sábado, 11 de maio de 2019

O BBB de Bolsonaro

A quem me dizia no ano passado que votaria no capitão como presidente não por ser a favor de Bolsonaro, mas por ser contra o PT, a corrupção e tudo o que estava aí, eu alertava para um perigo, que muitos achavam um mérito: a incógnita. Como seria Bolsonaro no Poder? Moderaria suas convicções para governar para todos ou radicalizaria? Já sabíamos que era homofóbico e idolatrava torturadores e ditadores. 


Sabíamos de sua confessada ignorância em Economia, mas havia o Paulo Guedes, que tiraria o país da recessão e aprovaria as reformas. Não sabíamos da total inapetência de Bolsonaro pela articulação política. Sabíamos que era boquirroto e bélico e que apelava ao homem comum e a um jeito tosco de ser. Sabíamos que a “arminha” com a mão era seu símbolo. Não sabíamos que usaria sua arma para dar tiros no pé e atingir o Brasil.

Suspeitávamos da má influência, no Planalto, da trinca da pesada Flávio, Carlos e Eduardo, amigos e vizinhos da criminosa milícia no Rio de Janeiro. Mas não sabíamos que eles se tornariam os porta-vozes do presidente, os intocáveis, “sangue de meu sangue”, com carta branca para “explodir” ministros e militares.

Não sabíamos que os filhos do presidente adotariam a vulgaridade virtual, sob o olhar terno do pai. O que o Brasil ganha com o exibicionismo da prole Bolsonaro e a verborragia de um metido a guru, Olavo de Carvalho? Nada ganhamos com a exacerbação do discurso ideológico. A direita já não venceu a eleição? Prometeu pragmatismo, seriedade, ordem e progresso. Até agora, e lá se vão mais de quatro meses, existe uma balbúrdia ensurdecedora. Até os evangélicos estão divididos.

Os palavrões de Olavo de Carvalho nas redes cairiam no vazio se não fossem validados pelo presidente. Bolsonaro já mostrou de que lado está. O das crises. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, silenciou para sair da linha de tiro de Carlos, o filho do meio. Mas não adianta. Com o aval do presidente, o Brasil está refém das fofocas de conspiração. Olavo foi condecorado. E elogiado por Bolsonaro como “ícone”, mesmo depois de depreciar uma doença degenerativa do general Villas Bôas, ex-comandante do Exército. Uma descortesia vexaminosa. Olavo virou papo de botequim, o cara que enxovalha as Forças Armadas e inspira presidente & filhos.

Quando Bolsonaro torna prioridade as armas para civis – porte, posse, munição – num país com desafios monumentais como o recorde de homicídios, a desigualdade, o desemprego, o saneamento, a educação e a saúde, é inevitável o medo do futuro. Os sinais estão trocados. Na Educação, o presidente estimula ensino domiciliar, religioso e militar. Corta nas universidades públicas com a desculpa esfarrapada de valorizar o ensino fundamental. O novo ministro que citou o livro "do Kafta" (sic) está obcecado com as drogas no campus, a ideologia dos professores e a formação de “militantes”.

Bolsonaro veta campanha de banco com mensagem de diversidade. No Turismo, nada de sexo gay, só com mulheres, podem vir, gringos heteros. Nas estradas, manda cancelar radares. Em área de preservação ecológica, quer criar uma Cancún. Na Saúde, manda suspender cartilhas de prevenção sexual para adolescentes. A ministra da Mulher, a sumida Damares, quer que as estupradas deem à luz e que as esposas aceitem a submissão. Quanto retrocesso. Eu me sinto num BBB de Bala, Bíblia e Balbúrdia.
Ruth de Aquino 

<p>O Brasil irá para o brejo se a incontinência verbal e emocional prosseguir. Não há disciplina na família do presidente. Kafka perde. Freud talvez explique.

Pensamento do Dia


Quando menos é mais

Ao final de quatro meses, o governo Bolsonaro colhe resultados previstos mesmo antes de sua posse: a reforma da Previdência caminha para aprovação, embora em ritmo menor que o desejável, e o pacote anticorrupção do ministro Sérgio Moro tramita em segundo plano com chances bem menores de preservar sua essência original.

