam sob o comando da gangue encabeçada pelo ex-governador que caiu pra subir.

Umberto Eco escreveu que, na modernidade líquida onde todos querem aparecer, vai rolar um concurso planetário para eleger o menor pênis da Terra. Voto no pelego Marun, com a pontinha quase invisível da virilidade perdida no agromatagal paquidérmico.

O desgoverno temeroso será conhecido pela frase que o assassino flamenguista postou da cadeia:

— Nóis é história!

Há um jeito de melhorar

O Brasil já deve estar farto de ouvir falar em reforma política. E, como há anos só vê a coisa patinar no terreno das piores intenções, tem todo o direito de crer na máxima pessimista segundo a qual não há risco de, por essa via, a política melhorar.

Antes de concluir que assim é e sempre será no mundo inteiro porque a democracia representativa vive uma crise universal, olhemos a França. Às voltas com uma crise política, os franceses rejeitaram fantasias à direita e à esquerda, foram ao centro da questão, apostaram na normalidade e elegeram Emmanuel Macron.

OK, não se podem usar critérios iguais para realidades diferentes. França é Paris, Brasil, Bra­sília. Há, no entanto, ensinamentos contidos no exemplo. Na posse de força política decorrente da eleição recente e de robusto (59%) apoio popular, Macron deu a largada no mandato propondo ao parlamento uma reforma política: redução de um terço no número de parlamentares (são para mais de 900 por lá), limite à possibilidade de reeleição e substituição do sistema de voto distrital puro por distrital misto.

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Mudanças substantivas, difíceis de ser aceitas pelos parlamentares, mas ainda assim postas à mesa. Se elas forem do agrado da população, o Congresso que se vire com a opinião do público. Aqui ocorre o oposto: os presidentes quando eleitos só querem saber da opinião do Congresso sobre a sustentação do governo, o que passa a léguas de distância de uma reforma política digna do nome.

Estamos, pela enésima vez, diante da questão: uma proposta de reforma política indigna do nome, cuja ideia básica é criar uma despesa de 3,5 a 6 bilhões de reais, conforme o cálculo da receita líquida da União, para financiar as campanhas eleitorais dos partidos falidos desde que proibidos de receber aportes de empresas ora investigadas por corrupção.

O nome é ironicamente pomposo: fundo especial de financiamento da democracia, criado para capturar 0,5% do Tesouro. Isso além dos 820 milhões de reais reservados ao chamado fundo partidário. Sem contar a renúncia fiscal das emissoras de rádio e televisão decorrente do horário eleitoral. Uma baba, coisa de no mínimo 4 bilhões de reais. Para financiar a democracia? Ora, pois, ela se sustenta em outros pilares, entre os quais o exercício da soberania pelo povo, cujo bolso não está em jogo.

Voltemos um instante à França, para examinar a questão do financiamento de campanha. Há participação de dinheiro público no processo? Há. Da seguinte forma: os candidatos podem requerer reembolso de 47,5% das despesas, desde que obedecido um teto de gastos. Pouco mais de 150 000 reais para deputados e uma faixa entre 59 milhões e 80 milhões de reais para os candidatos à Presidência, considerados os dois turnos da eleição.

De onde a discussão da reforma política na França não é sobre “quanto” se gasta, mas sobre “como” e “por que” se elege um candidato. Um exemplo, se não a ser seguido, ao menos a servir como caso a pensar.

Imagem do Dia

Quedas de Minas Viejas, em San Luis Potosi (México) 

Entre o estrume e a estrela

“Que el mundo fue y será uma porqueira, ya lo sé”. Esse tango de Discépolo que Caetano renovou é um tanto apocalíptico. Nada se salva. E não é bem assim. Algumas coisas saíram do estrume e brilharam. Mas, se usarmos a classificação de Umberto Eco dividindo as pessoas entre apocalípticas e integradas, francamente não há motivos para estar integrado e satisfeito com a vida. As estrelas têm preço. E ele é pago por quem não é iluminado pela sua luz. Estrela estranha ao fedor do esterco. E, diz o tango, é o mundo que está assim. Não aqui mais, ali menos. O mundo. Coisa pesada. Vale a pena dar uma olhada de perto.

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O mundo vive em regime capitalista. Exceções para Cuba e Coreia do Norte. Pouca exceção para um planeta inteiro. Pois o capitalismo se globalizou. Desenvolveu mecanismos finíssimos de circulação de valor virtual. Chama-se capitalismo financeiro. É astuto. Simula valor, e o mundo se move como se de fato houvesse valor. Valor novo. Essa circulação velocíssima se faz pelo sistema financeiro globalmente integrado, pelas bolsas sempre abertas em algum lugar dominante do mundo, pelas seguradoras. Funciona. E só precisa funcionar. O antigo capitalismo, em que se produziam coisas, e “produziam” significa que havia por ali pessoas, os trabalhadores e os capitalistas, vai ficando para trás. Ainda se fabricam coisas “de verdade”, ainda se prestam serviços, ainda se colhem grãos. Mas o capitalismo industrial está ladeira abaixo. Sua inserção nacional, também. As empresas se deslocalizam, vão atrás dos impostos menores. Com isso, geram enormes contingentes de desempregados. E fabricam fantasias: carros ingleses são alemães, os americanos são japoneses, camisetas brasileiras vêm da Coreia do Sul. Mesmo nas coisas que parecem mais concretas introduz-se o dedo virtual de uma economia que Yanis Varoufakis, ex-ministro das finanças da Grécia, chama de “O Minotauro global”. Tudo funciona um pouco “como se”. E fica difícil meter a mão em “como ses”.

