sexta-feira, 10 de outubro de 2025
Uma proposta de paz na Palestina e muitas desconfianças
Será Donald Trump, o mesmo presidente que disse que transformaria Gaza na “Riviera do Oriente Médio” e que comanda o país que é de longe o principal fornecedor de armas para Israel, quem trará paz à região? O governante que persegue imigrantes nos Estados Unidos, que taxa arbitrariamente outros países e que ameaça a própria democracia interna será o responsável por colocar fim ao genocídio do povo palestino?
A proposta ainda vem acompanhada de uma ameaça explícita: “Se o Hamas não aceitar o plano de Trump, vamos terminar o serviço”, afirmou Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Qual é o serviço? Matar indiscriminadamente a população e continuar seu processo de colonização. A proposta não inclui a participação dos palestinos e, segundo a Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), apenas reforça a ocupação ilegal.
“Ao invés de oferecer uma perspectiva real para uma solução política justa e duradoura para a Questão Palestina, o ‘Plano de Trump’ aprofunda a ocupação ilegal da Palestina, mantém Gaza sob o bloqueio genocidário israelense, restando aos palestinos passar as próximas décadas tentando retirar seus familiares dos escombros, sob uma administração de fome e condições subumanas.”, afirma, em nota, a FEPAL.
Não podemos esquecer que, na última proposta de cessar-fogo, os palestinos foram atraídos de volta à Palestina para sofrer um ataque cada vez mais covarde e brutal. Israel nunca respeitou o acordo e mensagens desencontradas já começam a surgir após a nova proposta. Paz ou mais uma armadilha?
Enquanto o acordo não vem, sabemos que Israel, com apoio estadunidense, continua a quebrar tratados internacionais, incluindo a interceptação da Flotilha Global, em áreas internacionais, que tentava levar ajuda humanitária para Gaza. Cerca de 500 ativistas, incluindo médicos, parlamentares e jornalistas, foram detidos. Mais uma violação do direito internacional para manter o bloqueio, a fome e o projeto expansionista de Israel.
Enquanto crianças palestinas passam fome, são mutiladas, perdem familiares e, muitas vezes, a própria vida, os EUA e Israel projetam as terras sem palestinos. Trump chegou a afirmar, sem nenhum pudor, que pretende transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio”.
A ofensiva de Israel é um processo histórico de colonização. Para entender as raízes históricas e geopolíticas dessa barbárie é indispensável observar os mapas que mostram a expansão do Estado de Israel ao longo das décadas e como os palestinos foram ficando em territórios cada vez menores. Isso já em 2020, antes do atual conflito.
Esses dados deixam explícito: o que estamos presenciando é um processo de colonização. Embora possua características específicas do momento histórico em que vivemos, ele carrega elementos comuns a outros processos coloniais: invasão de território, roubo de riquezas, desumanização e o extermínio da população.
Além da apropriação de terras, há outros interesses econômicos em jogo. Os territórios palestinos possuem vastas reservas de petróleo e gás natural, como apontado pelo relatório da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A bacia próxima à Faixa de Gaza contém cerca de 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural, avaliados em 453 bilhões de dólares. Israel é o único a explorar esses campos.
Dados do próprio Exército de Israel mostram que pelo menos 83% dos mortos em Gaza são civis. De acordo com as autoridades de saúde da Palestina, são mais de 65 mil pessoas mortas pelo exército israelense desde outubro de 2023. Esta contagem pode ser muito maior. Organizações internacionais apontam que tanto Israel quanto autoridades palestinas subestimam o número real de mortos no conflito. Em janeiro, uma pesquisa publicada na prestigiada revista The Lancet estimou que as perdas podem ser pelo menos 40% maiores.
Enquanto o massacre segue em curso, outra guerra é desenvolvida: a disputa da narrativa e o controle da informação. Ecoando o discurso israelense que chama de “guerra” o genocídio e justifica os crimes cometidos por Israel por um suposto enfrentamento ao terrorismo, está boa parte da mídia ocidental, inclusive no Brasil. No meio digital, o modelo de negócio das big techs, que privilegia discursos de ódio e conteúdos virais – sejam verdadeiros ou falsos – alimenta uma narrativa que relativiza a vida do povo palestino.
Na geopolítica da barbárie, a desordem informativa também é uma arma poderosa. Na internet, são milhares de mentiras que circulam e incentivam o ódio aos palestinos. Entre elas, foram desmentidas as informações de que o Hamas decapitou dezenas de bebês. Também é falsa a informação de que um bebê foi assado no forno, ou que um outro foi arrancado à faca do útero da mãe. A desinformação que circula pelas redes, reforçada pelos algoritmos desenhados pelas grandes plataformas digitais, é apenas uma das violações do direito à informação e à comunicação identificadas no conflito atual e antes dele.
