sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Pensamento do Dia


Deportação em tempo de bananas

Num espaço de dias, Bolsonaro deu uma banana para a imprensa e agrediu com piada de sexo a jornalista Patrícia Campos Mello. Quanto às bananas, Bolsonaro costumava discursar sobre elas, em defesa dos plantadores do Vale do Ribeira.

Andei por lá, entrevistando as pessoas, e percebi um grande potencial, até de industrialização. Mas não constatei nenhuma política de estímulo para o setor. Bolsonaro deixou as bananas concretas e passou a usar as simbólicas. É constrangedor conviver com um presidente que dá bananas e pode até pôr a língua de fora.

Da mesma forma, é constrangedor ver um presidente que se diz evangélico usar os termos que Bolsonaro usou contra Patrícia. Muito provavelmente um evangélico anônimo jamais faria piadas desse teor. Bolsonaro despojou-se da dignidade do cargo e da dignidade implícita numa visão religiosa.


Como ele é o presidente, ainda é necessário falar dele, não no nível que propõe, mas chamando a atenção para problemas sérios, de que se omite. Um deles é a perspectiva de deportação de 28 mil brasileiros que trabalham ilegalmente nos EUA. Um fenômeno inédito em nossa História. A posição de Bolsonaro limitou-se a reconhecer que a lei norte-americana está sendo cumprida.

Sua visão política se alinha com governos com clara política antiemigração, como da Hungria. Não se esperava dele nenhuma tentativa de negociar essa deportação em massa.

Qualquer outro governo dificilmente o conseguiria, sobretudo neste período de eleições nos EUA. No entanto, é possível negociar a forma dessa deportação. Notícias vindas de abrigos no México indicaram que os brasileiros estão sendo maltratados e até as crianças são castigadas com suspensão de comida. É possível constituir um grupo para acompanhar esse processo e negociar com os americanos os termos mais adequados para a nossa dignidade.

Ah, eles são ilegais. É verdade. No entanto, muitos deles trabalham em atividades legais e necessárias na economia americana. Grande parte economiza dinheiro para enviar para o Brasil. Outros poupam para investir quando aqui chegarem.

Tive a oportunidade de visitar Governador Valadares e ouvir muitos deles. A saúde econômica da cidade dependia muito do dinheiro que vinha do exterior. Academias, lanchonetes, lojas foram abertas com a poupança de longos anos de trabalho.

Não me parece razoável a omissão do governo só porque eles são ilegais. Muito menos o silêncio da oposição, que não consegue acompanhar os fatos.

Fomos capazes de montar uma estrutura para os venezuelanos, uma Operação Acolhida, algo que sempre elogiei nas minhas reportagens. Não era necessário o mesmo tipo de acolhida. Porém, uma vez que são trabalhadores, muitos deles talentosos, era possível um esforço para realocá-los no mercado.

Nada foi feito, sob o argumento de que se trata de ilegais. Mas são brasileiros, esperavam uma chance de legalização. Nem todos começaram sua trajetória nos EUA de forma legal.

Toda essa indiferença pode custar caro. É possível que o processo de deportação se intensifique. Às vezes, uma foto de uma criança sofrendo pode mudar. Aliás, o New York Times publicou uma longa reportagem sobre o poder dessas imagens. Uma delas era de uma criança nicaraguense chorando diante da polícia.

Acho perfeitamente viável que dois países aliados negociem os termos de deportação de 28 mil pessoas. Exercer a influência nacional para que tenham tratamento digno é tarefa inescapável.

Bolsonaro pode dar uma banana para essa tese, envolto nas lutas ideológicas, num clima eleitoral. Ele supõe que essas agressões o mantenham ligado ao seu eleitorado.

