quinta-feira, 8 de março de 2018

O drama é maior do que 2018

O Brasil vive um momento dramático. Os brasileiros vão às urnas em outubro esperando que o País encontre saídas reais para a crise e um novo sentido de futuro. As últimas escolhas e a composição dos últimos governos deixaram sequelas profundas que comprometeram a credibilidade da política. Hoje a crise ética é uma fratura aberta; a segurança pública, um descalabro, acossada pelo crime organizado. Parcas melhoras na economia e no emprego não alteraram esse cenário de desesperança.

Diante da confirmação da condenação de Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), que deve ceifar sua candidatura presidencial, o País tem diante de si o desafio de superar o lulismo. A corrupção sistemática que arrasou o País nos anos do lulismo abalou todo o edifício político que havia sido montado nos anos de democratização. O cenário pós-Lula deverá requisitar o concurso do conjunto da sociedade, da opinião pública, dos intelectuais, dos partidos políticos e de todos os que se possam mobilizar pela reconstrução do País.


Lula e o PT nasceram no outono do autoritarismo como peças do “sindicalismo de resultados”, com roupagem e retórica de esquerda. No governo, o lulopetismo foi uma “esquerda de resultados”, nefasta para a sociedade brasileira, em especial para os mais pobres pois os subalternizou, fixando-os em seus interesses individuais e impedindo qualquer perspectiva de elevação cultural e política que os convocasse a formular e compartilhar um projeto nacional e civilizatório. O lulopetismo foi tóxico para a democracia e a esquerda. Como escreveu Demétrio Magnoli em artigo recente, “a ‘esquerda’ lulista escolheu o capitalismo selvagem do consumo privado, do crédito popular, do cartão magnético, das Casas Bahia e do Magazine Luiza” como horizonte de satisfação hedonista das massas. A pragmática petista contou, das origens até agora, com a anuência da “esquerda maximalista” que soldava apoios ao “grande líder” quando julgava necessário e conveniente. Papel desempenhado também pelos intelectuais das universidades públicas. Foi assim que o lulopetismo condenou o Brasil a não ver realizada a social-democracia ou o reformismo que poderiam instaurar um novo cenário histórico no País. Em nome do mito e servindo-se dele, o PT bloqueou a afirmação de uma esquerda democrática, defensora das reformas e aberta ao novo.

No Brasil de hoje, as ruas, que foram essenciais em 2013 e no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, esmoreceram, mas não se despreocuparam. Como se sabia, seria ilusão esperar delas uma saída clara para a crise em que o País mergulhou. Sem conseguir estancar a crise ética, o governo Temer não produziu a expectativa positiva que se esperava, mesmo com uma oposição fraca e prisioneira do lulismo. A política, que havia revivescido, acabou por não se consolidar. Resultado: o drama se instalou, com uma sociedade órfã sem poder confiar no governo ou na oposição.

A expectativa voltou-se para as dimensões externas à política, notadamente para a Operação Lava Jato, que cumpria exemplarmente seu papel republicano e constitucional. Desorientada, a opinião pública passou a admitir saídas ilusórias e despropositadas. Alguns continuaram a ver nas ruas, via democracia direta, a alternativa a esse estado de desorientação. Outros concluíram que decisivo seria “dar o poder” aos “homens de toga”, como substitutos da má política. Embalados pela ânsia de poder, outros ainda viram nas eleições presidenciais de 2018 a salvação mediante apoio a algum outsider, uma sedução pelo transformismo que não faria mais que prolongar nossa agonia; por sorte, parece que essa febre está cedendo.

Mesmo nesse cenário parece haver alguma oxigenação no protagonismo dos chamados “movimentos cívicos” que clamam por renovação da política. Indiscutivelmente positivos, seu exclusivismo e seu finalismo eleitoral merecem, contudo, preocupação, bem como requerem uma checagem do seu real tamanho e sua incidência. Se é preciso evitar o “populismo” como alternativa, também é justo preocupar-se com o que os italianos chamam de qualunquismo, isto é, uma política sem organicidade, que se esgota na identidade do homem comum e das coisas simples, pois sabemos que a política é complexa e exige muito mais do que isso.

Fará bem ao País uma coalizão de forças que se expresse em ideias claras, equipando a sociedade e o Estado para enfrentarem os problemas que derivam da grande transformação advinda da revolução tecnológica em curso. O Brasil tem todas as credenciais para proporcionar a seus cidadãos uma vida digna no momento em que vai completar 200 anos de existência como país independente.

