quinta-feira, 11 de julho de 2019

Senado projeta economia menor com reforma da Previdência

A Instituição Fiscal Independente do Senado prevê uma economia de R$ 744 bilhões nos próximos 10 anos com as mudanças feitas pela comissão especial na reforma da Previdência, informa o Estadão.

São R$ 243 bilhões a menos que os R$ 987 bilhões projetados pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP) e a equipe econômica.

Para o IFI, as mudanças no INSS garantem R$ 567,4 bilhões; para o governo seriam R$ 717,6 bilhões.

Novas regras para servidores gerariam R$ 84,6 bilhões para o IFI, contra previsão de R$ 113,3 bilhões pelo governo.

O órgão prevê receita de apenas R$ 30 bilhões com a taxação dos bancos, enquanto o governo calcula R$ 53,5 bilhões.

Bolsonaro tem a dimensão de Collor

Não seria difícil para Jair Bolsonaro ampliar ou manter estável ao invés de ver diminuir o respaldo que recebe do cidadão brasileiro. Depois de seis meses de governo, o apoio incondicional ao presidente limita-se a 33%, um ponto percentual a menos do que tinha no mesmo período o ex-presidente Collor, o mais odiado do Brasil (Temer não aparece na pesquisa DataFolha). Bolsonaro foi eleito no auge de um ciclo de desgaste da esquerda brasileira. Capitalizar essa desilusão política deixada pelo PT de Dilma e Lula seria possível se ele conseguisse sedimentar uma posição de centro direita ou de direita, sem radicalismo.

O que se viu foi o contrário. Penso que erram os que dizem que Bolsonaro está fazendo o que o seu eleitor esperava dele. Ele fez uma campanha com um discurso radical, é verdade, mas foi eleito por um eleitorado bem mais equilibrado. Os radicais estão com ele, mas para ter 55,13% das urnas, o presidente recebeu votos que pertenciam ao PSDB, ao MDB, ao DEM e a outros partidos que gravitam no centro e em seus arredores. Todo o centro estava ávido para apoiar Bolsonaro e com ele governar.

E os eleitores de centro e centro direita também queriam acreditar que o capitão se estabilizaria depois de eleito. Qualquer um com mais de uma dúzia de neurônios poderia apontar este como o melhor caminho. Ninguém, além da turma raiz de Bolsonaro, esperava que o discurso radical virasse forma de governo. Não se pode, contudo, acusar o presidente de estelionato eleitoral. Ele disse que era isso mesmo o que faria, embora a maioria não acreditasse porque a alternativa era muito mais óbvia e inteligente.

Há quem afirme que Bolsonaro radicaliza para reduzir sua constante perda de popularidade e guardar pelo menos o apoio de parcela da população que se identifica com esse radicalismo. Desconfio ser o contrário. O presidente nunca tirou o pé do pedal que impulsiona e alimenta seu discurso radical. É com o pé embaixo, e por causa dele, que Bolsonaro perde seguidamente apoio e vai se isolando. E o pior para qualquer um nessa posição é que o círculo mais próximo, formado por parentes, amigos e o cordão dos puxa-sacos não o deixa ver o cerco se fechando.


Todo mundo sabe como começa um processo de isolamento. O seu desfecho também é conhecido, com o apequenamento da imagem e a deterioração da credibilidade do protagonista. Bolsonaro não precisaria ser prolixo ou caprichar na oratória para evitar o isolamento. Mesmo sendo tosco (o brasileiro não se incomoda com isso, como se viu no passado recente; tem gente que até prefere um presidente com a sua cara e seu jeito), Bolsonaro conseguiria manter-se em patamar alto em qualquer pesquisa se tivesse maleabilidade política, mesmo mantendo sua pauta conservadora. Não falo em aceitar jogo sujo ou deixar roubar. Me refiro ao nobre fazer político, vital para qualquer democracia.

