As obras de Liv são compilados brilhantes de teses e pensamentos de filósofos, pensadores, psicanalistas, sociólogos e feministas. É admirável a capacidade da autora de narrar histórias, tantas vezes densas e terríveis, na forma de quadrinhos acessíveis e divertidos. Um caso raro e necessário de conteúdo intelectual com transmissão generosa.
Publicados aqui pelo selo Quadrinhos na Cia., da Companhia das Letras, seus livros trazem temas provocativos, necessários e urgentes, sobretudo para mulheres.
Em “A Origem do Mundo” (2018), compreendemos melhor o apagamento da vulva ao longo dos séculos (como complemento, ouça aqui pela Folha o podcast “Meu Inconsciente Coletivo” com a participação da psicanalista Alessandra Affortunati Martins). Em “A Rosa mais Vermelha Desabrocha”(2021), uma apaixonada que acabou de levar um pé na bunda tem a sensação, ainda que ilusória, de que finalmente entendeu tudo sobre relações amorosas.
Agora, em “Na Sala dos Espelhos“, seu livro recém-lançado no Brasil, Strömquist examina, com a ajuda de Susan Sontag, Naomi Wolf, Simone Weil e Eva Illouz, o poder das redes sociais e das influencers de moda e beleza. Para tal, analisa o mito bíblico de Jacó; a madrasta da Branca de Neve; Sissi, a bela imperatriz Isabel da Áustria, a morte de Marilyn Monroe e até a beleza zilionária de Kylie Jenner, a mais linda das irmãs Kardashian.
Num país onde poucas pessoas têm o hábito semanal de comprar livros e a maioria da população curte mesmo é uma rede conhecida de roupas fast fashion (à custa de trabalhos análogos à escravidão), seria interessante discutir o que mais alimenta hoje o nosso gasto desenfreado e por impulso: o instinto competitivo gerado pelas redes sociais.
Segundo Liv (e o antropólogo René Girard), nos livramos de tantas restrições do passado (religiosas, por exemplo) e temos tanta liberdade para desejar que muitas vezes não sabemos o que escolher.
E é aí que entra o “prestígio de um mediador”, o qual, através de seu status (de pessoa bonita, amada e bem-sucedida), passa para qualquer objeto a sua fake luz divina e gera o “desejo mimético” de ser copiado, imitado, ainda que muitos seguidores nem gostem tanto daquela pessoa e muitas vezes a esculachem em posts cheios de bile: “O sujeito nutre sentimentos conflitantes por seu modelo, um misto de admiração submissa e rancor intenso”.
Outra maluquice, amplificada perigosamente pelo vício nas redes, é a necessidade que temos de nos manter o mais longe possível do nosso complexo de inferioridade e, para tal, de nos considerarmos “magros” e “sexies” o tempo todo.
Isso é fácil de entender quando pensamos nas pessoas que consideram a beleza dita padrão “a principal segurança contra a solidão” e que, dependentes de namoros e casamentos, fogem “da ameaça de morte metafórica, isto é, do abandono”.
Mas, para Strömquist, “muita gente nem está interessada em viver um relacionamento”. E se comportam como adictas da sensualidade apenas porque tal performance no capitalismo tardio (sobretudo nas telas do celular) “se desvinculou da função de atrair um parceiro e virou uma qualidade em si mesma, indicadora de status ou, se poderia até dizer, de seu valor como ser humano”.
A conclusão mais importante ao final desse livro riquíssimo de informações é que, na falta de projetos coletivos para um país, o que resta a cada indivíduo é ser orientado por desejos robóticos e mecânicos, nos quais ele, invejoso e competitivo, copia o desejo de uma pessoa que é paga para convencer alguém de que sabe desejar. E nisso compramos e compramos. Nos deprimimos mais e mais. Nutrimos uma obsessão primitiva por celebridades. Fazemos mais e mais selfies. E seguimos nos perguntando, ao final do dia, quem somos e o que queremos.