É, certamente, uma batalha dramática e exigente, considerando todos os desafios que temos pela frente, cujo inimigo maior são as promessas, imprudentes e perigosas, que comprometem os horizontes fiscais da República, além de escamotearem, com políticas econômicas dignas de desenhos autárquicos do passado, os equívocos trágicos que a História, mesmo a mais recente, nos tem ensinado.

Não há razão para desejar partir do zero e tampouco há razão para descrer dos brasileiros de bem que construíram, mesmo contraditoriamente, um País cheio de vitalidade e que, transformado, será um excelente lugar para viver. É preciso extrair do esforço democrático de luta dos brasileiros um amplo programa de reformas que deverá, sem as falsas promessas e ilusões da demagogia e da antipolítica, pôr o País para andar. Não surgirá nada de novo nesta quadra se nossos propósitos não visarem uma atualização verdadeira e realista. As ideias-chave para tanto são a valorização do trabalho, da ética e da República, estímulo à inovação e ao crescimento econômico, visão social consonante com o mundo em transformação, democracia e novo reformismo. Com as pessoas no centro das nossas preocupações e dos nossos horizontes

Alberto Aggio

Imagem do Dia

amazing treehouse in base of tree

A jogada de marketing de Temer

Há três semanas, a imprensa brasileira não conhece outra pauta que não seja a intervenção no Rio de Janeiro. E conforme dito pelo próprio presidente Michel Temer, a ofensiva na segurança pública acabou sendo uma "jogada de mestre". Já são três semanas nas quais não imperam mais as notícias sobre os escândalos de corrupção do governo de Temer e do seu partido, o MDB.

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E prontamente brotou no até então impopular presidente a esperança de conseguir alcançar um resultado respeitável nas eleições de outubro. Seu plano de deixar de impor reformas impopulares como a da Previdência em detrimento de temas mais populares, como a segurança pública, parece trazer resultados. De acordo com pesquisas, mais de 80% da população são favoráveis à intervenção.

Temer não pode ser acusado por sua guinada de 180 graus. Afinal, faz parte do repertório da política se abster de reformas impopulares nos meses que antecedem as eleições e mudar para temas populares. No caso de Temer é intrigante, pois até então pouco lhe importavam seus índices de popularidade. E sim, ele até mesmo gostava dos baixos índices – pois, segundo declaração própria, lhe davam carta branca para promover reformas impopulares, mas necessárias.

Mas este não é mais o caso. Já seriam 149 as iniciativas suspensas, incluindo a tão necessária reforma da Previdência. Porque, enquanto uma intervenção federal estiver ativa em um estado, a Constituição brasileira não pode sofrer alterações. A intervenção no Rio de Janeiro deve ocorrer até final de dezembro e, desta forma, não serão mais adotadas reformas pelo governo Temer. Ele deve ter um apreço muito especial pela segurança no Rio de Janeiro, para condenar o Brasil inteiro à paralisação reformista.

No entanto, mesmo três semanas após o início da intervenção, ainda parece não haver um plano claro. O que exatamente devem fazer as unidades estacionadas desde julho no Rio de Janeiro? Onde e quando elas devem ser usadas, e como serão integrados a elas os moradores das favelas? Pode-se ter a impressão de que a intervenção foi anunciada às pressas, sem que houvesse conceito algum. Política profissional parece ser algo bem diferente.

Mas o Rio de Janeiro já vivenciou muitas vezes tais situações em sua história. A reportagem da DW Brasil "Exército no Rio: 25 anos de fracassos" enumera os momentos em que os militares foram convocados para ajudar em meio à crescente violência. E sempre com resultados decepcionantes.

O que não é de se estranhar. Basta abrir livros de história para notar que as questões sociais, incluindo a violência, sempre foram respondidas somente com a mão pesada da repressão. Quase não houve melhorias sociais. E é por isso que, mesmo 130 anos após o fim da escravidão no Brasil, muitos descendentes dos outrora libertados escravos ainda precisam viver nas mesmas circunstâncias precárias. Como uma sociedade pode querer resolver problemas sociais sem uma política social sustentável?

A corrupção dentro da polícia também precisaria finalmente ser abordada. Algo que não ocorrerá no curto prazo, ou seja, até 31 de dezembro, a data do fim da intervenção federal. O tema segurança pública dominará as eleições em outubro, e se Temer conseguir controlar a violência no Rio de Janeiro com a ajuda dos militares, será recompensado nas urnas.