Diante de um quadro em que a cada dia fica mais limitado, o presidente joga para a sua plateia de fiéis e de certa forma governa pensando exclusivamente nela. Alguém pode dizer que a reforma da Previdência atinge a todos e não mira nenhum grupo específico. Sim, mas a reforma em curso foi capturada pelo Legislativo e hoje é muito mais de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre do que de Jair Bolsonaro. Além disso, Bolsonaro tem mais atrapalhado do que ajudado. Todos os movimentos do presidente na reforma foram para oferecer privilégios. Foi assim com os militares, com PMs e bombeiros, e agora com policiais federais, rodoviários e agente penitenciários.

O presidente ganharia muito mais se parasse de jogar para a sua galera. Mostraria grandeza se tentasse ser justo. Se, por exemplo, e apenas por exemplo, ao pedir privilégios aos policiais, mencionasse também professores, garis e motoristas de ônibus. Ou se ignorasse todas as pressões e jogasse para o Brasil, trabalhando para aprovar a reforma necessária, incondicionalmente. Aliás, grandeza é a marca dos maiores presidentes do Brasil. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram grandes. Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek foram grandes. Jair Bolsonaro, por ora, tem a dimensão de Fernando Collor.

Brasil 'reformado'


A festa dos burros

Felipe Lima
No tempo em que os animais falavam, os burros deram uma festa.

Os burros, como sabe quem lida com eles, não são nada burros, tanto que às vezes parece que eles é que lidam com a gente. E essa inteligência dos burros vem desde aquele tempo.

Tão inteligentes eram, que resolveram "dar" a festa... pedindo aos outros.

Pediram aos leões que levassem carne:

– Afinal, vocês são tão fortes e gostam tanto de caçar...

Aos macacos pediram que levassem frutas:

– Vocês vivem nas árvores, e são tão ágeis!

Pediram às aves que levassem sementes:

– Só vocês alcançam as castanhas e as nozes e amêndoas, e conseguem descascar com esse bicos tão hábeis!

Deixaram o som a cargo das toupeiras, dizendo que só elas batiam tão bem os rabos no chão:

– Ninguém faz tum-tum como vocês!

As toupeiras, porém, não gostavam de trabalhar, e contrataram um bando de araras e outro bando de maritacas, além de umas arapongas, para ficarem cantando durante a festa.

Assim não se ouvia nada, e todos tinham de gritar, urrar e bramir para se entender.

Acabaram ficando todos roucos, irritados, ainda mais porque a comida demorava.

As raposas, quatis e gambás, sem ter o que trazer para a festa, concordaram alegremente em servir os convidados, mas serviam primeiro as carnes mais duras e as frutas amassadas, para sobrar para eles o melhor. Mas tiveram de comer escondido e depressa, e depois passaram mal.

Mas há quem diga que isso foi porque as carnes, trazidas pelos leões, estavam babadas e sujas de terra, pois leões não são delicados para comer como as aves.

As aves, entretanto, logo cansaram de quebrar tantas castanhas e nozes e amêndoas para tantos bichos, e passaram a entregar as sementes com casca e tudo, de modo que só mesmo elas conseguiam comer. Os bichos, enraivecidos com isso, enxotaram-nas (alguns dizem que as enxotaram, outros dizem que enxotaram elas, o certo é que foram lá para os altos galhos e, de birra, ficaram de-fe-can-do sobre a festa dos burros).

Os macacos aproveitaram a confusão para também subir nas árvores, levando as frutas, comendo e jogando para baixo as cascas.

Aquilo irritou tantos os elefantes que debandaram bramindo e derrubando árvores. As girafas também se retiraram, embora elegantemente. Mas os rinocerontes se foram pisoteando quem achassem pela frente.

No fim, todos acabaram indo embora com raiva, e prometeram nunca mais ir a uma festa dos burros.

Desde então, coisa mal feita, ou feita com aquela economia que é a base da porcaria, ou som alto em festa, ou serviço ruim, tudo isso passou a ser chamado de burrice.

Mas os burros, os burros mesmo, inteligentemente nunca mais fizeram festa, desde então esperando ser convidados para alguma festa melhor; mas os animais, sabe-se lá por que, deixaram de falar e ficou por isso mesmo.

