segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sangue em Paris

A maior descoberta dos assassinos do Estado Islâmico foi a mídia. Foram as redes sociais. A Al Qaeda dependia da decisão do líder Osama. Hoje não há mais um chefe total, mas milhares de jihadistas em rede. Osama era analógico, o EI é digital. Outra grande descoberta dos ratos de Alá foi o “indivíduo ocidental”. Não há mais um atentado puramente político ou religioso, mas a busca do grande horror que só a morte individual desperta. “Já pensou se eu estivesse lá?”.

Como dizia o Stálin: “A morte de milhões é uma estatística; a morte de um só é uma tragédia”.


Eles descobriram o uso da tragédia ao vivo, o furo em nossa compaixão, quando começaram a degolar pessoas diante das câmeras. A descoberta também da mise-en-scène: vídeos em alta resolução, com os carrascos vestidos com um “terror fashion”, preto e amarelo, botas, capuzes, impecavelmente vestidos, chiquérrimos diante dos pobres diabos ajoelhados. Eles vêm marchando diante de uma bela praia, lindo sol no mar e vapt. Degolam.

E isso impressiona os jovens imbecis que enchem o mundo.

Mais de 2.000 ratos malucos foram lutar no EI; 500 já voltaram... Que farão eles? Parece que mataram o filho da p... inglês Jihad John, mas outros virão.

Eles também trazem a morte em lugares do prazer. Onde houver alegria traremos a morte – pensam –, como na discoteca de Bali (lembram?) ou sexta-feira 13 no Bataclan, de Paris. Escolheram Paris, o orgulho da civilização e da democracia. É lá que atacam.

Bataclan foi um ataque ao prazer, foi um ataque a tudo que amamos: a alegria, o sexo, a música, a liberdade, a beleza.

Outra coisa que nos fascina/apavora nesses ratos sujos é que eles querem atingir a plenitude do mal, por si mesmo. Eles querem superar o demônio, desmoralizar o demônio.

É preciso destruir a beleza dos monumentos, queimar prisioneiros vivos, cabeças cortadas, eles querem provocar nosso horror e cuspir na imagem de Bem que ainda professamos. Eles querem o mal absoluto. E o mal absoluto não pode ter motivo.

Há alguns anos eu vi um homem sendo decapitado. Chegou um vídeo completo na TV e vi. Um bando de demônios de preto gritando “Só Deus é grande!” agarra o pobre norte-americano e lhe corta o pescoço como o de um porco. Ele grita enquanto a cabeça lhe é arrancada, com o sangue que lhes suja as mãos, enquanto eles gargalham de felicidade, porque se sentem mais perto do céu: a cada cão infiel morto à faca, eles sobem de ranking para a salvação.

Na religião islâmica, a morte é um prêmio. Quando havia degola na Argélia, eles chegavam ao detalhe de decapitar os inimigos com uma faca rombuda, porque, quanto mais o cara gritava, mais se enobrecia o degolador perante Alá. O terrorista também quer ascensão social: um fugaz poder com bombas no corpo, sucesso “post mortem” e subida aos céus, para comer as mil virgens, as “huris”, dançando de odaliscas, enquanto as desgraçadas sem clitóris vestem burca. A guerra de nações está acabando. Agora é a guerra da teocracia contra a tecnologia. Foram atingidos: o ateísmo, o iluminismo, a arquitetura, a paz burguesa, o turismo, a sensação de invulnerabilidade, o consumo.

A partir daí, todo mundo virou cientista político. Surgiram multidões de analistas de bom senso, tentando fazer a tragédia absurda caber numa narrativa coerente. Mas o terror não cabe na razão.

De uma forma repugnante, a verdade do mundo apareceu. A América achava que chegaria a um futuro de paz e progresso.

Tudo que fazemos tem o alvo da finalidade, do progresso. Os islâmicos já estão no futuro. Seu futuro é hoje. Não há passado. Nunca estiveram tão presentes como agora.

O islã não quer progresso. Quer o imóvel, a verdade incontestável. O islã transcendeu o político há muito tempo. Suas multidões jazem na miséria, conformadas, perfazendo um ritual obsessivo cotidiano do Corão que os libertou da dúvida e da consciência de si.

Nós temos a ilusão da liberdade. Eles nem sabem que porra é essa. Graças a Alá – pois islã significa “submissão”. O “projeto” agora é procurar bombinhas em aviões, localizar bueiros com bombas e cartas venenosas. O islã está nos expondo ao ridículo.

Acabaram também com o conceito de “vitória”. Não há mais vitória contra inimigos invisíveis. O homem-bomba não existe – ele se volatiliza em segundos. Sua força está em “não existir”. A grande arma secreta do islã é o suicídio. Não o suicídio melancólico dos ocidentais, mas o suicídio triunfal, feliz, ativo, o suicídio como esperança.

A chegada de Deus foi a maior novidade do século XXI. Esperávamos um grande triunfo, o futuro no presente. Só que Deus veio armado, Deus enlouqueceu com seu exército de fanáticos se matando e querendo nos destruir em nome de uma superstição, um ser que não existe. Quem diria que o novo século, tecno-científico, sucumbiria a essas sinistras macumbas?

Eles trouxeram a peste para o Ocidente. Eles nos odeiam, eles têm inveja de nós, porque eles vivem no lixo do deserto, nós somos civilizados, e eles, uma barbárie da Idade Média. E vamos parar com o papo meio “esquerdofrênico” de que estamos pagando pelo mal que lhes fizemos no passado.

Nada disso. Não são mais “consequência” de nada, eles são a vanguarda de uma nova forma de morte, agora que tiveram a ideia de usar as máquinas do Ocidente, aviões e mísseis contra os infiéis. Pode? A morte não estará mais num leito burguês, com extrema-unção e a família chorando.

A morte agora será um cachorro pelas ruas, atacando de repente. Que fazer contra esses ratos que infestam o Oriente Médio? Como atacar essa nova forma de crueldade?

Mas como resolver questiúnculas políticas lidando com gente como o Putin, por exemplo? Deveria haver uma coalizão séria entre os países ocidentais para ataques maciços contra os canalhas... Em suma, o que deveria ter sido feito logo no início, quando ainda dava tempo para derrubar o Assad.
Mas, agora, talvez só reste aos países ameaçados a paranoia.

Eles ganharam todas até agora, porque, como disse o mulá Muhamed Omar, com desdém : “Nós amamos a morte. Vocês sempre gostaram de viver!”.

Os crimes socioambientais e a pedagogia da catástrofe

Desde a década de 70 está em gestação o esboço de um pacto em torno da defesa do planeta Terra, tido como um patrimônio comum da humanidade. Ao menos, esse é o discurso consensual corrente, embora não haja uma compreensão coesa do que seja realmente a “defesa da natureza”. Todavia, a marca pública dos debates ecológicos é a denúncia da degradação que o ser humano impôs à água, ao ar e à terra. O sentimento mais presente nos discursos ecológicos é o medo. Não sem razão.