Mas será que a intervenção trará melhorias duradouras, que irão além de 31 de dezembro? A experiência diz que tudo deve ficar na mesmice. A operação do Exército no último fim de semana, na Vila Kennedy, foi emblemática. Depois que centenas de soldados retiraram os bloqueios erguidos pelos narcotraficantes nas vias de acesso à favela no sábado, os militares se retiraram satisfeitos no domingo. Na segunda-feira, os criminosos já haviam reerguido todas as barreiras.

Thomas Milz

Apenas uma máscara

Alguns homens anseiam pela revolução, mas quando você se revolta e constitui seu novo governo você descobre que o seu novo governo é ainda o velho papai de sempre, tendo colocado apenas uma nova máscara de papelão
Charles Bukowski

Como a qualquer cidadão

Num teatro de sombras e interesses, Lula reconheceu as habilidades Michel Temer. Para o ex-presidente, o atual soube se proteger de um golpe — como se estivesse acima de qualquer suspeita (entrevista que concedeu à Mônica Bergamo está aqui). Talvez, Lula meça Temer com sua régua, mas o fato é que ninguém está isento de ser investigado, se houver indícios para isto.

Nos últimos dias, porém, dois fatos sincronizados complicaram a situação do presidente, retirando-lhe a aura de exímio equilibrista que lhe é atribuída. Primeiro, frustrou-se a operação em que o ex-diretor-geral da PF, Fernando Segovia, insinuava arquivar os processos contra o presidente. Depois, os efeitos da intervenção barra forçada no RJ parecem, até aqui, pouco significativos para a diminuição de sua rejeição. Temer voltou a estar vulnerável.

Sem manobras e sem perspectiva de continuidade no poder, haverá inevitavelmente um amanhã; o dia seguinte, que, sem blindagem, sem mandato e sem foro especial, Michel Temer terá mesmo que se submeter à Justiça de primeira instância, muito menos tolerante do que têm sido alguns dos ministros dos Tribunais Superiores. Sua cama, ao que parece, está sendo preparada.


No interior do processo de frustração aos planos de Temer, encontra-se Luís Roberto Barroso. O ministro do STF tem sido implacável nos embates com seus colegas refratários a investigar autoridades com foro privilegiado. Mas, também na condução, como juiz, de processos que envolvam essas autoridades.

Foi nessa condição que, ao puxar as orelhas de Segovia, impediu a trama carnavalesca do arquivamento. É assim, agora, ao definir a quebra de sigilo bancário do presidente e indicar que não haverá condescendência na instrução de um processo que deve seguir para além do mandato.

Não entro em e nem cabem a mim questões jurídicas que não domino. Não sei se Barroso age nos limites da lei e do direito. Deixo aos especialistas verdadeiros ou aos pretensos que façam essa discussão. O fato é que Barroso é hoje, o maior antagonista de Temer e dos ''com foro''. É ainda pedra no sapato que mais incomoda e não permite a grande pizza ''com Supremo, com tudo'', que Romero Jucá proclamou certa feita.

É da lavra Barroso uma das frases que, politicamente, melhor cabem à crônica destes dias: “eu via as malas, eu vi os dinheiros, eu vi a corridinha”, disse no plenário do STF. Ficará para a história, citada ao longo do tempo. E todo viram: são imagens que refutam argumentos que buscam impedir, pelo menos, a investigação dos maleiros e de suas conexões políticas e pessoais.

Imagens que aconselham apurar indícios, dúvidas e suspeitas. Claro, sem prejulgar. Como qualquer cidadão, Michel Temer merece investigação criteriosa, julgamento justo — se a ele for levado. Se é fato que não se pode afirmar que o presidente está envolvido com lambanças atribuídas a pessoas de seu grupo e confiança, tampouco se pode afirmar que não esteja.

Qualquer sujeito intelectualmente honesto sabe disto: ao presidente, não cabem privilégios que desmoralizem a política e a democracia. Como a qualquer cidadão. Até por questão de Justiça e igualdade — uniformidade de critérios, pelo menos —, considerações a respeito da governabilidade não cabem agora, como não couberam para o caso de Dilma Rousseff.

Ao embrenhar-se na defesa de Temer, talvez em causa própria, Lula se precipita como seu advogado político. Elevando-o à condição de vítima de um golpe, vislumbra o quê, um pacto? Ora, também viu ''as malas, os dinheiros, a corridinha”, embora pareça ter-se esquecido, por conveniência.