Existe uma parte do eleitorado que, tanto aqui como nos EUA, valoriza o que considera a sinceridade de seus líderes, um contraponto à linguagem política clássica. Mas há limites, mesmo para esse eleitorado. Cada vez que Bolsonaro dá uma banana para a imprensa, ele pode até pensar que a enfraquece. Mas, na verdade, está se desqualificando e rumando para o isolamento.

Afastou os governadores do Conselho da Amazônia e entrou em choque com o governo da Bahia, disputando a versão da morte do miliciano Adriano da Nóbrega. É uma tática que vai reduzi-lo à dimensão de uma extrema direita no Brasil, sem chances majoritárias. Assim mesmo, a própria extrema direita pode produzir gente mais qualificada.

Quando um presidente trabalha tanto para o próprio isolamento, a melhor tática para combatê-lo é isolá-lo ainda mais, aproveitando o próprio impulso. Com os últimos acontecimentos, torna-se mais fácil mostrar a muitos eleitores de Bolsonaro que ele não está preparado para dirigir o Brasil.

Embora procure tratá-los com frieza, os fatos são impressionantes. Jamais imaginei que um presidente desse bananas, ofendesse jornalistas com piadas grosseiras, iniciasse uma batalha em torno da morte de um miliciano, da qual, teoricamente, deveria distanciar-se.

Se essa sucessão de erros der certo, creio que se estaria diante de um milagre. Os termos de razoabilidade política foram estremecidos com as eleições. Mas não foram destruídos, creio eu.
Fernando Gabeira

Qual é a do Exército?

Fala sério, Leitor, você consegue compreender qual é a lógica do Exército em seu relacionamento com o ex-capitão, o presidente Bolsonaro? Para mim, como já disse de outras vezes, é um mistério. Um verdadeiro enigma insondável.

Jair Bolsonaro foi expulso do Exército em 1987, por insubordinação e conduta antiética. Era considerado um mau militar por um dos ícones da Farda Brasileira, Ernesto Geisel. Numa entrevista assinada pelos pesquisadores Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, posteriormente editada em livro pela Fundação Getúlio Vargas, Geisel afirmou que “Bolsonaro é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”.

E prosseguiu o Presidente Geisel: "Neste momento em que estamos aqui conversando, há muitos dizendo: "Temos que dar um golpe. Temos que derrubar o presidente! Temos que voltar à ditadura militar!" E não é só o Bolsonaro, não! Tem muita gente no meio civil que está pensando assim".

Geisel disse também que a vinculação dos militares com a política era tradicional, mas que, em sua opinião, essa interferência diminuiria à medida em que o país se desenvolvesse.


Pois é, mas como o país não se desenvolveu e como o capitão insubordinado virou presidente da República, sabe Deus por qual motivo, temos atualmente mais militares que civis no Palácio do Planalto.

E que fazem esses militares diante do comportamento grosseiro, violento, até obsceno, do ex-capitão? Aparentemente, nada, já que diariamente, naquele palanque infeliz que Bolsonaro montou no portão do Alvorada, cenas inimagináveis acontecem, como a das ‘bananas’ que o ex-capitão dá para jornalistas.

‘Bananas’ que seu filho Eduardo, mais depressa que imediatamente, imita, em pleno plenário da Câmara dos Deputados e atira contra os colegas estupefatos.

Mas eu não creio que a culpa por essas cenas que envergonham o Brasil seja só dos militares. Para mim, mais culpada é a Imprensa que já deveria ter tomado a decisão de jamais voltar àquele portão e se limitar a publicar apenas dados da agenda oficial da Presidência da República e fotos só as de cerimônias públicas oficiais.

Chega de dar espaço a esse espetáculo circense, que no fundo atua como campanha eleitoral gratuita, para o ex-oficial do Exército que nem sequer chegou a major.

Uma ideia de justiça fiscal

Há décadas ouço falar em “taxação das grandes fortunas”, como uma bandeira da velha esquerda que, por mais apoio popular que desperte na imensa maioria de pobres na população, jamais foi levada adiante. Porque simplesmente não funciona. Seu efeito seria uma imediata fuga de capitais e patrimônios; esses caras que acumularam essas grandes fortunas certamente não são otários. E têm os melhores contadores e advogados tributaristas.

