quarta-feira, 23 de julho de 2025

É coisa nossa!


O Pix está, na prática, alcançando aquilo que os entusiastas das criptomoedas alegavam — falsamente — que seria possível com a blockchain: baixos custos de transação e inclusão financeira. O Brasil está reinventando o dinheiro. 
Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia

Truques de Espelhos: A trágica arte de desaparecer à mesa

Há uma fábula que muitas vezes me visita a memória e me empurra para custosa reflexão. Um macaco encontra um espelho e, ao observá-lo, goza com a aparência do bicho que o encara do outro lado do vidro, sem suspeitar que o objeto do seu escárnio é o próprio focinho. Somos todos aquele macaco, cegos na nossa vaidade distraída com os males que encontramos nos outros, sempre prontos a diagnosticar o vazio e o silêncio que, a dada altura, reconhecemos na presença dos nossos filhos. Ora lhes tentamos endireitar a coluna, que se curva diariamente para prestar vassalagem a notificações, ora lamentamos tê-los perdido para o vício das redes, ou desabafamos por já não saberem brincar como antigamente e, com isso, terem perdido o estranho prazer das medalhas que os mais velhos trazem na testa, de tantas vezes terem partido a cabeça na infância.


Acontece que, ao contrário da história, não existe um só espelho onde insistimos em não nos ver, mas sim milhares deles, pequenos, que cabem num bolso, a vibrar e a berrar a cada cinco minutos: na mesa do jantar, no carro ou na cama, qual empata-amantes, agora deitados de costas voltadas, olhos vidrados no brilho azul do ecrã, sem abraço, palavra ou beijo antes de adormecer.

Falaram-me em phubbing parental, porque a nossa desgraça fica mais sofisticada quando o nome é importado, entre tarifas de preguiça para o traduzir. A verdade, essa, é transversal e ageográfica: os adultos desaprenderam o sentido de presença. Estão no local, com os filhos, mas ausentes, desatentos ao próprio mundo que criaram. O tempo das refeições, outrora sagrado, é agora templo agnóstico entregue ao abandono, mero cenário de rostos silenciosos, tombados para a frente entre garfadas, com indicadores a marcar o tempo à mesa em festinhas metódicas ao ecrã. Entre a selfie em família, com sorrisos que se desligam ao clique do retrato, o vídeo do gato ou a notícia triste que se exorciza com emoji de coração apertado, transformamo-nos em almas dispersas, evaporadas com o calor que já só nos chega pelo telemóvel. Sem percebermos, vamos fazendo swipe indiferente à infância dos nossos filhos, numa espécie de hábito que não se questiona, impacientes com qualquer momento de espera, de intervalo entre palavras, com o silêncio natural do adolescente, que se torna insuportável e que as redes aproveitam para, nesse instante, nos raptar, não oferecendo oportunidade ao tempo que eles precisam para finalmente conversar ou desabafar.

Na minha geração de pais, filhos de boomers — talvez os últimos com herança direta e conforto — existe um certo cansaço latente, disfarçado de liberdade. Uns herdaram décadas de poupança, outros casas, mas muito poucos herdaram paciência. Receberam certeza e segurança, mas faltou que guardassem também na conta o exemplo. O sacrifício é sempre relembrado em voz alta, com décadas de endoutrinação, onde a marca académica e profissional era a mais urgente, e o alargar da família biparental deixado para depois, num tempo em que uma das metades já não se rende para ficar a cuidar da casa. Mais velhos, com menos paciência, com tempo contado ao ponto até ao jantar, o que sobra depois do trabalho, das reuniões, da lista de compras, entrega-se num ritual partilhado, onde cada um ergue barreiras e levanta âncoras no seu sofá, partindo e navegando num mar infindável digital, onde se encontra tudo e todos, menos quem está por perto.

Num sentido de justiça egoísta, educamos à vontadinha, com tanto de cansaço como de falta de coragem, escondidos do incómodo que é explicar a pertinência de um “não”. Depois, nos momentos raros em que emergimos do nosso sono ausente, ficamos chocados ao ver os nossos filhos fechados, enrolados como caracóis, no aconchego das suas conchas digitais.