A falta de uma coalizão parlamentar mínima, opção do presidente, responde apenas em parte por essa síntese. A dimensão das mudanças prometidas na campanha representa uma guinada no modelo político e administrativo de tal monta que mesmo uma base unida teria dificuldades em materializá-las integralmente e, mais ainda, de forma simultânea.

Para agravar, a composição ministerial é fraca, com poucas exceções, como no caso da área econômica e infraestrutura. O debate ideológico provocador do governo é proposto por perfis muito aquém do desafio e, por isso, encontra dificuldade em sustentar-se. De novo, a exceção é o ministro da Economia e o do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que ao menos sabe defender suas teses.



A área de comunicação, até aqui, dispensou todas as formas clássicas para focar exclusivamente nos meios digitais que para governar não tem a mesma eficácia que para eleger. Não se governa por twitter ou Facebook, que são apenas meios de apoio e difusão de conteúdos. A compreensão da reforma da previdência, por exemplo, ainda passa ao largo de boa parcela da população, como mostrou pesquisa do Ibope.

No parlamento, a mistura de inexperiência e desarmonia dos aliados ao governo, impõe derrotas pontuais evitáveis que se não impactam naquilo que é essencial no primeiro ano de governo – o resgate da economia a partir da Nova Previdência -, produz desgastes como o vai e vem do Coaf – ora no ministério da Justiça, ora no da Economia; ou da Funai, ora na Agricultura, ora na Justiça de novo.

Há erros de concepção no redesenho ministerial que obedeceu muito mais à necessidade de cumprir a promessa de redução de Pastas do que em dar-lhe alguma lógica. Tirar a Funai da Justiça, em si, não seria grave, se não fosse a transferência para a Agricultura, parte do crônico conflito entre populações indígenas e o agronegócio.

Outro erro foi reunificar Justiça e Segurança Pública,- este o maior acerto da gestão anterior.

Poderia a Funai ter ido para a pasta da Integração Nacional, análoga ao antigo e extinto ministério do Interior, por exemplo. Mas a Integração desaparecera para voltar agora quando a realidade se impôs e o presidente teve de ceder ministérios a políticos. Mudar a Funai é determinação de governo, mas precisaria ser feita de forma pensada.

O Coaf fará menos falta ao ministro Moro do que este tenta fazer crer, pois tem a garantia de seu comando dada pelo ministro da Economia. Não era o caso de colocar como prioridade da Pasta agora, acima do seu pacote anticorrupção. Para complicar, outras batalhas foram resgatadas, como a do poder de investigação da Receita Federal, que rivaliza em grau de polemização com a transferência do Coaf para Moro.

As duas medidas se inserem no contexto de disputa de poder, que o Parlamento farejou há muito tempo. Há os que temem o poder investigativo do Coaf por questões pessoais, e o vetam na Justiça em causa própria, mas há os que temem o poder político que o Coaf dará a Moro, um potencial candidato à Presidência da República.

Além do mais, apesar de contrariar uma condição que impôs para assumir o cargo, não se deve prever que Moro deixaria o governo por essa derrota parcial. Sua meta é maior, tem método, e seria ingênuo desistir por um obstáculo previsível no projeto que concebeu, com tal determinação que o levou a abandonar a zona de conforto da magistratura.

Em política, velha ou nova, não se pode tudo -, pelo menos, ao mesmo tempo. Os avanços são graduais e, quando o tempo é escasso, eleger prioridades é indispensável. Isolar-se do Congresso não é boa receita, do que a história está repleta de exemplos. Expor-se a perder o foco a partir de conflitos internos também não costuma dar certo.

Nesse momento, o governo comete todos esses erros ao mesmo tempo. Melhor seria que os ministérios trabalhassem em silêncio enquanto a Previdência passa.

Intolerância, meio de vida

É isso que me penaliza e assombra: que a intolerância possa constituir um modo de vida
Miguel Torga

À espera do tsunami

Para quem foi à escola, e não ficou brincando de bandido e mocinho, a lição bem aprendida é de que presidente gerencia conflitos, não cria bagunça. Muito menos banca profeta, fazendo da cadeira presidencial um púlpito para anunciar os raios e as tempestades. A peja de Senhor do Caos não vai bem, sequer é apropriada, mesmo para os ditadores, que preferem a máscara de pais ou protetores da pátria.