Só para lembrar

Mesmo com a reforma da Previdência, o governo não conseguirá aumentar os investimentos e continuará com uma taxa de 0,5% do PIB. Essa é a nossa realidade hoje
Mansueto Almeida, Secretário do Tesouro Nacional

Passa a reforma, ficam os privilégios

Foi discurso de candidato – a presidente da República, a vice, ou na pior das hipóteses, a governador do Rio de Janeiro, o seu Estado. Ao celebrar a aprovação do texto-base da reforma da Previdência, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, fez questão de dirigir-se ao país, não somente a seus colegas. E chorou – antes e depois de falar.

Maia é um chorão. De uma família de chorões. Para superar a tensão, chora e às vezes sai chutando seus adversários. Diz-se acostumado a viver sob intensa pressão desde quando dividia o útero da mãe com sua irmã gêmea. Sabe guardar ressentimentos. Mas é pragmático o bastante para esquecê-los se for o caso.


Por ora, não foi o caso de desprezar os ataques que sofreu do presidente Jair Bolsonaro, e dos devotos dele em recentes manifestações de rua encomendadas. Maia virou boneco inflável gigante alvo de insultos. Sua vingança foi não mencionar o nome de Bolsonaro no discurso aplaudido de pé por seus pares.

Um discurso redondo, de improviso, mas pensado de véspera, embora sob a emoção de um resultado surpreendente até para ele. Na semana passada, quando admitiu haver votos suficientes para aprovar a reforma, Maia não tinha certeza disso. Pelo contrário: temia que faltassem votos, algo como uns 30 dos 308 necessários.

Desembarcou, ontem, na Câmara seguro de que contaria com 330 votos em um total possível de 513. Mesmo assim seria uma vitória expressiva. No governo de Fernando Henrique Cardoso, a reforma da Previdência foi derrotada porque faltou um único voto. Os governos seguintes preferiram bancar arremedos de reforma.

Então ocorreu a avalanche que deixou todo mundo perplexo, a começar por Maia e a terminar por Bolsonaro que nunca suou a camisa para aprovar a reforma. Suou para livrar os policiais militares da reforma. Votaram 510 deputados – 379 a favor, 131 contra. Maia viu o resultado no placar eletrônico e não acreditou.

O que aconteceu? Ao invés de dar ao governo a reforma que ele pedira, os deputados decidiram fazer a sua. Convenceram-se de que não dava mais para ignorar que o país caminharia para o buraco se não reformasse a Previdência. A estarem certas as pesquisas, a maioria dos brasileiros pensa a mesma coisa.

Fez-se a reforma – ou melhor: foi dado o passo mais difícil na direção de fazê-la. Hoje, a Câmara votará pontos da reforma destacados e ela poderá ficar menor. Em seguida, a bola será chutada para o Senado. Ali, se tentará incluir Estados e municípios no momento excluídos da reforma.

Uma reforma concebida para acabar com os privilégios manteve vários deles e aumentou outros. Mas como o mundo gira, a Lusitana roda e as pessoas vivem mais, é assunto para ser resolvido na discussão da próxima reforma.

Foi dando que Jair Bolsonaro recebeu na Câmara

Secretário especial da Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho é um ex-deputado reconhecido como um negociador político jeitoso. Desde segunda-feira, porém, Marinho teve de usar mais do que a saliva para auxiliar no azeitamento da aprovação do texto-base da proposta de reforma da Previdência. Enviou para líderes partidários, via WhatsApp, cópias de edição extraordinária do Diário Oficial com a publicação da liberação de verbas orçamentárias para municípios das bases eleitorais dos deputados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alardeava já no sábado que a reforma seria aprovada com folga. De fato, o jogo já estava jogado. As legendas do centrão, sem as quais a maioria de três quintos jamais seria alcançada, haviam topado aprovar a mexida previdenciária desde a votação na comissão especial, na semana passada. Mas os partidos definiram também que Jair Bolsonaro teria de fazer um gesto. Ao exibir para o blog a mensagem recebida do secretário Rogério Marinho, um dos líderes resumiu o sentimento do grupo: "O presidente precisa descer do salto alto."


