sexta-feira, 10 de janeiro de 2020
O medo do amanhã
O sociólogo Zygmunt Bauman, pesquisador e professor na Polônia e na Inglaterra, tornou-se um combatente ao tipo de sociedade de consumo que a humanidade inventou e não está conseguindo sustentar.
A tentativa de imaginar como será o futuro exige conhecimento do passado e da história, pois, tanto o presente quanto as próximas décadas serão em grande parte reflexo do que fizemos e do que viermos a fazer com a vida no planeta.
Definitivamente, os quatros problemas mais dramáticos são a pobreza, o desemprego, a desigualdade e a violência. Quaisquer que sejam as soluções imaginadas para esses flagelos sociais, uma coisa é certa: a educação de base precisa atingir a todos os habitantes da Terra com um nível de qualidade média bem maior do que é hoje. Talvez tenha chegado o momento crucial em que a educação deva se concentrar prioritariamente em ensinar o domínio da língua, a matemática, as ciências, a proficiências na leitura, a habilidade na escrita e o raciocínio lógico.
Vendo uma matéria de jornal sobre crianças atravessando paredes na fronteira entre Venezuela e Brasil, e vi o medo e a desesperança estampados no rosto daqueles pobres meninos. Ali estava o retrato da pobreza, do baixo nível educacional, do pânico e, por óbvio, de um futuro sombrio. E vinham para o Brasil, que não é nenhum paraíso.
Os livros de autoajuda que tratam do sucesso profissional e da felicidade pessoal costumam destacar com prioridade as qualidades, as virtudes e o esforço individual. Como predominam autores de países desenvolvidos, raramente perguntam qual a influência do país e do ambiente social onde a criança nasce e cresce, na determinação do sucesso pessoal.
A chance de ter sucesso profissional ou de ficar rico, para uma criança nascida e criada nas regiões mais atrasadas da África ou da América Latina, é muito menor do que para uma criança nascida nos Estados Unidos, Alemanha e qualquer outro país desenvolvido. Parece fácil entender que o local em que a criança nasce e o ambiente em que ela cresce são decisivos na determinação de seu futuro e seu progresso pessoal, profissional e intelectual.
Jared Diamond, em seu livro Colapso, afirma que “sociedades diferentes respondem de modo diferente a problemas semelhantes”. Podemos dizer que as pessoas também.
As crianças e os jovens respondem, quando adultos, conforme os padrões da sociedade em que vivem, influenciadas pelas instituições políticas, economia, bases sociais e seus valores culturais. Comparar o êxito pessoal de indivíduos em sociedades completamente diferentes, apenas com base nas características e virtudes pessoais, é comparar coisas desiguais.
O mundo é muito desigual, tanto em termos culturais quanto em termos econômicos. Muitas nações vivem no círculo vicioso da pobreza e baixa cultura, no qual a população é pobre porque suas instituições e valores culturais são atrasados e suas instituições são atrasadas porque a população é pobre.
Nos últimos 100 anos, a humanidade viu a mobilidade social conduzir os filhos a um padrão de renda e bem-estar superior aos pais. Os filhos das famílias agrícolas, que viviam em situação precária na zona rural, migraram para as cidades em razão da tecnologia e da automação da produção.
As possibilidades de estudo, qualificação profissional e o progresso das cidades permitiram a muitos filhos desfrutar de melhores condições de vida que a dos pais.
Mas, agora, em muitos lugares a coisa se inverteu. Os filhos da classe média urbana estão vendo esvair-se a possibilidade de terem padrão de vida superior aos pais. A assombrosa revolução tecnológica, a inteligência artificial e os robôs cognitivos estão criando desemprego e, com mais pessoas desempregadas, caem os salários médios em quase todas as profissões.
Os desafios são enormes, mas uma coisa é certa: terão melhores perspectivas aqueles que adquirirem elevado nível educacional, ampliarem seus conhecimentos e desenvolverem as virtudes do comportamento e do relacionamento humano.
A carta do Camus
Camus e Sartre foram amigos por pouco tempo, até que a política os separou, mas foram intelectuais resistentes lado a lado durante a ocupação. Para De Gaulle, Camus escreveu que o dever de todo resistente era “lembrar às pessoas todos os dias, todas as horas se necessário, em todos os artigos, em todas as transmissões, todas as reuniões, todas as proclamações” o que se estava defendendo na reação aos nazistas. Nem Camus nem Sartre deixaram Paris na ocupação, mas foram oposicionistas ativos, inclusive editando o jornal clandestino “Combat” e outras publicações “subversivas” . E os dois, mais do que qualquer outro intelectual francês no fim da ocupação, simbolizaram a persistência do espírito que sobreviveu aos nazistas, à republica de Vichy e à angústia. Até a briga de Camus e Sartre no pós-guerra colaborou para mostrar que a França voltava a ser a França.
Lembrar às pessoas todos os dias, todas as horas, em todos os artigos, todas as transmissões, todas as reuniões e em todas as proclamações o que se está combatendo quando se combate a escuridão, qualquer escuridão, é um bom conselho do Camus, 60 anos depois.
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