Analistas políticos dominam umas poucas ferramentas de análise: compreensão lógica de fatos e personagens; uns conceitos. Contudo, a coerência é matéria que vem do caráter: o que se exigiu em relação a Dilma, o que se defende em relação a Lula, deve servir, do mesmo modo, a Michel Temer. Como a qualquer cidadão, mesmo para quem não seja um cidadão qualquer.

Carlos Melo 

País rico

Brasil ganhou mais de cinco mil milionários em 2017 Número de clientes com mais de R$ 1 milhão investidos chega a 117.421, alta de 4,8% (Chamada de capa de O GLOBO)

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 Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba.

Nas ruas da cidade, nas mais centrais até, andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das sarjetas, aos quais o governo não dá destino, o os mete num asilo, num colégio profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico...

Surgem epidemias pasmosas, a matar e a enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o Brasil é um país rico.

Anualmente cerca de duas mil mocinhas procuram uma escola anormal ou anormalizada, para aprender disciplinas úteis. Todos observam o caso e perguntam:

- Se há tantas moças que desejam estudar, por que o governo não aumenta o número de escolas a elas destinadas?

O governo responde:

- Não aumento porque não tenho verba, não tenho dinheiro.

E o Brasil é um país rico, muito rico...

As notícias que chegam das nossas guarnições fronteiriças, são desoladoras. Não há quartéis; os regimentos de cavalaria não têm cavalos, etc., etc.

- Mas que faz o governo, raciocina Brás Bocó, que não constrói quartéis e não compra cavalhadas?

O doutor Xisto Beldroegas, funcionário respeitável do governo acode logo:

- Não há verba; o governo não tem dinheiro.

- E o Brasil é um país rico; e tão rico é ele, que apesar de não cuidar dessas coisas que vim enumerando, vai dar trezentos contos para alguns latagões irem ao estrangeiro divertir-se com os jogos de bola como se fossem crianças de calças curtas, a brincar nos recreios dos colégios.

O Brasil é um país rico...

Lima Barreto

Gente fora do mapa

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Burma, Steve McCurry

Quem foi que disse que o Haiti é aqui?

Não resta dúvida nenhuma de que a adoção do tema da segurança pública como prioridade absoluta do governo federal tem o objetivo de resgatar Temer do fundo do fosso da impopularidade e alçá-lo, se não à eventualidade de uma muito improvável reeleição, pelo menos à de cabo eleitoral com um mínimo de dignidade. Toda polêmica a respeito começou a ser dissolvida quando seu marqueteiro pessoal, Elsinho Mouco, e o especialista em pesquisas Antonio Lavareda contaram à repórter Andrea Sadi, da GloboNews, que a ofensiva contra a violência no Rio serviria para “capitalizá-lo politicamente”.

Logo depois, entrevista do primeiro ao articulista Bernardo Mello Franco, do Globo, não apenas confirmou, como cercou o objetivo de base e premissas indiscutíveis. Os desmentidos posteriores apenas confirmaram que o eco do óbvio ululante (apud Nelson Rodrigues) reverbera até tornar o truísmo ilusório uma verdade indiscutível. A leitura da nota oficial do chefe, feita pelo porta-voz, oportunamente chamado de Parola (palavra em italiano), vai além da confirmação de que palavras têm poder, no caso dos sobrenomes de Mouco e Lavareda, a surdez que queima e não ilumina. Todos os pronunciamentos oficiais e oficiosos a respeito da pendenga deixam claro que o chefe dos oráculos não ficou satisfeito com a revelação de seu segredo de Polichinelo, mas a autoria assumida pelo inconfidente só compromete ainda mais seu “sincericídio”. Afinal, a loquacidade inoportuna dos paus-mandados não foi punida com afastamento nem com alerta de desconfiança. A questão que resta a decidir é se o plano revelado vai, ou não, ser confirmado em pesquisas e urnas.

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Para que esse objetivo seja ao menos avaliado convém, antes, passar pela confirmação dos fatos. Os índices de criminalidade deixarão de tornar insuportável a vida das vítimas pacíficas e honestas da insegurança pública vigente a tempo de produzir efeitos no apoio e na preferência eleitoral da cidadania? Tempo não faltará, previu Mouco a Mello Franco.