O Observatório Palestino de Violações de Direitos Digitais, coordenado pela organização 7amleh – The Arab Center for the Advancement of Social Media, possui uma plataforma online para monitorar, documentar e acompanhar as violações dos direitos digitais dos palestinos. De 2021 a 2025, a plataforma recebeu e encaminhou cerca de 10.200 denúncias de violações. A maior parte se refere à incitação à violência contra palestinos por parte de contas existentes nas redes sociais (40,44%), seguido de censura de conteúdo palestino por parte das plataformas (35,34%), discurso de ódio (10,05%), remoção de conteúdo (3,70%), campanha difamatória (3,34%), fake news (2,66%), hackeamento (1,90%), violência baseada em gênero (1,76%), entre outros.
Relatório lançado pela organização, em setembro de 2024 documenta mais de 5.100 casos de censura digital e disseminação de conteúdo prejudicial em grandes plataformas como Meta e X, em outubro de 2023 e setembro de 2024. As plataformas digitais também lucraram financeiramente com conteúdo publicitário prejudicial, como mostra o relatório: “O Facebook, de propriedade da Meta, veiculou anúncios direcionados incitando o assassinato de indivíduos e defendendo a expulsão forçada de palestinos da Cisjordânia para a Jordânia. Além disso, as políticas de publicidade do YouTube foram consideradas não compatíveis com os padrões de direitos humanos. O Ministério das Relações Exteriores de Israel promoveu anúncios sobre a guerra em andamento em Gaza no YouTube, refletindo sua ideologia para públicos na França, Alemanha e Reino Unido, com um orçamento de US$ 7,1 milhões em duas semanas após 7 de outubro de 2023, em violação às próprias políticas da plataforma”.
Além das violações de direitos por parte das plataformas digitais, o documento cita ainda o uso extensivo de tecnologia nas violações de direitos humanos pelo governo israelense, como o emprego de inteligência artificial para atingir os palestinos e a promoção de apagões de internet e comunicação sem fio como uma tática de guerra ilegal durante a campanha militar de Israel em Gaza. O ataque a jornalistas e às infraestruturas de telecomunicações e a interrupção de serviços de internet e comunicação geraram um grande obstáculo para registrar violações ou mesmo salvar vidas. Além de afetar a liberdade de expressão e o acesso a informações, os ataques prejudicam as ajudas humanitárias, que já são dificultadas por Israel.
A guerra informativa não se limita às redes sociais. Casos amplamente divulgados pela grande mídia ocidental, mesmo que categoricamente desmentidos, são comuns e assustam pela força que se espalham, apesar da inconsistência.
No artigo Uma avalanche de censuras e notícias falsas, o filósofo Murilo Seabra aponta a tendenciosa cobertura da mídia ocidental sobre a pauta. Mostra, por exemplo, como o New York Times reanimou uma notícia cuja falsidade já havia sido comprovada: a de que os membros da brigada Al-Qassam cometeram “estupros em massa”. A matéria foi desmentida pela família da suposta vítima.
Em outro texto publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, o comunicador Alex Hercog, do Intervozes, destaca que os veículos brasileiros também produzem uma cobertura enviesada ao invisibilizar o debate sobre o “apartheid” existente em Gaza, ignorando o contexto histórico do conflito e encobrindo os crimes cometidos por Israel. O texto A contribuição da mídia para o ciclo de violência, do jornalista Igor Ojeda, também traz exemplos dessa parcialidade, como o uso predominante de fontes israelenses nas matérias.
Em resposta a esse contexto, no Brasil, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) publicou, em novembro de 2024, recomendação sobre a cobertura da ofensiva israelense. O texto pede que os jornais impressos, digitais e, principalmente, TVs e rádios, que administram concessões públicas de radiodifusão, garantam maior diversidade de vozes e equilíbrio de fontes na cobertura do conflito.
A recomendação alerta para o risco de uso de expressões que possam aumentar o preconceito a religiões ou grupos étnicos, como o qualificativo “extremista” ou “terrorista”. Apesar das recomendações, parte importante da cobertura jornalística no país segue enviesada.
Após o anúncio do possível cessar-fogo anterior, que não aconteceu, veículos da mídia brasileira e internacional têm destacado como as “duas partes” irão cumprir acordos. Nesse contexto, sempre se referiram ao Hamas como responsável por “reféns” e a Israel como detentor de “prisioneiros”. O termo “refém” carrega uma conotação pejorativa, enquanto “prisioneiro” sugere algo mais aceitável dentro de parâmetros legais do que seria uma guerra e ganha aparência de moral e civilizado. Contudo, como considerar razoável o fato de Israel deter pessoas de forma arbitrária, sem sequer prestar informações sobre os motivos de sua prisão e ainda usá-las como garantia para acordos futuros!?
Outro fator que contribui para essa “guerra” por meio das informações é a violência contra jornalistas e comunicadores que se tornaram alvo e vítimas de Israel. Segundo o Comitê de Proteção a Jornalistas, desde o começo do conflito, 166 jornalistas foram mortos em Gaza. Outras fontes indicam mais de 200 mortes. A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) classificou o conflito como um dos mais letais para jornalistas.
“A terra dos homens é, como vós afirmais, de todos os homens?”