É uma ideia velha e inútil, que traz um tom de rancor na leitura de “justiça social” como “vingança social”, e serve para toda sorte de demagogias e populismos, projetos que consideram um patrimônio de um milhão de reais construído em toda uma vida uma grande fortuna. Enquanto isso, os pobres pagam impostos indiretos em seu “consumo de subsistência”.


Pensando nas atuais tecnologias de controle fiscal, me ocorreu que talvez fosse mais moderno e interessante instituir uma taxa extra sobre o consumo anual declarado ao Imposto de Renda, de itens acima de um patamar. Carros, barcos, aviões, viagens e artigos de luxo pagariam essa espécie de IVA seletivo a posteriori. As declarações podem ser cruzadas com as de lojas de luxo, hotéis cinco estrelas, passagens de primeira classe, joias, quadros e outros consumos de luxo. Quem compra um carro de R$ 200 mil não pode se incomodar de pagar R$ 205 mil ou R$ 210 mil; não faz diferença pra ele, como uma bolsa de R$ 3 mil custar R$ 3.150. Sim, mesmo assim vão chiar. E se chiarem, é sinal que é viável. E justo.

Talvez seja só uma ideia meio ingênua e inviável, afinal não sou nenhuma Míriam Leitão. Mas não sou burro, talvez o tema valha um debate e algumas projeções. Vai que...

Ao menos passei uma semana sem falar dele e imagino que ele detestaria ser ignorado por cronistas, colunistas e blogueiros não alinhados, por algum tempo. Afinal, há outros assuntos. Dar uma banana para ele. Seus coices verbais são tão ofensivos, ignorantes e mentirosos que dispensam críticas e explicações. Nem merecem repercussão. Ele vive disso.
Nelson Motta

Um ferrabrás ferrando o Brasil

Eu adoraria ver o presidente Jair Bolsonaro sofrendo impeachment, mas receio que isso não vá, pelo menos por ora, acontecer. E não porque ele não mereça. Bolsonaro age como um verdadeiro ferrabrás de botequim, que vai, de baixaria em baixaria, arrastando a Presidência para o esgoto.

Não seria difícil enquadrá-lo em vários dos artigos da lei n° 1.079, que regula o impeachment, uma peça que abusa de definições vagas e tipos abertos. No caso de Bolsonaro, porém, nem é necessário recorrer a interpretações criativas. O artigo 9°, 7, que tipifica como crime de responsabilidade "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo", parece ter sido escrito para ele.

Com efeito, as impropriedades ditas e perpetradas pelo presidente são tantas que cada um dos 54 senadores necessários para decretar a perda do mandato poderia escolher um episódio diferente de quebra de decoro para justificar seu voto condenatório. O grosseiro ataque à jornalista Patrícia Campos Mello é só o mais recente de uma série que teve até exibição de vídeo com cena explícita de urofilia.

Não acho, contudo, que o impeachment seja provável. Encontrar a razão jurídica para o afastamento é a parte fácil do processo. Procurando bem, todo presidente faz alguma coisa que pode ser interpretada como violação a algum dos 65 tipos listados na 1.079. O difícil é arregimentar a maioria de 2/3 dos deputados federais para autorizar a cassação e de 2/3 dos senadores para decretá-la. Isso só costuma acontecer quando a economia se deteriora a olhos vistos, como vimos nos casos de Collor e Dilma.

Por enquanto, não há sinais de que um cenário desses esteja no horizonte. Mas o futuro é contingente e, se Bolsonaro e seus ministros, civis e militares, insistirem em dizer sempre a coisa errada na hora errada, não é impossível que produzam uma crise capaz de materializar o impeachment.