O problema do prazo agora é mais crucial do que nas experiências anteriores. Na Eco-92, nos Jogos Pan-Americanos de 2013, no Mundial da Fifa de 2014 e na Olimpíada de 2016, o pacto de convivência pacífica entre a autoridade e chefões das quadrilhas teve duração determinada e curta. A expressão “férias para bandidos” não foi criada pela imprensa insubmissa nem pela oposição acuada, mas pelo desde então comandante das forças de ocupação do Rio, o comuno-democrata Raul Jungmann. O prazo atual de dez meses é longo demais para um negócio arriscado e disputado como o é o mercado de entorpecentes sustentado pelo contrabando de armas. Como uma indústria dessas resistiria a folga tão dilatada?

O compromisso de agora não admite pausa para ir ali e voltar já. Agora é pra valer. É entrar na área e ocupá-la sem pensar em deixar os guerreiros dos dois lados tirarem a sesta. A intervenção na Segurança do Rio, com a conveniência de deixar o companheiro Pezão, do MDB, agindo na continuação do desmanche da gestão estadual e das finanças públicas, não pode ser comparada à “ajuda humanitária” no distante e ínfimo Haiti, ministrada longe da vigilância da imprensa, da impertinência do Ministério Público e da atenção do juizado federal de primeira instância. Nenhuma dessas instituições cruzará os braços para o arbítrio ou para a mortandade.

Os invasores do espaço urbano carioca, egressos de quartéis, onde são mantidos longe da realidade e protegidos da lei dos civis por sua Justiça peculiar, começaram a pressentir os efeitos dessa diferença. Os comandantes do Exército pediram à Justiça civil mandados coletivos de busca e apreensão, depois que seu batedor no campo minado das notícias percebeu que exigir capturas seria demais. O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, Milton Fernandes de Souza, negou-as. Outras idas e vindas do gênero ocorrerão.

O sucesso da iniciativa dependerá de fatos alheios ao decreto assinado por Temer. A farda de camuflagem e as regrinhas primárias de convívio com os meios de comunicação com que o general Braga Netto tentou emular o comunicador da ditadura Rubem Ludwig não bastarão para convencer as pessoas submetidas às normas de identificação nas comunidades pobres de que seu desconforto será compensado com segurança. O vício do cachimbo entorta a boca e elas sabem que, quando o poder público as relega à desgraça, são socorridas pelos traficantes.

Cada um sabe onde lhe dói o calo e o desprezo do ministro da Segurança, gerado numa costela da Justiça, pela classe média contrasta com a discriminação escravocrata de quem não submeteu a elite branca da zona sul a métodos para restringir o ir e vir de pobres, pretos e pardos, ninguém sabe se inimigos ou protegidos. Como na Kasbah de Argel, de onde rebeldes saíram para expulsar os franceses, que torturaram quem os derrotaria.

O interventor tenta impor moral de piadas de caserna para domesticar os repórteres escalados para sua primeira entrevista. Mas não conseguiu transformar suas prédicas de ordem unida em notícias de interesse geral. Os R$ 42 bilhões em cinco anos, a perder de vista, bastarão para reequipar as polícias de todos os Estados brasileiros? O que o Exército fará para pôr fim à corrupção policial, sem mudar comandantes e delegados? Como enfrentar as relações íntimas entre crime e corrupção, se o capataz do chefão do “quadrilhão” do MDB do Rio continua no comando, prestigiando o encarregado dos presídios onde o poderoso Cabral vivia em conforto de fazer inveja a don Pablo Escobar? Quem o interventor escolherá para dar à família enlutada a notícia da morte do primeiro combatente inocente baleado por algum criminoso para quem a vida nada vale?

Segundo Samuel Johnson, o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Quando se perceberá que a ilusão é o primeiro pretexto dos oportunistas?

Para além do dinheiro

Os juízes federais anunciam uma greve no dia 15 de março. De um modo geral, apoio os magistrados e os procuradores na sua luta contra a corrupção.

Conseguiram avançar muito nesse campo. Muito mais do que nós, que tentamos a mesma tarefa na política e acabamos neutralizados pela aliança transpartidária dos bandidos.

Conseguiram avançar muito nesse campo. Muito mais do que nós, que tentamos a mesma tarefa na política e acabamos neutralizados pela aliança transpartidária dos bandidos.

Essa história do auxílio-moradia, no entanto, não é facilmente defensável. O auxílio-moradia é definido para os que não têm casa nos lugares para onde são deslocados.


Conheci juízes em Rondônia que viajam quilômetros, fazem audiências em igrejas e dormem em redes. Um dos meus projetos de programa é viajar com eles e mostrar o que acontece num lugar remoto, quando a Justiça chega e começa a funcionar.