A pergunta tirada de poema de Mahmoud Darwish, poeta palestino falecido em 2008, provoca que é preciso seguir lembrando e questionando o genocídio e a barbárie. A invasão e a disputa territorial ganham contornos ainda mais desumanos quando as crianças viram alvo. Os ataques indiscriminados de Israel contra civis palestinos transformaram as crianças em suas principais vítimas.
Caminhando ao lado desse genocídio estão as principais plataformas digitais. A imagem de representantes das poderosas big techs participando da posse de Trump é mais que simbólica. É a demonstração contundente da aliança tecnopolítica de podres poderes no rumo a uma humanidade desumanizada. O anúncio de Mark Zuckerberg de novas políticas de moderação de conteúdo explicitamente favorecedoras da difusão de ainda mais ódio a grupos vulnerabilizados também vem nessa toada e coloca os palestinos em risco.
“Um número extremamente elevado de crianças em Gaza continua a morrer, a ser mutilado, ferido, desaparecido, deslocado, a ficar órfão e ser vítima da fome, da desnutrição e de doenças”, diz o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas. Além dos assassinatos e da fome, usada por Israel como estratégia de guerra, organizações do mundo inteiro denunciam as prisões ilegais.
A ONU e a Save the Children denunciam que entre 500 e 700 crianças palestinas entram anualmente no sistema de detenção militar israelense. Mesmo antes da escalada do atual conflito, os palestinos já eram tratados como reféns. Nem o termo “refém”, nem denúncias sobre o tratamento dado por Israel em suas prisões costumam aparecer nas mídias comerciais. Enquanto que nas redes sociais, a política de algoritmos e os interesses econômicos das grandes plataformas impedem um debate franco, com informações transparentes.
Em meio aos escombros reais e digitais, emerge Donald Trump, evocando para si o personagem de salvador dos problemas do mundo. Impossível prever a estratégia do presidente estadunidense e seus acordos para promover um cessar-fogo. Histórico aliado de Israel e beneficiário do genocídio, os movimentos dos Estados Unidos trazem desconfiança. E ainda que o exército israelense seja temporariamente freado, é difícil acreditar em um futuro em que o povo palestino tenha o direito de reconstruir suas casas, ocupar seu território e viver sem ameaçadas.
A proposta ainda vem acompanhada de uma ameaça explícita: “Se o Hamas não aceitar o plano de Trump, vamos terminar o serviço”, afirmou Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Qual é o serviço? Matar indiscriminadamente a população e continuar seu processo de colonização. A proposta não inclui a participação dos palestinos e, segundo a Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), apenas reforça a ocupação ilegal.
“Ao invés de oferecer uma perspectiva real para uma solução política justa e duradoura para a Questão Palestina, o ‘Plano de Trump’ aprofunda a ocupação ilegal da Palestina, mantém Gaza sob o bloqueio genocidário israelense, restando aos palestinos passar as próximas décadas tentando retirar seus familiares dos escombros, sob uma administração de fome e condições subumanas.”, afirma, em nota, a FEPAL.
Não podemos esquecer que, na última proposta de cessar-fogo, os palestinos foram atraídos de volta à Palestina para sofrer um ataque cada vez mais covarde e brutal. Israel nunca respeitou o acordo e mensagens desencontradas já começam a surgir após a nova proposta. Paz ou mais uma armadilha?
Enquanto o acordo não vem, sabemos que Israel, com apoio estadunidense, continua a quebrar tratados internacionais, incluindo a interceptação da Flotilha Global, em áreas internacionais, que tentava levar ajuda humanitária para Gaza. Cerca de 500 ativistas, incluindo médicos, parlamentares e jornalistas, foram detidos. Mais uma violação do direito internacional para manter o bloqueio, a fome e o projeto expansionista de Israel.
Enquanto crianças palestinas passam fome, são mutiladas, perdem familiares e, muitas vezes, a própria vida, os EUA e Israel projetam as terras sem palestinos. Trump chegou a afirmar, sem nenhum pudor, que pretende transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio”.
A ofensiva de Israel é um processo histórico de colonização. Para entender as raízes históricas e geopolíticas dessa barbárie é indispensável observar os mapas que mostram a expansão do Estado de Israel ao longo das décadas e como os palestinos foram ficando em territórios cada vez menores. Isso já em 2020, antes do atual conflito.
Esses dados deixam explícito: o que estamos presenciando é um processo de colonização. Embora possua características específicas do momento histórico em que vivemos, ele carrega elementos comuns a outros processos coloniais: invasão de território, roubo de riquezas, desumanização e o extermínio da população.
Além da apropriação de terras, há outros interesses econômicos em jogo. Os territórios palestinos possuem vastas reservas de petróleo e gás natural, como apontado pelo relatório da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A bacia próxima à Faixa de Gaza contém cerca de 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural, avaliados em 453 bilhões de dólares. Israel é o único a explorar esses campos.