Brasil da 'Pátria Amada'


Por que o miliciano Adriano da Nóbrega pode ser mais perigoso morto do que vivo?

Como aconteceu com a execução da ativista negra Marielle Franco nas mãos das milícias do Rio de Janeiro, que morta acabou sendo mais perigosa para a família Bolsonaro do que viva, o mesmo começa a acontecer agora com a execução, como queima de arquivo, do chefe das milícias, Adriano da Nóbrega, suspeito de estar envolvido no assassinato da vereadora carioca.

Para usar a linguagem da violência que o Governo do presidente Bolsonaro tanto aprecia, o tiro poderia acabar saindo pela culatra. Ou melhor, já está saindo. Poucos dias depois de sua morte violenta já se está falando e investigando sobre ele mais do que quando estava vivo e fugitivo.


O senador Flavio Bolsonaro, que negava ter tido relações estreitas com o miliciano, agora viu aparecerem mais notícias sobre suas relações pessoais com ele durante anos, a ponto de termos acabado de saber que foi visitá-lo várias vezes na prisão quando estava preso acusado de homicídio, segundo o jornal O Globo. E até a importante condecoração que o hoje senador concede na ocasião a Nóbrega, ele mesmo foi entregá-la na prisão. E também sabemos que seu pai, o hoje presidente, fez elogios públicos ao miliciano, apresentando-o como herói.

Se a execução da jovem Marielle fez com que ela se tornasse muito mais perigosa morta do que viva para a família Bolsonaro, que não pode mais matá-la, mas continua perseguindo-os morta como um pesadelo, o mesmo poderia acontecer agora com o miliciano. Se a ideia era fazê-lo desaparecer para que levasse ao túmulo os muitos segredos que mantinha e que assustavam, agora é possível que tudo isso venha à luz do dia com sua morte.

Marielle e Adriano, dois executados que estão se mostrando muito mais perigosos de seus túmulos do que quando falavam e agiam vivos. São as ironias do destino que sempre se cruzaram na história e são terríveis paradoxos.

Continuamos sem saber qual ou quais foram os mandantes do assassinato de Marielle, mas desde a morte dela as suspeitas se adensaram como nuvens perigosas. De Adriano se sabe quem o executou, mas ainda não sabemos por que e a mando de quem. E essa pergunta continuará viva e ameaçadora sem que possamos ainda imaginar as consequências políticas que poderá ter.

Agora, de repente, foi revelada uma grande preocupação para mostrar que a amizade de anos da família Bolsonaro com o miliciano que talvez soubesse tudo sobre o assassinato de Marielle, para mostrar que quando eles o conheciam e condecoravam e colocavam a família dele no gabinete do então deputado do Rio, Flavio Bolsonaro, era um herói e só depois se tornou um criminoso. O que eles não conseguem explicar é o motivo de tão curiosa conversão.

A vida às vezes tem suas ironias e seus mistérios, mas quase sempre segue caminhos que não imaginamos. É bem possível que os casos de Marielle e Adriano possam um dia confirmar no Brasil essas ironias da vida, que às vezes passam por cima dos estreitos cânones políticos.

Se, como escrevi em outra coluna, a morte de Marielle acabou sendo um pesadelo para os envolvidos e que hoje, provavelmente, a prefeririam viva, também é muito possível que, neste momento, aqueles que decidiram que Adriano desaparecesse sem poder revelar seus segredos também estejam arrependidos de seu desaparecimento.

Tenha sido a família Bolsonaro que decidiu sua morte ou alguém que acreditava que morto seria mais perigoso do que vivo, não há dúvida que, se pudessem escolher aqueles comprometidos no passado com o miliciano, hoje assinariam para tê-lo vivo, já que logo depois de morrer colocou em evidência um barril de pólvora de medos e alarmou todos aqueles que temem agora que sua morte misteriosa acelere o processo de investigação de certas conivências políticas perigosas.