Esta menção é apenas para ressaltar o nível de desprendimento e idealismo que encontro em muitos deles, alguns ameaçados de morte.

Compreendo que o salário não satisfaz, não foi aumentado como se prometeu. No entanto, o caminho de supri-lo com o artifício de uma gambiarra é um equívoco.

A sociedade não aceita a insistência que pode colocar em risco a própria luta contra a corrupção, pois abre uma brecha na valiosa qualidade que é a coerência.

O Brasil vive momentos típicos de nossa cultura avessa à precaução. Discutia-se até aqui a reforma da Previdência, até que a segurança pública caiu na nossa cabeça.

Não tenho dúvidas de que, adiante, a Previdência Social cairá também na nossa cabeça. Nesse momento, certamente não só a Justiça e as próprias Forças Armadas como parte do funcionalismo público serão chamadas a colaborar, adaptando-se ao inevitável esforço nacional.

Não há dúvida que existem riscos nesse processo. Um deles é o deslocamento de bons profissionais para a iniciativa privada. Mas o que fazer? O Estado não pode competir com ela, exceto com um salário digno e a recompensa simbólica de estar servindo ao povo brasileiro.

Não acredito na eficácia de uma greve de juízes, embora seja, indiscutivelmente, legal. Na verdade, creio que abre um flanco para os adversários entrarem em cena, pois vivemos num país em que existe um grande esforço mental para justificar a corrupção, seja desqualificando juízes e procuradores, seja através da acrobacia mental dos que tudo perdoam a quem está do mesmo lado.

Não somente Lula, mas muitos intelectuais afirmam que Sergio Moro é um agente dos Estados Unidos incumbido de entregar o nosso petróleo.

Não comento frases de Lula, pois há muito defendi um habeas língua para ele. No entanto, este é um movimento tradicional da esquerda brasileira, o de fugir de seus erros e apontar para um inimigo externo.

Costumo citar um jornal comunista na Bahia que escreveu isso depois de um choque entre manifestantes e polícia, durante a II Guerra: “Zeca Patriota espancado a mando de Truman”.

Um tríplex no Guarujá pode ser tedioso. Mas ganha uma nova dimensão quando banhado à luz da política internacional, como um instrumento de agressão do império.

Infelizmente, a maioria dos políticos teme ou detesta os juízes. Não há uma boa interlocução. No entanto, um desfecho razoável para esse episódio é essencial, não só como problema salarial de uma categoria. Ele tem o potencial de estremecer a forte aliança renovadora inaugurada com a Lava-Jato.

Troco extratos do Temer pelos do coronel Lima

Na noite de segunda-feira, ao saber que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, mandara quebrar o sigilo de suas contas bancárias, Michel Temer reagiu com destemor. Mandou dizer que ele próprio entregaria os extratos à imprensa. Antes que os jornalistas pudessem apalpar os dados de Temer, auxiliares do presidente já o aconselham a moderar sua coragem. Ah, a coragem! Estranha qualidade que costuma fugir justamente nos momentos de maior apavoramento.

Informou-se que Temer requisitaria as informações de suas contas correntes ao Banco Central. O BC, obviamente, não armazena dados de correntistas. Em casos de quebra judicial de sigilo, o órgão é acionado apenas para avisar aos bancos que devem providenciar as informações. Temer dispõe de dois caminhos mais simples: pode copiar os extratos na internet ou pedir aos gerentes de suas agências.

Nas palavras do advogado de Temer, Antonio Mariz, “está havendo uma verdadeira devassa na vida do presidente da República.” Ele pergunta: “Por que está se fazendo isso com Michel Temer?'' Cabe mesmo perguntar: Por quê? De minha parte, aguardo com alguma ansiedade os dados bancários de Temer. Mas receio que eles sejam menos elucidativos do que os extratos dos amigos do presidente. Gente como o coronel aposentado João Baptista Lima.

Conhecido como um faz-tudo de Temer, o coronel Lima não se dispôs a abrir os seus extratos à imprensa. Seu sigilo também foi quebrado judicialmente. Diz-se que Temer está irritado. Estranho! Deveria estar felicíssimo com a perspectiva de receber um atestado de honestidade com o carimbo do Supremo Tribunal Federal.

Paisagem brasileira

Fotografia ganhadora na categoria: Long Exposition. Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Brasil.
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO),  Márcio Cabral - Prêmio  International Landscape Photographer of the Year 017.