Dados do próprio Exército de Israel mostram que pelo menos 83% dos mortos em Gaza são civis. De acordo com as autoridades de saúde da Palestina, são mais de 65 mil pessoas mortas pelo exército israelense desde outubro de 2023. Esta contagem pode ser muito maior. Organizações internacionais apontam que tanto Israel quanto autoridades palestinas subestimam o número real de mortos no conflito. Em janeiro, uma pesquisa publicada na prestigiada revista The Lancet estimou que as perdas podem ser pelo menos 40% maiores.
Enquanto o massacre segue em curso, outra guerra é desenvolvida: a disputa da narrativa e o controle da informação. Ecoando o discurso israelense que chama de “guerra” o genocídio e justifica os crimes cometidos por Israel por um suposto enfrentamento ao terrorismo, está boa parte da mídia ocidental, inclusive no Brasil. No meio digital, o modelo de negócio das big techs, que privilegia discursos de ódio e conteúdos virais – sejam verdadeiros ou falsos – alimenta uma narrativa que relativiza a vida do povo palestino.
Na geopolítica da barbárie, a desordem informativa também é uma arma poderosa. Na internet, são milhares de mentiras que circulam e incentivam o ódio aos palestinos. Entre elas, foram desmentidas as informações de que o Hamas decapitou dezenas de bebês. Também é falsa a informação de que um bebê foi assado no forno, ou que um outro foi arrancado à faca do útero da mãe. A desinformação que circula pelas redes, reforçada pelos algoritmos desenhados pelas grandes plataformas digitais, é apenas uma das violações do direito à informação e à comunicação identificadas no conflito atual e antes dele.
O Observatório Palestino de Violações de Direitos Digitais, coordenado pela organização 7amleh – The Arab Center for the Advancement of Social Media, possui uma plataforma online para monitorar, documentar e acompanhar as violações dos direitos digitais dos palestinos. De 2021 a 2025, a plataforma recebeu e encaminhou cerca de 10.200 denúncias de violações. A maior parte se refere à incitação à violência contra palestinos por parte de contas existentes nas redes sociais (40,44%), seguido de censura de conteúdo palestino por parte das plataformas (35,34%), discurso de ódio (10,05%), remoção de conteúdo (3,70%), campanha difamatória (3,34%), fake news (2,66%), hackeamento (1,90%), violência baseada em gênero (1,76%), entre outros.
Relatório lançado pela organização, em setembro de 2024 documenta mais de 5.100 casos de censura digital e disseminação de conteúdo prejudicial em grandes plataformas como Meta e X, em outubro de 2023 e setembro de 2024. As plataformas digitais também lucraram financeiramente com conteúdo publicitário prejudicial, como mostra o relatório: “O Facebook, de propriedade da Meta, veiculou anúncios direcionados incitando o assassinato de indivíduos e defendendo a expulsão forçada de palestinos da Cisjordânia para a Jordânia. Além disso, as políticas de publicidade do YouTube foram consideradas não compatíveis com os padrões de direitos humanos. O Ministério das Relações Exteriores de Israel promoveu anúncios sobre a guerra em andamento em Gaza no YouTube, refletindo sua ideologia para públicos na França, Alemanha e Reino Unido, com um orçamento de US$ 7,1 milhões em duas semanas após 7 de outubro de 2023, em violação às próprias políticas da plataforma”.
Além das violações de direitos por parte das plataformas digitais, o documento cita ainda o uso extensivo de tecnologia nas violações de direitos humanos pelo governo israelense, como o emprego de inteligência artificial para atingir os palestinos e a promoção de apagões de internet e comunicação sem fio como uma tática de guerra ilegal durante a campanha militar de Israel em Gaza. O ataque a jornalistas e às infraestruturas de telecomunicações e a interrupção de serviços de internet e comunicação geraram um grande obstáculo para registrar violações ou mesmo salvar vidas. Além de afetar a liberdade de expressão e o acesso a informações, os ataques prejudicam as ajudas humanitárias, que já são dificultadas por Israel.
A guerra informativa não se limita às redes sociais. Casos amplamente divulgados pela grande mídia ocidental, mesmo que categoricamente desmentidos, são comuns e assustam pela força que se espalham, apesar da inconsistência.
No artigo Uma avalanche de censuras e notícias falsas, o filósofo Murilo Seabra aponta a tendenciosa cobertura da mídia ocidental sobre a pauta. Mostra, por exemplo, como o New York Times reanimou uma notícia cuja falsidade já havia sido comprovada: a de que os membros da brigada Al-Qassam cometeram “estupros em massa”. A matéria foi desmentida pela família da suposta vítima.
Em outro texto publicado no Le Monde Diplomatique Brasil, o comunicador Alex Hercog, do Intervozes, destaca que os veículos brasileiros também produzem uma cobertura enviesada ao invisibilizar o debate sobre o “apartheid” existente em Gaza, ignorando o contexto histórico do conflito e encobrindo os crimes cometidos por Israel. O texto A contribuição da mídia para o ciclo de violência, do jornalista Igor Ojeda, também traz exemplos dessa parcialidade, como o uso predominante de fontes israelenses nas matérias.