Os exemplos são terríveis: as catástrofes das indústrias químicas, como em Seveso, o gás mortífero da fábrica Icmesa, na Itália, em 1976; o gás tóxico de Bhopal, na Índia, em 1984; a poluição do rio Reno pelo incêndio da fábrica da Sandoz na Basileia, na Suíça, em 1986; a doença de Minamata, no Japão, por intoxicação de mercúrio da fábrica Chisso, que lançava dejetos desde 1930 na baía de Minamata – o primeiro caso humano diagnosticado ocorreu em 1956, mas morreram cerca de 2.000 pessoas, e as sequeladas são incontáveis!

Não ficam atrás os casos das indústrias petrolíferas: marés pretas da Bretanha, do Alasca, do Rio de Janeiro (2000), na Espanha (2002), no golfo do México (2010) etc. O incêndio por vazamento de gasolina na Vila Socó, em Cubatão, em São Paulo (1984), que oficialmente resultou em 93 mortes, mas há estimativas de que foram mais de 500.

As catástrofes das fábricas e os artefatos nucleares são de grande vulto: a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, no Japão; Three Miles Island, em 1979, nos Estados Unidos; Chernobyl, em 1986, na Ucrânia, ex-URSS; o césio de Goiânia, em 1987; e Fukushima, em 2011, no Japão. Como se isso não bastasse, há o justo temor de catástrofes biológicas, via armas biológicas “bioengenheiradas”.

Mas eis que em 5 de novembro passado, por volta das 16h, o povoado de Bento Rodrigues, em Mariana, foi soterrado pela não inócua lama tóxica – rejeitos de mineração – após o rompimento das barragens do Fundão e Santarém, da mineradora Samarco, de propriedade da anglo-australiana BHP Billiton e da Vale, ex-Vale do Rio Doce...

O povoado de Barreto, em Barra Longa, também foi soterrado, sem mortes humanas, mas perdeu escolas, pontes, estradas e casas. Bento Rodrigues contava mais de 200 anos, mas agora acabou! Sete mortes foram confirmadas, 12 pessoas estão desaparecidas e os impactos socioambientais são incomensuráveis.

Rompimento de barragens de mineradoras em Minas Gerais não é novidade: em Nova Lima, cinco operários morreram (2001); Cataguases (2003); Rio Pomba (2007); e Itabirito (2014), na qual três operários morreram e cinco ficaram feridos. Porém, os governos de Minas e os brasileiros foram incapazes de beber na “pedagogia da catástrofe” – constatação do ecologista suíço René Longet, que diz que Seveso “mudou a visão da opinião pública a respeito da indústria química, passando a considerá-la potencialmente perigosa”.

A pedagogia dos crimes das mineradoras aqui não sensibiliza governos nem parlamentares, de todas as esferas. O caso Mariana é um dos maiores crimes socioambientais do mundo, o maior do Brasil; além de ter ceifado vidas humanas e a de outros animais, “cimentou” o rio Doce, com impactos ambientais que a sanidade mental não alcança. Não há mais lugar para peixes e passarinhos no rio Doce!

Como disse o jornalista Alceu Luís Castilho, em “De Paris ao rio Doce: do horror político ao horror econômico” (14.11.2015): “Os atentados em Paris e o crime ambiental em Mariana não são hierarquizáveis; o problema consiste em minimizar uma das tragédias por determinadas conveniências”.

As garras ditatoriais do PT

No Brasil tropical onde a moralidade foi sempre frouxa, a corrupção é entranhada no tecido social, a impunidade predomina, o PT encontrou terreno fértil para se estabelecer e não dá sinal que vai deixar o inebriante poder.
Além disso, uma das técnicas petistas para dominar mentes e corações é a propaganda enganosa. Nessa soma-se a exaltação dos feitos do líder ao temor de criticá-lo, o que é interpretado como sacrilégio.

Outra maneira de engabelar intelectos não muito atilados é o apelo à vitimização. Baseia-se tal estratagema nos seguintes dogmas: 1º - O PT não erra. 2º - Mesmo que hajam “malfeitos” os companheiros devem pairar acima da lei. 3º - Somente os outros erram. 4º- Especialmente Lula e seus familiares jamais cometem falhas.

Para confirmar tais dogmas ou mandamentos o PT lançou recentemente uma Cartilha do Cinismo onde é afirmado que a Operação Lava Jato existe apenas para criminalizar os coitadinhos dos petistas, inocentes acusados sem provas. Só faltou Rui Falcão, presidente do PT, pedir a prisão do juiz Sergio Moro, do ministro do STF, Gilmar Mendes, dos delegados da Polícia Federal, dos procuradores, dos juízes federais. Todos estão errados, menos os petistas.

Há também outro fator fundamental do fortalecimento do PT: a falta de uma verdadeira oposição e, principalmente, o apoio que nunca faltou do PSDB a Lula. Nesse momento crucial de nossa história os tucanos querem que Eduardo Cunha, tido como o único corrupto da República, inicie o processo do impeachment de Rousseff, mas querem também destituí-lo do cargo, virando assim a casaca do apoio para vestirem o terno do bom-mocismo. Simultaneamente os tucanos se prostram mais uma vez aos pés do PT e se disponibilizam para apoiar o ajuste fiscal, cujo efeito é justamente criar condições para a permanência de Rousseff. É o que se chama de exercício da dubiedade.

Enquanto na política vilezas e traições se alternam, o descalabro na economia gerado por Lula e sua obediente criatura vai retirando todas as caridades oficiais dadas pelo governo petista aos pobres e infernizando a vida dos brasileiros como um todo. Nessa situação, temeroso de perder seus privilégios e sua vida nababesca, o PT expõem suas garras totalitárias que, aliás, são por demais conhecidas quando os petistas desqualificam, agridem, ameaçam os considerados inimigos e usam a violência dos chamados movimentos sociais sustentados pelo partido.

Exemplo atual foi visto quando o governo Lula/Dilma se abateu contra caminhoneiros em greve. Além das pesadas multas que inviabilizaram o protesto, a senhora governanta estigmatizou a greve como criminosa, porque bloquear estradas é algo criminoso. O MST pode bloquear e invadir o que quiser. O MTST da mesma forma. Índios também com direito de agredir quem ousar desobedecê-los. Do mesmo modo a Via Campesina que destrói pesquisas em fazendas quando lhe dá na telha. A CUT pode bloquear o que desejar e é especialista em greves políticas. Os petroleiros estão exercendo seu sagrado direito de greve. Porém, para os caminhoneiros que pedem a saída da senhora que infelicita o país, tratamento de choque.

