Nove anos depois, Bolsonaro está criando o próprio “Bolsa-farelo (família)”. Acredita ser a melhor cartada para viabilizar a reeleição em 2022. Numa trapaça da história, repete Lula, que, em 2005, driblou os efeitos do mensalão e abriu caminho ao novo mandato com o Bolsa Família.
Desde julho, o Planalto recebe pesquisas indicando a formação de nova maioria (um terço) na base eleitoral bolsonarista. É composta por pobres, beneficiários do “auxílio emergencial”, residentes em pequenas e médias cidades do Norte e do Nordeste. Substitui a fatia do eleitorado de classe média, perdido nas metrópoles.
É adesão com discernimento. Quase metade responsabiliza o presidente, mais do que governadores e prefeitos, pela fragilidade do país na pandemia. No rastro do seu negacionismo já se contam 132 mil mortos.
Há, porém, claro respaldo a Bolsonaro, ancorado na expectativa de continuidade da ajuda. Os pobres temem desemprego e fome na crise do pós-pandemia.
É armadilha política porque, sem caixa, o governo terá de escolher beneficiários, dividindo a nova maioria. Mas dá a Bolsonaro a chance de se apropriar de um tema, a desigualdade, monopolizado pela oposição.
A retórica sobre a concentração de renda foi eficiente para o PT nas urnas. Os resultados dos governos petistas, porém, ficaram limitados: os beneficiários do Bolsa Família representam só 21% da pobreza “visível” no auxílio emergencial (66 milhões). Lula focou no assistencialismo, descartou um programa amplo de renda básica (não contributiva), como sugeria o ex-senador Eduardo Suplicy, entre outros.
Bolsonaro quer seu “Bolsa-farelo (família)”. Não propõe ir além, reduzir a desigualdade nem ajudar “invisíveis” a viver por conta própria. Como diz o sociólogo Paulo Delgado, em ensaio recém-publicado, “por não cultivar a arte do respeito, é o governo que mantém o pobre fraco”.
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