Em resposta a esse contexto, no Brasil, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) publicou, em novembro de 2024, recomendação sobre a cobertura da ofensiva israelense. O texto pede que os jornais impressos, digitais e, principalmente, TVs e rádios, que administram concessões públicas de radiodifusão, garantam maior diversidade de vozes e equilíbrio de fontes na cobertura do conflito.
A recomendação alerta para o risco de uso de expressões que possam aumentar o preconceito a religiões ou grupos étnicos, como o qualificativo “extremista” ou “terrorista”. Apesar das recomendações, parte importante da cobertura jornalística no país segue enviesada.
Após o anúncio do possível cessar-fogo anterior, que não aconteceu, veículos da mídia brasileira e internacional têm destacado como as “duas partes” irão cumprir acordos. Nesse contexto, sempre se referiram ao Hamas como responsável por “reféns” e a Israel como detentor de “prisioneiros”. O termo “refém” carrega uma conotação pejorativa, enquanto “prisioneiro” sugere algo mais aceitável dentro de parâmetros legais do que seria uma guerra e ganha aparência de moral e civilizado. Contudo, como considerar razoável o fato de Israel deter pessoas de forma arbitrária, sem sequer prestar informações sobre os motivos de sua prisão e ainda usá-las como garantia para acordos futuros!?
Outro fator que contribui para essa “guerra” por meio das informações é a violência contra jornalistas e comunicadores que se tornaram alvo e vítimas de Israel. Segundo o Comitê de Proteção a Jornalistas, desde o começo do conflito, 166 jornalistas foram mortos em Gaza. Outras fontes indicam mais de 200 mortes. A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) classificou o conflito como um dos mais letais para jornalistas.
“A terra dos homens é, como vós afirmais, de todos os homens?”
A pergunta tirada de poema de Mahmoud Darwish, poeta palestino falecido em 2008, provoca que é preciso seguir lembrando e questionando o genocídio e a barbárie. A invasão e a disputa territorial ganham contornos ainda mais desumanos quando as crianças viram alvo. Os ataques indiscriminados de Israel contra civis palestinos transformaram as crianças em suas principais vítimas.
Caminhando ao lado desse genocídio estão as principais plataformas digitais. A imagem de representantes das poderosas big techs participando da posse de Trump é mais que simbólica. É a demonstração contundente da aliança tecnopolítica de podres poderes no rumo a uma humanidade desumanizada. O anúncio de Mark Zuckerberg de novas políticas de moderação de conteúdo explicitamente favorecedoras da difusão de ainda mais ódio a grupos vulnerabilizados também vem nessa toada e coloca os palestinos em risco.
“Um número extremamente elevado de crianças em Gaza continua a morrer, a ser mutilado, ferido, desaparecido, deslocado, a ficar órfão e ser vítima da fome, da desnutrição e de doenças”, diz o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas. Além dos assassinatos e da fome, usada por Israel como estratégia de guerra, organizações do mundo inteiro denunciam as prisões ilegais.
A ONU e a Save the Children denunciam que entre 500 e 700 crianças palestinas entram anualmente no sistema de detenção militar israelense. Mesmo antes da escalada do atual conflito, os palestinos já eram tratados como reféns. Nem o termo “refém”, nem denúncias sobre o tratamento dado por Israel em suas prisões costumam aparecer nas mídias comerciais. Enquanto que nas redes sociais, a política de algoritmos e os interesses econômicos das grandes plataformas impedem um debate franco, com informações transparentes.
Em meio aos escombros reais e digitais, emerge Donald Trump, evocando para si o personagem de salvador dos problemas do mundo. Impossível prever a estratégia do presidente estadunidense e seus acordos para promover um cessar-fogo. Histórico aliado de Israel e beneficiário do genocídio, os movimentos dos Estados Unidos trazem desconfiança. E ainda que o exército israelense seja temporariamente freado, é difícil acreditar em um futuro em que o povo palestino tenha o direito de reconstruir suas casas, ocupar seu território e viver sem ameaçadas.
Gaza, dois anos depois: A humanidade sob escombros
Dois anos após o início da guerra em Gaza, o conflito consolidou-se como uma das mais severas catástrofes humanitárias do século XXI e como um símbolo incontornável da falência ética e política da ordem global.
O que começou como um confronto localizado evoluiu para uma espiral de devastação contínua — um processo de degradação moral que desafia os próprios fundamentos do direito humanitário. A cada dia, acumulam-se as vítimas, expandem-se as ruínas e cristaliza-se o silêncio diplomático — como se a dor palestiniana tivesse tornado rotina.
O prolongamento da ofensiva, assente em bombardeamentos incessantes, deslocações forçadas e no colapso das infraestruturas civis, revela o esgotamento da diplomacia global e a impotência das grandes potências para conter a lógica da violência. Gaza transformou-se no espelho mais implacável da apatia coletiva: uma sociedade sitiada onde sobreviver é o último exercício de dignidade.