O PT ainda tem força e não vai deixar facilmente as delícias do poder. Por isso Lula está mandando defenestrar o ministro Joaquim Levy para colocar em seu lugar Henrique Meirelles. Esse daria um jeito de retomar os erros do passado e aliviar artificialmente as agruras populares, não sei se por milagre ou por mágica, preparando a volta do salvador da pátria. Quem sabe o PSDB pode ajudar de alguma forma o companheiro Lula nesse sentido?

Enquanto o tempo passa e a governanta vai ficando, os petistas vão pondo sorrateiramente em prática suas garras neocomunistas e atentando contra o direito de propriedade. Observem com cuidado a seguinte e pequena nota publicada na Folha de S. Paulo (12/11/2015), que faz lembrar a Venezuela:

“O prefeito Fernando Haddad (PT) regulamentou projeto de IPTU progressivo que prevê a desapropriação de imóveis vazios ou subutilizados em um prazo de cinco anos”. “Pelo decreto, a alíquota aumenta ano a ano após a notificação do proprietário, até chegar a 15% do valor venal do imóvel”. Já pensaram se a moda pega
?

Cheiro de queimado

Ao som do tango Volver, que Gardel canta cada vez melhor, o ex-presidente Lula foi a estrela da abertura da 7.ª Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciências Sociais, em Medellín (Colômbia). Ovacionado por uma claque de jovens estudantes colombianos - plateia simpática a slogans terceiro-mundistas que o chefão do PT usa como ninguém e decerto desinformada a respeito da extensão do desastre lulopetista que se abateu sobre o Brasil -, Lula alertou que o projeto populista que ele tão bem encarna está sob sério risco de ser desalojado do poder na América Latina.

Em tom de advertência, ao final de uma hora de discurso em que fez um histórico das alegadas conquistas sociais das quais ainda se jactam vários governantes irresponsáveis no continente, Lula disse que está sentindo um “cheiro de retrocesso” na América Latina. “Retrocesso”, nesse caso, é o desmonte do circo que encantou os incautos nos últimos dez anos, fazendo-os crer que, pela mágica do voluntarismo estatista, as desigualdades seriam superadas, inaugurando-se um período de desenvolvimento igualitário sem precedentes.

Mas a prestidigitação populista, um embuste por natureza, não tinha lastro na realidade - como sabem hoje muito bem as classes desfavorecidas no Brasil, na Argentina, na Venezuela e em outros países que tiveram a infelicidade de ser governados por esse esquerdismo corrupto e inconsequente.

Como resultado, os eleitores - antes meros clientes de políticas assistencialistas em larga escala e, portanto, vistos apenas como referendários do modelo dito “progressista” - passaram a indicar rejeição a esses governos, pois ficou claro que as promessas que lhes foram feitas não apenas eram falsas, como também foram usadas como pretexto para um assalto ao Estado. Assim, os pobres perceberam que não havia nenhum coelho na cartola estatal - ou porque o animal nunca existiu ou porque fora surrupiado por algum larápio governista.

Na Argentina, ao fim do tresloucado governo de Cristina Kirchner, o kirchnerismo parece fadado a sair como o grande derrotado na eleição presidencial do próximo dia 25. Mesmo o candidato de Cristina, Daniel Scioli, não se esforça para ser visto como herdeiro da desgastada presidente, que passará à história como aquela que, enquanto maquiava dados para inflar conquistas sociais e econômicas, convocava redes de rádio e de TV até para falar das fraldas de seu filho.

Já na Venezuela, berço do “bolivarianismo”, são conhecidos os apuros pelos quais passa o autocrata Nicolás Maduro. A eleição parlamentar do mês que vem, se não houver uma fraude monumental, deverá decretar o fim da hegemonia chavista. Maduro já mandou avisar, sem meias-palavras, que não aceitará outro resultado que não seja a vitória de seus correligionários. Ou seja, não lhe restou alternativa senão ameaçar o país com um banho de sangue.



Finalmente, no Brasil de Lula, tem-se uma chefe de governo que nem governa mais, refém que é dos arranjos de seu padrinho para sobreviver à tormenta que açoita o Planalto. Sem dinheiro para continuar a fazer redistribuição de renda por decreto e com seu partido afogado em corrupção, a presidente Dilma Rousseff talvez seja hoje o principal símbolo do fiasco que ameaça o projeto de poder de Lula et caterva na América Latina.

Lula, que não é bobo, já percebeu o risco. Se fosse um democrata de verdade, o petista aceitaria a derrota como parte do jogo político. Mas não - ele prefere insistir na ladainha segundo a qual as agruras dos governos “progressistas” resultam da campanha dos inimigos. Lula repetiu em Medellín que “a grande oposição” quem faz é a imprensa - quando esta critica governos que, na concepção do petista, só pensam no bem do povo. Para ele, a “elite” não aceita “que a gente frequente as mesmas praças que ela frequenta, ou que a gente frequente o mesmo teatro” - logo Lula, que se aliou ao que há de pior na oligarquia nacional e que se tornou milionário como lobista de empreiteiras. Mas Lula tem razão: hoje, ele e seus companheiros não podem mesmo ir a praças e teatros - mas porque serão estrepitosamente vaiados.

Jornalismo hoje

Algumas críticas ideológicas ao jornalismo, amargas e corrosivas, têm a garra do pessimismo amargo e do sectarismo ressentido. Irritam-se, alguns, com o vigor do jornalismo de denúncia e vislumbram interesses espúrios ou engajamentos partidários. Uma retrospectiva honesta, contudo, evidencia que os jornais nunca tiveram uma relação amorosa com governos, independentemente do colorido ideológico dos poderosos de turno. E é assim que deve ser. As relações entre jornalismo e poder devem ser pautadas por certa tensão. O estranhamento civilizado é bom para a sociedade e essencial para a democracia.

O jornalismo brasileiro, não obstante suas deficiências, tem desempenhado papel relevante. Ao lancetar os tumores da corrupção, por exemplo, cumpre um dever ético intransferível. A mídia, num país dominado por esquemas cartoriais e assustadora delinquência pública, assume significativa parcela de responsabilidade. O Brasil, graças à varredura dos jornais, está mudando. Para melhor. A cultura da impunidade, responsável pela rotina do acobertamento e dos panos quentes, está, aos poucos, sendo substituída pelo exercício da cidadania responsável.

A “mcdonaldização” dos jornais é um risco que convém evitar. A crescente exploração do entretenimento e da superficialidade informativa, em prejuízo da informação de qualidade, tem frustrado inúmeros consumidores de jornais. O público-alvo dos jornais não se satisfaz com o hambúrguer jornalístico. Trata-se de uma fatia qualificada do mercado. Quer informação aprofundada, analítica, precisa e confiável.