O alarme esbarra na ironia de os miúdos, esses nativos deste perigoso mundo novo, serem, na realidade, muito mais preparados e cautelosos para uma realidade que lhes é gémea, já parida com eles. Aprenderam cedo a facilidade em esquivar-se ao olhar desatento dos adultos, a criar ilhas com amigos em oceano virtual, a comunicar por códigos, como agentes secretos que trocaram as mensagens que se autodestroem por stories que não guardam história na net, uma espécie de segredos sem provas murmurados entre amigos. Enquanto os pais, menos preparados, abrem o sobretudo virtual e expõem as suas vergonhas ao mundo inteiro, os mais novos escondem-se nas sombras, num anonimato seletivo que se faz de contas spam, com a intuição lúcida e premonitória de que a privacidade será, no futuro, talvez o único reduto da dignidade.

Já preocupados, mas sem tirar o nariz do ecrã, vamos pesquisando estudos, partilhando estatísticas. Alguns, como eu, até escrevem sobre o apocalipse digital. Os especialistas gritam a solidão dos jovens, com cruzes aflitas em braços esticados e mãos apontadas a espantar as redes sociais, o diabo que tomou conta da cabeça dos nossos meninos. Julgamos o que está à nossa frente, sem perceber o espelho que nos devolve o principal rosto do problema.

O isolamento não se encontra primeiro numa conta de TikTok, não é constipação que se apanha no feed do Instagram. Ensina-se, sem querer, à mesa de jantar, nos olhares que nunca se cruzam, nas palavras que só são ditas aos de fora pelas pontas dos dedos apressados, numa espécie de show de sapateado em palco de LCD. É aí, na ausência travestida de presença, no começo da conversa interrompida pelo canto irresistível da notificação do telefone. A herança que vamos passando aos nossos é que a vida real é aborrecida e que o entusiasmo se encontra mais facilmente no que resgatamos, já quase sem bateria, do bolso. É esse o exemplo que lhes passamos, e depois lamentamos o desinteresse que nos devolvem quando procuram consolo noutro lugar.

Somos macacos diante do espelho, a apontar os defeitos dos nossos filhos, sem nunca suspeitar que aquela caricatura deprimente que encontramos é o reflexo trágico do que lhes estamos a ensinar.

O socorro

Ele foi cavando, cavando, cavando, pois sua profissão – coveiro – era cavar. Mas, de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que cavara demais. Tentou sair da cova e não conseguiu. Levantou o olhar para cima e viu que, sozinho, não conseguiria sair. Gritou. Ninguém atendeu. Gritou mais forte. Ninguém veio. Enrouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite. Sentou-se no fundo da cova, desesperado. A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardias. Bateu o frio da madrugada e, na noite escura, não se ouvia um som humano, embora o cemitério estivesse cheio de pipilos e coaxares naturais dos matos. Só pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria apareceu lá em cima, perguntou o que havia: ―O que é que há?‖.

O coveiro então gritou desesperado: ―Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!‖. ―Mas, coitado!‖ condoeu-se o bêbado – ―Tem toda razão de estar com frio. Alguém tirou a terra de cima de você, meu pobre mortinho!‖ E pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri-lo cuidadosamente.

Moral: Nos momentos graves é preciso verificar muito bem a quem se apela.
Millôr Fernandes

Descobriram quem são os Bolsonaros?

O presidente Trump causou duas hecatombes no Brasil em uma só tacada. A primeira com o aumento escandaloso de 50% das tarifas, algo mais próximo de uma sanção contra uma nação inimiga. A segunda foi a forma que propôs para rever a decisão: bastava que as instituições brasileiras salvassem a família Bolsonaro - o pai Jair e o filho Eduardo -, que tudo seria esquecido. Essa vendeta trumpista, típica de mafioso, foi apoiada pelos governadores Zema, Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado, que depois se arrependeram, mas sem romper com o “mito”. Após esse escorregão, fica a pergunta: esse grupo da direita brasileira é incapaz de entender o perverso significado do bolsonarismo?

Quem se surpreendeu com esse casamento entre Trump e os Bolsonaros, e o tipo de decisão que produziram, ficou os últimos anos fora do planeta Terra - ou então concorda com a forma extremista que pensam. Em relação ao presidente americano, a intempestividade e a chantagem são marcas de seus governos, tendo crescido ainda mais agora por ter ampliado o seu poder. O Brasil não é o primeiro a sofrer com isso. O trumpismo, como toda a extrema direita que se alimenta das ideias totalitárias de Carl Schmitt, segue a lógica do amigo versus o inimigo, tanto no plano interno como no externo. E o presidente Lula é certamente um alvo preferencial de Trump.


