quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Cordial, blasé e decorativo

Você o vê de vez em quando na televisão —não tanto que dê para saturar, nem tão pouco que não o reconheça. É um homem em trânsito permanente. Quando um repórter o laça para uma pergunta, ele está sempre saindo de um carro ou entrando em outro, subindo ou descendo rampas, cercado de aspones e a caminho de algum lugar. Dir-se-ia ocupadíssimo, mas, como sabe ser de sua obrigação, não deixa de conceder um ou dois minutos para um papo com os rapazes e moças. E, ao fazer isso, exibe toda a sua cordialidade, fleuma e bonomia. É o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República.


Não importa a pergunta. Se o jornalista falar da tragédia ambiental, do fogo na mata, dos animais carbonizados, do desmatamento criminoso, do ataque às nascentes, da destruição da terra ou da expulsão dos indígenas, ele responderá a tudo com seu ar blasé e bonachão. Não pode desmentir as acusações filmadas e documentadas, mas também não vê nada demais nelas. Vamos resolver, sorri. E não o altera que, a cada sorriso benigno que oferece às câmeras, uma ararinha azul ou onça-pintada vire torresmo pela ação ou inação de seus subordinados.

É o seu estilo, a naturalidade com que recebe as gafes, impropriedades e mentiras do governo. Não é tão grave assim, não fomos nós que fizemos, não foi bem isso que ele quis dizer —são alguns de seus mantras para defender os homens que estão demolindo a saúde, a educação, o trabalho e o caráter do país.

Ou talvez nada seja com ele. Mourão deve sentir-se reconfortado por ser apenas o vice-presidente dessa miséria —confiante de que, por sua função subalterna, não será cobrado por ela.

Mas é aí que se engana. Ele faz parte do governo. Ao ser tão "compreensivo" diante do que vê e que sabe, está pondo seu jamegão no que acontece lá dentro. A não ser que não veja nem saiba nada, e seja mesmo só decorativo —como se julga.

Se há praga, quem escolheu paga

 


Nova maioria bolsonarista

O relógio marcava 0h32m do 1º de abril quando Jair Bolsonaro escreveu um dos seus primeiros tuítes: “O Bolsa-farelo (família) vai manter esta turma no Poder”. Comentava a saída de Dilma Rousseff da Casa Civil para se candidatar à sucessão de Lula.

Nove anos depois, Bolsonaro está criando o próprio “Bolsa-farelo (família)”. Acredita ser a melhor cartada para viabilizar a reeleição em 2022. Numa trapaça da história, repete Lula, que, em 2005, driblou os efeitos do mensalão e abriu caminho ao novo mandato com o Bolsa Família.



Desde julho, o Planalto recebe pesquisas indicando a formação de nova maioria (um terço) na base eleitoral bolsonarista. É composta por pobres, beneficiários do “auxílio emergencial”, residentes em pequenas e médias cidades do Norte e do Nordeste. Substitui a fatia do eleitorado de classe média, perdido nas metrópoles.

É adesão com discernimento. Quase metade responsabiliza o presidente, mais do que governadores e prefeitos, pela fragilidade do país na pandemia. No rastro do seu negacionismo já se contam 132 mil mortos.

Há, porém, claro respaldo a Bolsonaro, ancorado na expectativa de continuidade da ajuda. Os pobres temem desemprego e fome na crise do pós-pandemia.

É armadilha política porque, sem caixa, o governo terá de escolher beneficiários, dividindo a nova maioria. Mas dá a Bolsonaro a chance de se apropriar de um tema, a desigualdade, monopolizado pela oposição.

A retórica sobre a concentração de renda foi eficiente para o PT nas urnas. Os resultados dos governos petistas, porém, ficaram limitados: os beneficiários do Bolsa Família representam só 21% da pobreza “visível” no auxílio emergencial (66 milhões). Lula focou no assistencialismo, descartou um programa amplo de renda básica (não contributiva), como sugeria o ex-senador Eduardo Suplicy, entre outros.

Bolsonaro quer seu “Bolsa-farelo (família)”. Não propõe ir além, reduzir a desigualdade nem ajudar “invisíveis” a viver por conta própria. Como diz o sociólogo Paulo Delgado, em ensaio recém-publicado, “por não cultivar a arte do respeito, é o governo que mantém o pobre fraco”.

