sexta-feira, 4 de novembro de 2016

9 'verdades' que esta eleição desmente

1 – “Identificação biométrica e rapidez de apuração são provas do avanço da democracia brasileira”.

É exatamente o contrário. Aqui o eleitor só entra em campo depois do jogo jogado para dizer sim ou não aos escolhidos dos “caciques” dos partidos. Em democracias de verdade, como a americana, a suíça e outras, aproveita-se toda e qualquer eleição para que o eleitor decida literalmente tudo. Junto com presidentes, legisladores ou prefeitos ele elege diretamente os funcionários públicos sem função exclusivamente política tais como xerifes, policiais, promotores, diretores de escolas públicas, etc.; vota leis de iniciativa popular; referenda ou derruba leis do Legislativo; autoriza ou não impostos novos ou aumentados; aprova ou não a contratação de dívida; confirma ou não o mandato do juiz da sua comarca; vota o “recall” ou não de funcionários eleitos na eleição anterior. Para a eleição da semana que vem 162 temas adicionais, 71 propostos por abaixo-assinados de cidadãos comuns, foram certificados em 35 estados para constar das cédulas pedindo decisão dos eleitores de Trump ou Hillary. Por isso 30 milhões deles já receberam suas cédulas com um mês de antecedência e as vão enviando preenchidas pelo correio. Por isso demora para apurar eleições em democracias de verdade.

2 – “A política não se renova porque brasileiro não sabe votar”.

Essa afirmação toma o efeito por causa. O povo elege o de sempre porque só consegue autorização para se apresentar como candidato quem se compõe com os donos dos partidos. Por isso reforma política pra valer inclui necessariamente um ponto chave da que os americanos fizeram lá atrás. Tornar as eleições municipais apartidárias para quebrar as pernas dos “caciques” (cujo poder passaria do controle dos 5.570 potenciais “currais” municipais de hoje para apenas 27 estruturas estaduais) e abrir as portas da política à entrada de sangue novo. Qualquer um pode se candidatar a prefeito ou vereador sem pedir licença a ninguém.

3 – “Ha partidos vitoriosos nesta eleição”.

Esta foi a eleição do “não”. “Eu não voto mais”, “Eu não voto no PT”, “Eu não voto em ladrão”, “Eu não voto em político”, etc… O mais foi consequência do controle da portaria do “Sistema”. Votou-se no que sobrou dos “não”, já era conhecido ou pôde botar a cara na TV pra mostrar que existia, o que vale dizer estar num partido grande e velho. Ponho a mão no fogo como 99% dos eleitores não sabe em que partido votou ou, se lembra, não sabe nem a tradução da sigla daquele em que acabou votando, mesmo dos tradicionais.

4 – “A ideologia move a polarização esquerda x direita”.

Nem os presidentes dos partidos conseguem definir esquerda e direita. Mas um grande divisor de águas aparece nítido no Brasil como no resto do mundo, especialmente o latino: ser contra ou a favor da austeridade fiscal. Só que não é uma fronteira ideológica, é fisiológica: de um lado pena a massa que paga a conta, trabalhando dobrado e ganhando a metade; do outro entrincheira-se a “casta” que é paga pela conta trabalhando a metade e ganhando dobrado. É essa que, sentindo-se agora ameaçada, quebra-quebra e queima pneus por aí porque as TVs lhes deram a dica de que esse é o jeito do seu “Dane-se a miséria nacional, ninguém toca no meu!” alcançar mais que as esquinas que já não conseguem encher de gente e soar como o contrário do que é.

5 – “É impopular encarar de frente os problemas mais velhos e óbvios do Brasil”.


Se ha algo que ficou bem definido nesta eleição é que quanto mais assertivo foi o candidato em relação a eles – necessidade de ajuste, privatização, desmonte da corrupção de sindicatos e partidos com dinheiro de imposto, fim da chantagem trabalhista e dos “marajalatos” – mais fulminante foi sua eleição e a distância aberta em relação ao oponente, não importando as “tradições” das praças envolvidas. João Dória e Nelson Marchezan são os exemplos mais visíveis mas não os únicos.

6 – “Existe um preconceito de gênero”.