Segundo as Nações Unidas, mais de dois terços das habitações foram destruídas ou gravemente danificadas, deixando cerca de 1,7 milhão de pessoas sem abrigo. Os hospitais operam à beira do colapso, dependentes de geradores e sem medicamentos essenciais; os abrigos, outrora refúgios, converteram-se em novos alvos de ataques.
A água potável escasseia, a eletricidade rareia e a fome alastra em silêncio, atingindo sobretudo crianças e idosos. De acordo com dados recentes da OMS e da Unicef, cerca de 1,2 milhão de menores necessitam de apoio psicológico urgente, e mais de 23 mil sofreram ferimentos físicos graves — muitos com amputações ou sequelas permanentes.
Estudos indicam que mais de 90% das crianças exibem sintomas de trauma, desde insónias e pesadelos a crises de ansiedade e mutismo seletivo. Em Gaza, a infância converteu-se na primeira vítima do colapso humanitário, e o trauma colectivo é hoje a herança mais devastadora da guerra.
A destruição das escolas — com mais de 80% das instalações educativas danificadas — e o encerramento das universidades mergulharam uma geração inteira num vazio sem futuro, num limbo entre a sobrevivência e a desesperança.
Enquanto a tragédia humana se aprofunda, a comunidade internacional oscila entre a inação e a dissimulação. O Conselho de Segurança das Nações Unidas permanece bloqueado por vetos, reduzido à emissão de comunicados sem efeito.
Os Estados Unidos sustentam o discurso do “direito à autodefesa” de Israel, ignorando a desproporção abissal entre as partes e a destruição sistemática de infraestruturas civis. A União Europeia, dividida entre a culpa histórica e o cálculo político, hesita em adotar uma posição firme, permitindo que a prudência diplomática se confunda com complacência.
O resultado é uma neutralidade que, sob o pretexto da moderação, normaliza o horror. No mundo árabe, o imobilismo também domina: o Egito gere Rafah como quem controla o fluxo de uma ferida aberta; a Jordânia e o Líbano enfrentam as suas próprias crises, e as monarquias do Golfo preferem o silêncio conveniente à solidariedade efetiva. A causa palestiniana, outrora símbolo de unidade, tornou-se um incómodo político.
A guerra desenrola-se igualmente no domínio simbólico. O Ocidente alimenta-se de uma linguagem de eufemismos — “danos colaterais”, “operações cirúrgicas”, “zonas seguras” — que dilui a brutalidade dos factos. As redes sociais, saturadas de imagens de destruição, banalizam o horror e anestesiam a empatia: quanto mais se vê menos se sente.
A repetição da tragédia converte a dor em ruído, e o sofrimento deixa de comover. A paralisia moral global é hoje tão letal quanto as bombas. Gaza não é apenas um palco de guerra, mas o ponto de fratura de uma civilização que se habituou a assistir à morte sem reagir.
A persistência do conflito expõe o colapso das instituições multilaterais e o uso seletivo do direito internacional — implacável com os fracos, condescendente com os poderosos. Quando a justiça se transforma numa moeda política, o seu valor evapora-se.
Passados dois anos, Gaza já não é apenas um território devastado: é o retrato mais nítido da decadência ética do nosso tempo. Cada ruína, cada criança órfã, cada hospital em cinzas denuncia a contradição de um mundo que proclama os direitos humanos enquanto observa a sua violação diária.
O que se destrói não é apenas uma cidade, mas a própria ideia de humanidade. Se o século XXI começou com a promessa de uma ordem baseada em valores universais, Gaza demonstra o inverso: a erosão silenciosa da compaixão e a indiferença erigida em norma. Talvez essa seja a ferida mais profunda — a certeza de que, diante do abismo, o mundo preferiu desviar o olhar.
O que começou como um confronto localizado evoluiu para uma espiral de devastação contínua — um processo de degradação moral que desafia os próprios fundamentos do direito humanitário. A cada dia, acumulam-se as vítimas, expandem-se as ruínas e cristaliza-se o silêncio diplomático — como se a dor palestiniana tivesse tornado rotina.
O prolongamento da ofensiva, assente em bombardeamentos incessantes, deslocações forçadas e no colapso das infraestruturas civis, revela o esgotamento da diplomacia global e a impotência das grandes potências para conter a lógica da violência. Gaza transformou-se no espelho mais implacável da apatia coletiva: uma sociedade sitiada onde sobreviver é o último exercício de dignidade.
Segundo as Nações Unidas, mais de dois terços das habitações foram destruídas ou gravemente danificadas, deixando cerca de 1,7 milhão de pessoas sem abrigo. Os hospitais operam à beira do colapso, dependentes de geradores e sem medicamentos essenciais; os abrigos, outrora refúgios, converteram-se em novos alvos de ataques.
A água potável escasseia, a eletricidade rareia e a fome alastra em silêncio, atingindo sobretudo crianças e idosos. De acordo com dados recentes da OMS e da Unicef, cerca de 1,2 milhão de menores necessitam de apoio psicológico urgente, e mais de 23 mil sofreram ferimentos físicos graves — muitos com amputações ou sequelas permanentes.