De saída da articulação política, o chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni havia negociado a liberação de R$ 40 milhões em emendas para cada parlamentar—metade agora, até a votação da reforma da Previdência em dois turnos; e o restante no final do ano. A emissão de notas de empenho, documentos que formalizam a intenção de pagar, não foi suficiente para aplacar os ânimos dos deputados. Era preciso iniciar a liberação efetiva dos recursos, de modo que Bolsonaro calçasse sandálias e as prefeituras beneficiadas com os repasses fossem contempladas imediatamente.

Recém-chegado à coordenação política, o general Luiz Eduardo Ramos, novo titular da Secretaria de Governo da Presidência, teve de dar as caras num encontro com líderes partidários na residência oficial do presidente da Câmara. Avalizou os acordos firmados por Onyx. Fez isso com a anuência de Bolsonaro. E as liberações começaram a fluir. Coisa de R$ 1,13 bilhão na noite de segunda-feira, R$ 178 milhões nesta quarta-feira.

Bolsonaro foi ao Twitter, seu habitat natural, para explicar-se: "A Emenda Constitucional 86/2015 tornou as emendas parlamentares individuais impositivas, portanto independe da vontade do presidente a sua liberação. Outros recursos previstos no orçamento, havendo disponibilidade, também são liberados para obras em estados ou municípios", anotou. Meia verdade.

De fato, o pagamento das emendas é impositivo. Mas cada deputado tem direito a R$ 15,4 milhões por ano. Nada a ver com as verbas "extra-orçamentárias" negociadas com Onyx. De resto, o que dá à operação ares de troca-troca é a atmosfera de chantagem que impregnou o ar seco de Brasília. Os deputados condicionaram o voto às liberações. E Bolsonaro desceu do salto que escalara na campanha para o chão escorregadio da Câmara, um solo que ele pisou durante 28 anos.

Numa conversa privada, o capitão cuidou de diferenciar o pagamento de emendas que autorizou do toma lá, dá cá espúrio. "Ninguém viu mala de dinheiro circulando", declarou. No Twitter, Bolsonaro escreveu: "No passado, como todos sabem, os métodos eram outros. Hoje, o parlamento está mais que consciente de sua responsabilidade, do que devem ou não aprovar ou aperfeiçoar, sempre focado no bem-estar de todos."

Na Era tucana, Fernando Henrique Cardoso justificava as concessões à banda arcaica do Parlamento invocando a "ética da responsabilidade" de Max Weber. Sem a mesma erudição, Lula eximiu-se de teorizar sobre a devassidão que o levou a comprar apoio parlamentar em meio a uma erupção de lama que desaguou no mensalão e no petrolão.

Sob Bolsonaro, o apetite fisiológico retorna aos padrões tradicionais: emendas e, a depender da vontade dos líderes, cargos no segundo escalão. O capitão piscou. Revelou-se capaz de gestos de pragmatismo que o fizeram conquistar até os ansiados privilégios previdenciários para a corporação dos policiais, sua preferida.

Aos olhos do centrão, o capitão entrou no jogo. Ganhou orelhas de lobo, focinho de lobo e dentes de lobo. Embora continue escrevendo no Twitter como uma inocente vovozinha disfarçada, foi dando que Jair Bolsonaro recebeu o apoio dos partidos do centrão e seus congêneres na Câmara.

Pensamento do dia


Terrivelmente precipitado

Ousado o presidente Jair Bolsonaro sabemos que é. No caso dele a ousadia não se traduz no arrojo, mas na imprudência. Acabou de anunciar nesta quarta-feira, que indicará ao Supremo Tribunal Federal um nome de representação “terrivelmente” evangélica. Se pretendeu usar a palavra no sentido de “incrível”, soou incrivelmente assustador

E a temeridade aí não reside na condição religiosa do pretenso indicado, mas no gesto precipitado ao falar de uma indicação que só poderá ocorrer em novembro de 2020, quando o ministro Celso de Mello se aposenta por idade (75 anos). Ao pregar o carimbo na testa do ainda hipotético ministro Bolsonaro cria desde já resistências. Na sociedade e no colegiado de senadores que deverão aprovar ou desaprovar o nome.