Há não muito tempo havia um estado do mundo bem concreto, e que se expressava em escolhas que podiam ser pensadas. Quem queria conservá-lo ou mexer nele só um pouquinho sabia explicar por quê. E quem pretendia reformá-lo e pô-lo de cabeça para baixo ou sobre os próprios pés também tinha razões compreensíveis. Porque havia diferenças claras. Podia-se fazer mediações entre elas. Mas não anulá-las. Elas decorriam da posição que as pessoas ocupavam no processo produtivo. Quem está na máquina não está no caixa. E vice-versa. Marx, no século XIX, deu a essas diferenças não naturais, socialmente produzidas, o nome de “classes”. Colou. Classes de pessoas segundo o modo de produção dos bens e a organização social. E também ensinou que as pessoas não deviam ser julgadas. Seus atos eram fatos. E importante era conhecer, esmiuçar, teorizar e agir sobre esses fatos. Com toda a objetividade. E sem especiais malquerenças. Foi um tempo sem coxinhas e mortadelas.

O século XX produziu as revoluções que Marx, com convicção científica, previu. Ou melhor — não. As revoluções foram feitas onde não estavam maduras. Lênin explicou: era preciso romper a cadeia pelo elo mais fraco. Era a Rússia, que mal tinha um operariado fabril. Fez-se. Chamou-se marxismo-leninismo. Stálin garantiu que o cerco internacional exigia fazer a revolução num só país. E adeus internacionalismo. Mao viu logo que uma revolução socialista não se faria num país camponês. Inventou a teoria do cerco das cidades pelo campo e queimou etapas no processo histórico da China. Virou, mexeu, essas revoluções com demãos de tinta superpostas regressaram ao capitalismo com que nunca tinham verdadeiramente rompido. Capitalismo de Estado, que por lá houve, capitalismo é. Só muda quem se apropria da mais-valia do trabalho. Os trabalhadores continuam mal das pernas. E a estrutura de classes se desloca, mas não desaparece.

Fico pensando nos grandes quadros renascentistas que precisaram de restauração. Com muito cuidado as camadas sobrepostas foram retiradas, e as imagens originais resplandeceram. Marx está precisando de uma restauração. Leninismo, stalinismo, maoísmo são tintas que não estavam lá. Precisam ser removidas. Gramsci fez umas tentativas. Pareceu revisionismo, coisa muito feia na esquerda. Mas está na hora. Nada mais se aplica à compreensão do mundo porquería. Coxinhas e mortadelas, francamente, não são categorias analíticas.

Marx pode surpreender. Pode acabar, por exemplo, com a ideologia do “homem novo”, que faz pensar numa natureza angélica perdida. Ele se interessou pela natureza humana, nos escritos anteriores a 1848. Mas não assim. Não nos faria mal irmos dar uma olhada.

Vamos começar de novo? Porque, convenhamos, o mundo está mesmo una porquería. Mas entre o estrume e a estrela deve haver algum lugar para nós.

Marcio Tavares D'amaral

Cidadania x consumo

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Nós devemos ser cidadãos, não consumidores. Senão, no dia em que não pudermos mais consumir seremos descartáveis 
Pilar del Rio presidenta da Fundação José Saramago

Thoreau, o libertário

Em 12 de julho de 1817, nascia em Concord, Massachusetts, Henry David Thoreau. Plantou, há dois séculos, ideias luminosas e tão polêmicas que, por pouco, não foram dizimadas no nascedouro. Somente, o julgamento da posteridade fez brilhar a força do conjunto da obra, em especial, pela influência exercida nos escritos de Tolstoi, como fonte de inspiração e ação libertadora de Gandhi – a Satyagraha – na luta anticolonial da Índia.

Tradutor de Desobedecendo, José Augusto Drummond, o qualifica “Homem de várias épocas”, “um provinciano universal”.

Astrid Cabral, tradutora de Walden ou a Vida Nos Bosques (Editora Antigona, Lisboa, 2009), define Thoreau como o “espírito investigador que se arremessa em direção ao futuro impulsionado por uma genial intuição”.
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Libertário, revolucionário, pacifista, ecologista profundo, anarcoindividualista à direita ou à esquerda, Thoreau era, sobretudo, um ardoroso defensor da liberdade individual e um crítico feroz do convencionalismo.

Frases imortais, entre as muitas, que me fascinam: “O melhor governo é o que menos governa (...) O melhor governo é o que absolutamente não governa. Este será o tipo de governo que os homens terão quando estiverem preparados para isto”; “Se um homem gasta metade de cada dia a passear pelas florestas simplesmente por gostar delas, arrisca-se a ser considerado um preguiçoso; mas se ele gasta o dia inteiro como especulador, devastando a floresta e provocando a calvície precoce da terra, então ele ganhará a admiração dos seus concidadãos como pessoa ativa e empreendedora”. “Não existe desastrado maior do que o sujeito que gasta a maior parte de sua vida no ato de ganhar a vida (...) O fim disso tudo será a humanidade se enforcando num galho de árvore”.

Ermitão, celibatário, morador de uma cabana por ele construída nas margens do lago Walden, morreu tuberculoso aos 44 anos, injuriado pelo pensamento utilitário dos seus coetâneos. Hoje a Fundação Thoreau abriga seu notável legado.

Preso por se recusar a pagar imposto, Thoreau deixou uma visão cética em relação à política: “A política são as vísceras da sociedade, cheias de saibro e cascalhos e os dois partidos, metades opostas que se raspam mutuamente”.

O título “libertário” foi uma escolha pessoal e insuficiente para qualificar a dimensão do pensador Thoreau. Recorro a Gabeira, autor da apresentação das edições brasileiras de Desobedecendo – a desobediência civil&outros escritos (Rocco, 1986 e 2000) que reconhece nele “um precursor da desobediência civil, da paixão ecológica e de uma pedagogia avançada”.