Se não bastasse a bagunça generalizada que instalou em Brasília, o capitão incorporou à legenda de mito o espírito de messias, inspirado no próprio nome. E o presidente, em novo modelito governamental, se arvora em profeta, prevendo um tsunami no Planalto Central do país a léguas e léguas do mar.


Até estrangeiros ficam pasmos diante da aberração. Suspeitam que seja caso de internação urgente, urgentíssima. Mas é a fina flor da inconsciência política brasileira, em quase sua totalidade formada por analfabetismo funcional. É gente que só entende como crime as definições que estão nos calhamaços jurídicos. Por rejeitarem filosofia e sociologia como "coisa de desocupado", usam e abusam da bagunça para manter o poder.

Ignorantes, na raiz do vocábulo, passeiam as mais disparatadas ideias sobre a própria gente como messias de hospício. Mal sabem que cometem crime de sangue como qualquer déspota. Tiram dos pobres para sustentar seus asseclas, espalham sangue por todo lado e prenunciam desastre catastrófico. O mais tirano dos reis, em sua mais inspirada solução para espalhar terror, não intranquilizaria tanto seus súditos.

Deixar uma população em expectativa de algo mais aterrador no já intranquilo e terrífico cotidiano é crime que juízes não julgam, mas as consciências condenam. Condenação ao menos registrada por Moisés, no Decálogo: Não matarás. Não explicita o meio, mas condena a ação que hoje tem mil modos de ser praticada como sabia o ex-escravo do Egito.
Luiz Gadelha

A política 'noir'

A política brasileira está parecendo um filme noir, gênero que fez muito sucesso nas décadas de 1940 e 1950, mas que somente foi reconhecido como tal após os anos 1970, consagrando detetives durões e anti-heróis dos antigos filmes policiais. Coube ao crítico francês Nino Frank a classificação do gênero, inspirada no expressionismo alemão e nas pinturas do barroco Caravaggio, cuja técnica claro/escuro era considerada “noir”(preto, em francês).

A atmosfera do filme noir era caracterizada pela iluminação em três pontos: uma fonte de luz para estabelecer as sombras, outra para o contraste com o negro e a terceira, cinzenta. O forte grafismo expressionista era garantido por escadas, persianas, portas e janelas entreabertas e grades de prisão. O Falcão Maltês (1941), Pacto de Sangue (1944), À Beira do Abismo (1946), Fúria Sanguinária (1949), Crepúsculo dos Deuses (1950), A Morte num Beijo (1955) e A Marca da Maldade (1958) são clássicos do cinema noir.

Esses filmes retratavam os conflitos da vida urbana, a violência policial, o crime organizado e a degeneração política, um tipo de crítica política e social que acabou duramente reprimida no período do macarthismo. Seus protagonistas tinham personalidade dúbia, eram cínicos e cruéis. As cenas eram marcadas por um ambiente opressor, perigoso e corrupto, nos quais até os homens de bem eram arrastados pela correnteza do mal. O herói noir é mal resolvido, bêbado, mulherengo, rejeitado pelos filhos, mas não entrega os pontos nem faz acordo com bandido. Era o fracassado capaz de coisas incomuns.

Acusado de “comunista”, o gênero foi banido de Hollywood, mas deu origem aos melhores romances policiais norte-americanos, originalmente publicados em capítulos, nos tabloides sensacionalistas, por escritores que foram roteiristas e precisavam encontrar um meio de sobreviver com seu talento, depois de marginalizados do cinema. Hoje, é um gênero literário reconhecido e copiado mundialmente, com seus grandes autores, como Dashiell Hammett e Raymond Chandler, traduzidos em dezenas de línguas.

Quem acompanha os debates no Congresso, transmitidos pelas tevês Câmara e Senado, verá muitos personagens dignos de um filme noir se digladiando em plenário. As discussões têm tudo a ver com as polêmicas das décadas passadas, quando o assunto é violência, comportamento, direitos humanos e ideologias. É uma espécie de viagem de marcha à ré.

Dá até para organizar um concurso para identificar, na cena política, um personagem como Gilda, a mulher fatal encarnada por Rita Hayworth no filme do mesmo nome. Não precisa ser, necessariamente, uma mulher. Pode ser uma figura como o craque do Botafogo Heleno de Freitas, passional dentro e fora dos campos. Nada mais noir do que o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro sobre a liberação do porte de arma, que foi o assunto do dia no plenário da Câmara e no mercado de ações, por causa da supervalorização, na Bovespa, das ações da Taurus, cujo lobby é representado pela chamada Bancada da Bala.