Os escravos do tempo

A palavra “propaganda” tem mau nome. Difícil discordar. O século 20 não foi um passeio no parque. E o totalitarismo provocou milhões de cadáveres tendo na propaganda um aliado mortal. Verdade: se entendermos por propaganda o uso da arte para veicular ideias religiosas, políticas ou sociais, grande parte da história da arte é um exercício contínuo de propaganda. Mesmo a máxima “a arte pela arte” é uma posição política, ou então apolítica, que não atraiçoa o proselitismo original.

Mas a “propaganda” que conta é outra: o uso da arte, sim, para disseminar ideologias de dominação. E, nesse quesito, como esquecer a Alemanha nazista ou a União Soviética comunista?

Na Alemanha, a propaganda do Reich fez-se a dois tempos: por um lado, destruindo a “decadência” modernista e a sua mensagem de “degeneração” e “negritude”; por outro, promovendo uma arte capaz de exortar o valor da raça ariana –forte, sadia, superior– como se vê nas pinturas de Adolf Ziegler.

Na União Soviética, não foi diferente: o “realismo socialista” passou a dogma em 1934. A “função” da arte era indistinta da mensagem do Partido: o líder passou a figurar em público na sua monumentalidade esmagadora — e o povo, agente revolucionário por definição, era retratado como a força vital da nação rumo a um progresso glorioso.

Ilustração João Pereira Coutinho

O nazismo jaz no caixote do lixo da história. O comunismo, tirando dois ou três estados-zombies, também. Mas a propaganda está de volta: se o tribalismo político regressou ao mundo dos vivos, a sua estética preferida não poderia ser deixada de lado.

Semanas atrás, o historiador português Rui Ramos escreveu no site Observador que, nos prêmios das diferentes indústrias, ninguém discutia a “qualidade” dos produtos. O que interessava era saber se os filmes ou as músicas obedeciam a critérios de “representatividade”.

Por outras palavras: mais importante do que saber se o filme X valia como obra cinematográfica era saber qual o sexo do diretor Y ou a etnia do ator Z. Concordo com o meu ilustre compatriota. Basta olhar em volta para perceber que as preocupações estéticas deram lugar à retórica repugnante da ideologia.

No New York Times, Lindy West é apenas um exemplo da corrupção em curso: em texto que faria as delícias de um tirano, a sra. West proclamava que a queda dos “homens maus” na indústria de cinema já não era suficiente.

Agora, era preciso enterrar de vez os “filmes maus”. E o que são os “filmes maus”? Precisamente: obras que não se ajustam a ideias preconcebidas de raça, sexualidade ou justiça social. Joseph Goebbels não diria melhor. Mas Lindy West não é caso único. A revista The New Yorker, que está francamente insuportável, perguntava nas vésperas do Oscar quantos filmes seriam aprovados pelo “Teste Bechdel”.

Segundo esse teste, existem três questões fundamentais que devem ser formuladas sobre qualquer filme: a) existem duas (ou mais) personagens femininas com direito a nome próprio?; b) essas personagens falam uma com a outra?; c) em caso afirmativo, será que as personagens femininas falam sobre assuntos que não incluam “o homem”?

Para a revista, “Lady Bird”, “The Post” e “Corra!” passam no teste. “A Forma da Água”, “Dunkirk” e “O Destino de uma Nação” fracassam miseravelmente.

Grande parte da cultura popular é uma forma tosca de propaganda. O livro, o filme ou a peça de teatro já não obedecem a critérios estéticos ou intelectuais do criador. As obras ajustam-se a uma cartilha tão autoritária, atrasada e brega como as propagandas do passado.

Sim, não temos denúncias de “negritude”, “bolchevismo cultural” ou “decadência burguesa”. Mas, no seu lugar, surgem os pecados do “machismo”, da “heteronormatividade” ou da “misoginia”. O fim é o mesmo: a abolição da liberdade individual pelo fanatismo da tribo. Perante isto, a pergunta leninista: o que fazer?

Pessoalmente, tentar remar contra os novos bárbaros –ou, inversamente, pensar e criar como se eles não existissem. É a única forma de proteger a integridade da arte.

Até porque há uma lição consoladora na história da propaganda: os bárbaros acreditam que têm o “espírito do tempo” do seu lado. Fatalmente, quando lemos os seus nomes em livros esquecidos, nenhum deles legou uma obra que mereça dois segundos de atenção.

