quarta-feira, 26 de abril de 2023

O que há de real por trás de tantos filtros e selfies?

A sueca Liv Strömquist é quadrinista e estudante de sociologia e ciências políticas. Seu trabalho é uma bênção na vida de pessoas que, como eu, amariam ter tempo de ler todos os ensaios fundamentais sobre estruturas sociais e comportamentos humanos e, portanto, jamais dispensam a chance de um excelente resumão.

As obras de Liv são compilados brilhantes de teses e pensamentos de filósofos, pensadores, psicanalistas, sociólogos e feministas. É admirável a capacidade da autora de narrar histórias, tantas vezes densas e terríveis, na forma de quadrinhos acessíveis e divertidos. Um caso raro e necessário de conteúdo intelectual com transmissão generosa.

Publicados aqui pelo selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras, seus livros trazem temas provocativos, necessários e urgentes, sobretudo para mulheres.

Em “A Origem do Mundo” (2018), compreendemos melhor o apagamento da vulva ao longo dos séculos (como complemento, ouça aqui pela Folha o podcast “Meu Inconsciente Coletivo” com a participação da psicanalista Alessandra Affortunati Martins). Em “A Rosa mais Vermelha Desabrocha”(2021), uma apaixonada que acabou de levar um pé na bunda tem a sensação, ainda que ilusória, de que finalmente entendeu tudo sobre relações amorosas.

Agora, em “Na Sala dos Espelhos“, seu livro recém-lançado no Brasil, Strömquist examina, com a ajuda de Susan Sontag, Naomi Wolf, Simone Weil e Eva Illouz, o poder das redes sociais e das influencers de moda e beleza. Para tal, analisa o mito bíblico de Jacó; a madrasta da Branca de Neve; Sissi, a bela imperatriz Isabel da Áustria, a morte de Marilyn Monroe e até a beleza zilionária de Kylie Jenner, a mais linda das irmãs Kardashian.


Num país onde poucas pessoas têm o hábito semanal de comprar livros e a maioria da população curte mesmo é uma rede conhecida de roupas fast fashion (à custa de trabalhos análogos à escravidão), seria interessante discutir o que mais alimenta hoje o nosso gasto desenfreado e por impulso: o instinto competitivo gerado pelas redes sociais.

Segundo Liv (e o antropólogo René Girard), nos livramos de tantas restrições do passado (religiosas, por exemplo) e temos tanta liberdade para desejar que muitas vezes não sabemos o que escolher.

E é aí que entra o “prestígio de um mediador”, o qual, através de seu status (de pessoa bonita, amada e bem-sucedida), passa para qualquer objeto a sua fake luz divina e gera o “desejo mimético” de ser copiado, imitado, ainda que muitos seguidores nem gostem tanto daquela pessoa e muitas vezes a esculachem em posts cheios de bile: “O sujeito nutre sentimentos conflitantes por seu modelo, um misto de admiração submissa e rancor intenso”.

Outra maluquice, amplificada perigosamente pelo vício nas redes, é a necessidade que temos de nos manter o mais longe possível do nosso complexo de inferioridade e, para tal, de nos considerarmos “magros” e “sexies” o tempo todo.

Isso é fácil de entender quando pensamos nas pessoas que consideram a beleza dita padrão “a principal segurança contra a solidão” e que, dependentes de namoros e casamentos, fogem “da ameaça de morte metafórica, isto é, do abandono”.

Mas, para Strömquist, “muita gente nem está interessada em viver um relacionamento”. E se comportam como adictas da sensualidade apenas porque tal performance no capitalismo tardio (sobretudo nas telas do celular) “se desvinculou da função de atrair um parceiro e virou uma qualidade em si mesma, indicadora de status ou, se poderia até dizer, de seu valor como ser humano”.

A conclusão mais importante ao final desse livro riquíssimo de informações é que, na falta de projetos coletivos para um país, o que resta a cada indivíduo é ser orientado por desejos robóticos e mecânicos, nos quais ele, invejoso e competitivo, copia o desejo de uma pessoa que é paga para convencer alguém de que sabe desejar. E nisso compramos e compramos. Nos deprimimos mais e mais. Nutrimos uma obsessão primitiva por celebridades. Fazemos mais e mais selfies. E seguimos nos perguntando, ao final do dia, quem somos e o que queremos.

Genocídio no Paraguai

Soldadinho paraguaio
Que luta terrível entre a piedade cristã e o dever militar! Nossos soldados diziam que não lhes dava gosto lutar contra tantas crianças.

O campo ficou repleto de mortos e feridos do lado inimigo, entre os quais nos causava muita pena, pelo número elevado, os soldadinhos, cobertos de sangue, com as perninhas quebradas, alguns nem sequer haviam atingido a puberdade
General  Dionísio Cerqueira, que participou da batalha  de Acosta Ñu, "uma das mais terríveis  da história militar do mundo", no século XIX contra o Paraguai 

Congresso dá largada à CPI para provar que a Terra não é plana

A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 instalou no Brasil a infeliz necessidade do gasto rotineiro de tempo e recurso para debates sobre temas os mais desmiolados possíveis.