O apoio ao golpe de Maduro é a página mais vergonhosa da história do PT

Desde o impeachment da Dilma Rousseff, o PT vem reafirmando sistematicamente o discurso do golpe. Confesso que é um discurso que até ontem não tinha levantado em mim uma forte emoção. Concordei desde o começo em aceitar o termo como uma figura de estilo: ao final das contas, Dilma caiu “apunhalada” nas costas por antigos aliados, os crimes imputados a ela sendo somente um pretexto para tirá-la do cargo. Do mesmo jeito que alguém pode usar a palavra “apunhalar,” é então possível falar em um golpe. Mas preferi fazer abstração do argumento mais audacioso que o impeachment causou uma quebra no processo democrático. Apesar do combate legítimo em torno da constitucionalidade do processo, construído com inteligência e elegância por José Eduardo Cardozo, o impeachment da Dilma não nos levou para a instauração de uma ditadura. Os votos que levaram a atual configuração do Congresso, por mais corrupto e imoral que ele provou-se ser, não vieram de extraterrestres. Há portanto um óbvio exagero na insistência no discurso do golpe. Considerei desde o começo que é um daqueles exageros naturais no combate ideológico e fiz questão de não me meter neste debate em público ou em privado. Acreditei que, ao agir dessa forma, o PT está exercitando o seu papel legítimo, como o partido de maior expressão popular da história brasileira, de articular um discurso, sempre bem-vindo, na defesa da democracia.

Meu estado de apatia em relação à questão do golpe acabou subitamente quando fui confrontado com a notícia que, no contexto de um encontro do Foro de São Paulo na Nicarágua, o PT acabou se posicionando oficialmente a favor da iniciativa de Nicolás Maduro de reescrever a Constituição da Venezuela. Minha reação passou por algumas fases. Primeiro a interrogação: “Ué, passaram um ano gritando contra um golpe legislativo no Brasil e agora apoiam o golpe armado na Venezuela?” Depois, um sentimento de dúvida: “Será que não é uma notícia falsa?”. Difícil ser, dada a boa reputação do jornalista que tinha escrito a matéria. Mas nesses dias nunca se sabe. Em seguida, depois de verificar a veracidade das informações, a interrogação final: “Será que querem implodir tudo?”

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Faço questão de transcrever o discurso oficial da senadora Gleisi Hoffmann no dito encontro, já que cada palavra me parece uma pedra jogada num vidro de cristal: “Agradeço aos companheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional por proporcionar este encontro. Saudamos os triunfos eleitorais mais recentes do Daniel Ortega na Nicarágua e Lenin Moreno no Equador, que demonstraram claramente que é possível enfrentar as novas táticas eleitorais e golpistas da direita. O PT manifesta também o seu apoio e solidariedade ao PSUV, seus aliados, e ao presidente Nicolás Maduro, frente à violenta ofensiva da direita pelo poder na Venezuela. Temos a expectativa de que a Assembleia Constituinte possa contribuir para uma consolidação cada vez maior da revolução bolivariana e que as divergências políticas se resolvam de forma pacífica.”

É até difícil saber onde começar. O real triunfo de Daniel Ortega na Nicarágua, se alguém pode chamar isso de triunfo, foi aquele de conseguir que uma Corte Constitucional completamente subserviente aos seus desejos banisse o principal opositor da eleição presidencial. O regime de Daniel Ortega tem muito mais em comum com a ditadura de Anastasio Somoza, do que com o movimento sandinista que liderou na sua juventude: a sua mulher já ocupa o cargo de vice-presidente da república e os seus cinco filhos e dois netos são as únicas lideranças no horizonte hoje em dia. Nenhum dos antigos dirigentes sandinistas apoiam hoje em dia o Ortega. Qual seria o modelo que a Gleisi Hoffman vê na Nicarágua para “enfrentar as novas táticas eleitorais e golpistas da direita”? Transformar o Brasil numa república das bananas, sem separação entre os Poderes e liderada por uma única família de oligarcas travestidos de revolucionários?

Seria divertido se não fosse extremamente trágico. No caso da Venezuela, assistimos à uma catástrofe humanitária de proporções cada vez maiores. Em quatro Estados do país, a desnutrição infantil já atinge quase 20% das crianças com menos cinco anos de idade. O país tem a segunda maior taxa de homicídios do mundo. O índice de assassinatos em Caracas é 14 vezes maior que o de São Paulo, não que São Paulo fosse exatamente uma cidade segura. E para cada 100 assassinatos, somente nove suspeitos são presos. A inflação projetada para este ano é de 2.200%. Em 2016 a economia do país se contraiu 19% e o ritmo de queda deve acelerar ainda mais este ano. Centenas de milhares estão saindo do país, e cada vez mais estão chegando também ao Brasil. Devo continuar com mais números ainda? Depois de duas décadas no poder, é este o legado que o chavismo deixa para a Venezuela: fome, pobreza extrema, desespero e morte. E não foi por culpa do Tio Sam, como alguns defensores do regime gostariam de argumentar. Sem as exportações de petróleo ao EUA, a fonte mais estável de recursos para o país, o que será que restaria de uma economia completamente destruída?