O sentimento de guerra contra o lulismo está contido em dois elementos. O primeiro é ideológico, e o segundo, geopolítico. Começando por esse último, Trump pretende ampliar seu poder nas áreas americanas de influência e evitar que países estratégicos saiam de seu controle. O Brasil é um deles, especialmente por suas fortes relações com a China - esqueçam o Brics, uma arena de diálogo entre nações muito heterogêneas que por ora nem cócegas faz nos Estados Unidos.

Resumo da ópera trumpista: o Brasil fica nas Américas e é grande demais para estar mais próximo da China do que dos EUA. Trump irá usar chantagens comerciais e ameaças contra as instituições públicas dos países para conseguir seu intento de ser o novo imperador de um mundo dominado pelos Estados Unidos, sem repartição de hegemonia. Nesta situação, a soberania brasileira está em jogo, é preciso defendê-la com firmeza, mas também é fundamental não cutucar o governo americano com provocações desnecessárias e irrealistas frente ao nosso efetivo poder geopolítico.

A geopolítica explica parte da decisão contra o Brasil, mas o fator ideológico tem sempre um peso muito grande quando o ator é de extrema direita. Foi com uma ideologização que torna inseparáveis a política da vida cotidiana das pessoas que esse grupo cresceu em várias partes do mundo. Esse novo populismo, nitidamente autoritário, soube como ninguém se posicionar numa era do espetáculo, na qual corações e mentes são conquistados por um modelo polarizado de alimentar o ódio contra os inimigos e de adorar efusivamente e sem questionamento os seus líderes.

Trump e Bolsonaro estão no mesmo barco ideológico, formado por um grupo extremista bastante organizado no plano internacional, com uma organicidade e estratégia muito maiores que o centro, a esquerda e a direita liberal ao redor do mundo. O trumpismo quer que um bolsonarista, ou alguém referendado pelo bolsonarismo, ganhe as eleições de 2026. A sanção comercial que o Brasil sofreu tem forte relação com isso, infelizmente. Daí que o casamento ideológico com o bolsonarismo se alinha à lógica geopolítica da decisão comercial americana.

Nesse sentido, o velho bordão bolsonarista tem de ser mudado: minha família acima de tudo, Trump acima de todos - Bolsonaro chegou a dizer nesta semana que é “apaixonado” pelo presidente americano. Nosso ex-presidente, na verdade, sempre adotou um patriotismo fake, subserviente a Trump e condicionado aos interesses da família e dos amigos. Todo o restante do script, da camisa amarela da seleção às juras pelo respeito às quatro linhas da Constituição, eram encenação frente aos seus efetivos objetivos.

A articulação de Eduardo Bolsonaro com o trumpismo e a reação imediata de regozijo de seu pai, bem como de outros líderes bolsonaristas, escancarou o falso patriotismo desse grupo. O importante seria salvar a família Bolsonaro, mesmo que tivesse de colocar o país de joelhos. O interesse pessoal à frente do interesse nacional - na hora de comemorarem a decisão de Trump, e comemoraram efusivamente, se esqueceram dos negócios em diversos setores e milhares de empregos que seriam rifados para agradar ao líder da extrema direita brasileira. Fica aqui a lição ao empresariado brasileiro.

Ficou muito evidente que a família Bolsonaro estava fazendo com o país o que a famosa música de Chico Buarque descreve que uma elite fez com sua cidade. Bastava aceitar a chantagem feita pelo Zepelim de Trump e entregar as instituições brasileiras ao controle do governante estrangeiro, que tudo estaria resolvido. Mas, se isso fosse feito, o Brasil se chamaria Geni e o verdadeiro patriotismo teria sido morto pelo bolsonarismo.

O efeito gigantesco da decisão trumpista para a economia brasileira fez com que os governadores que cortejam o apoio de Bolsonaro para 2026 mudassem, mesmo que envergonhadamente, sua posição inicial. Melhor que fiquem com o Brasil e não sejam subservientes a Trump - afinal, foram eleitos por brasileiros para defendê-los.

