sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

A carta do Camus

Li que acharam uma carta do Albert Camus mandada da França ocupada pelos nazistas para o general De Gaulle, líder do governo francês no exílio. A carta, de 1943, foi encontrada nos arquivos do general e sua descoberta coincide com os 60 anos da morte de Camus num acidente de carro, em 1960. Não se esperava que ainda houvesse algo da extensa produção de Camus — que foi romancista, ensaísta, dramaturgo, roteirista e filósofo — a ser publicado, o que aumenta o valor histórico do documento, intitulado “Um intelectual resistente”. Nele Camus expressa ao general sua angústia com o que a ocupação está fazendo com a França, não apenas eliminando fisicamente quem ameaça reagir à dominação nazista como matando o espírito e a criatividade de uma geração inteira, entregue à mediocridade oficializada do governo colaboracionista de Vichy. A maior preocupação de Camus é com o que virá depois, que França sobrará da mediocridade imposta.


Camus e Sartre foram amigos por pouco tempo, até que a política os separou, mas foram intelectuais resistentes lado a lado durante a ocupação. Para De Gaulle, Camus escreveu que o dever de todo resistente era “lembrar às pessoas todos os dias, todas as horas se necessário, em todos os artigos, em todas as transmissões, todas as reuniões, todas as proclamações” o que se estava defendendo na reação aos nazistas. Nem Camus nem Sartre deixaram Paris na ocupação, mas foram oposicionistas ativos, inclusive editando o jornal clandestino “Combat” e outras publicações “subversivas” . E os dois, mais do que qualquer outro intelectual francês no fim da ocupação, simbolizaram a persistência do espírito que sobreviveu aos nazistas, à republica de Vichy e à angústia. Até a briga de Camus e Sartre no pós-guerra colaborou para mostrar que a França voltava a ser a França.

Lembrar às pessoas todos os dias, todas as horas, em todos os artigos, todas as transmissões, todas as reuniões e em todas as proclamações o que se está combatendo quando se combate a escuridão, qualquer escuridão, é um bom conselho do Camus, 60 anos depois.

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