quinta-feira, 28 de abril de 2022

Pensamento do Dia

 


Bolsonarismo fala com valores do Brasil profundo

Com índices pouco favoráveis na economia e uma criticada gestão da pandemia de covid, a maior crise de saúde em um século, Jair Bolsonaro não só tem se mostrado um candidato competitivo à reeleição como vem registrando crescimento nas últimas pesquisas.

Analistas viram, nos números mais recentes, os efeitos favoráveis de alguns fatores para Bolsonaro: saída da corrida presidencial do ex-juiz Sergio Moro, implementação do programa Auxílio Brasil e atual fase da pandemia, com sensação maior de otimismo entre a população após a reabertura.

O desempenho nas últimas pesquisas tem atingido um índice superior à faixa entre 20% e 25% que o eleitorado mais fiel a Bolsonaro soma normalmente nos levantamentos.

"O percentual que avalia o governo Bolsonaro como ruim e péssimo - ou seja, a rejeição a ele - está muito acima de todos os outros governos, com exceção de Dilma no segundo mandato e de Temer. Mas o que chama atenção é o percentual de ótimo e bom. Há uma grande resiliência", diz Bráulio Borges, economista-sênior da LCA e pesquisador-associado do FGV IBRE.

Em março, o país teve a maior inflação para o período em 28 anos. Em 12 meses, a alta de preços acumula 11,30%, o maior percentual desde outubro de 2003.

O Brasil ficou em 32° lugar em uma lista de desempenho do PIB (Produto Interno Bruto) de 54 países nos últimos dois anos.

Os pesquisadores Fabio Peixoto Bastos Baldaia, Tiago Medeiros Araújo, Sinval Silva de Araújo e Rodrigo Ornelas, do Instituto Federal da Bahia, estão desenvolvendo uma análise sobre o apoio relativamente estável a Bolsonaro em setores da sociedade brasileira.

"Uma coisa que a gente percebeu é que o bolsonarismo não é um reflexo de fenômenos que estão acontecendo fora do Brasil, de ascensão da extrema direita, como Donald Trump, [Viktor] Orbán na Hungria ou [Rodrigo] Duterte nas Filipinas. Ou não apenas", diz Baldaia.

Ele afirma que o bolsonarismo, de fato, conseguiu explorar a dispersão de informação via WhatsApp, Telegram e comunidades de Facebook, mas já tinha uma conexão de ideias com o que chama de "Brasil profundo" - definido no texto parcial do estudo como um conjunto de práticas e de mentalidades que depois se tornam comportamentos.

Os pesquisadores veem no bolsonarismo um grupo identitário, que demarca fronteiras com o restante da população, e tem eco tanto em segmentos da classe trabalhadora brasileira como em setores sociais médios e, ocasionalmente, em parte da elite.

"O bolsonarismo tem uma lógica de buscar coesão. É um movimento identitário nesse sentido. O bolsonarismo está reforçando a identidade de grupo o tempo todo."

"O próprio Bolsonaro e as lideranças-satélite - que são os filhos de Bolsonaro e outros nomes de destaque no movimento - estão o tempo todo tentando expurgar aqueles que não comungam desses ideais e o tempo todo estão reforçando a narrativa de que esse grupo formaria os verdadeiros brasileiros."

A linha de pensamento que galvaniza a base e se comunica com setores do "Brasil profundo" passa por temas como "olho por olho, dente por dente" em relação ao crime, o moralismo contra comportamentos sexuais fora dos padrões e uma certa aversão à política como um todo.

"Mas são coisas que já existiam antes de Bolsonaro. Só que ele deu uma cara, um formato e um sentido de pertencimento para essas pessoas", afirma Baldaia.

Outro atrativo do bolsonarismo é uma narrativa simplificada que rejeita lidar com constatações científicas (como o aquecimento global) e novas configurações de vida que vêm modificando o mundo nas últimas décadas.

A ordem da tradição é usada como defesa.

"Nesse mundo tão complexo, as pessoas estão em busca de uma narrativa mais simples, conhecida, que dê segurança e sentido e ajude a entender esse caos", diz o pesquisador.

Segundo pesquisadores, Bolsonaro lança mão de simplificações para justificar problemas econômicos

Tiago Medeiros Araújo, outro pesquisador do estudo, aponta que esse mecanismo também é usado pelo presidente para explicar os problemas econômicos.

"Como a economia é complexa demais, ele consegue terceirizar a responsabilidade para coisas que estão acontecendo em outros países: 'Tem inflação, tem desemprego? Bom, isso está acontecendo no mundo inteiro' é como ele se defende", afirma.

"Ou quando ele pressiona os governadores sobre o ICMS na alta dos combustíveis. Bolsonaro diz 'O que eu pude fazer sobre a política de combustíveis eu já fiz, agora é com os governadores'. Ele terceiriza o problema e joga de maneira conflitiva."

As questões econômicas se transformam em uma temática que o bolsonarismo procura monopolizar: a causa moral.