Faz sentido: quem é escravo do tempo morre com o tempo.

Os ministérios mais cobiçados pelos políticos do Brasil

O loteamento de ministérios é visto como tradicional moeda de troca no Brasil. O presidente nomeia integrantes de partidos aliados e espera, em retorno, apoio para governar, especialmente em votações no Congresso Nacional. Em meio a processos de reforma ministerial, como o que Michel Temer enfrentará nas próximas semanas, as disputas pelas pastas ficam evidentes no tabuleiro político. Algumas têm mais "valor" que outras, e por elas é que a base aliada se engalfinha.

Uma pesquisa inédita de professores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, Fundação Getulio Vargas (FGV) e Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), divulgada com exclusividade pela BBC Brasil, ouviu parlamentares e especialistas para identificar quais são os ministérios mais cobiçados da Esplanada. Em outras palavras, qual o "valor" de cada um deles. O resultado pode ajudar a esclarecer o que está por trás das barganhas políticas.

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"A pesquisa ajuda a entender um processo que normalmente é feito a portas fechadas, identificando quais as preferências dos partidos com relação a cada ministério e quais são os atributos dos ministérios que influenciam essas preferências", explicou à BBC Brasil a cientista política Mariana Batista, da UFPE.

"É possível saber em que medida os parlamentares são movidos pelo orçamento dos ministérios, o orçamento de investimentos, o número de indicações políticas disponíveis ou ainda a capacidade de formular a agenda legislativa."

Timothy J. Power, diretor do Programa de Estudos Brasileiros de Oxford e um dos coordenadores da pesquisa, destaca que os estudos existentes até hoje no Brasil se concentravam em verificar se o número de ministérios entregues aos partidos da coligação era adequado à importância de cada legenda no Congresso.

Ou seja, quanto mais votos o partido pudesse "entregar" ao governo em votações, mais ministérios deveria receber. "Mas será que um partido que recebeu os ministérios da Fazenda e do Planejamento estaria tão satisfeito quanto outro que recebeu o Ministério da Cultura e o do Turismo?", questionou ele em entrevista à BBC Brasil.
Mas como calcular o valor de cada pasta? Entre abril e setembro de 2017, já durante o governo Temer, os pesquisadores distribuíram um questionário a deputados e senadores. Quatro pares de ministérios foram apresentados com a seguinte pergunta:

"Imagine uma situação hipotética em que um(a) futuro(a) presidente(a) da República esteja sondando o interesse de seu partido num cargo de primeiro escalão do governo. Para cada um dos pares abaixo, indique qual cargo o (a) sr.(a) acha que o seu partido preferiria."

O estudo sobre as preferências de cargos no Executivo integra a oitava edição do Brazilian Legislative Survey (BLS), levantamento feito a cada quatro anos com parlamentares brasileiros sobre diferentes temas. O BLS existe desde a redemocratização, mas esta foi a primeira vez que o tema dos ministérios foi incorporado ao questionário.

Foram ouvidos 141 parlamentares. Por meio de um método estatístico, os pesquisadores conseguiram usar as mais de 500 combinações que surgiram das respostas para montar um "ranking" dos ministérios considerados mais valiosos pelos políticos.

"Como todos os ministérios foram citados, conseguimos encadear as respostas com o modelo matemático e montar um ranking completo com base nessas comparações, sem precisar entrevistar 100% do Congresso", explicou o professor Cesar Zucco, da FGV, um dos autores da pesquisa.

O resultado mostrou que as pastas mais cobiçadas são: Cidades, Planejamento, Fazenda, Casa Civil, Educação, Minas e Energia e Saúde.

Na outra ponta, como "rejeitados", estão Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria Especial de Políticas para Mulheres - essas duas secretarias perderam status de ministério no governo Temer. Também despertam pouco interesse as pastas de Direitos Humanos, Esportes, Turismo e Cultura.

As diferenças acentuadas entre os ministérios com "valor" mais alto revelam uma série de fatores que podem influenciar o interesse dos partidos: grau de visibilidade, orçamento, capacidade de orientar políticas públicas, número de cargos no segundo escalão para empregar apadrinhados e capacidade regulatória em contratos e concessões.

"Dinheiro não é tudo. Empregos para distribuir não é tudo. Outras questões são incorporadas ao preço dos ministérios, como o poder de estabelecer a agenda política, proximidade com o presidente e capacidade de moldar o cenário eleitoral", afirma Power.

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