Se em um passado não tão distante as tolices eram descartadas em segundos, apenas assentindo com a cabeça ou soltando um "complicado", um "que coisa", ou algo que o valha, a técnica ficou mais "complicada" em se tratando de um presidente da República.

Com isso, organizaram-se debates, simpósios, palestras, congressos, campanhas, investigações, relatórios, dossiês, reportagens, documentários e um sem-fim de esforços humanos para provar que jamais houve fraude comprovada em urnas eletrônicas, que remédio para malária e lombriga não cura a Covid e que o nióbio não é a chave para transformar o Brasil no novo El Dorado mundial.


Apesar de Bolsonaro não ser mais presidente, seu legado continua vivo, prova é que nesta quarta (26) o Congresso dá início a uma CPI mista para investigar as responsabilidades pelo 8 de janeiro.

Obra do bolsonarismo, que pretende emplacar a desavergonhada tese de que não foram eles quem entupiram QGs de Exército de golpistas, criados e cultivados após anos de meticulosa pregação antidemocrática, nem os moveram rumo ao golpe —haveria um sujeito oculto por trás da tramoia, e veja só, é o atual governo.

Mais uma vez mover-se-ão incalculáveis recursos humanos para "provar" em até 180 dias —o possível prazo da CPI— que a Terra não é plana, ou seja, que não há responsável maior pela lambança toda do que ele mesmo, Jair Messias Bolsonaro.

Qualquer outro erro de segurança no 8 de janeiro é gota d'água no oceano de culpa do ex-presidente.

Todo esse trabalho, porém, de nada adiantará para o bolsonarismo. Dialogar com esse grupo, como ensina a conhecida metáfora, é como jogar xadrez com pombos. Eles defecarão no tabuleiro, derrubarão as peças e ainda sairão batendo asas gritando vitória.

Casal que mente unido, como os Bolsonaro, acaba desmascarado

É sobre contrabando, não sobre joias presenteadas pela ditadura da Arábia Saudita a Jair Bolsonaro enquanto ele era presidente, e à mulher dele, Michelle, a primeira-dama.

A lei diz que presentes caros ofertados por um governo ao outro devem ser incorporados ao acervo do Estado brasileiro. As joias sauditas, a preços de mercado, valem cerca de 20 milhões de reais.

O presente de Michelle foi apreendido pela Receita Federal do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, por não ter sido declarado. Entrara no país no fundo da sacola de um militar.

O de Bolsonaro driblou a atenção dos agentes da Receita e entrou ilegalmente no país; contrabando, que foi parar nas mãos de Bolsonaro e levado por ele ao deixar o governo.

O casal mentiu do começo ao fim do episódio. Ao fim, não, porque o episódio ainda será melhor contado. A Polícia Federal (PF) já ouviu Bolsonaro, que mentiu à farta. Falta ouvir Michelle.

A servidora Marjorie de Freitas Guedes, do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da presidência, era responsável por catalogar todos os presentes oferecidos a Bolsonaro.

Ela disse à PF que, em novembro de 2022, um pacote com as joias de Bolsonaro (um relógio raro, uma caneta, um par de abotoaduras e um rosário árabe) foi entregue a Michelle no Palácio da Alvorada.


O pacote, em outubro de 2021, entrou escondido no país dentro da mala do então ministro das Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, de volta de uma viagem oficial à Arábia Saudita.

Marjorie disse que antes mesmo do retorno do almirante, fora aberto um processo no sistema do governo informando a chegada de um presente para Bolsonaro: um cavalo de ouro.

De fato, um cavalo de ouro também fora entregue a Albuquerque; chegou com as pernas quebradas e foi apreendido pela Receita junto com o conjunto de joias para Michelle.

A ex-primeira-dama sempre disse que nunca ouvira falar das joias destinadas a ela, somente a partir de 3 de março último quando o caso foi descoberto pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Naquela ocasião, ela declarou: “Não pedi e nem recebi”.

Em resposta ao que revelou Marjorie, Michelle, ontem, afirmou:

“Essas joias que chegaram no Alvorada foram as joias masculinas. Então, estão me associando ao primeiro caso, quando eu não sabia, e eu não sei mesmo. […] O que eu tenho a ver com isso?”

Repórter: Então a senhora recebeu [as joias masculinas] em mãos?

Michelle: Eu não, elas estavam no Alvorada. Elas foram passadas pela administração.

Repórter: Não entregaram nas mãos da senhora?

Michelle: Não, elas estavam no Alvorada. Eu morava onde? No Alvorada. Não é verdade?

Para socorrer o casal que mente unido, o ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro, Fabio Wajngarten, mentiu também em entrevista à CNN Brasil.

Por 13 meses, ele disse, Bolsonaro e Michelle não souberam que havia joias à sua espera – as de Bolsonaro, guardadas no prédio do Ministério das Minas e Energia, as de Michelle, apreendidas.

Quando Michelle recebeu no Palácio da Alvorada o pacote com as joias de Bolsonaro, ela os deixou “por dois ou três dias” na pia da cozinha por não saber do que se tratava, segundo Wajngarten.

Casal e ex-assessor que mentem unidos, permanecerão unidos para a eternidade. A não ser que a ação da justiça os separe por qualquer razão. Aí será um salve-se quem puder.