Isso explica por que, mesmo com apenas 5% de apoio popular, recorde negativo de um presidente desde a ditadura, Michel Temer ainda não enfrenta protestos nacionais nas ruas. O brasileiro está ocupado em sobreviver.
O último preso, Aldemir Bendine, apelidado de Cobra e acusado de receber R$ 3 milhões de propina da Odebrecht, em três parcelas, poderia ter escolhido protagonizar uma história de sucesso. Foi presidente do Banco do Brasil por quase seis anos, de 2009 a 2015. Por ser aliado petista e contar com a confiança de Lula e Dilma Rousseff, foi nomeado em maio de 2015 presidente da Petrobras – mesmo tendo em seu passado episódios obscuros, como o empréstimo de R$ 2,7 milhões a uma socialite e a compra de um imóvel com dinheiro vivo.
Dilma escolheu Bendine para moralizar a estatal, após longa e penosa queda em desgraça da amiga Graça Foster. O Cobra fez discursos emocionados contra a corrupção, embora só trabalhasse às terças, quartas e quintas-feiras. Ficou conhecido como “o presidente TQQ”, igualzinho aos políticos de Brasília.
“É assustador que encontremos uma pessoa que supostamente foi indicada para a presidência da Petrobras para estancar a corrupção e tenha praticado crimes nesse sentido”, disse o procurador da República Athayde Ribeiro Costa. Não sei se é assustador, perdemos a capacidade de nos assustar. Ninguém acha que ele agiu sozinho.
Só depois de assumir o comando da Petrobras, Bendine conseguiu achacar Marcelo Odebrecht, segundo a denúncia. Quando estava na presidência do BB, teria tentado algumas vezes dar o bote da propina, para rolar uma dívida da Odebrecht ou para não prejudicar a Odebrecht na Petrobras, com a Lava Jato já a toda. Mas Marcelo parece não ter cedido. Bendine não tinha ainda, no BB, o peso dos espécimes vindos direto do Planalto. Ainda não era um emissário oficial de Dilma.
Bendine estava com passagem comprada para Portugal quando foi preso. Ao chegar à sede da Polícia Federal em Curitiba, na quinta-feira, deparou com a cobra criada que o delatou, Marcelo Odebrecht. Línguas venenosas dizem que o ex-presidente do BB encarou com dureza o empreiteiro, preso em regime fechado.
Delatores e delatados são obrigados a dividir carceragem, ressentimento e ódio. Mesmo que seja um desconforto temporário, é a vingança da hora da sociedade. Ninguém é ingênuo. É óbvio que a Lava Jato está ameaçada, embora o discurso do ministro da Justiça, Torquato Jardim, seja outro. Cortes e demissões na operação serão colocados na conta da crise.
Mas há outros ninhos de cobras criadas, que estão a salvo de investigações. É um ninho perdulário e corporativista, como todos os que o Estado brasileiro patrocina. O Conselho Superior do Ministério Público Federal acaba de aprovar 16,7% de reajuste salarial para os procuradores, que já desfrutam muitas mordomias.
Não sei se o MPF ouviu direito a repercussão da proposta de aumento. Se ouviu, não está nem aí. Entre os adjetivos ligados a esse aumento para os procuradores estão “ofensivo”, “injustificável”, “irresponsável”, “lunático”, “um descompromisso com a nação”. Não vai falar nada, Rodrigo Janot? Cadê o bambu e as flechas?
Não sei se os procuradores estão se achando tão valorosos e indispensáveis a ponto de enfrentar a ira de um país com 14 milhões de desempregados, em grave recessão. Eles não estão acima do bem e do mal e é bom que Raquel Dodge se dê conta disso antes de assumir a Procuradoria-Geral da República. Ou estamos diante de mais uma cobra criada no Poder, que estimula uma sociedade desigual e privilégios para a alta casta do funcionalismo da República?
A continuar assim, o Brasil vai enfrentar a falta no mercado de soro antiofídico, para tratar picadas de cobras peçonhentas.
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