Estudos indicam que mais de 90% das crianças exibem sintomas de trauma, desde insónias e pesadelos a crises de ansiedade e mutismo seletivo. Em Gaza, a infância converteu-se na primeira vítima do colapso humanitário, e o trauma colectivo é hoje a herança mais devastadora da guerra.
A destruição das escolas — com mais de 80% das instalações educativas danificadas — e o encerramento das universidades mergulharam uma geração inteira num vazio sem futuro, num limbo entre a sobrevivência e a desesperança.
Enquanto a tragédia humana se aprofunda, a comunidade internacional oscila entre a inação e a dissimulação. O Conselho de Segurança das Nações Unidas permanece bloqueado por vetos, reduzido à emissão de comunicados sem efeito.
Os Estados Unidos sustentam o discurso do “direito à autodefesa” de Israel, ignorando a desproporção abissal entre as partes e a destruição sistemática de infraestruturas civis. A União Europeia, dividida entre a culpa histórica e o cálculo político, hesita em adotar uma posição firme, permitindo que a prudência diplomática se confunda com complacência.
O resultado é uma neutralidade que, sob o pretexto da moderação, normaliza o horror. No mundo árabe, o imobilismo também domina: o Egito gere Rafah como quem controla o fluxo de uma ferida aberta; a Jordânia e o Líbano enfrentam as suas próprias crises, e as monarquias do Golfo preferem o silêncio conveniente à solidariedade efetiva. A causa palestiniana, outrora símbolo de unidade, tornou-se um incómodo político.
A guerra desenrola-se igualmente no domínio simbólico. O Ocidente alimenta-se de uma linguagem de eufemismos — “danos colaterais”, “operações cirúrgicas”, “zonas seguras” — que dilui a brutalidade dos factos. As redes sociais, saturadas de imagens de destruição, banalizam o horror e anestesiam a empatia: quanto mais se vê menos se sente.
A repetição da tragédia converte a dor em ruído, e o sofrimento deixa de comover. A paralisia moral global é hoje tão letal quanto as bombas. Gaza não é apenas um palco de guerra, mas o ponto de fratura de uma civilização que se habituou a assistir à morte sem reagir.
A persistência do conflito expõe o colapso das instituições multilaterais e o uso seletivo do direito internacional — implacável com os fracos, condescendente com os poderosos. Quando a justiça se transforma numa moeda política, o seu valor evapora-se.
Passados dois anos, Gaza já não é apenas um território devastado: é o retrato mais nítido da decadência ética do nosso tempo. Cada ruína, cada criança órfã, cada hospital em cinzas denuncia a contradição de um mundo que proclama os direitos humanos enquanto observa a sua violação diária.
O que se destrói não é apenas uma cidade, mas a própria ideia de humanidade. Se o século XXI começou com a promessa de uma ordem baseada em valores universais, Gaza demonstra o inverso: a erosão silenciosa da compaixão e a indiferença erigida em norma. Talvez essa seja a ferida mais profunda — a certeza de que, diante do abismo, o mundo preferiu desviar o olhar.
Resumos de IA estão destruindo a internet
A mídia está em perigo. Isso não é exagero: como quase todo mundo já sabe, o Google introduziu resumos automáticos ( visão geral de IA , como eles os chamam) em seus resultados de pesquisa. Esses resumos exibem um trecho de conteúdo de várias fontes diretamente na página de resultados, sem que o usuário precise clicar para ler o artigo completo. De acordo com muitos veículos de comunicação ( The Economist abriu as comportas há dois meses com um artigo fantástico intitulado AI is killing the web . Can anything save it ? ), esses resumos estão causando quedas significativas nas taxas de cliques para os artigos originais. Não é apenas a mídia digital que está passando por esse declínio: fóruns, redes sociais e sites como a Wikipédia também estão passando por esse declínio. Estudos mostram que apenas 1% dos usuários de resumos realmente chegam à fonte original. Agora que mudamos a maneira como trabalhamos para nos adaptar ao Google, ele está mudando as regras do jogo novamente.
Em última análise, os leitores, ao encontrarem o que procuram diretamente no resumo, não sentem mais a necessidade de visitar a página de origem. E para os veículos de comunicação, isso representa um duplo problema: por um lado, uma perda de receita de publicidade ou assinatura, porque a falta de tráfego gerado pelos mecanismos de busca reduz a monetização. Por outro lado, há uma preocupação com a visibilidade de suas marcas: se os usuários consomem conteúdo sem ver o artigo original, o reconhecimento do veículo de comunicação é enfraquecido. Alguns já levaram o assunto aos órgãos reguladores, exigindo transparência do Google e de outros mecanismos de busca sobre os critérios usados para compilar seus resumos, como selecionam as fontes e quais dados possuem sobre esse tráfego. Iniciativas também estão sendo desenvolvidas para compensar veículos de comunicação e sites porque, caso contrário, a internet aberta como a conhecemos hoje pode desaparecer para sempre, atolada na endogamia de grandes corporações.