Neste contexto, Nicolás Maduro propõe tirar a única riqueza que ainda resta ao povo venezuelano: a liberdade de decidir o seu futuro. Maduro já virou a página da democracia. Para se manter no poder, é evidente que a única opção do presidente consta na força bruta. Para que o ônus dessa tarefa infame não caiba exclusivamente nos ombros da polícia e do Exército, o regime vem patrocinando com armas e dinheiro gangues de bairros pobres, aumentando ainda mais a violência e o caos. Se trata de uma aliança repressiva surpreendentemente forte entre os militares e os grupos criminosos, alimentada com petrodólares cada vez mais escassos. Nenhum líder democrático teria a ousadia de convocar um referendo constitucional dadas as condições em que a Venezuela se encontra hoje. A convocação de uma Assembleia Constituinte formada exclusivamente por apoiadores do regime não é nada mais que uma tentativa grotesca de disfarçar a transição do país de um regime autoritário com alguns vestígios de competição política (o que os cientistas políticos costumam chamar de autoritarismo competitivo) para uma ditadura plena. Como é possível que o PT, com o seu legado histórico para a transição e consolidação democrática do Brasil, possa prestar apoio à tamanha barbaridade?

Estamos assistindo ao redor do mundo ao surgimento do autoritarismo messiânico. Desde a Venezuela de Nicolás Maduro até a Hungria de Orban, desde os Estados Unidos de Trump até as Filipinas de Duterte, da Rússia do Putin até a Turquia de Erdogan, a aderência ao populismo e ao discurso autoritário está crescendo em ritmo galopante. Irmãos no assalto contra a democracia, Maduro não deve representar a esquerda, assim como o Orban não deve representar a direita. Que o Brasil não é imune a essa onda já está muito claro. É só abrir o seu Facebook ou consultar a última pesquisa de opinião.

Ao condenar Maduro, é importante lembrar que a direita da Venezuela tem seus próprios cadáveres no armário. O chavismo se ergeu nos escombros de uma partidocracia que por décadas trabalhou em prol das elites e ignorou os interesses da nação como um todo. Em vez de investir a gigante receita das exportações de petróleo na educação e no crescimento sustentável do país, os governos das décadas de 70 e 80 cuidaram de seus próprios bolsos e institucionalizaram o clientelismo. Quando a nação elegeu democraticamente Hugo Chávez, foi essa mesma elite quem organizou e eventualmente abortou um golpe armado para tirá-lo do poder. São essas as raízes da popularidade do chavismo, são esses os motivos que permitiram que o país fosse levado para o precipício pelo populismo fanático praticado pelo PSUV. Ao contrário dos políticos tradicionais, Hugo Chávez respeitou sua promessa de olhar para os mais pobres e por mais de uma década as condições de vida desse segmento da população melhoraram dramaticamente. Mas quando as políticas econômicas e sociais do chavismo começaram a se provar insustentáveis, em vez de proteger o jogo democrático e o seu legado social, Chávez mudou a Constituição e usou do Judiciário para conter as chances eleitorais da oposição. E quando nem isso funcionou mais, o seu sucessor partiu para a força bruta.

A colunista Eliane Brum argumentou uma vez, com a sua característica e brilhante lucidez, que a mais maldita das heranças do PT “pode ser não a multidão que ocupou as ruas em 15 de março, mas aquela que já não sairia de casa para defendê-lo em dia nenhum.” Acredito que o perigo pode ser ainda maior. Depois de ter abandonado valores e princípios em nome da governabilidade, depois de ter sacrificado boa parte dos avanços sociais tão preciosos que definiram os mandatos de Lula com a irresponsabilidade econômica da gestão de Dilma, depois de ter se envolvido em escândalos de corrupção que derreteram a posição do partido como uma força moralizadora na política brasileira, o PT chega agora a arriscar o seu maior legado: um modelo de fazer política e de governar à esquerda inteiramente comprometido com a democracia.

Leia mais o artigo de Andrei Roman, do Atlas Político, e Catalyst News

sábado, 29 de julho de 2017

Por que nos obstinamos em dizer que o presente é sempre pior do que o passado?

A fase de pessimismo que vive o Brasil, relacionada à corrupção política, à crise econômica e à insegurança da população, pode nos levar ao erro de acreditar que os tempos passados foram melhores, de nos refugiar na esperança em um futuro que não existe. Mesmo levando em consideração que esse não é um dos melhores momentos da história desse país, seria um erro pensar que qualquer passado foi melhor e que a partir de amanhã tudo será maravilhoso.

Se analisamos a história sem preconceitos, sem ficarmos obcecados pelo pessimismo atual, seremos obrigados a reconhecer que, em noventa por cento dos casos, o passado sempre foi pior. Em tudo. Aqui e no mundo. Vamos olhar alguns exemplos sobre o Brasil e sobre o mundo em geral: Quando a mulher, os diferentes, as crianças e até os animais estiveram mais protegidos em seus direitos do que hoje? Quando existiu no mundo uma consciência maior de que todos temos os mesmos direitos, sem distinção de sexo e cor da pele? E não é preciso voltar a séculos atrás, bastam cem anos. E as diferentes orientações sexuais? Quando se morreu menos de fome? E a medicina? Podemos compará-la como era há somente 50 anos? Meu pai morreu com 41 anos porque a penicilina ainda não era para todos. E a mortalidade infantil?

Daily life around a Roman insula. Roman apartment buildings contained vendors on the first floor and living quarters on the floors above. The apartments in the insulae lacked most basic amenities, such as kitchens and bathrooms. As a result, Romans lived a highly communal lifestyle. The lower classes used public baths and toilets, ate in restaurants, and spent leisure time in common spaces, like the forum.
E a política? Vocês me dirão que as democracias de hoje são imperfeitas, que os políticos são corruptos. Foram melhores os regimes feudais, as ditaduras militares e as velhas ideologias de direita e esquerda que deixaram milhões de mortos? Quanto a tecnologia e a ciência libertaram o trabalho humano da escravidão? Ainda conheço pessoas no Brasil que quando eram crianças precisavam buscar água na fonte pública e lavar os lençóis no rio. Uma delas me disse: “Hoje abrir uma torneira de água corrente e acender uma luz me parece um milagre”.

