A série de dados de satélite, feita pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi postada discretamente numa página do Ministério do Meio Ambiente na internet, sem divulgação para a imprensa ou entrevista coletiva. Ela vem acompanhada de uma análise do desmatamento entre 2013 e 2015, mostrando a pressão sobre o bioma em cada município, as unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos de reforma agrária mais desmatados.
“A série de dados do Cerrado é uma informação crucial para a sociedade, mas também para o mercado”, disse Jair Schmitt, diretor de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente. “Ela vai permitir desenhar e aplicar ao Cerrado políticas como as que causaram a redução do desmatamento na Amazônia.”
Thelma Krug, pesquisadora do Inpe que iniciou o programa de monitoramento no ano passado quando estava no MMA, diz que a série histórica vai permitir ao Brasil captar recursos no exterior para reduzir o desmatamento no bioma – a exemplo do que ocorre com o Fundo Amazônia.
O chamado “Prodes do Cerrado” (o apelido é uma referência ao Prodes, o sistema que dá a taxa anual de desmatamento na Amazônia) ainda tem buracos: os dados para os anos de 2012 e 2014 não foram finalizados. Mesmo assim, a série que de agora em diante será a taxa oficial de perda do segundo maior bioma brasileiro confirma estimativas que já vinham sendo feitas e permite tirar algumas conclusões. Há uma notícia boa e várias ruins.
A boa é que o Brasil praticamente cumpriu a meta de sua política nacional de clima de reduzir a devastação em 40% até 2020, para 9.421 quilômetros quadrados ao ano. Por coincidência, mas cumpriu.
“A meta foi calculada originalmente, em 2009, com base em estimativas anteriores ao monitoramento anual, que estimaram uma média de 15.700 quilômetros quadrados perdidos ao ano entre 1994 e 2008.”.
A meta foi calculada originalmente, em 2009, com base em estimativas anteriores ao monitoramento anual, que estimaram uma média de 15.700 quilômetros quadrados perdidos ao ano entre 1994 e 2008. A proposta inicial era uma redução de 50%, que foi expurgada de próprio punho pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Como lembrou a ecóloga Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, o país definiu como “aceitável” perder todo ano o equivalente a 1% da área remanescente do Cerrado.
Diferentemente da Amazônia, porém, no Cerrado não houve um esforço sistemático de comando e controle, nem havia um acompanhamento anual da taxa – uma estimativa publicada após a adoção da política, com uma metodologia diferente, apontava para 7.600 quilômetros quadrados desmatados entre 2008 e 2009, o que implicaria que a meta já teria sido cumprida no ano de sua adoção. A nova série histórica publicada pelo MMA põe o desmate em 2009 em 10.342 quilômetros quadrados.
Entre as más notícias está o fato de que o Cerrado continua perdendo 1% de sua área remanescente por ano. Dados do projeto MapBiomas publicados neste ano indicam que o desmatamento acumulado no bioma neste século foi três vezes maior que o da Amazônia, proporcionalmente ao tamanho da área de vegetação remanescente.
Sem surpresa, os dez municípios mais desmatados ficam no chamado Mapitoba, palco da expansão da fronteira agrícola, entre os Estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia (daí o acrônimo). Juntos, eles respondem por 11% dos quase 30 mil quilômetros quadrados desmatados no Cerrado entre 2013 e 2015.
Os três campeões são baianos: São Desidério (337 km2), Jaborandi (295 km2) e Formosa do Rio Preto (271 km2), todos produtores de soja. A Bahia tem cinco municípios na lista dos dez mais.
A Bahia também é o Estado pioneiro da flexibilização do licenciamento ambiental. Em 2014, um decreto do governo estadual isentou as atividades agropecuárias de licenciamento, algo que hoje a bancada ruralista pretende emular com a lei geral de licenciamento, em tramitação no Congresso. A dispensa foi questionada na Justiça e revogada em 2017. Durante sua vigência, o Estado não apenas viu o desmate avançar no Cerrado, como também presenciou sua explosão na mata atlântica: 207% em 2015/2016 em relação ao biênio anterior.
Segundo Tiago Reis, pesquisador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), a destruição acelerada do Cerrado cria problemas para a própria agricultura. “Esse desmatamento coloca em risco o equilíbrio ambiental que garante a produção agrícola no Brasil, uma vez que a perda de vegetação nativa do Cerrado compromete a formação de chuvas por evapotranspiração, a infiltração das águas no solo para recarregar aquíferos e rios da região”, diz. “Desse processo dependem as enormes áreas agrícolas irrigadas do oeste baiano, por exemplo.”
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