O ministro da Justiça, Sérgio Moro, responsável pelo decreto, reconheceu em audiência que a decisão não foi tomada em razão da política de segurança pública, mas para atender uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro, que se autodefine como “armamentista”. O decreto libera o transporte de armas a político em exercício de mandato, advogado, oficial de justiça, caminhoneiro, colecionador ou caçador com certificado, dono de loja de arma ou escola de tiro, residente de área rural, agente de trânsito, conselheiro tutelar, jornalista de cobertura policial, instrutor de tiro ou armeiro, colecionador ou caçador, agente público da área de segurança pública — mesmo que inativo —, entre outros.

O porte de armas era privativo das Forças Armadas, guardas municipais, polícias civil, militar e federal, guarda prisional, Agência Brasileira de Inteligência, Gabinete de Segurança institucional da Presidência, auditor-fiscal e analista tributário, grupos de servidores do Poder Judiciário. A decisão está sendo questionada por grupos de defesa dos direitos humanos e pela oposição, que a consideram inconstitucional. Todos os estudos indicam que pode aumentar os indicadores de violência, inclusive feminicídios.

No plenário da Câmara, esse debate ofuscou completamente a audiência do ministro da Economia, Paulo Guedes, na Comissão Especial que examina a reforma da Previdência. Na prática, a medida do governo, como outras polêmicas criadas pelo presidente Bolsonaro, funciona como uma cortina de fumaça em relação ao seu real engajamento na aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso.
 Luiz Carlos Azedo

Brasil faminto


Patologia da ideologia

Foge à compreensão das mentes normais a razão de o presidente do Brasil assistir de maneira complacente à enxurrada de insultos dirigidos a figuras da República, entre as quais o vice-presidente e alguns ministros, por aquele antagonista residente na Virgínia, cujo nome passo a me abster de pronunciar por considerá-lo a materialidade gráfica do baixo calão. O assunto aqui não é ele. É o presidente. Mais que tolerante, Jair Bolsonaro é submisso e até reverente ao autor das ofensas que em última análise lhe são dirigidas, pois atingem profissionais que escolheu porque achou capazes de ajudá-lo a governar o país. Nesse aspecto, não faz diferença se civis ou militares.

Bolsonaro alega que é “dono do próprio nariz” para justificar sua indulgência e afirmar que cada um age como quer no controle da própria vida. Pois se existe alguém impedido de dizer e fazer impunemente o que lhe dá na telha é exatamente o chefe da nação. É o mais comprometido dos brasileiros com o dever de dar satisfação, de medir consequências de seus atos, palavras e até omissões, de atuar no estrito limite da ordem constitucional. Ocupa o cargo por delegação de quem passou a ter a propriedade do nariz presidencial desde a eleição.

E aqui se incluem todos os brasileiros. Os que votaram nele ou deixaram de votar movidos por convicção e os que o escolheram motivados pela rejeição ao adversário. Uma das hipóteses para que o presidente seja dócil ao tratamento hostil é que não queira dar aos cidadãos que compartilham não necessariamente do estilo mas das crenças do autor referido no início a impressão de que esteja cedendo a gente identificada com ideias opostas e aí dando uma demonstração de fragilidade ante o eleitorado de raiz.

É verdade que nas pesquisas Bolsonaro encontra ainda apoio significativo nesse segmento. Mas é verdade também, e até mais eloquente, que perde credibilidade entre os que optaram por ele achando que se livravam das amarras ideológicas do PT e agora deparam com atuações patológicas avalizadas pelo presidente, que, assim, consegue a façanha de ver boa parte do Brasil pensante aplaudir a presença de militares no governo, algo antes temido e tido como sinal de alerta para o risco de retrocesso.

Nada a ver com esquerda, com partidos de oposição. É questão de bom-senso, e Jair Bolsonaro se coloca do lado contrário de maneira arriscada para ele. Da grita em redes sociais, o repúdio ao clima de sarjeta transbordou para o Congresso, no qual crescem as manifestações de solidariedade aos ofendidos enquanto caminha com lentidão a reforma da Previdência. A sociedade reage e as instituições se posicionam. Logo chegará a vez de o Judiciário pronunciar-se a respeito.