Alerta vermelho pro verde-amarelismo

Hoje muita gente está votando contra sua própria liberdade. Os turcos votam em (Recep Tayyip) Erdoğan sabendo que ele não quer uma sociedade democrática e secularizada. Nos anos 1920 e 1930, nações europeias também votaram contra a liberdade e veja o que aconteceu. Líderes como Erdoğan, como Donald Trump, vão e vem. Cedo ou tarde, os americanos vão perceber que estão perdendo dinheiro, liberdade e até saúde por causa desse presidente de merda

Ken Follett

Máscaras e dúvidas

Quebrei um dente e fui obrigado a romper a quarentena atual e a outra, de 50 anos, para visitar o Dr. Rodrigo Medina, meu competente dentista. Como era uma emergência, marcamos ao anoitecer, quando seria prontamente atendido.

Devidamente mascarado e me sentindo um pouco bandido de história em quadrinhos, ou um reles político nacional, andei pelos intermináveis corredores do prédio e, driblando a insegurança da idade, cheguei ao consultório, sentei-me e fiquei esperando minha vez. 

Vivemos com grande intensidade, e em todo lugar, a experiência de entrar numa democrática fila, instituição sobre a qual, em 2007, produzi com Alberto Junqueira o livro virgem de leitores “Fila & democracia”. Seguro de um atendimento igualitário, suspirei alegre, agasalhado pela confiança que me era dada pela rotina da fila avessa às hierarquias brasileiras — do quem chega primeiro, é primeiro atendido.

Minutos depois, entrou no consultório uma jovem senhora. Após os reconhecimentos mútuos demandados pela “boa educação”, começamos uma conversa trivial. Observamos o terror da pandemia que nos obrigava a usar máscaras; comentamos nosso nojo pelos governantes que roubaram recursos médicos e construíram hospitais fantasmas. Notando a percepção de minha companheira de espera, perguntei no que ela trabalhava.

— Sou professora — disse. — E você?

— Sou do mesmo ramo, sou professor da PUC-Rio.

— De quê?

— De Antropologia Social ou Cultural — respondi de pronto, como sempre faço para explicar que o “cultural” que eu ensino nada tem a ver com “show business” (teatro, cinema, TV etc...), mas com valores e costumes...

— O senhor conhece o Roberto DaMatta? — perguntou imediatamente minha companheira de espera.

— Acho que sim — disse o mascarado. — Creio que conheço um pouco...

— Eu adoro o que ele escreve. Como ele é? — perguntou a moça para uma cara surpresa, escondida pela máscara.

A pergunta banal me pegou. Afinal, quem era mesmo eu? Seria o pai, avô, irmão, filho, viúvo, tio e primo? Ou seria um velho professor-pesquisador conjugado por um esforçado cronista e autor? Ou simplesmente um velho?

— Bem — respondi. — Ele é um cara complicado, indeciso, enfático e até mesmo grosseiro. Acho que é impaciente com a burrice nacional, mas isso é um direito dele...

— Então você teve convivência com ele... — questionou a moça do rosto escondido.

— Convivo com ele desde os tempos de primeira comunhão, escola e faculdade... Aliás, fui ao seu casamento e ao lançamento do seu primeiro livro aqui em Niterói... Ele é muito difícil de conviver, pois sempre usa uma máscara.

— É mascarado?

— Não. Mas sofre de uma profunda e neurótica honestidade — disse, tirando a minha máscara e revelando que era eu quem, num raro momento, falava da minha própria pessoa...

A moça sorriu e pediu uma desculpa impossível, pois sempre vivemos num país no qual todos devem saber com quem falam. Exceto quando nos mascaramos, como fazem os governantes desonestos, os poderosos e os muitos ricos...
Roberto DaMatta

O evangelho bolsonarista

Em célebre passagem da Bíblia (Mateus 22:17-21), o próprio Cristo aconselha a pagar os impostos em dia: “Dai, pois, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”. Religioso como diz ser, o presidente Jair Bolsonaro deve conhecer essa prédica, mas aparentemente se esqueceu dela ao defender a criação de “instrumentos normativos” para permitir que entidades religiosas, já isentas do pagamento de impostos, deixem de pagar também contribuições, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a previdenciária.

A defesa da isenção total para igrejas foi feita depois que Bolsonaro se viu na contingência de, muito a contragosto, vetar um “jabuti” incorporado ao Projeto de Lei 1.581/2020, que trata de acordos para pagamento de precatórios entre a União e seus credores. Se sancionado pelo presidente, o tal quelônio que a Câmara desavergonhadamente aprovou anistiaria R$ 1 bilhão em débitos tributários das igrejas, segundo cálculos da equipe econômica.