É preciso investir na leveza formal e no fascinante mundo digital. Sem dúvida. O investimento em didatismo, a clareza, pautas próprias e uma agenda positiva são, entre outras, algumas das alavancas do crescimento. O jornal precisa moldar o seu conceito de informação, ajustando-o às necessidades do público a que se dirige. Mas nada disso, nada mesmo, supera a qualidade do conteúdo. É aí que se trava a verdadeira batalha. Só um produto consistente tem a marca da permanência. O “The New York Times” sabe disso como nenhum outro: “produzir jornalismo de qualidade e matérias sérias de maneira mais atraente”. Qualidade e bom humor. É isso.

Apostar em boas pautas (não muitas, mas relevantes) é outra saída. É melhor cobrir magnificamente alguns temas do que atirar em todas as direções. O leitor pede, em todas as pesquisas, reportagem. Quando jornalistas, entrincheirados e hipnotizados pelas telas dos computadores, não saem à luta, as redações se convertem em centros de informação pasteurizada. O lugar do repórter é a rua, garimpando a informação, prestando serviço ao leitor e contando boas histórias. Elas existem. Estão em cada esquina das nossas cidades. É só procurar.

O jornalismo moderno, mais do que qualquer outra atividade humana, reclama rigor, curiosidade, ética e paixão. É isso que faz a diferença.

Brasil ainda usa agrotóxicos proibidos em outros países


Uma lista extensa de agrotóxicos utilizados na agricultura brasileira é proibida na União Europeia (UE) e nos Estados Unidos. Além disso, o Brasil é, desde 2008, o maior consumidor de pesticidas do mundo, o que levou o jornal francês Le Monde a chamar, em tom irônico, os pesticidas de o "tempero preferido" dos brasileiros.

São permitidos para uso nas lavouras brasileiras 434 ingredientes ativos de agrotóxicos. Entre os 50 mais utilizados, 22 são proibidos em países europeus. Entraves políticos e jurídicos são os principais fatores para que substâncias perigosas continuem a ser empregadas nas plantações do Brasil.

Em 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a reavaliar o uso de 14 substâncias, utilizadas na fabricação de mais de 200 agrotóxicos. Segundo avaliações internacionais, elas podem causar câncer, má formação fetal, problemas pulmonares e distúrbios hormonais.

Dessas 14 substâncias, até agora apenas cinco foram banidas (cihexatina, endossulfam, forato, metamidofós e triclorfom), e duas foram mantidas no mercado, mas com restrições de uso (acefato e fosmete).

"Poucas foram proibidas porque a indústria do agrotóxico, o Ministério da Agricultura e os fazendeiros fazem pressão para o processo de revisão não andar", critica Wanderlei Pignati, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso. "Fabricantes de alguns produtos entraram na Justiça e conseguiram liminares para parar a análise."

A Anvisa é responsável por avaliar se a quantidade de agrotóxico presente nos alimentos é prejudicial à saúde humana. O órgão pode requerer mudanças na formulação e no método de aplicação, restringir o uso ou mesmo suspender o registro do agrotóxico.

"A proposta de nós, pesquisadores, era revisar inicialmente esses 14 para que depois fossem avaliadas outras 50 substâncias, algumas até mais perigosas do que as que estão na lista atual", afirma Pignati.
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História para acordar o boi

Não posso criticar Dilma por cantarolar “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso. Eu mesmo faço isso várias vezes. Mas aqui, nas amargas margens do Rio Doce, lamento que uma presidente não tenha, na semana do acidente, da solidariedade às vítimas da tragédia, sequer reunido sua gente para fazer um plano de recuperação do rio. Dilma foi saudada pelo poeta Augusto de Campos como uma heroína da democracia. A política pode ser bem mais derramada que a poesia, mas exige um certo rigor conceitual.


Para a luta armada, a democracia burguesa tinha sido um fracasso, e a prova disso foi a queda de Goulart. Os documentos da época apontavam para o socialismo, uma ditadura do proletariado. Os menos audazes propunham uma fase anti-imperialista que desembocaria rapidamente no socialismo, como em Cuba. Está tudo lá nos textos, e o próprio ministro Juca Ferreira sabe disso, pois lia e escrevia documentos na época. O destino dos poetas de vanguarda no socialismo russo foi uma tragédia. Da mesma forma, em Cuba, a geração em torno do poeta Virgilio Piñera foi dizimada pelo governo de Fidel Castro. Isso pode ser lido nas memórias do novelista Reinaldo Arenas. Também está lá.

Um economista americano preocupado com o suicídio e autodestruição no país, sobretudo na classe média branca, apontou como uma causa a perda da narrativa, a falta do sentido na vida. O poeta estava construindo sua narrativa ao ser condecorado por uma heroína da democracia. Dilma construía a sua de coração valente. No entanto, as narrativas de coragem precisam ser confrontadas com a realidade. Dilma foi a Mariana, na quinta, e realmente falou em enquadrar Samarco e Vale. Mas se esqueceu das responsabilidades do seu governo no episódio. Passou de mansinho, apontou o culpado e se foi.

Na mesma semana da festa, os caminhoneiros pararam muitas estradas no Brasil. As estradas para quem se desloca de avião ou helicóptero são manchas abstratas. Para quem as utiliza quase que diariamente estão cada vez mais difíceis. É simples reduzir os caminhoneiros a um movimento de direita. Foi assim no Chile, e eram financiados pela CIA. Hoje movem-se pelas redes sociais, não precisam de ninguém a não ser de si próprios. O mundo mudou.

Hoje, por exemplo, quem está no governo não é Salvador Allende, que caiu por seu rumo político ideológico. O fator corrupção é a novidade. Allende caiu porque achavam seu governo perigoso. Não havia cartazes dizendo que o governo era podre, como os de agora nas estradas brasileiras.

No escurinho do palácio, esse fator foi esquecido. Não o foi, por exemplo, pelo grande repórter Seymour Hersh: “A corrupção ferrou a esquerda no Brasil por muitos anos”.

Acrescento ainda a opção pelo populismo. Em 2002, Lula não quis ir ao túmulo de Vargas para não se queimar. Hoje, o próprio porteiro do cemitério talvez o barrasse. Uma tática que negue o mar de lama, com a tragédia ambiental, os mares de lama, contribui para que a esquerda se ferre por décadas. Se o conceito redutor esquerda-direita ainda sobreviver.

A estrada nos dá pouco tempo para amenidades. Mas me diverti com uma voz caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento no coração do monstro burocrático que exige papel e carimbo para qualquer coisa em nosso cotidiano. O Brasil está perdendo o Rio Doce como se descartasse uma velha geladeira. Marés de lama rolam em Minas. No congresso paralisado, Cunha contando histórias sobre venda de carne enlatada na África.