Quando existiram menos guerras do que no presente? A Europa passou séculos em combates sangrentos. Hoje, pela primeira vez, ir à guerra não é visto pelas pessoas como uma honra como quando as medalhas dos caídos nas batalhas eram exibidas como um troféu. Hoje o mundo, em sua imensa maioria, prefere apostar pela paz e as famílias não querem que seus filhos lutem em guerras. Ocorreu uma mudança de paradigma.

Apesar de tudo isso, me deparo, até mesmo com pessoas instruídas, que defendem que o passado era melhor. De onde vem essa espécie de miragem, contradita pela evidência dos fatos? O filósofo espanhol Fernando Savater me explicou há alguns anos em nosso livro de diálogos “A Arte de Viver”. “O presente, para cada um em sua época, sempre foi decepcionante, porque podemos imaginar o futuro como aterrorizante ou positivo, enquanto o presente é onde as coisas mostram seu verdadeiro perfil, sua decepção”, afirmou. Para Savater: “Não vivemos em outro lugar além do presente e ao mesmo tempo ninguém fica tão incomodado como quando está nele”. E para frisar a dificuldade de nos reconciliar com o hoje, que é o único verdadeiramente nosso, me lembrou a frase de Schopenhauer: “Não podemos nunca cair do presente, onde tudo nos acontece”.

Algumas vezes me perguntam a que recorrer, nesses tempos de pessimismo e desilusão com nosso presente. Os filósofos nos lembram que o refúgio sonhado não está no passado, que não é nosso e não pode voltar, como também não está na utopia de um futuro que ainda não existe. Seria uma fuga. A única matéria para modelar com nossas mãos é o presente, que devemos lutar para melhorá-lo porque é nosso e não temos outro. Uma mãe trocaria seu filho por outro mais bonito ou mais inteligente? Ela o ama por ser seu, sem se importar se é melhor ou pior do que o da sua vizinha.

Nosso tempo, nosso hoje, com todas as suas fealdades e descontentamentos, com sua insatisfação e desilusão, mas também com a carga de nossa fé na capacidade do homem de transformar a realidade, é nossa única propriedade. Um poeta anônimo escreveu: “El ayer fue/ el hoy es/ el mañana nada/ temblor de amanecer”.

Na Corte do crime organizado

O diagnóstico do Ministro Raul Jungmann, da Defesa, sobre o Rio de Janeiro – “um estado capturado pelo crime organizado” -, desde ontem sob intervenção militar, aplica-se, a rigor, a todo o país.

A começar por Brasília.

O que a Lava Jato tem exibido, há três anos, com minúcias de detalhes, não é outra coisa senão a degradação institucional decorrente da presença de criminosos, autônomos ou em quadrilhas, em alguns dos mais altos cargos da República, nos três Poderes.

Não começou com Temer, que nada mais é que a continuidade do governo anterior, do PT, em que figurou como vice.

Tal como Dilma, Temer foi imposto ao PT por Lula como o vice ideal para o avanço da obra petista. Os dois primeiros mandatos de Lula prepararam a máquina estatal, via aparelhamento, para o estágio seguinte, que seria o início do processo revolucionário.


Tudo isso está nas atas do 5º Congresso do PT, realizado em Salvador, em 2015. Lula construiu as bases da aliança com os países bolivarianos, integrantes do Floro de São Paulo, aos quais brindou com financiamentos do BNDES, para obras de infraestrutura e reaparelhamento da força militar. Preparou o ambiente.

A Força Aérea venezuelana, reequipada com verba brasileira, possui jatos russos de última geração capazes de fazer o trajeto Caracas-Brasília em 30 minutos. Os nossos fazem em 3,30 horas.

Internamente, Lula rejeitou, de início, a proposta de José Dirceu de aliança formal com o PMDB. Optou por comprar apoio no varejo, estratégia que vigeu até o advento do Mensalão, denunciado, em 2005, por um dos parceiros, o deputado Roberto Jefferson, do PTB, que se sentiu logrado na repartição do butim estatal.

Lula, apesar do escândalo, reelegeu-se. Mas aproximou-se mais do PMDB, tornando-o parceiro preferencial, passando a dispor de maior espaço na máquina estatal, da qual não mais se afastaria.

No governo Dilma, a parceria formalizou-se. E Temer, que presidia o PMDB e já havia presidido a Câmara diversas vezes, foi o ungido. Como virtuose do fisiologismo, cumpriria, como de fato cumpriu, o papel de garantir a coesão do partido.

A esse projeto se associou, com entusiasmo, o então governador do Rio, Sérgio Cabral, mais próximo de Lula e Dilma que qualquer outro governador petista. O resultado é conhecido.

O ponto fora da curva, nessa parceria que parecia indestrutível, foi o choque entre Dilma e Eduardo Cunha no segundo mandato da presidente. Nem Temer conseguiu (ou quis) contorná-lo.

Dele, resultou o impeachment e o olho gordo do PMDB em abocanhar sozinho o poder. Mas o staff do partido que serviu a Lula e Dilma é o mesmo que serve a Temer – inclusive os ministros demitidos por denúncias de corrupção: Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Henrique Alves, que integravam o núcleo duro palaciano.

Os que estão na marca do pênalti, citados em delações – Eliseu Padilha, Moreira Franco, Helder Barbalho -, também serviram ao PT. Sarney Filho (PV) e Gilberto Kassab (PSD), embora de outras legendas, sentem-se (e são) parte da mesma família, desde Lula.