Pode parecer exagero, mas faça o teste hoje. Às 13h, será anunciado o Prêmio Nobel de Literatura. Quantas pessoas irão a um site confiável (por exemplo, este) para descobrir quem é o novo ganhador, e quantas pessoas ignorarão um site respeitável (por exemplo, este) e se contentarão com as 10 frases que o Google oferece? Descobriremos em breve.
Há uma anedota curiosa sobre o Prêmio Nobel de Literatura: uma hora antes do poeta Tomas Tranströmer receber o feliz telefonema da Academia Sueca em 2011, um site que reproduzia o Prêmio Nobel, criado por um grupo de ativistas sérvios, anunciou que o vencedor era um compatriota: o escritor nacionalista Dobrica Ćosić. A mídia local (e internacional, como o The Guardian ) reproduziu a notícia falsa. O que os resumos de IA do Google teriam dito se tivessem perguntado naquela época? Bem, o vencedor foi Ćosić, é claro. Não porque leram em um veículo de prestígio, mas porque a verdade tem peso, e a maioria dos veículos de comunicação comemorou a vitória fugaz do sérvio. Essa é a desvantagem dos resumos: hoje em dia eles perdem mais do que uma espingarda de parque de diversões. Não é corporativismo, é a verdade.
Sejam os resumos mentirosos ou não, a verdade é que a imprensa não sabe como lidar com essa queda no tráfego dos mecanismos de busca. E o pior é que, mesmo que consiga superar esse obstáculo, os donos da internet mudarão novamente as regras do jogo da noite para o dia, neste Dia da Marmota da degradação da qualidade da informação (e da democracia) que começou no dia em que a mídia entregou a autopista da informação e iniciou um processo de degeneração progressiva (e imparável?) do ecossistema virtual. Aliás, esse fenômeno enferrujado do ambiente digital é cada vez mais conhecido como “merdação “. Nenhuma IA teria inventado um termo tão apropriado.
Jorge Morla
Em última análise, os leitores, ao encontrarem o que procuram diretamente no resumo, não sentem mais a necessidade de visitar a página de origem. E para os veículos de comunicação, isso representa um duplo problema: por um lado, uma perda de receita de publicidade ou assinatura, porque a falta de tráfego gerado pelos mecanismos de busca reduz a monetização. Por outro lado, há uma preocupação com a visibilidade de suas marcas: se os usuários consomem conteúdo sem ver o artigo original, o reconhecimento do veículo de comunicação é enfraquecido. Alguns já levaram o assunto aos órgãos reguladores, exigindo transparência do Google e de outros mecanismos de busca sobre os critérios usados para compilar seus resumos, como selecionam as fontes e quais dados possuem sobre esse tráfego. Iniciativas também estão sendo desenvolvidas para compensar veículos de comunicação e sites porque, caso contrário, a internet aberta como a conhecemos hoje pode desaparecer para sempre, atolada na endogamia de grandes corporações.
Pode parecer exagero, mas faça o teste hoje. Às 13h, será anunciado o Prêmio Nobel de Literatura. Quantas pessoas irão a um site confiável (por exemplo, este) para descobrir quem é o novo ganhador, e quantas pessoas ignorarão um site respeitável (por exemplo, este) e se contentarão com as 10 frases que o Google oferece? Descobriremos em breve.
Há uma anedota curiosa sobre o Prêmio Nobel de Literatura: uma hora antes do poeta Tomas Tranströmer receber o feliz telefonema da Academia Sueca em 2011, um site que reproduzia o Prêmio Nobel, criado por um grupo de ativistas sérvios, anunciou que o vencedor era um compatriota: o escritor nacionalista Dobrica Ćosić. A mídia local (e internacional, como o The Guardian ) reproduziu a notícia falsa. O que os resumos de IA do Google teriam dito se tivessem perguntado naquela época? Bem, o vencedor foi Ćosić, é claro. Não porque leram em um veículo de prestígio, mas porque a verdade tem peso, e a maioria dos veículos de comunicação comemorou a vitória fugaz do sérvio. Essa é a desvantagem dos resumos: hoje em dia eles perdem mais do que uma espingarda de parque de diversões. Não é corporativismo, é a verdade.
Sejam os resumos mentirosos ou não, a verdade é que a imprensa não sabe como lidar com essa queda no tráfego dos mecanismos de busca. E o pior é que, mesmo que consiga superar esse obstáculo, os donos da internet mudarão novamente as regras do jogo da noite para o dia, neste Dia da Marmota da degradação da qualidade da informação (e da democracia) que começou no dia em que a mídia entregou a autopista da informação e iniciou um processo de degeneração progressiva (e imparável?) do ecossistema virtual. Aliás, esse fenômeno enferrujado do ambiente digital é cada vez mais conhecido como “merdação “. Nenhuma IA teria inventado um termo tão apropriado.
Jorge Morla
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