Somos uma cultura de festas. Mas algumas, em certos momentos, como o Baile da Ilha Fiscal, acabam em forte ressaca. Depois disso, caiu a monarquia.

O poeta Augusto de Campos foi claro quanto ao impeachment de Dilma: considera um golpe, um retrocesso. Com isso reforça uma linha divisória: há os que acham que o impeachment não só é legal como necessário. Por mais que gostemos um do outro, por mais que nos respeitemos, sempre levaremos essa divergência conosco. Os que querem e os que não querem a mudança. Augusto de Campos expressa uma opinião que não é, por exemplo, a de Ferreira Gullar. Em algum momento na história do concretismo estiveram em campos opostos. Era uma questão muito restrita aos grupos de vanguarda. De novo, encontram-se hoje em posições opostas, mas num tema muito mais amplo e acessível que a poesia concreta.

Assim como no universo da poesia, a divisão perpassa quase todas as dimensões de nossa vida. Ainda há muitas vozes caladas. O que pensam os intelectuais brasileiros sobre esse momento? É melhor, democraticamente, aceitar o confronto de peito aberto do que negá-lo. E é sempre bom, no futuro, saber onde estivemos num determinado momento histórico. Assim, as narrativas pessoais se defrontam com os fatos da vida. Chega de história para boi dormir: carne enlatada, conferências milionárias de Lula, sem nenhum registro visual ou escrito.

Precisamos inventar uma expressão para uma história em que o boi não dorme e está bravo.
Fernando Gabeira

Sempre alerta, que estado é este de viver?

Já ia mesmo falar sobre isso. Sobre o medo, o estado constante de alarme, de alerta, de atenção, aqueles que decretamos por nós mesmos praticamente todos os dias. A sexta-feira de terror e sangue em Paris, no entanto, mostrou que os horizontes do perigo passaram a ser ainda maiores, mais mortais e complexos. Fica difícil viver em paz com tantos inimigos, inimigos gente, inimigos insetos, inimigos fatos, inimigos governantes, inimigos destinos, inimigas ideias, inimigos dia a dia. E nossos inimigos pensamentos

Parece paranoia, mas vou liberá-la porque entendo que você aí também pode ter algum aspecto desse problema. Chama temor. Toca o telefone. O coração dispara. Campainha toca e se pensa no pior do pior. Orelha em pé. Olhos bem abertos. Atenção aos cheiros. Um grito mais forte, a sirene intermitente, muitos helicópteros no céu. Alguma coisa está acontecendo, e enquanto eu não sei o que é não sossego. É uma agonia. Vivendo na região central de São Paulo está cada dia mais difícil encontrar algumas horas de serenidade.

Imagino quem tem filhos como é que se sente – hoje entendo as nóias de meus pais, as dores de minha mãe. Essa, entre outras, de tanto se inclinar no parapeito da janela para me ver voltar para casa, criou um calo, um machucado. Baixinha, precisava se debruçar. Esse pior foi quando eu resolvi ser motoqueira aos 13 anos de idade.

Não tenho filhos. Tenho meu pai, com quase 98 anos, meu irmão, minha gata e os satélites, amigos, famílias ligadas a mim de alguma forma, gente que gosto, gente que admiro e me emociona. Gente que nem conheço pessoalmente, mas que são importantes e das quais gosto sem elas saberem. Se acontecer algo com qualquer um deles serei também atingida duramente. Engraçado é que pouco penso em mim, e não sei bem em qual momento dessa vida virei assim protetora, pensando bem.

Pois vivemos assim. Há bêbados guiando por aí. As calçadas estão cheias de buracos. Árvores podres ruindo. Tem assalto, tem tiroteio, tem polícia, tem bandido. Tem gente do mal, tem homens perversos, psicopatas atrás de vítimas. Vítimas distraídas. Tem descaso e falta de fiscalização. Tem fogo, tem água, e agora tem lama. Tem El Niño, calor escaldante, ar seco, mudanças bruscas de temperaturas. Tem falta de saúde, de educação, de solidariedade, de bom senso.

Tem a barbárie. Sob um manto religioso e dogmático jovens se vestem de bomba para matar outros jovens porque dizem que queriam um mundo por eles idealizado como perfeito, mas ao qual jamais vão pertencer nem ver porque não estarão mais aqui. Só podem mesmo achar que há vida após a morte e que não irão para o inferno. Só podem estar loucos. Pior, loucos armados.

Apelam para que todos acabemos religiosos, rezando de manhã, de tarde e de noite para que celerados como esses não estejam entre nós. Foi Paris. Mas poderia ter sido qualquer lugar desse mundo. Eu poderia estar lá. Você poderia estar lá, ou alguém de sua família. Ou alguém que você ama.

É chocante. Viver mais um fato que pode ser divisor de águas mundiais, que alerta que ninguém está mesmo seguro, nem nas grandes capitais, nem nas pacatas cidades que viraram lama arrastadas de um Estado a outro.

Estado de observação, estado de alarme, estado de alerta, estado de emergência, estado de sítio, estado de calamidade pública, estado de Defesa.

Estados são decretados. Quando chegam, determinam nossos passos, acabam com a liberdade. Muitos aparecem para nos proteger; outros para cercear.

Há o Estado de Direito. O Estado de Exceção. O Estado de Choque.

Agora há o Estado Islâmico. Aqui, o Estado inoperante que nos deixa em estado de insolvência.

Pior, vivemos ainda o estado de inércia, de torpor diante desses tempos difíceis quando os fatos se sucedem completamente fora de qualquer controle nosso.

Não há como se distrair diante de um estado desses de coisas.

Tempos de assassinos

Estes são tempos perigosos. Quando estamos com medo, queremos ser protegidos, e uma vez que não podemos nos proteger contra tais horrores, como assassinato em massa por homens-bomba, somos tentados a correr para o governo, que estará sempre disposto a trocar a promessa de proteção pela nossa liberdade, o que deixa, como sempre, a pergunta: quanta liberdade estamos dispostos a renunciar, em prol dessa promessa vã?
 Gerry Spence

Complexo de vira-lata

Em certos ocasiões o brasileiro sente que lá no fundo bate forte o complexo de vira-lata. Não é de ver as tristes posições do Brasil em certos rankings. Quem dera! Avançar a gente sempre pode, leva tempo mas chega lá.

O que deixa brasileiro ganindo de raiva como levar chute no traseiro é ver como presidentes lá fora se comportam com a dignidade do cargo. Isso é de matar. Fica-se aqui molhando o babador de inveja, com o rabo entre as pernas.