Com isso, o presidente da República cava o isolamento e, paradoxalmente, se põe cada vez mais sob a tutela daqueles que são alvo dos ataques porque são eles que recebem o crescente respaldo da opinião pública. É de perguntar até quando isso vai durar se Bolsonaro não parar de falar em páginas viradas e não puser um ponto-final na balbúrdia em que se transformou o seu governo.
Dora Kramer

As Colunas de Hércules estão desmoronando para Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro acaba de declarar, em um encontro na Caixa, que tinha chegado como “o patinho feio da política”, mas que “decidiu mudar o país”. A realidade apresenta-se bem diferente. Seu Governo e suas profecias parecem mais um campo de escombros. Bolsonaro tinha prometido em sua campanha algo como as famosas Colunas de Hércules da mitologia, que, como diziam os romanos, alcançariam os limites do mundo (“non Terrae plus ultra”). Seu Governo e suas promessas messiânicas mais parecem anunciar que está devolvendo o Brasil aos piores e mais obscuros momentos de sua história.


Bolsonaro, o capitão de reserva, havia prometido levantar não as duas Colunas de Hércules, mas muitas mais, para que depois dele ninguém fosse mais capaz de oferecer um Brasil melhor. Ele teria chegado ao “non plus ultra”, aonde ninguém no passado havia conseguido chegar. Para isso, em uma campanha em que oferecia “desconstruir o país” para oferecer um país novo e liberto de seus demônios de esquerda, ofereceu erguer quatro colunas que ninguém antes tinha conseguido levar a cabo.

Prometeu acabar com a “velha política” desgastada, para oferecer uma forma nova de governar que não se baseasse na troca de favores. Agora ocorre que ele começa a entender que aquela velha política tinha a pele mais dura que a sua e, dia a dia, está desbaratando seus sonhos. Mais ainda, entendeu que ou se ajoelha perante ela ou acabará por ela devorado. E já começou até a oferecer novos ministérios. A velha política, o velho Congresso, não é um monastério de monges austeros com voto de pobreza e obediência. É voraz, como está demonstrando.

Havia, na construção de suas Colunas de Hércules, prometido oferecer uma política limpa de corrupção, com a caça aos corruptos. Para isso conseguiu levar ao seu novo governo o paladino da luta contra a corrupção, o mítico juiz Moro, criador da Lava Jato, que chegaria como um novo Savonarola, com projetos redentores. Não lhe deu tempo nem de começar quando, justamente dentro da família de Bolsonaro, começaram a ressuscitar da tumba velhos personagens da corrupção política, como o emblemático Queiroz, um dos personagens das obscuras milícias, velho amigo da família. Seguiram-no a procissão de assessores-fantasmas de seus filhos, enquanto floresciam, já no Governo, os velhos laranjais da corrupção. E todos se perguntavam: “E o Moro?”.

Aquele que deveria ter sido o novo mito contra a corrupção política foi se desmanchando, golpeado no ringue dos boxeadores da velha política, e não passa um dia sem colecionar uma derrota. E até Bolsonaro parece querer esquecer de que esse era um de seus mitos da campanha. Acabará sacrificando-o aos leões?

O mito da ultradireita havia prometido reconstruir o país do desastre econômico ao qual fora conduzido pela fracassada e desastrosa política da ex-presidenta Dilma, com sua caravana de 14 milhões de desempregados e a inflação devorando os pobres. Tinha prometido uma política liberal, com menos Estado, com menos Brasília e mais o Brasil. Tinha prometido colocar nos trilhos o descarrilado trem da economia pelas mãos do outro mito escolhido, o ultraliberal da escola de Chicago Paulo Guedes, que sofre e sua para convencer o Congresso a aprovar a reforma da previdência. Apesar das ameaças apocalípticas caso essa reforma não passe, não é impossível que acabe desidratada, camuflando os velhos privilégios das castas e obrigando os pobres a trabalharem até morrer.

Até o mito Bolsonaro já admite que a economia que ele prometia ressuscitar como um milagre está em crise e sem grandes esperanças de poder ressurgir tão cedo. Chegou a dizer que tal como estão as coisas hoje não vê como os investidores poderiam pensar em vir tentar a sorte no Brasil.