Ao procurar agradar os evangélicos, com essa agora e mais aquela de dar benefícios fiscais às igrejas, os policiais, enfim, seus eleitores de 2018 a fim de assegurar apoios para 2022, Bolsonaro veste alguns santos sem se preocupar no risco que corre, com isso, despir outros os outros tantos que compõem a maioria.

Reforma 'proctológica'

Sem lobby no Congresso, o trabalhador do regime geral terá de suar a camisa por mais cinco anos, até os 65 anos, para receber menos. É convidado a digerir o sacrifício sob o argumento de que a alternativa seria a breca do sistema....
Josias de Souza

Reflorestamento pode retirar 25% do gás carbônico do ar

Foi publicado na última edição da revista científica Science o estudo mais abrangente até agora em relação à prática do reflorestamento. A pesquisa, realizada por cientistas do laboratório Crowther, da Suíça, foi a primeira a quantificar quantas árvores a Terra consegue suportar, além de estipular onde seria melhor plantá-las e de estimar quanto dióxido de carbono essas plantas poderiam armazenar.

De acordo com os resultados obtidos, cerca de 25% dos níveis de carbono da atmosfera seria retirado do ar se o reflorestamento atingisse seu ápice. A última vez em que esses níveis foram registrados no planeta já faz quase um século — desde então, os números são crescentes.

O plantio é uma ótima forma de diminuir os níveis de gás carbônico de um ambiente, uma vez que, durante o processo de fotossíntese, elas “puxam”o CO2 do ar. O gás é responsável por grande parte do aquecimento global e das demais mudanças climáticas, e sua presença em excesso pode ser muito danosa à natureza.

Por meio da análise de quase 80 mil florestas e das imagens disponíveis no Google Earth, os pesquisadores geraram um modelo que prevê a potencial cobertura verde que as plantas proporcionariam ao planeta — o chamado ápice do reflorestamento.

A conclusão foi de que a Terra conseguiria suportar 900 milhões de hectares de árvores, as quais, quando maduras, sequestrariam cerca de dois terços de todo o carbono emitido pela atividade humana. Grande parte da capacidade de suportar essas novas árvores está concentrada em seis países: Rússia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Brasil e China.

Segundo os cientistas, o estudo claramente comprova que o reflorestamento é atualmente a melhor solução para reverter as mudanças climáticas. No entanto, as ações devem ser urgentes. Segundo o artigo, a extensão das áreas em que o reflorestamento é possível depende diretamente do clima e da temperatura. Assim, se até 2050 a temperatura global subir “apenas” 1,5°C (que é o objetivo atual das grandes nações), o território disponível para o replantio seria 20% menor do que o de hoje.

O perigo de que o Brasil considerar normal sua atual crise política

O dramaturgo e poeta Bertolt Brecht, conhecido por sua famosa frase: “Tristes os povos que precisam de heróis”, escreveu também algo que pode ser de atualidade no Brasil convulsionado de hoje: “Suplicamos expressamente”, escreve, “que não aceitem o que é de hábito, como algo normal, porque em tempos de desordem, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer normal”.

O colunista do jornal Folha de S. Paulo, Leandro Colon, em seu artigo “É sério isso?”, também lançou o alerta de Brecht. Critica que podemos tomar, por exemplo, como jocosas as afirmações do presidente de extrema direita, Jair Messias Bolsonaro, quando na verdade elas implicam uma realidade grave e perigosa. E destaca dois exemplos de dias atrás, quando o presidente perguntou sobre a morte do músico João Gilberto, chorado dentro e fora do Brasil, tudo o que lhe ocorreu comentar foi: “Pessoa conhecida. Nossas condolências à família, tá ok?”. E em relação às críticas feitas por alguns chefes de Estado europeus sobre a política do presidente sobre a Amazônia, limitou-se a dizer: “O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”.