Há 13 anos, vive-se sob as exibições de só mostrar vantagem com a convocação de "companheiros e companheiros", ou "meus amigos e minhas amigas". Tudo demagogia barata de ditadura de republiqueta. É o que dá acreditar que isso que está aí é esquerda, quando nem com minúscula. Pura canalhice de cafajestada. 




Barack Obama, por exemplo, já apareceu imediatamente, por 15 vezes, após atentados em escolas, supermercados ou na maratona de Boston. Nenhum deles comparável à matança por dias em Pedrinhas ou as que aconteceram em Belém e São Paulo. 

No entanto, independente do número de mortos, Dilma não deu um pio como se tudo fosse uma naturalidade divina ou as chacinas não tivessem acontecido no Brasil que governa. Despachou uma nota de pesar no caso de Mariana. Talvez se referindo à mineradora, mas não dizia nada sobre o tamanho do estrago sócio-ambiental de mineiros e capixabas.

Lula também não ficou atrás em silenciar diante de tragédias como a do morro do Bumba em Niterói.

Afinal no Brasil presidente não pisa em tragédia, no máximo sobrevoa. Como Dilma, uma semana depois, voando sobre a lama, quando deveria no mesmo dia da tragédia em Mariana reunir ministério e dar uma pronta resposta. Até agora deixa a lama seguir a caminho do mar como espera que o rompimento das barragens da Samarco escoe na memória do país.

Assim fica fácil ser presidente, deixando o problema que aflige o brasileiro em plano menor diante do interesse político de assegurar o trono.

Feliz de um povo como o francês. Pode contar que o presidente em uma hora já está falando ao país depois do atentado em Paris. E para depois deixar brasileiro babando, ainda encerrar o pronunciamento com: "Viva a democracia, Viva a França". 

Vão dizer que é "discurso interno", mas presidente tem que dar satisfação de toda a desgraça que ocorre no país, seja acontecimento natural ou desnaturado com digital de governo. Distribuir notinha à imprensa, quando o país está chocado com o drama, é desprezo total à população e de que ocupa o cargo apenas por interesse pessoal e partidário. Nem um pingo de respeito público.

A quem serve o judiciário brasileiro?

Uma ação contra o deputado estadual Barros Munhoz (PSDB) prescreveu em abril, depois de três anos inativa no Tribunal de Justiça. Mesmo destino devem ter os processos do “mensalão tucano”, remetidos pelo Supremo Tribunal Federal à Justiça mineira. A peça contra Eduardo Azeredo, por exemplo, ainda aguarda distribuição.

Graças a decisões do STF, o inquérito dos cartéis metroviários paulistas isentou políticos do PSDB, mesmo os citados em depoimentos dos réus. O Ministério Público de Minas Gerais pediu o arquivamento da investigação sobre o aeroporto que o governo de Aécio Neves construiu nas terras de sua família.

Ignorando as evidências de que os esquemas da Petrobrás começaram antes, a Operação Lava Jato investigou a estatal apenas a partir de 2003. Deixou de lado, assim, um contrato fraudulento, assinado no governo FHC e denunciado pela Comissão de Valores Mobiliários, que movimentou cerca de R$ 56 milhões.

Os episódios acima têm três características chocantes: a ausência de punições a políticos do PSDB, a simultaneidade dessa lacuna com o rigor aplicado contra petistas e as semelhanças (quando não os elos operacionais) entre processos que tomaram rumos tão diferentes.

É cômodo minimizar tais fatos atacando a frágil hipótese conspiratória usada por setores da esquerda para defini-los. Também soa ingênuo ver neles uma simples disputa entre “linhas-duras” e “garantistas”, como se fosse probabilisticamente aceitável que a cada facção sempre coubesse julgar o mesmo flanco partidário.

Não podemos, obviamente, arriscar generalizações em torno de um universo amplo e heterogêneo como o Poder Judiciário. Mas as estatísticas são eloquentes demais. Existem modelos de absolvição (para uns) e punição (para outros) no tratamento judicial a políticos, ainda que suas motivações tenham origens variadas e desconexas.

Esses padrões se reproduzem, com tendências semelhantes, pelos demais campos de interesses oposicionistas. A blindagem a tucanos espelha o respaldo das cortes à mídia que os apóia, nos processos por calúnia, difamação e crimes eleitorais. Os veículos de comunicação retribuem legitimando o partidarismo dos magistrados que materializam a caçada moral contra seus inimigos comuns.

Um sintoma da coesão ideológica da teia de favores é o radicalismo antipetista que ela assume em público. O desempenho performático de certos magistrados e procuradores possui teatralidade conclamativa típica de palanques eleitorais, com discursos messiânicos semelhantes aos repetidos pelo colunismo sectário de direita.

A retórica salvacionista ajuda a naturalizar a imagem positiva da injustiça. Quem critica o viés tendencioso das investidas judiciais contra o PT costuma ser acusado de propor uma inversão dessa parcialidade. Em outras palavras, que os petistas recebam o beneplácito dado a seus opositores. Afinal, a punição de criminosos é necessária independentemente de “contrapartidas” de isonomia.

Há um vício grave nesse raciocínio, que resulta na equiparação entre repudiar a impunidade de alguns e defendê-la para todos. Mas seu grande problema é conferir a qualquer justiciamento uma essência positiva, como se conduzisse necessariamente a avanços institucionais e civilizatórios.

A necessidade da equivalência encontra-se tanto nas bases formais da Justiça quanto nos seus “princípios substanciais”. Como o estado de Direito, por definição, se apoia no pressuposto da chamada reciprocidade moral, o tratamento díspar a cidadãos diferenciados pelo perfil partidário afronta a legalidade vigente. Viola, portanto, os tais preceitos republicanos.

A prática também contraria a natureza saneadora das punições. Poupados pelas cortes e pela imprensa, os criminosos perpetuam-se nos cargos administrativos. E fortalecem suas artimanhas, já que a certeza da impunidade favorece o agravamento dos delitos. Resultam inócuos os efeitos positivos das sanções aplicadas aos petistas, já que eles serão substituídos, nas mesmas estruturas, por delinquentes protegidos.

Eis a face tenebrosa do combate à corrupção no Brasil: parte relevante do Judiciário fornece guarida para a hegemonia de uma casta delimitada por afinidades ideológicas, levando a retrocessos constitucionais e ao fortalecimento do crime. Com o apoio da mídia corporativa, esse predomínio adquire uma força institucional de alcance tirânico.

Admitindo que o partidarismo judicial não passa de outro vetor entre os demais que influenciam as agendas decisórias, a solução talvez seja quebrar a redoma protetora e confortável que separa as cortes das pressões populares. Se os magistrados assumiram prerrogativas de interferência nos rumos do país, que forneçam contrapartidas equivalentes à sociedade. Que enfrentem, portanto, o ônus de fazer política.

Bate em mulher e pede voto

De duas, uma.