O Ministério da Economia, obviamente, recomendou a Bolsonaro que vetasse esse dispositivo, que já seria absurdo em condições normais, mas que se tornaria especialmente ofensivo diante do quadro de penúria fiscal e de despesas crescentes com a pandemia de covid-19. O presidente o fez, mas apenas parcialmente – manteve uma anistia a multas aplicadas pela Receita Federal pela não quitação de tributos sobre a chamada “prebenda”, nome que se dá ao pagamento que ministros de ordens religiosas recebem, entendido como remuneração direta ou indireta. Uma lei de junho de 2015 isentou os religiosos desse tributo, e o dispositivo sancionado por Bolsonaro perdoa todas as autuações feitas antes daquela data. Uma dádiva.


Não é preciso ler a Bíblia para saber que se trata de uma imoralidade – além de uma ilegalidade. Basta consultar o Código Tributário Nacional, cujo artigo 144 mantém multas e autuações mesmo que a lei que as determinou seja posteriormente alterada ou revogada. Foi essa singela constatação – a de que havia um “obstáculo jurídico incontornável”, segundo nota da Secretaria Geral da Presidência – que fez Bolsonaro acatar a necessidade de vetar parcialmente as manobras para privilegiar escandalosamente os donos de igrejas evangélicas que o apoiam. Só a igreja pertencente à família do deputado David Soares, autor do “jabuti”, deve algo em torno de R$ 38 milhões à União.

Mas a fé move montanhas. Enquanto se via obrigado a cumprir o que determina a lei – reconhecendo que, se não o fizesse, incorreria em crime de responsabilidade, com risco inclusive de impeachment –, o presidente Bolsonaro estimulava os deputados a ignorá-la, derrubando seu próprio veto. “Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto que deve ocorrer até outubro, votaria pela derrubada do mesmo (sic)”, declarou o presidente nas redes sociais, desmoralizando de vez o instituto do veto presidencial – fundamental no processo legislativo. Bolsonaro prometeu ainda que apresentará “nesta semana” uma proposta de emenda constitucional para determinar “uma possível solução para estabelecer o alcance adequado para a imunidade das igrejas nas questões tributárias”.

Há tempos o presidente Bolsonaro vem pressionando a Receita Federal a, segundo suas palavras, “resolver o assunto” das dívidas tributárias das igrejas, tema de grande interesse da bancada evangélica. Diante da resistência dos técnicos do Fisco, que preferem a ortodoxia da lei à heterodoxia do evangelho bolsonarista, restou articular a aprovação legislativa de alguma manobra que facilitasse o drible nas obrigações fiscais das igrejas e de seus donos. O problema é que essa caridade com chapéu alheio, além de ser acintosa em tempos de pandemia, só se presta a alimentar a base de apoio de Bolsonaro com vista à sua reeleição, o único projeto claro de sua Presidência até o momento.

Já os brasileiros comuns – religiosos ou ateus – continuarão obrigados a pagar seus impostos em dia, sem a menor possibilidade de perdão – que, no Brasil de Bolsonaro, está reservado somente a uns poucos eleitos.

Pensamento do Dia

 

Sergei Tunin - Dia Internacional da Democracia (15 de setembro)

Nabuco, Bolsonaro e a pandemia

“Profetizar é tão difícil para trás como para diante. O que aconteceu esclarece-nos bem pouco sobre o que teria acontecido. Quando se diz que outra medida teria estas ou aquelas consequências, subentende-se que é tudo o mais se passando como se passou.”

O alerta de Joaquim Nabuco dizia respeito à dinâmica dos projetos de abolição da escravatura, mas joga luz sobre o que teria acontecido com o governo Bolsonaro se a pandemia não tivesse ocorrido. Nabuco raciocinava em termos de contrafactuais e mecanismos: para eventos singulares o suposto do ceteris paribus (“tudo o mais constante”) seria insustentável.

Feito o alerta, podemos fazer a conjetura que na ausência da pandemia o principal evento recente —a formação de uma base parlamentar do governo— teria ocorrido de qualquer forma, pois foi deflagrado em resposta à janela que se abriu para o impeachment.

Afinal, então, quais os principais impactos da pandemia?



O primeiro é que desmantelou a agenda pública: sai costumes, corrupção, segurança, reformas, entra crise sanitária e seus efeitos. O cenário de uma conflagração social desestabilizante causou pânico: Bolsonaro mimetizou Trump que tomou medidas cavalares na dose ao mesmo tempo em que fazia pouco caso da pandemia.

As declarações recentes de Bob Woodward confirmam a previsão já feita anteriormente. Haverá guerra de narrativas: a do estadista —a referência aqui será Churchill para quem a verdade seria “tão preciosa que deve ser blindada por mentiras”—; e a do tirano irresponsável —em que opositores irão brandir as mortes que poderiam ser evitadas.