E sua nova Coluna de Hércules prometida a gritos na campanha, que ganhou votos até de quem não confiava em sua pessoa e em sua preparação, a de liberar o Brasil do câncer da esquerda arrancando-a do poder, está se tornando um bumerangue para ele. Em sua fúria iconoclasta contra a esquerda e contra um comunismo que nunca existiu no Brasil, o que está conseguindo é criar novas nostalgias de um passado em que pelo menos não existia a caça à cultura, à arte e aos direitos elementares dos diferentes.

Bolsonaro e suas hostes de extrema direita, que haviam oferecido o exílio à esquerda se fossem vitoriosos, empurrados por uma doentia obsessão contra a “ideologia marxista”, estão escorregando para outra ideologia inventada, que promete fazer terra arrasada do melhor que o Brasil tinha, a sua riqueza multicultural e multirreligiosa, invejada por sociólogos estrangeiros.

A nova ideologia dos bolsonaristas envenenados pelo autoproclamado filósofo e astrólogo Olavo de Carvalho, que de fora do país pretende governar o Brasil desenterrando o pior dos tempos da Idade Média, vai acabar despertando não só nos esquerdistas, mas também nos simples democratas, saudades de quando o Brasil era um país respeitado e aplaudido. Menos infeliz e com menos medo.

Essa nova ideologia das cavernas que pretende acabar com as raízes marxistas do mundo já deu seu primeiro fruto. É a primeira vez que um presidente do Brasil consagrado nas urnas com 57 milhões de votos é vilipendiado em meio mundo, arrastando consigo a antiga imagem amável do Brasil. Mais ainda nos Estados Unidos, cujo líder político, o ultradireitista Trump, é o maior ídolo de Bolsonaro, não conseguiu, na cosmopolita cidade de Nova York, encontrar um lugar público ou privado onde pudesse receber um prêmio da Câmara de Comércio Brasil-EUA. Todos repetiram: “Ele, não!”. E até seu ídolo Trump se calou e lavou as mãos.

O presidente brasileiro menos amado em muitas décadas no mundo não se intimidou e disse que se não o quiserem em Nova York irá receber o prêmio na cidade de Dallas, no Texas. Mas quem o aconselhou a fazer isso ignora, ou não recorda, que não parece ser melhor lugar para que um presidente da República receba uma homenagem. Naquela cidade, um atirador, desses que Bolsonaro admira no Brasil, acabou em 22 de novembro de 1963 com a vida de um dos mais famosos presidentes norte-americanos, John F. Kennedy. Melhor procurar, se encontrar, algum outro lugar menos emblemático, em tempos nos quais cresce a violência que está sendo encorajada no Brasil e no mundo.

Sem educação....

Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda
Paulo Freire

Quatro meses de Jair Bolsonaro

Decorridos 120 dias da posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, já dá para fazer um balanço razoável. É o que me proponho a fazer neste artigo.

O fato mais importante da eleição foi, a meu ver, a derrota do PT. Mesmo com um candidato “manso” como Fernando Haddad, mais quatro ou mais oito anos de PT na Presidência seriam um desastre. O Brasil ficaria muito perto de um ponto de não retorno, uma vez que a política econômica petista insistiria nos desatinos a que o partido sempre se devotou. A miríade de “movimentos” que o integram ou apoiam manteria o País num permanente clima de ameaça às instituições, afugentando investidores e impedindo a retomada do crescimento. O futuro seria a quase total estagnação que temos tido desde que a exportação de commodities para a China perdeu seu poder de arrastre.



Por intermédio principalmente dos ministros Paulo Guedes e Sergio Moro, o presidente tem condições de colocar as políticas econômica e de segurança no rumo certo. De efeitos práticos, por enquanto, há pouco a mostrar, mas pelo menos a reforma da Previdência parece bem encaminhada. Sem ela o Brasil simplesmente não tem futuro. Já passa da hora de os que a ela se opõem caírem na real. Reformar a Previdência é o primeiro passo, outras reformas cedo ou tarde terão de entrar na agenda; reformas duras, que finalmente nos permitam superar a “armadilha” (melhor seria dizer a “maldição”) da “renda média”. Com a renda por habitante crescendo no ritmo medíocre dos últimos tempos - na faixa de 2% a 3% ao ano -, levaremos algo entre 25 e 30 anos para dobrá-la, um resultado que beira o impensável. O que se requer é, portanto, uma reforma abrangente do Estado e do gasto público, a energização do setor privado e uma forte injeção de ânimo para a sociedade encarar a montanha de problemas que se acumularam nas últimas décadas.