Ao dizer que descarta a ideia de trocar seu secretário Pedro Paulo Carvalho por outro nome que concorra à prefeitura do Rio em 2016, Eduardo Paes apenas ganha tempo para encontrar um novo candidato.

Ou então: apesar da enrascada em que Pedro Paulo se meteu, Eduardo, de fato, não abre mão de ser sucedido por ele, amigo de fé, parceiro há 18 anos, camarada.

O plano de Eduardo de disputar em 2018 o governo do Rio ou a vaga de Dilma passa pela eleição de Pedro Paulo para prefeito.

Só que o futuro de Pedro Paulo já não pertence ao prefeito, mas aos cariocas que começam a reagir, indignados, contra o que ele fez. Especialmente as cariocas, chocadas com a descoberta de que Pedro Paulo espancou sua ex-mulher duas vezes.

“Eu acho que aconteceu uma coisa de casal, que só interessa a eles”, disparou Eduardo afinado com Pedro Paulo e desafinado com as ruas.

“O que deve valer para o eleitor é tentar compreender quais são as propostas dele para a cidade. É preparado? Que realizações tem? É disso que se trata a eleição”.

Não é só disso. E espanta que o prefeito de uma cidade cosmopolita como o Rio pense assim.

O que aconteceu com Pedro Paulo e Alexandra somente caberia a eles se Pedro Paulo não fosse um homem público.

Os eleitores têm o direito de conhecer como os aspirantes a governá-los se comportam longe dos refletores.

A Pedro Paulo não se pode negar o direito ao arrependimento. Mas tampouco aos eleitores o direito de julgá-lo pelo que fez de bom ou de ruim.

Não existem duas morais, uma pública e outra privada. Exige-se do homem público que seja coerente com o que prega.

Se para atrair votos ele condena a violência, não pode na intimidade da família ou dos amigos agredir quem quer que seja.

“Eu me descontrolei”, desculpou-se Pedro Paulo, orientado por especialistas em crises de imagem que o treinaram para mentir melhor.

Chamar de “descontrole” o ato de bater em uma mulher é debochar da nossa inteligência. É uma confissão de ignorância abissal dos meios mais civilizados de se resolver conflitos entre humanos.

No limite – quem sabe? -, pode ser também uma forma de disfarçar um possível traço de misoginia sempre tão comum entre aqueles que levam uma vida dupla, obrigados a mentir o tempo todo.

Há um mês, quando a VEJA revelou que em 2010 ele surrara Alexandra no apartamento do casal na Barra da Tijuca, Pedro Paulo negou.

E distribuiu um documento assinado por Alexandra aonde ela negava que tivesse apanhado. O documento era falso.

Ouvida pelo Ministério Público, Alexandra confirmou tudo o que registrara em delegacia, na época.

Fora traída pelo marido com uma mulher que parecia um travesti. E ao cobrar satisfações, Pedro Paulo respondeu com socos e chutes que a deixaram coberta de marcas.

Um dos socos arrancou-lhe um dente.

Confrontado com o que dissera Alexandra, só restou a Pedro Paulo apelar novamente para a mentira: “É importante dizer que foi um episódio único na minha vida”. Não foi!

Na semana passada, soube-se que ele espancara Alexandra na noite do Natal de 2008, e diante da filha do casal, Manuela, de 10 anos.

O ato final da humilhação de Alexandra ocorreu na quinta-feira. Forçada pelo ex-marido a defendê-lo, Alexandra jurou que só apanhou dele duas vezes. “Pedro nunca foi um cara agressivo”, recitou.

Agressivo, mentiroso e egocêntrico, Pedro pede seu voto para governar o Rio.

Mar de lama

Faz tempo que a gente se acostumou com ela. Foi entrando na vida diária. Subindo pelas canelas até chegar ao pescoço. Até que ninguém mais achou estranho. A vista ficou complacente. O nariz já não registrou o cheiro ruim. A lama virou mar. O mar virou lama. Não sei. Difícil saber.

Já faz muito tempo que lama é arma retorica. É matéria prima de discursos vazios ditos por gente que, sem se importar com nada, fala qualquer coisa. É arremessada livremente em todas as direções. Sem critério ou mesmo compromisso com a realidade. A lama tingiu a superfície. Igualou a todos. Mas pelo menos ainda ficava somente na metáfora. Não mais.

Depois de anestesiar os sentidos, a lama invadiu o mundo real. Ganhou existência. Virou concreta, tangível, visível a olho nu. Impossível de ser ignorada. Virou mar. Rompeu barragem. Formou tsunami. Destruiu cidades. Poluiu rios. Impactou o ambiente. Matou gente.

A metáfora virou realidade. E a realidade, metáfora. Tudo, agora, é lama. Da mesma cor. Com o mesmo cheiro. Invadindo e dominando a existência. Em mar onde navegam corpos e pensamentos em travessia aparentemente interminável.

Tanta lama não se forma por acaso. Requer esforço (ou falta de). Toma tempo. Vai embrutecendo sentidos, sentimentos e ideias. Vira descaso, desilusão, acomodação, negligencia impunidade. Invade corações e mentes. Corrompe a alma, enfim.

O mar de lama começou na alma de cada um. Sem limpar a alma, não existe futuro possível. Não é o drama presente o mais grave sintoma. A escuridão do futuro assunta mais. A ausência de perspectivas, de objetivos, de sentido para todo este sofrimento. As almas estão, enfim, poluídas, desencantadas.

Antes de tomar a realidade de assalto, a lama invadiu a alma. Apodreceram valores, sonhos, ideias e ideais. Tornou almas desinteressadas, mesquinhas, enlameadas. Pequenas mesmo. E se a alma é pequena, nada vale a pena.

A morte de um rio

Há algo de errado no mundo quando caçar um animal silvestre pode levar uma pessoa para a cadeia, mas destruir toda uma bacia hidrográfica, provocar a morte de mais de uma dezena de pessoas, assorear rios caudalosos, extinguir espécies inteiras, deixar meio milhão de pessoas sem água potável é punido só com multa. O problema, obviamente, não é o tipo de punição dada ao caçador.

Charge O Tempo 16/11

O desastre ambiental provocado pela mineradora Samarco em Mariana, no coração de Minas Gerais, e que esparramou uma onda com toneladas de rejeito de minério, entulho e lama por centenas de quilômetros ribanceira abaixo até chegar ao mar não tem precedente na história do Brasil. Sufocar um rio do tamanho do Doce de uma só vez e em tão curto espaço de tempo era inimaginável. Chamar de acidente ou fatalidade é zombaria. “Nenhuma barragem se rompe por acaso. Temos que identificar qual foi a causa, se a má operação da empresa ou falha no monitoramento. Não podemos encarar como acidente um fato deste tamanho”. As palavras são do promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, em entrevista ao jornal O Estado de Minas. Não podemos.