O segundo impacto é um efeito não antecipado: o remédio anticaos (o auxílio) revelou-se crucial para a popularidade presidencial. O terceiro é consequência do primeiro e terá efeito retardado: a agenda pública passa a ser vertebrada, como no passado recente, em termos de “quem redistribui mais e melhor”. Sai a cacofonia hiperpolitizada e de costumes, entra o Renda Brasil.

Especula-se com base na assimetria cognitiva entre perdas e ganhos, identificada por Kahneman e Tversky, que a “super-reação” ao fim do auxílio anulará os benefícios gerados. Improvável: ele será descontinuado pelo seu próprio criador, não é um direito estabelecido (entitlement, no jargão) e foi anunciado como temporário.

Isso não quer dizer, no entanto, que desemprego, pressões inflacionárias e queda da renda não terão consequências políticas. Mas aqui é o clássico “voto econômico” da literatura que seguramente terá impacto decisivo, mas gradativo. Quanto mais perto do fim (eleição) maior forte a lembrança do sofrimento econômico. Como nas colonoscopias, segundo Kahneman.

O desmentido do lobo

Quando a montanha ficou coberta com uma grossa cama de neve, um lobo ficou sem comida. Ele não gostava de passar fome, embora se lembasse das bordoadas dos roceiros e de várias experiências desagradáveis pelas quais tinha passado. Mesmo assim ele se encheu de coragem para descer a montanha e roubar uma galinha numa fazenda. Desta vez, graças à rapidez com que fez o serviço, ele se livrou de apanhar. Estava muito contente e, no caminho de volta. pensou: "Nada a temer! Ninguém vai me perseguir! Quem é que tem coragem de fazer uma coisa dessas, ahn-ran?! É claro que fui eu, o lobo! Roubei à luz do dia! Esse sempre foi o meu método!"

O lobo pensou que, já que ele estava com a razão, poderia ser audacioso. Carregou a galinha morro acima e a degustou prazerosamente. Mas, de repente, ele ficou apavorado! Na neve havia vestígios de sangue e as marcas das patas! Isso preocupava! Poderia trazer problemas e era um perigo quanto ao que poderia acontecer. Ele ficou nervoso e pensou: "As provas da culpa estão diante dos olhos para serem vistas; se me perseguirem, não tenho como desconversá-los; é melhor começar por desmentir!"

Com base nisso, começou a gritar na direção da fazenda:

- Vejam só! Isso não passa de boato que alguém espalhou para prejudicar minha reputação!

Ao mesmo tempo, ele correu para apagar, com a boca, os vestígios de sangue e as marcas de patas. Quanto mais ele esfregava, mais o sangue se tornava visível. É que a boca do lobo estava suja com o sangue que ele não tinha tido tempo de limpar com a língua. 

Feng Xuefeng, " Fábulas"

A praga dos siameses

O verdadeiro problema é o que aconteceu em todo o país.

O verdadeiro problema é quem temos como presidente e as pessoas de seu partido, em uma péssima política de enfrentar uma emergência nacional sem uma política nacional.

Ele é indiferente à morte de mais de 180 mil pessoas até agora, e aos milhões de casos.

É uma desgraça. Estamos tão divididos e cheiros de uma espécie de ódio uns dos outros neste país, que parece partido ao meio: o que amam Trump e os que não amam. 
Paul Auster, escritor americano

'Mundo fracassou em cumprir metas para salvar a natureza'

Governos de todo o mundo falharam em cumprir as promessas traçadas há uma década para proteger a biodiversidade global, apontou um relatório da ONU publicado nesta terça-feira.

Em 2010, mais de 150 países chegaram a um acordo sobre 20 metas a serem alcançadas até o fim da década com o objetivo de salvar as espécies em extinção na Terra e preservar os ecossistemas em declínio. Mas nenhuma das metas foi totalmente cumprida, e apenas seis delas foram consideradas parcialmente alcançadas, concluiu a organização.

O documento é particularmente significativo pois funciona como um "boletim final" para as chamadas Metas de Aichi, traçadas no início da Década da Biodiversidade das Nações Unidas.


Entre os objetivos estavam, por exemplo, a desaceleração do desmatamento, conservação de áreas úmidas e a conscientização do público sobre a importância da natureza para um planeta saudável.

O relatório apontou, porém, que o uso de pesticidas e a poluição causada pelo descarte de plástico não foram reduzidos a níveis seguros; governos ainda subsidiam negócios que danificam os ecossistemas; e os recifes de coral continuam sendo atingidos por uma ameaça tripla: mudança climática, poluição e pesca predatória.

