Devidamente mascarado e me sentindo um pouco bandido de história em quadrinhos, ou um reles político nacional, andei pelos intermináveis corredores do prédio e, driblando a insegurança da idade, cheguei ao consultório, sentei-me e fiquei esperando minha vez.
Vivemos com grande intensidade, e em todo lugar, a experiência de entrar numa democrática fila, instituição sobre a qual, em 2007, produzi com Alberto Junqueira o livro virgem de leitores “Fila & democracia”. Seguro de um atendimento igualitário, suspirei alegre, agasalhado pela confiança que me era dada pela rotina da fila avessa às hierarquias brasileiras — do quem chega primeiro, é primeiro atendido.
Minutos depois, entrou no consultório uma jovem senhora. Após os reconhecimentos mútuos demandados pela “boa educação”, começamos uma conversa trivial. Observamos o terror da pandemia que nos obrigava a usar máscaras; comentamos nosso nojo pelos governantes que roubaram recursos médicos e construíram hospitais fantasmas. Notando a percepção de minha companheira de espera, perguntei no que ela trabalhava.
— Sou professora — disse. — E você?
— Sou do mesmo ramo, sou professor da PUC-Rio.
— De quê?
— De Antropologia Social ou Cultural — respondi de pronto, como sempre faço para explicar que o “cultural” que eu ensino nada tem a ver com “show business” (teatro, cinema, TV etc...), mas com valores e costumes...
— O senhor conhece o Roberto DaMatta? — perguntou imediatamente minha companheira de espera.
— Acho que sim — disse o mascarado. — Creio que conheço um pouco...
— Acho que sim — disse o mascarado. — Creio que conheço um pouco...
— Eu adoro o que ele escreve. Como ele é? — perguntou a moça para uma cara surpresa, escondida pela máscara.
A pergunta banal me pegou. Afinal, quem era mesmo eu? Seria o pai, avô, irmão, filho, viúvo, tio e primo? Ou seria um velho professor-pesquisador conjugado por um esforçado cronista e autor? Ou simplesmente um velho?
— Bem — respondi. — Ele é um cara complicado, indeciso, enfático e até mesmo grosseiro. Acho que é impaciente com a burrice nacional, mas isso é um direito dele...
— Então você teve convivência com ele... — questionou a moça do rosto escondido.
— Convivo com ele desde os tempos de primeira comunhão, escola e faculdade... Aliás, fui ao seu casamento e ao lançamento do seu primeiro livro aqui em Niterói... Ele é muito difícil de conviver, pois sempre usa uma máscara.
— É mascarado?
— Não. Mas sofre de uma profunda e neurótica honestidade — disse, tirando a minha máscara e revelando que era eu quem, num raro momento, falava da minha própria pessoa...
A moça sorriu e pediu uma desculpa impossível, pois sempre vivemos num país no qual todos devem saber com quem falam. Exceto quando nos mascaramos, como fazem os governantes desonestos, os poderosos e os muitos ricos...
Roberto DaMatta
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