Temer é, pois, coautor da herança maldita que administra. E até o ministro que escolheu para geri-la, Henrique Meirelles, é parte do legado. O que os distingue é que o PMDB não está comprometido com a causa revolucionária do Foro de São Paulo, o que explica a fúria de seus antigos aliados. Frustrou o projeto bolivariano.

O roubo petista ia além do simples propósito de tornar os seus agentes ricos (sem, claro, deixar de atende-los). Visava, sobretudo, à sustentação de um projeto criminoso – e permanente - de poder. O roubo do PMDB é o convencional. Atende às demandas pessoais do infrator. O do PT, por ter em vista a causa revolucionária, de unir o continente pela esquerda, banalizou o milhão e o bilhão.

Chegou ao trilhão – e quebrou o país. Mas não apenas. Os vínculos com o narcotráfico, em especial as Farc, explícito nas atas do Foro de São Paulo, inaugurou um período de leniência na legislação penal e de forte estímulo ao crime organizado.

O Rio é o epicentro dessa ação. No período petista, o Brasil deixou de ser apenas corredor de exportação da droga; tornou-se o segundo consumidor de cocaína do mundo e o primeiro de crack. A inteligência do Exército já detectou que o país já é também produtor, abrigando aqui gente dos cartéis vizinhos.

O ministro Jungmann informou que o Estado Maior das Forças Armadas que se instalou no Rio – e deve permanecer até o final de 2018 – constatou que ao menos dois países vizinhos, cujo nome, por motivos óbvios, não pode ainda citar (mas que todos sabemos ser Bolívia e Colômbia), incorporaram o lucro do tráfico ao seu PIB.

Tornaram-se narcocracias e, como tal, tornam mais complexo o desbaratamento do crime organizado. O Brasil hoje é um imenso Rio de Janeiro, cuja capital está na Esplanada dos Ministérios.

Sociedade dos otários espoliados

O historiador cearense Capistrano de Abreu (1853-1927), colega de classe de padre Cícero Romão Batista no seminário de Fortaleza, não ficou famoso por causa disso, mas por uma piada, seu projeto de Constituição, que rezava, categórico: “Artigo 1.º : Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Artigo 2.º: Revogam-se as disposições em contrário”.

Nenhum de nossos projetos constitucionais teve o poder de síntese dessa chacota, que de tão atual se tornou denúncia. A cada nova legislação este país se torna cada vez mais a “república dos sem-vergonha”. E a sociedade dos otários espoliados. A primeira página do Estado de anteontem registrou: Câmara quer mudar delação premiada e prisão preventiva. E a notícia a que ela se refere, da lavra de Isadora Peron, da sucursal de Brasília, completou: “Também estudam revogar o entendimento de que penas podem começar a ser cumpridas após condenação em segunda instância”.

Na mesma edição deste jornal, que se notabilizou pelas lutas pela abolição da escravatura, pela proclamação da República, contra o Estado Novo e a ditadura militar, os repórteres de política Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho relataram a saga de Vicente Cândido (PT-SP) para promover uma reforma política que inclua um Fundo Partidário de, no mínimo, R$ 3,5 bilhões; o distritão, em que só os mais votados para deputado se elegem; e, last but not least, a “emenda Lula”. Esta merece destaque especial, por impedir que postulantes a mandatos eletivos sejam presos oito meses antes da data marcada para a eleição, mesmo que só venham a ter suas candidaturas registradas oficialmente quatro meses após esse prazo. O nome do presidenciável do Partido dos Trabalhadores (PT), no qual milita Sua Candidez, é usado como marca registrada da emenda por atender ao fato de que Luiz Inácio Lula da Silva acaba de ser condenado a nove anos e meio de prisão e proibido de ocupar cargos públicos por sete anos pelo juiz Sergio Moro, na Operação Lava Jato.

A proibição de prender quem avoque sua condição de candidato é a mais abjeta das propostas do nada cândido (claro, impoluto) relator, mas não é a que produzirá, se for aprovada pelo Congresso Nacional, mais prejuízos, em todos os sentidos, para a cidadania. As medidas cinicamente propostas pelo “nobilíssimo” parlamentar produzem, em conjunto, um despautério que provocaria a aceleração do enriquecimento dos partidos e de seus representantes, em particular os dirigentes, sob a égide de um sistema corrupto e que trava a produção e o consumo, empobrecendo a Nação. O financiamento público das milionárias campanhas eleitorais legaliza a tunga ao bolso furado do cidadão.


Ex-sócio do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, que não sai do País para não ser preso pela Interpol, Sua Candura-mor, o deputado ecumênico, integra o lobby a favor da legalização dos cassinos e foi um dos idealizadores da campanha de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara. A reforma ressuscita uma ideia que nunca pareceu ter muito futuro e sempre foi apregoada pelo presidente Michel Temer: o distritão. Trata-se da volta do tílburi ao Vale do Silício, pois reduz a pó as tentativas vãs de tonificar a democracia, dando mais força aos partidos, e estimula o coronelismo partidário, usando falsamente a modernização, confundindo-a com voto distrital.

O Estado noticiou que o patrimônio de Cândido aumentou nove vezes nos últimos nove anos (descontada a inflação no período). Neste momento, em que as arenas da Copa do Mundo da Fifa em 2014 – de cuja lei foi relator – têm as contas devassadas por suspeitas de corrupção e um juiz espanhol mandou prender o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira, o eclético parlamentar achou um parceiro no Senado: o relator da reforma política e líder do governo Temer na Casa, Romero Jucá (PMDB-AP).