É bem possível que agora, depois de sua morte, acabemos conhecendo mais mistérios das estranhas relações de Adriano, chefe das milícias, com os políticos que o condecoraram em vida.

Aqueles que apostaram que Adriano, desaparecido, mas vivo, acabaria sendo esquecido sem muita vontade de interrogá-lo e que fosse apenas uma nota de pé de página da emaranhada relação de Bolsonaro com as milícias, poderiam hoje estar desesperados. O fato de sua morte inesperada, levada a cabo pensando que os mortos não falam mais, deve estar fazendo pensar aqueles que hoje o temem, que era melhor para eles que continuasse vivo como um fugitivo de ouro que se permitia dar festas de luxo nas barbas de uma polícia que talvez não tivesse a menor vontade de prendê-lo.

As execuções emblemáticas de Marielle e Adriano, tão estreitamente ligadas em um dos casos políticos mais escabrosos do presente político brasileiro, revelam que, no final, os fatos são mais tenazes do que os desejos daqueles que gostariam de sepultá-los para sempre.

Muitas vezes na história os túmulos são mais loquazes e perigosos do que as próprias vidas. E as sombras e suspeitas não esclarecidas projetadas pelas mortes violentas do submundo da política degradada em crime e violência acabam muitas vezes enterrando politicamente aqueles que preferem fazer essa política nos esgotos do crime do que na luz do sol da democracia.

Verdade sem fantasia

Isso não está isolado do que está acontecendo no Brasil. Nós temos um momento de destruição do Estado Democrático de Direito no Brasil, liderado por um presidente boçal, canalha, de uma família de canalhas.
 
Porque se algum policial atirou, apertou o gatilho, ele não faria isso se não fosse esse clima de absoluto desrespeito às regras da convivência democrática, que é absolutamente claramente estimulada pelo presidente da República e sua família de canalhas, e ele, Jair Bolsonaro, o maior canalha de todos
Ciro Gomes

Continue, Bolsonaro!

Continue assim, presidente. Continue a se mostrar como é, sem disfarces ou escaramuças. Pelo bem do Brasil em 2022. Neste carnaval e no resto do ano, não rasgue a fantasia de Jair Bolsonaro, o abominável homem das praias e planaltos. Não dê ouvidos a generais ou civis que tentem moldá-lo. Ignore parlamentares. 

Somos um regime presidencialista...e cristão. Não é mesmo? Glória nas alturas. Abrace muito o Crivella, aquele pastor tão querido do Rio de Janeiro. Dancem. Na real e na metáfora. Amém. Se der para incluir o Witzel no abraço e no samba, está valendo. Ele também gosta de mandar a polícia mirar na cabecinha. E se o bloco incluir os irmãos metralha Zero Um, Zero Dois e Zero Três, teremos um trio elétrico para ninguém botar defeito na república das bananas.

Nas rodas de samba, não há outro assunto. Os furos que o chefe do Executivo dá a troco de nada. As grosserias que envergonham foliões. Greenpeace é um lixo, uma porcaria. Índio está evoluindo e ficando parecido com ser humano. Reservas são zoológicos. Uma pessoa com HIV é uma despesa para todos. Oriental tem pau pequeno. Quem quiser vir fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Não podemos ser um país do mundo gay. Governador do Nordeste é paraíba. O educador Paulo Freire era um energúmeno. Nem “a porra da árvore” escapou.

O Brasil, agora, está diante não de uma piada de mau gosto, mas de um crime de difamação moral e sexual. Jair Bolsonaro disse com riso indecente que a jornalista da “Folha de S.Paulo”, Patrícia Campos Mello, queria “dar o furo” em troca de informações. Galgou o pódio dos desprezíveis. O normal, num país regido por leis, é que o presidente seja instado a retirar o que disse e pedir desculpas. O normal é que ele condene o vídeo nojento e criminoso que compara jornalistas a prostitutas e ordene às redes bolsonaristas que o retirem do ar. Isso não livra ninguém de processo.