Porém, imagine que a decisão fosse outra: em vez de optar pela sanção comercial, Trump punisse, de alguma forma, o ministro Alexandre de Moraes, o que seria só o começo, porque mais adiante, para ser uma chantagem crível, deveria haver punições a mais autoridades, o que significa tentar manietar as instituições brasileiras. Isso seria aceitável por Zema, Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado? Nem faço a pergunta para os Bolsonaros, porque o patriarca tentou dar um golpe de Estado, o que mostra o pouco apreço pela democracia brasileira. Afinal, como disse o filho Eduardo, antes da posse do pai, para fechar o STF bastava um soldado e um cabo.

Se a opção trumpista fosse pela punição contínua de autoridades e instituições brasileiras, estaria em jogo a democracia brasileira, gerando uma guerra política que, ao fim e ao cabo, teria efeitos econômicos ruins, com impactos negativos para empresários e trabalhadores. A proposta de pacificação feita pelos Bolsonaros, sobejamente conhecidos por uma trajetória pacificadora em seus discursos e atos, seria a de quebrar o regime democrático. Zema, Tarcísio, Ratinho Jr e Caiado concordam com isso?

Já faz tempo que tais governadores têm se comportado, tristemente, como seguidores de Bolsonaro, e não como importantes lideranças da Federação brasileira. Não questionaram a evidente tentativa de golpe de Estado liderada por Bolsonaro, como se esqueceram das maldades do governo bolsonarista: desmatamento, abandono de populações indígenas, discurso racista e machista que grassava pela Esplanada dos Ministérios, desastrosa gestão da pandemia - 700 mil mortos e mais de um ano com 5 milhões de crianças sem um padrão nacional de educação - e, para voltar à política externa, as provocações perigosas à China, nosso principal mercado para exportação e maior investidor no país.

Se voltar ao poder alguém que apenas siga as ordens do bolsonarismo, há enormes chances de briga com o governo chinês, com resultados econômicos ainda mais desastrosos do que o embargo trumpista.

As lideranças que cotejam o apoio de Bolsonaro também estão ignorando os efeitos do trumpismo para o Brasil, adotando o boné do “Make America Great Again” como vestimenta de festa - e sorrindo para a foto. Não precisamos e nem devemos brigar com os Estados Unidos, um parceiro relevante que vai além dos governos de ocasião. Só que milhares de brasileiros serão expulsos dos Estados Unidos até o final de 2026. O que os governadores intitulados bolsonaristas moderados têm a dizer sobre isso aos eleitores brasileiros? É provável que o Mercosul consiga um acordo com a União Europeia e o Brasil aprofunde cada vez mais as relações econômicas com a Ásia, sobretudo com a China. Se Trump quiser melar esses negócios, o que dirão Zema, Tarcísio, Ratinho Jr. e Caiado?

Aparentemente, esses governadores só entenderam os efeitos nefastos do bolsonarismo com a bomba comercial nuclear jogada por Trump no Brasil, que vai prejudicar o país em nome da salvação do patriarca bolsonarista. Mas a reviravolta dessas lideranças tem sido tímida e ainda tentando manter Jair Bolsonaro no armário, para ninguém ver. Será mesmo que descobriram quem são realmente os Bolsonaros?

Há três hipóteses aqui. A primeira é que tais governadores, ou a maioria deles, ainda são amadores e não compreenderam o que está em jogo - neste caso, não estão preparados para serem lideranças nacionais. A segunda possibilidade é que são cínicos, querendo apenas o espólio eleitoral, o que é preocupante porque a extrema direita não vai deixá-los em paz na eleição de 2026. Por fim, pode ser que comunguem de quase todas as ideias do bolsonarismo, mas escondam o seu perfil ideológico com a máscara de moderados. Aí é mais perigoso, porque poderiam gerar um estelionato eleitoral.

Saber quem são, de verdade, os governadores que bajulam Bolsonaro e se vendem como moderados é algo central para o futuro do país. Afinal, é preciso saber com quem se contará na próxima porrada que Trump dará no Brasil.