Enquanto Cândido e Jucá providenciam a engorda dos cofres partidários para garantir as campanhas perdulárias, que vinham sendo feitas à custa de propinas milionárias, a comissão especial da reforma do Código de Processo Penal (CPP) batalha pelo abrandamento da legislação de combate à corrupção no Brasil.

A reforma do CPP, que é de 1941, foi aprovada no Senado em 2010. Na Câmara ficou esquecida até o ano passado e foi desengavetada durante o mandarinato do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso em Curitiba. O presidente da comissão especial que discute as mudanças na Casa, deputado Danilo Forte (PSB-CE), que apareceu recentemente na lambança de Temer ao tentar atravessar a adesão dos dissidentes do PSB ao DEM, discorda de presos fecharem acordos de delação premiada com procuradores.

Forte também considera que é preciso punir juiz que desrespeite as regras da condução coercitiva, que deveria ser empregada apenas se uma pessoa se negar a prestar depoimento. O presidente da comissão especial parece até ter inspirado sua ideia na recente decisão de Nicolás Maduro, que ameaçou de prisão os juízes que o Parlamento da Venezuela – de maioria oposicionista e contra a Constituinte que ele quer eleger no domingo, no modelo da pregada por Dilma – escolheu para a Suprema Corte.

A reforma política de Cândido e Jucá e as mudanças no CPP propostas por Forte, aliado de Temer, evidenciam tentativas de adaptar as leis eleitorais e penais do País aos interesses pessoais de chefões políticos encalacrados nas operações, Lava Jato entre elas, inspiradas em convenções da ONU, da OEA e da OCDE contra a roubalheira geral, importadas por Fernando Henrique e Dilma e agora ameaçadas pelos que defendem a impunidade de quem for flagrado. Esse “acordão”, que denota fraqueza e sordidez, põe o Brasil, já na contramão da prosperidade, também na trilha oposta da luta contra o roubo. Aqui a vergonha empobrece o portador.

Gente fora do mapa

Coisas de Terê → Nepal - Foto: Steve McCurry
Steve McCurry

Os ninhos de cobras criadas

Para qualquer lado que se olhe, o brasileiro se vê rodeado de cobras criadas. Não são só os golpistas analfabetos, os estelionatários comuns, os bandidos de rua. Há ninhos peçonhentos em empresas estatais e nos Três Poderes – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Isso explica por que, mesmo com apenas 5% de apoio popular, recorde negativo de um presidente desde a ditadura, Michel Temer ainda não enfrenta protestos nacionais nas ruas. O brasileiro está ocupado em sobreviver.

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São tantas cobras prontas a dar o bote, são tantas as preo­cupações imediatas com o pagamento de contas e impostos, com o emprego, a saúde, a segurança e a educação da prole que o cidadão se encolhe. Faz mais sentido lutar pela sobrevivência física e material, por nossos afetos particulares, do que fazer frente ao apagão fiscal e moral. Nossa resistência passiva produz um Temer sorridente e patético, em busca de “puxadores de aplausos”. Também produz uma Câmara indecisa e venal, que provavelmente arquivará a denúncia contra Temer em troca de vantagens.

O último preso, Aldemir Bendine, apelidado de Cobra e acusado de receber R$ 3 milhões de propina da Odebrecht, em três parcelas, poderia ter escolhido protagonizar uma história de sucesso. Foi presidente do Banco do Brasil por quase seis anos, de 2009 a 2015. Por ser aliado petista e contar com a confiança de Lula e Dilma Rousseff, foi nomeado em maio de 2015 presidente da Petrobras – mesmo tendo em seu passado episódios obscuros, como o empréstimo de R$ 2,7 milhões a uma socialite e a compra de um imóvel com dinheiro vivo.

Dilma escolheu Bendine para moralizar a estatal, após longa e penosa queda em desgraça da amiga Graça Foster. O Cobra fez discursos emocionados contra a corrupção, embora só trabalhasse às terças, quartas e quintas-feiras. Ficou conhecido como “o presidente TQQ”, igualzinho aos políticos de Brasília.

“É assustador que encontremos uma pessoa que supostamente foi indicada para a presidência da Petrobras para estancar a corrupção e tenha praticado crimes nesse sentido”, disse o procurador da República Athayde Ribeiro Costa. Não sei se é assustador, perdemos a capacidade de nos assustar. Ninguém acha que ele agiu sozinho.

Só depois de assumir o comando da Petrobras, Bendine conseguiu achacar Marcelo Odebrecht, segundo a denúncia. Quando estava na presidência do BB, teria tentado algumas vezes dar o bote da propina, para rolar uma dívida da Odebrecht ou para não prejudicar a Odebrecht na Petrobras, com a Lava Jato já a toda. Mas Marcelo parece não ter cedido. Bendine não tinha ainda, no BB, o peso dos espécimes vindos direto do Planalto. Ainda não era um emissário oficial de Dilma.

Bendine estava com passagem comprada para Portugal quando foi preso. Ao chegar à sede da Polícia Federal em Curitiba, na quinta-feira, deparou com a cobra criada que o delatou, Marcelo Odebrecht. Línguas venenosas dizem que o ex-presidente do BB encarou com dureza o empreiteiro, preso em regime fechado.

Delatores e delatados são obrigados a dividir carceragem, ressentimento e ódio. Mesmo que seja um desconforto temporário, é a vingança da hora da sociedade. Ninguém é ingênuo. É óbvio que a Lava Jato está ameaçada, embora o discurso do ministro da Justiça, Torquato Jardim, seja outro. Cortes e demissões na operação serão colocados na conta da crise.