O monopólio da grosseria nunca se restringe aos comandantes. Para agradar ao chefe, seus diretos imitam o estilo porque pode valer afagos e promoção. Todos se tornam a pior versão de si mesmos quando o superior é rude.

Paulo Guedes não se imaginava assim como ministro. Começou com tchutchuca é a vó, chamou servidores de parasitas e criticou a festa danada de empregadas na Disney. Já se desculpou, até o próximo “deslize”. Os generais tiram do armário a farda embolorada de linha-dura. Eduardo, o ex-futuro-embaixador, se esgoela na Câmara para atacar adversárias políticas: “Raspa o sovaco, hein? Senão dá um mau cheiro do caramba”.

É só seguir o thread, o fio condutor do cotidiano. O Brasil começa a legitimar violência, intolerância e falta de educação entre compatriotas. A folia é a do impropério, do abuso. 

Houve um momento em que achei que jornalistas nem deveriam aparecer mais em frente ao Palácio da Alvorada para ser ofendidos por Bolsonaro. Que deixassem o presidente falando sozinho para sua claque. Mas não. Quanto mais à vontade Bolsonaro estiver no figurino do capitão Jair, maior será o serviço prestado pela imprensa.

O mundo conhece ditadores de direita, ditadores de esquerda, democratas populistas. Bolsonaro desfila em outra ala, que transcende a ideologia. A ala dos vulgares e repulsivos. A vontade é de cancelar Jair. Mas, para o Brasil, melhor que ele não emudeça nem rasgue a fantasia dantesca. Que continue a expor seus paetês e seus esgares como porta-bandeira do insulto. Talvez assim, com nota zero em harmonia e enredo, consiga o rebaixamento. 

Tempos de provação

Aos 80 anos, o ex-ministro José Carlos Dias planejava reduzir a carga de trabalho e dedicar mais tempo à família. “Eu queria tirar o pé do acelerador. O governo Bolsonaro me obrigou a fazer o contrário”, conta.

Presidente da Comissão Arns, que celebra seu primeiro aniversário, ele se diz pessimista com os rumos da democracia brasileira. “O país está pior. Bolsonaro está militarizando o governo, quer levar o Brasil para o autoritarismo. Ele tem saudade do AI-5, não aceita a liberdade de expressão”, afirma.

As investidas contra a imprensa aumentaram a preocupação do advogado, que defendeu presos políticos na ditadura e comandou o Ministério da Justiça no governo Fernando Henrique. “Os ataques a jornalistas são uma barbaridade. Bolsonaro usa uma linguagem absolutamente imprópria para um presidente da República. Ele não tem equilíbrio, é um homem tosco”, critica.

Os arroubos autoritários não têm se limitado ao presidente. Nesta semana, o ministro Sergio Moro usou a Lei de Segurança Nacional contra um político da oposição. A mando dele, o ex-presidente Lula foi interrogado pela Polícia Federal por causa de declarações públicas contra Bolsonaro. “Esta lei nem deveria ser usada nos dias de hoje. É mais uma do Moro usando o cargo para fazer política”, afirma Dias.

Sinais de erosão da democracia também preocupam Paulo Sérgio Pinheiro, ministro dos Direitos Humanos no governo FH. Ele diz que o governo é abertamente hostil às minorias e que o país passa por um “tempo de provações”. “Não há nenhuma dúvida de que estamos assistindo a uma escalada autoritária. É difícil dizer qual grupo vulnerável ainda não foi agredido em falas e ações concretas”, afirma.

A Comissão Arns já denunciou Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional sob acusação de estimular ataques às populações indígenas. Em março, o grupo voltará a se manifestar sobre o país na sede da ONU em Genebra e numa reunião da OEA em Porto Príncipe. “A comunidade internacional está perplexa com o que acontece no Brasil”, diz Pinheiro.

Bernardo Mello Franco