Ameaça de excluir o Brasil do GPS e do Swift é ideia absurda

Os dois boatos que tomaram as redes bolsonaristas nos últimos dias, de novas sanções que o governo Donald Trump poderia impor ao Brasil, não têm pé nem cabeça. Um sugere que o Brasil poderia ser cortado do sistema GPS, aquele que faz nossos mapas de celular funcionar. O outro determina que o Brasil poderia ser cortado do Swift, o protocolo adotado internacionalmente para transferências monetárias internacionais. O primeiro deixaria o país incapaz de ter sistemas internos para localização. O outro impediria toda transação financeira para fora. As ideias são absurdas por motivos técnicos e por motivos políticos.


Quando falamos de GPS, em verdade deveríamos usar outra sigla: GNSS. É a sigla, em inglês, para Sistema Global de Navegação por Satélite. Originalmente, era uma rede de satélites americanos espalhados por todo o globo que mandam um sinal para a Terra. Aparelhos captam esses sinais, fazem a triangulação e conseguem botar sua posição precisa no mapa. Só que, faz tempo, os satélites não são mais apenas americanos. Além do sistema GPS, existem na rede GNSS os sistemas Galileo (União Europeia), Glonass (Rússia), BeiDou (China), além dos dois regionais de Índia e Japão. Quase todos os celulares capazes de conexão 4G se conectam a essas redes. Caso os Estados Unidos desconectassem o GPS do território brasileiro, as outras redes seguiriam funcionando.

Ainda assim, tecnicamente é muito difícil fazer essa desconexão de uma quantidade imensa de satélites de um país do tamanho do Brasil. E a desconexão não afetaria só nossos guias de trânsito. Afetaria todos os aviões americanos, todos os navios americanos que passassem pela região. Afetaria, igualmente, todos os países vizinhos ao Brasil.

O corte do sistema Swift foi uma hipótese levantada pelo deputado federal não mais licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em uma de suas muitas lives. Ele — que parece estar numa crise maníaca não tratada e agrava sua situação a cada vez que encara uma câmera ligada à internet — está desinformado. Também há uma alternativa ao Swift, embora seja mais complexa. É o Cips chinês. A Rússia foi cortada do sistema Swift durante o governo Joe Biden como parte das muitas sanções econômicas impostas após a invasão da Ucrânia. Moscou fez a conversão de todo o seu sistema bancário para a opção chinesa. Demorou pouco mais de um ano. Com a tecnologia do sistema financeiro brasileiro, seria possível que demorasse menos para nós. Mas certamente seriam meses duros, com o Brasil tendo dificuldades de fazer negócios para fora.

Ainda assim, há um detalhe político importante: o Swift não é apenas americano. Trata-se de uma joint venture com a União Europeia que tem sede em Bruxelas. Ou seja, não basta que a Casa Branca deseje desconectar um país do mundo. É preciso que a União Europeia queira o mesmo. Não há qualquer sinal de que a hipótese seja razoável.

O ponto é o seguinte: esses sistemas como GPS, Swift e tantos outros dependem de confiança internacional. A Rússia foi cortada do Swift por decisão conjunta de Washington e União Europeia porque decidiu sair para uma guerra de anexação de território. Algo assim não ocorria no mundo desde a Alemanha nazista. Foi por causa da gravidade do ocorrido que a punição foi escolhida. Não foi porque um presidente americano acordou de mau humor ou encontrou um líder político estrangeiro com o qual não simpatizava.

Se os americanos começam a usar a infraestrutura mundial que inventaram ou controlam para punir outros países, o resultado é um alerta mundial. Um alerta para o qual só há uma resposta: criar uma infraestrutura substituta que não dependa dos humores de Washington. Muitos consórcios internacionais assim existem, mais surgiriam.

Se boa parte do problema americano é não perder uma guerra comercial, diplomática ou o que for para a China, a pior coisa que os Estados Unidos poderiam fazer é informar a todo mundo: é inseguro usar sistemas americanos. Donald Trump pode ser impulsivo, mas seu maior problema ainda é a China, e gente o suficiente, inclusive no movimento radical Maga, compreende o que não dá para saber.

Isso não quer dizer que outras sanções para o Brasil não possam ser levantadas. Podem. Só que essas, técnicas, seriam um contratempo para o Brasil e um suicídio em nível mundial para os Estados Unidos. Afinal, seu resultado seria ceder mais espaço para Pequim.