Mas há outros ninhos de cobras criadas, que estão a salvo de investigações. É um ninho perdulário e corporativista, como todos os que o Estado brasileiro patrocina. O Conselho Superior do Ministério Público Federal acaba de aprovar 16,7% de reajuste salarial para os procuradores, que já desfrutam muitas mordomias.

Não sei se o MPF ouviu direito a repercussão da proposta de aumento. Se ouviu, não está nem aí. Entre os adjetivos ligados a esse aumento para os procuradores estão “ofensivo”, “injustificável”, “irresponsável”, “lunático”, “um descompromisso com a nação”. Não vai falar nada, Rodrigo Janot? Cadê o bambu e as flechas?

Não sei se os procuradores estão se achando tão valorosos e indispensáveis a ponto de enfrentar a ira de um país com 14 milhões de desempregados, em grave recessão. Eles não estão acima do bem e do mal e é bom que Raquel Dodge se dê conta disso antes de assumir a Procuradoria-Geral da República. Ou estamos diante de mais uma cobra criada no Poder, que estimula uma sociedade desigual e privilégios para a alta casta do funcionalismo da República?

A continuar assim, o Brasil vai enfrentar a falta no mercado de soro antiofídico, para tratar picadas de cobras peçonhentas.

As invasões da semana confirmam: MST é a versão rural do PCC

Por tratar como caso de polícia o que era uma questão social, o presidente Washington Luis acelerou a chegada da senilidade precoce à República Velha, enterrada sem honras pela Revolução de 1930. Por tratarem como questão social o que é um caso de polícia, os presidentes Lula e Dilma Rousseff retardaram a chegada à maioridade de uma democracia ainda adolescente.

Porta-vozes de reivindicações elementares, os líderes do incipiente movimento operário do século passado não mereciam cadeia. Mereciam de Washington Luis mais atenção. Aprisionados a velharias ideológicas soterradas pela queda do Muro de Berlim, comandantes de organizações criminosas disfarçadas de "movimentos sociais" berram exigências que, no século 21, soam tão pertinentes quanto a restauração da monarquia. Não merecem as atenções que Lula e Dilma lhes dispensaram, nem a cumplicidade por omissão do atual governo. Merecem cadeia.


A varredura dos inimigos do Estado Democrático de Direito precisa começar pelo MST, aconselha o histórico da sigla que identifica o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Trata-se de um ajuntamento de estupradores do direito de propriedade, que enxergam na reforma agrária a primeira escala do caminho que leva ao paraíso comunista.

O que parece mentira aos olhos de gente civilizada foi confirmado neste 25 de julho, dia escolhido pelo general João Pedro Stédile para a mobilização de tropas às quais caberia a execução de outra "jornada nacional de luta pela reforma agrária". Com a desenvoltura arrogante dos que se julgam condenados à perpétua impunidade, os soldados deixaram as barracas de lona preta na madrugada da terça-feira para atropelar o Código Penal em numerosos pontos do país, assolados por erupções de violência ditadas pela palavra de ordem da vez: "Corruptos, devolvam nossas terras".

As ofensivas do MST há bastante tempo têm ido muito além das invasões de terras produtivas. Tais ações beligerantes agora incluem a destruição de casas, máquinas, veículos, plantações ou laboratórios, ataques armados aos seguranças das fazendas, incêndios de benfeitorias e outras manifestações de selvageria.

Nesta semana, os órfãos da Guerra Fria aproveitaram a safra de ilegalidades para avisar, em nota oficial, que a reforma agrária é também uma forma seletiva de combate à corrupção: só entram na mira do movimento todos os acusados ou suspeitos que não sejam devotos da seita que tem em Lula seu único deus. “Os latifundiários que possuem estas áreas são acusados, no cumprimento de função pública, de atos de corrupção, como lavagem de dinheiro, favorecimento ilícito, estelionato e outros", diz um trecho do palavrório..

Em Mato Grosso, o papel de alvo preferencial coube ao atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, castigado pela invasão da fazenda SM02-B, do grupo AMaggi, localizada no município de Rondonópolis. Cerca de 500 militantes seguem acampados por lá, e o abuso não tem prazo para terminar. O motivo da pena aplicada a Blairo é resumido em 20 palavras: "Ele exerce a função de ministro para garantir as condições necessárias para o desenvolvimento das suas fazendas e do agronegócio".

O primitivismo insolente é uma das marcas de nascença do MST, confirma outra frase, que tortura a língua portuguesa para revelar um segundo pretexto invocado pelos órfãos da Guerra Fria para espancar a Constituição e violentar leis comuns: "O MST também se posiciona pelo afastamento imediato de Michel Temer da Presidência, primeiro presidente na História acusado formalmente de corrupção pela Procuradoria Geral da República".

Se acreditassem no que escreveram, os guerrilheiros sem alqueires nem cérebro já teriam invadido o sítio de Lula em Atibaia e, neste momento, estariam aplaudindo a sentença do juiz Sérgio Moro sobre o caso do triplex do Guarujá. Um acusado, como Temer, joga em divisões inferiores à série A. Nessa elite figura Lula desde que se tornou o primeiro presidente da História do Brasil condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Nada disso importa para a versão rural do PCC, composta por lavradores de araque que jamais se interessaram pelo trabalho na roça e nunca tiveram qualquer intimidade com as coisas do campo. Caso tentasse manusear uma foice, por exemplo, Stédile acabaria transformado no primeiro revolucionário do mundo que decepou a própria cabeça. E os militantes que ousarem empunhar uma enxada dificilmente escaparão da perda de um pé ou um braço. É compreensível que prefiram estudar marxismo ou rezar pela alma de Stalin sob o olhar de Guevara no poster.

Como o governo garante a cesta básica e a impunidade, o MST pode lutar sem sobressaltos pelo extermínio da democracia.