"Nos grupos de WhatsApp de motoboys, de caminhoneiros, a questão econômica é muito ligada à causa moral. É representada, por exemplo, pelo pai de família que sai de casa para se arriscar", diz Baldaia.

"São populações de vulnerabilidade muito grande, e aí envolve uma dimensão da macheza: 'Tem que ser muito homem para dirigir a moto, para rodar o caminhão, para expandir fronteira agrícola no oeste da Bahia, em Goiás'. Isso facilita a ascensão do bolsonarismo, com a figura do machão que bate na mesa para resolver."

"Bolsonaro diz então que vai dar condições para esse homem prosperar e sustentar a família porque o estado não dá nada, ele só atrapalha: apreende mercadoria, multa. Então o discurso dele vai nesse sentido, dizendo 'Eu vou suspender as multas ambientais, eu vou facilitar para você o que o estado dificulta'", analisa Baldaia.

Outra forma de "simplificação" empreendida por Bolsonaro, segundo o pesquisador da IFBA, é o de atacar a institucionalidade democrática e a tentativa de desestabilizar o equilíbrio entre os poderes.

"Nessa visão de mundo, tudo que envolve institucionalidade é coisa complicada. STF [Supremo Tribunal Federal] é coisa complicada. Se Bolsonaro não conseguiu fazer, apoiadores repetem, foi porque as instituições não deixaram. Porque a Câmara atrapalha, o Senado atrapalha, os governadores atrapalham."

Na última quinta-feira, o confronto com o STF teve nova crise com a concessão do indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado um dia antes pelo Supremo justamente por tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.

Na visão do sociólogo Jessé Souza, conhecido por estudar camadas da população do "Brasil profundo" em livros como Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe Média ou Nova Classe Trabalhadora? (editora UFMG, 2010), "o tema chave aqui é a necessidade de 'reconhecimento social' - no caso, a partir da identificação com a figura de um líder forte. Os dois grandes terrenos populacionais do Bolsonaro são do 'branco pobre' do Sul e de São Paulo e os evangélicos de todas as cores".

O sociólogo aponta, ainda, o ressentimento como um dos elementos do apoio a Bolsonaro.

"Ele atualiza no Brasil a manipulação da raiva e do ressentimento de quem empobreceu com o capitalismo financeiro sem saber o porquê. (...) Passa então a ser joguete do líder no qual veem como um dos seus: finalmente alguém tão raivoso e ressentido quanto eu na presidência!"

Corrupção, nunca mais?

Os homens são atormentados pelo pecado original dos seus instintos antissociais, que permanecem mais ou menos uniformes através dos tempos. A tendência para a corrupção está implantada na natureza humana desde o princípio. Alguns homens têm força suficiente para resistir a essa tendência, outros não a têm. Tem havido corrupção sob todo o sistema de governo. A corrupção sob o sistema democrático não é pior, nos casos individuais, do que a corrupção sob a autocracia. Há meramente mais, pela simples razão de que onde o governo é popular, mais gente tem oportunidade para agir corruptamente à custa do Estado do que nos países onde o governo é autocrático. Nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos. Nos estados democráticos há muito mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas. 

Aldous Huxley

Mais ideias, menos personalismo

É impressionante como a atual sucessão presidencial é vazia de ideias e rica em culto a personalidades. É uma confirmação de nossa tradição política histórica. Os holofotes se concentram na trajetória pessoal e características dos personagens que protagonizam a disputa, restando aos partidos e programas um papel secundário e acessório. Isso resulta de uma eterna espera de um salvador da pátria, um super-herói, uma figura mitológica, um “deus” onipotente e onipresente que vai nos redimir de todos os males. Foi assim com Vargas, Jânio e Collor. E, hoje, é revivido em torno das lideranças carismáticas de Lula e Bolsonaro. A alternativa ao populismo seria certamente muito mais trabalhosa.

O Brasil se encontra mergulhado em profunda crise. O crescimento da economia em 2022 será pífio. A inflação inferniza o cotidiano da população. O desemprego é superior a 11%. Os juros estão nas alturas e garroteiam o consumo e a produção. A tão necessária reforma tributária continua em banho-maria. O presidencialismo brasileiro encontra-se cada vez mais atrofiado. As desigualdades sociais e regionais são escandalosas. A agenda ambiental foi praticamente abandonada. A democracia volta e meia é ameaçada. A qualidade da educação continua claudicando em patamares insatisfatórios. A eficiência estatal é cada vez menor. A crise fiscal é empurrada com a barriga. É sobre isso que os candidatos à Presidência da República deveriam se posicionar. No entanto, ficamos a discutir qualidades e defeitos pessoais que envolvem Lula e Bolsonaro.

Não se tem notícia de quais são os programas de governo que legitimam as aspirações presidenciais dos principais candidatos. Exceções pontuais existem em outras candidaturas. Mas, vamos combinar, não é isso que pauta o debate nacional. A fé que nos move é que o salvador da pátria eleito saberá o que fazer depois.