Por mais necessárias e urgentes que sejam as indenizações financeiras para tentar minorar o drama das populações afetadas, não parece justo que um desastre dessas proporções seja punido exclusivamente com multas. Seria o mesmo que dizer às empresas com capacidade de provocar impacto tão profundo no meio ambiente e na vida das pessoas que tudo bem, acidentes acontecem.

A causa não foi um terremoto, não foi uma tempestade, nem sequer uma chuva. Na melhor hipótese, foi inépcia. Na pior, descaso. É assustador imaginar que isso seja possível em uma empresa fruto da parceria entre a maior e a quinta maior mineradoras do mundo. Na verdade, não foi a primeira vez que isso acontece com uma megaempresa. Há outros exemplos de desastres ambientais de magnitude semelhante e que acabaram em acordo financeiro.

A contaminação maciça provocada no Golfo do México pelo vazamento ao equivalente a 4,2 milhões de barris de petróleo de uma plataforma da British Petroleum em 2010 terminou com um acordo judicial, 15 anos depois, em que a empresa aceitou pagar US$ 18,7 bilhões ao governo dos EUA. E negócios à frente.

Quem sabe, em meio ao desastre, não surja da Justiça alguma esperança. Um juiz destemido, um grupo de procuradores interessados em investigar o caso a fundo e responsabilizar quem merece ser responsabilizado - sem caça às bruxas, usando apenas instrumentos legais dentro do que estabelece a legislação. Se não vier do Judiciário, não parece que virá de outros Poderes.

As primeiras reações dos políticos, de ministros a senadores, não inspiram confiança de que a punição para o desastre acabe em algo além de uma repreensão acompanhada de algum desembolso. Por enquanto fala-se em R$ 250 milhões. É uma ninharia, para empresas desse porte. É menos do que a Vale - uma das sócias da Samarco - gastou financiando campanhas de políticos nacionais e locais ao longo de tantas eleições no Brasil. Mas, obviamente, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Espera-se. Tampouco deixa de ser uma mistura de tragédia e ironia que a Vale, após eliminar o Rio Doce do próprio nome, esteja, mesmo que indiretamente, implicada no assoreamento desse mesmo vale.

'A caixinha da mamãe'

Em junho deste ano, a Operação Lava-Jato atingiu o coração da maior empreiteira do país. Por decisão do juiz Sergio Moro, a Polícia Federal prendeu executivos da Odebrecht - entre eles, o próprio Marcelo Odebrecht, presidente e dono da construtora. A empresa foi parceira preferencial do governo Lula, quando fechou contratos bilionários com a Petrobras. Ela também manteve a parceria com Lula mesmo depois de ele deixar o cargo. 0 ex-presidente recebeu 4 milhões de reais da empresa, oficialmente como pagamento por palestras. As entranhas da relação entre Lula e a Odebrecht são um dos mais bem guardados segredos do Brasil. Marcelo Odebrecht e seus subordinados presos recusaram-se até agora a admitir, perante os procuradores, terem sido autores de qualquer ato irregular. A negação completa das acusações, mesmo perante evidências altamente reveladoras, faz parte da estratégia da Odebrecht de não comprometer o nome da empresa no exterior - de onde ela aufere cerca de 50% de sua receita anual.

Os advogados da empreiteira atuam com o objetivo de demonstrar aos executivos encarcerados que para eles não seria vantajoso colaborar com o Ministério Público e a Polícia Federal. Eles são constantemente lembrados por Marcelo de que a empresa trabalha para livrá-los das acusações e não mede despesas na ajuda direta a seus parentes.

Uma demonstração de apoio em troca do silêncio foi batizada de "caixinha da mamãe". Parentes dos executivos da Odebrecht presos foram convidados a depositar em uma caixa de papelão as contas relativas às despesas da família -escola dos filhos, academia de ginástica, supermercado, cartões de crédito. A empresa prometeu saldar os débitos. Três executivos da construtora continuam presos e calados sobre os eventos que culminaram no prejuízo de 7,1 bilhões de reais que, segundo a Lava-Jato, a empreiteira deu aos cofres da Petrobras. Perto desse valor, a "caixinha da mamãe" é um preço muito baixo a pagar pela conivência dos executivos presos.

Rezem por Paris, mas não virem as costas ao Brasil e ao povo

O que está acontecendo no Rio Doce é pior do que a soma dos piores desastres ambientais ocorridos no Brasil dos últimos 30 anos. Vamos lembrar Algodões, Camará, Macacos, os três rompimentos de Cataguases ocorridos em 2003, 2007 e 2009 respectivamente e pode ser incluído nesse bolo Itabirito no ano passado. Por qualquer critério disponível, seja extensão ou volume de rejeitos, essa soma não se compara ao que ocorreu com o Rio Doce.


Não houve qualquer tentativa de impedir o avanço dos rejeitos após o incidente, a Samarco e o governo Brasileiro assistem a chegada de 62 bilhões de litros de uma lama impregnada de metais até o litoral do Espirito Santo de braços cruzados. Sem contar que o rejeito – pela presença do ferro – está cimentando (Isso mesmo) diversas partes do rio. E estamos falando da mais importante bacia hidrográfica dentro da Região Sudeste. Sentiu o problema?

Toda a solidariedade aos civis que perderam suas vidas na capital francesa, mas o nosso Estado Islâmico tem CNPJ, endereço e responsáveis nominais. Que a tragédia em Paris não nos faça esquecer disso.

Rezem por Paris, Beirute, Síria e Nigéria, mas não virem as costas para o Brasil e para o nosso povo!

'Lama de Mariana pavimentou rios por onde passou'

Homem carrega caixão de Emanuele, 5 anos, vítima da tragédia. RICARDO MORAES (REUTERS)

A avalanche de rejeitos gerada em Minas Gerais pelo rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, controlada pela Vale e a australiana BPH, causou danos ambientais imensuráveis e irreversíveis. Apesar da lama não ter um teor tóxico, ela pavimentou os mais de 500 km por onde passou devastando, com impacto ainda difícil de calcular completamente para grande parte do ecossistema da região. “Podemos dizer que 80% do que foi danificado lá é perda, não há como pensar em um plano de recuperação ambiental”, explica Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão. O projeto ambiental, da Universidade Federal de Minas Gerais, monitora a atividade econômica e seus impactos ambientais nas bacias hidrográficas e trabalha com a revitalização dos principais rios mineiros.
Leia a entrevista

Quem vê da televisão não tem dimensão da real situação do que foi essa situação. Esses danos são irreversíveis. Podemos dizer que 80% do que foi danificado lá é perda, não há como pensar em um plano de recuperação ambiental.