"Os sistemas vivos da Terra como um todo estão sendo comprometidos, e quanto mais a humanidade explora a natureza de maneiras insustentáveis, mais minamos nosso próprio bem-estar, segurança e prosperidade", alertou Elizabeth Maruma Mrema, secretária-executiva da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CBD), que divulgou o relatório.


A preocupação com os impactos ambientais causados pelo ser humano e seu estilo de vida predatório aumentou ainda mais em meio à pandemia de coronavírus, que provavelmente se originou num mercado de animais silvestres na cidade chinesa de Wuhan.

De acordo com os cientistas, a perda "sem precedentes" de biodiversidade e a destruição dos espaços selvagens aumentam o risco de doenças de animais migrarem para seres humanos.

"À medida que a natureza se degrada, surgem novas oportunidades para a disseminação de doenças devastadoras, como o novo coronavírus. A janela de tempo disponível é curta, mas a pandemia também demonstrou que mudanças transformadoras são possíveis", afirmou Mrema.

Seguindo essa mesma linha, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que as transições descritas no relatório representam uma oportunidade sem precedentes para uma "reconstrução" global, à medida que o mundo emerge dos impactos imediatos da pandemia de covid-19.

"Parte dessa nova agenda deve ser enfrentar os desafios globais de uma maneira mais coordenada, entendendo que as mudanças climáticas ameaçam minar todos os outros esforços para conservar a biodiversidade. E que a própria natureza oferece algumas das soluções mais eficazes para evitar os piores impactos de um planeta em aquecimento", comentou.

Atualmente, cerca de 17% das terras continentais estão resguardadas por mecanismos de gestão ambiental. As Nações Unidas estão pressionando os governos a reservarem 30% das áreas terrestres e marítimas do planeta para a conservação. A negociação deve ocorrer na próxima Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, adiada para 2021 em Kunming, na China.
Nem tudo é negativo

Embora o fracasso no cumprimento das metas seja motivo de preocupação, os autores do relatório frisam que praticamente todos os países estão atualmente tomando algumas medidas para proteger a biodiversidade, sem as quais o estado da biodiversidade do planeta estaria consideravelmente pior.

O relatório cita exemplos positivos, como um programa ambiental no Paquistão que protege o leopardo-das-neves ao conservar os ecossistemas do Himalaia, e o caso da população de íbis-de-crista, uma das aves aquáticas mais ameaçadas de extinção, que começou a ter filhotes após conservacionistas libertaram pássaros criados em cativeiro no Japão.

Queima Brasil, um projeto de governo

A indústria da devastação é a única a crescer na pandemia. Enquanto o governo reduz o orçamento dos órgãos ambientais, as chamas avançam na Amazônia e no Pantanal. O programa Queima Brasil está em marcha, com a cumplicidade do capitão e de sua tropa.

O fogo já destruiu cerca de 16% do Pantanal, a maior planície alagada do mundo, onde vivem 36 espécies em extinção. Até a semana passada, 23 mil quilômetros quadrados foram reduzidos a cinzas. Uma área maior que a do estado de Sergipe.

Os efeitos para a fauna local ainda não puderam ser calculados. O Parque Encontro das Águas, principal refúgio das onças-pintadas, perdeu mais de 70% de seu território. Mas nem imagens de animais carbonizados foram capazes de sensibilizar o Planalto.


Na semana passada, uma youtuber mirim perguntou à turma do palácio: “Tá pegando fogo no Pantanal?”. O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão responderam com risadas. No domingo, o ministro Ricardo Salles divulgou um vídeo em que passeia num carro de boi. A pecuária está na origem dos incêndios que destroem a região.

A Polícia Federal afirma que a origem do fogo é criminosa. Fazendeiros destruíram a mata nativa para abrir pastos. Em ano de seca atípica, as labaredas saíram do controle e se alastraram para áreas preservadas. O governo demorou a se mexer para reduzir a extensão da catástrofe.

Foi um risco calculado. Segundo levantamento da Deutsche Welle, o investimento na contratação de brigadistas despencou 58% em relação ao ano passado. A asfixia aos órgãos ambientais já virou política de governo. Para 2021, estão previstos novos corte nos orçamentos do Ibama (4%) e do ICMBio (12,8%).

O bolsonarismo já tentou negar o avanço das queimadas, que é medido por satélites. Agora a tática é atacar quem divulga os dados da destruição. Ontem o general Mourão disse que os números seriam vazados por oposicionistas infiltrados no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A mentira é parte do programa Queima Brasil. As informações do Inpe são públicas, podem ser consultadas na internet.