Embora os efeitos práticos ainda sejam modestos, é preciso reconhecer a importância dos sinais que Bolsonaro e seus principais auxiliares emitiram no 1.º de Maio. Em vez da tradicional exaltação do getulismo - nossa conhecida combinação de nacionalismo estatizante e paternalismo trabalhista -, ouvimos uma afirmação enfática dos novos caminhos que o País precisa trilhar. Caminhos essencialmente liberais. Sim, liberais, porque a aspiração social-democrata que compartilhamos e a Constituição de 1988 consagrou é apenas isto, uma aspiração, vale dizer, um ideal desprovido de meios práticos. Um Estado quebrado, que mal e parcamente consegue cumprir seu papel na educação, na saúde e no saneamento, obviamente não tem como sustentar o papel economicamente ativo que o antigo conceito de social-democracia pressupunha.

E foi justamente esse o ponto fulcral do discurso de 1.º de Maio: um “compromisso (...) com a plena liberdade econômica, única maneira de proporcionar, por mérito próprio e sem interferência do Estado, o engrandecimento de cada cidadão”.

Mas em dois aspectos, pelo menos, há severas restrições a fazer. O primeiro diz respeito à “fala” do governo, vale dizer, ao que se diz ou se insinua, ou, mais amplamente, à liturgia das funções públicas. O presidente precisa urgentemente controlar a cacofonia que se manifesta quase diariamente em seu governo, para a qual ele mesmo volta e meia contribui. Era razoável esperar que o açodado anúncio da mudança da embaixada em Israel para Jerusalém e o envergonhado recuo que se lhe seguiu tivessem deixado um benfazejo rastro de sobriedade, mas esse decididamente não é o caso. Bolsonaro e vários ocupantes do primeiro escalão têm-se esmerado em falar pelos cotovelos, com prejuízo para a estabilização das expectativas entre os agentes econômicos. O pedido de Bolsonaro (“pura brincadeira”, segundo disse) ao presidente do Banco do Brasil para pensar com o coração e baixar um “pouquinho” os juros para os ruralistas dá uma boa ideia dos estragos que podem advir por esse caminho.

A área mais difícil, não direi de elogiar, mas simplesmente de compreender, é a da educação. A primeira indicação para a pasta, a do sociólogo Ricardo Vélez Rodriguez, mostrou-se assaz inadequada. Consta que seu sucessor, o ministro Abraham Weintraub, merece um crédito de confiança, tendo em vista suas aptidões no campo administrativo e a experiência da vida prática adquirida no mercado financeiro. Fato é, porém, que até o momento ele nada nos proporcionou que nos permita crer que tenha um pensamento consistente a respeito do sistema educacional brasileiro e das opções para reformá-lo. A reformulação da base curricular efetivada em 2017 pode ser considerada um passo na direção certa, mas é pouco, muito pouco, tendo em vista o caráter absolutamente prioritário da área educacional. Para piorar as coisas, o ministro, talvez inspirado pelo guru da Virgínia, parece inclinado a atacar moinhos de vento, leia-se o “marxismo cultural”, e mais precisamente as ciências humanas. Ora, a última coisa que um governo pressionado por uma agenda econômica urgente e inexorável deve fazer é se imiscuir em questões culturais ou em pautas valorativas e comportamentais. Nessa área, nosso país é manifestamente diversificado e conflituoso. Equacionar os pontos de atrito que aí surjam e eventualmente ganhem corpo é função da sociedade ou, em casos mais difíceis, do Congresso Nacional, no limite mediante convocação de plebiscito.

Seria um alívio ver o ministro Weintraub se debruçar sobre os problemas realmente críticos do setor. Não me refiro ao gasto público. Como proporção do PIB, o gasto educacional brasileiro é bastante alto. Mas os resultados permanecem pífios. O ponto nevrálgico, que requer ação sistemática e urgente, é a formação dos professores, notadamente para o segundo grau. Melhorá-la muito, rapidamente e a baixo custo: eis o desafio sobre o qual o ministro já deveria estar refletindo.