A terceira via não colocará suas ideias nas ruas enquanto não escolher uma candidatura viável e competitiva. Ciro Gomes tenta, isolado, furar a bolha da polarização. Mas o debate nas redes sociais e na cobertura jornalística se concentra no confronto entre Lula e Bolsonaro. E, daí, não se vislumbra um desenho claro de projeto para o futuro do país.

Bolsonaro perdeu dois pontos simbólicos que rechearam o conteúdo de sua campanha em 2018: o combate à corrupção, com o afastamento de Sergio Moro, e a agenda liberal de Paulo Guedes, que hoje jaz na poeira das gavetas de arquivos abandonados. Escora-se na pauta conservadora de costumes e no combate aos moinhos de vento do fantasma comunista. Evita discutir a crise econômica e social e alimenta o antipetismo.

Lula realça as conquistas do passado, espalha bravatas como a da imagem da crise da Ucrânia resolvida numa mesa de bar, passa longe de qualquer autocrítica sobre a corrupção e a desastrosa condução da política econômica nos governos petistas. Surfa na rejeição ao atual governo. Sobre o futuro, acena com uma agenda regressiva, incluindo a revogação das reformas trabalhista e previdenciária e o fim do teto de gastos.

Se o rumo da campanha for este, estaremos em maus lençóis. Há 230 anos morria Tiradentes. Certa vez, ele disse: “Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la”. Mas isso não virá com o vento nem cairá com a chuva, dependerá fundamentalmente de nossas escolhas.

Bolsonaro quer os militares como juízes das próximas eleições

O que falta para que se acredite que Bolsonaro não reconhecerá os resultados das eleições de outubro próximo se perdê-las? E que imagina contar para isso com o apoio das Forças Armadas? Não vê quem não quer ver, ou é ingênuo, ou cúmplice dele.

Em fevereiro último, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral, as Forças Armadas encaminharam propostas para tornar mais seguro o processo eletrônico de votação. Na verdade, foram mais perguntas sobre o processo do que propostas de alterações.

Ao todo, 80 perguntas, respondidas pelos técnicos do tribunal num relatório de 700 páginas. O senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) pediu enviou ofícios ao ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Oliveira, que tornassem públicas as perguntas e as respostas.

Bolsonaro, reunido, ontem, no Palácio do Planalto com parlamentares que o apoiam, depois de voltar a desacreditar mais uma vez o sistema eleitoral, antecipou-se ao general e revelou uma das propostas de alterações sugeridas pelos militares:



“Quando encerra eleições e os dados chegam pela internet, tem um cabo que alimenta a ‘sala secreta do TSE’. Dá para acreditar nisso? Sala secreta, onde meia dúzia de técnicos diz ‘quem ganhou foi esse’. Uma sugestão é que neste mesmo duto seja feita uma ramificação, um pouco à direita, porque temos um computador também das Forças Armadas para contar os votos”.

Dito de outra maneira: a sugestão dos militares, encampada pelo presidente da República, é que às Forças Armadas seja dado acesso direto e simultâneo com o tribunal à apuração dos votos que é feita pelos tribunais regionais eleitorais e repassadas a Brasília.

Em julho do ano passado, após ataque de Bolsonaro ao sistema eleitoral, o tribunal negou a existência de “sala secreta”. Segundo o tribunal, “a apuração dos resultados é feita automaticamente pela urna eletrônica logo após o encerramento da votação.”

“Sala secreta” um modo encontrado por Bolsonaro para lançar suspeição sobre o sistema de votação, é um espaço seguro onde apenas os técnicos responsáveis pela operação são admitidos. Eles não interferem na verdade expressa pelos números computados.

Cabe à Justiça Eleitoral zelar pela integridade e a correção do sistema de apuração de votos, não cabe às Forças Armadas. Foi por meio desse sistema que Bolsonaro se elegeu deputado federal durante quase 30 anos e presidente da República em 2018.

O medo de ser derrotado daqui a pouco mais de 5 meses é o que faz Bolsonaro levantar suspeição sobre o sistema de apuração. Donald Trump, derrotado por Joe Biden, fez a mesma coisa, mas só depois das eleições que estava certo de que ganharia.

Para alarmar ainda mais a sua turma, Bolsonaro advertiu os parlamentares que atenderam ao seu convite para participar de mais um ato de campanha fora de hora e transmitido para todo o país pela televisão do governo:

“Não pensem que uma possível suspeição da eleição vai ser apenas no voto do presidente. Vai entrar no Senado, Câmara, se tiver, obviamente, algo de anormal”.

Quem dirá que houve “algo de anormal”? Ele? As Forças Armadas? E se ele e as Forças Armadas disserem que “algo de anormal” aconteceu, qual a palavra que valerá? A da Justiça Eleitoral atestando a validade dos resultados? A palavra de Bolsonaro e dos militares dizendo o contrário?