O que melhor retrata essa realidade, não só política, mas também psiquiátrica de Bolsonaro, que corre o perigo de ser tomada como normal, é a análise publicada no jornal O Estado de S. Paulo por Marcelo Godoy, sobre a importância que o presidente dá em seus lives diários nas redes às questões mais graves que angustiam o Brasil. Durante 9 horas e 26 minutos Bolsonaro falou à nação sobre 50 assuntos diferentes. O que surpreende é a importância hierárquica que concedeu a esses problemas, algo que pareceria mais uma piada do que uma realidade.

Alguns exemplos desse estudo revelam que não estamos diante de uma realidade normal, já que a importância dos problemas que hoje afligem o país privilegia os mais esquecidos e insignificantes, enquanto questões menores atraem as simpatias do presidente. Dos 50 assuntos analisados pelo presidente, sabem quais foram os três mais importantes? Talvez a educação, a saúde, o desemprego de 14 milhões de pessoas, o meio ambiente, as questões sociais mais urgentes como a falta de moradia, a pobreza que retorna ao Brasil? Não. Os assuntos que aparecem nos três primeiros lugares de suas preocupações são: a pesca, a Internet e as armas, enquanto o desemprego está em 44º lugar, a moradia em 47º, a educação em 22º, a saúde em 20º e o meio ambiente em 19º. O tema candente da aprovação da reforma da previdência que mantém o país em suspense e apreensivo porque sem sua aprovação o futuro econômico do Brasil se mostra trágico, próximo da bancarrota, aparece apenas no 24º lugar de sua atenção.

Além disso, no dia 4 foi aprovado, depois de semanas de dura discussão, o documento da Comissão da reforma da previdência para passar agora à aprovação em dois turnos pela Câmara dos Deputados e depois pelo Senado. Sabem quanto tempo o presidente dedicou para comentar essa data tão importante? Nem um segundo. Ele a esqueceu em seu live. Falou, isso sim, de seu assunto favorito: a pesca.

Se, como alertou Brecht anos atrás, pode acabar trágico “aceitar como normal” o que na realidade são tempos de “confusão organizada, arbitrariedade consciente e humanidade desumanizada”, o Brasil pode estar no caminho desse perigo ao aceitar como normal atitudes do presidente que não apenas confundem como podem imunizar e cegar uma sociedade em crise como a brasileira.

Outro grande dramaturgo do passado, William Shakespeare, nos deixou em sua obra Hamlet a misteriosa frase “Há algo de podre no reino da Dinamarca”. Traduzida livremente a hoje e conectando-a com as palavras de Brecht, poderíamos dizer que também há algo de podre nessa presidência de extrema direita brasileira se para seu presidente são mais importantes, por exemplo, a pesca e as armas do que a educação, o desemprego e a saúde das pessoas. E nada pode ser pior para um país do que quando se acostuma a não perceber que há algo de podre dentro dos palácios do poder.

E para terminar esta coluna em uma nota feliz, ontem eu encontrei na televisão o querido filme Sempre ao Seu Lado, de Lasse Hallström, com Richard Gere e Sarah Roemer, que conta a história real do cão Hachico, que ia todos os dias à estação onde seu dono, Hidesaburo, professor de Agricultura da Universidade de Tóquio, tomava o trem. Quando era vivo, seu cão o acompanhava todos os dias à estação e esperava por ele na hora de seu retorno. Uma vez morto seu dono, Hachico continuou indo à estação para esperá-lo durante nove anos e dez meses. Ali ficou doente e morreu esperando em vão por seu dono. No filme, alguém pronuncia uma frase que me ficou gravada e que voltou à memória ao escrever esta coluna: “Deus deixa cartas espalhadas nas ruas e praças da cidade”. Gostaria de perguntar aos leitores o que diriam essas cartas de Deus se fossem deixadas hoje nas ruas do Brasil. Podem adivinhar?