O número de prefeitas e vereadoras eleitas caiu apesar da “cota” de 30% de candidatas imposta por aquele mesmo pessoal que, conforme a hora, nos diz que “não existe gênero” senão o que cada um escolhe para si. Quem escolheu não eleger seu prefeito ou vereador só por esse atributo foi a metade feminina do eleitorado brasileiro ou, se quiserem, os 100% “sem gênero definido pela natureza” que acabam de aprender, com Lula e Dilma, que pôr alguém para cuidar da coisa pública só por ser mulher é um tipo de oportunismo para enganar trouxa que em geral acaba em desastre.

7 – “Lula ainda é uma força para 2018”.

Nesta campanha “ter apoio de Lula” passou a ser a “denúncia” atirada por candidatos “de esquerda” contra candidatos “de esquerda”. Em quem colou não sobrou nada…

8 – “Basta melhorar a gestão pro Brasil ir pra frente”.

Foi-se o tempo! Agora o setor público está que não tem nem pra lavar o chão do IML, como no Rio, e a economia privada, em choque hemorrágico, não tem mais com que se reerguer, mas a reforma da Previdência de que se fala não toca nos “marajás“, só põe dinheiro no caixa no futuro distante e a PEC 241 nem menciona o rombo de estados e municípios. A briga em torno de quem vai pagar essa conta (na qual as denuncias da Lava-Jato serão as armas nos bastidores) nem começou ainda.

9 – “O Brasil é uma democracia”.

Da democracia não temos nem o elemento definidor que é o império da lei igual para todos. Na raiz do presente desastre estão os privilégios legalizados e direitos “adquiridos” que “foros especiais” podem tornar até hereditários, como na Idade Média. Sem um direito só pra todo mundo não tem saída. E pra chegar lá tem de por o povo no poder, o que se faz submetendo os eleitos aos eleitores antes e depois da eleição, com prévias transparentes para escolha dos candidatos e “recall” para a troca dos que, eleitos, “apresentarem defeito”. Sem isso “O Sistema” continuará para sempre indomesticável, cavalgando impunemente o lombo do povo.

Filosofia

Os jornais estão morrendo

Mês passado fui acordado por uma voz dizendo-se jornalista Lauro Jardim. Por três vezes, em dias diferentes. Nas duas primeiras desliguei. Atendi na terceira vez:

- Oi. Aqui é o Lauro Jardim. Notei que você cancelou sua assinatura de O Globo......

Só aí ficou claro para mim a gravação e seu objetivo: vender assinatura do jornal. É a primeira vez que vejo jornalista vendendo o jornal que trabalha. É uma inovação, sem dúvida. Revela um anunciante atento mas evidencia falhas na trajetória de venda do produto. Faz anos que sou bombardeado por outras vozes, de funcionários ou não, do jornal, tentando vender assinaturas.

É dramática a situação da mídia impressa no Brasil. Existem informações de fechamentos de jornais impressos numa velocidade preocupante. Estima-se em três por dia no país à fora. As causas são Internet, custos de produção e infraestrutura cada vez mais altos, despreparo dos donos para lidar com uma nova realidade e um modelo de negócio totalmente ultrapassado. Não é só no Brasil. É no mundo inteiro. E no jornal O Globo não é diferente. Logo teremos novidades por lá.

Assim como a veiculação encontrou fórmulas modernas para tentar incrementar a circulação, provavelmente os outros colunistas do jornal também gravaram mensagens de vendas, estes ventos criativos precisavam soprar nas redações. Não só de O Globo, mas em todos os jornais do país.

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Chama atenção que eles morrem dentro de velhas fórmulas. Não ousam e não inovam atrelados a um modelo de redação superado que não consegue atrair novos leitores e tampouco manter os velhos. Vão definhando aos poucos. Permanecem atrelados ao modelo de redação dos anos 40 do século passado. Não prestam a menor atenção nas novas gerações cujas formas de expressões e linguagem sofreram alterações profundas. Até mesmo a maneira como se apresentam as notícias mudou. Os jornais permanecem no mundo do passado. Não dá para competir com a linguagem digital. Nesta, o que não é importante fica reduzido a pouquíssimas palavras e é definido em poucos dígitos. O que é importante tem uma incrível forma e trajetória que interessa e é lido e visto por milhões. Até mesmo as notícias que saem nos jornais, na linguagem digital adquirem outro formato. O jornal impresso ao invés de incluir-se nesse novo mundo afastou-se. E pior: burramente criou barreiras de acesso para suas versões digitais. Se isso não basta, trataram de levar para a tela do computador o mesmo modelo impresso. É muita falta de criatividade mesmo.

O caso de O Globo é exemplar. Interessantes apenas as manchetes. Colunas pesadas, com raciocínios tortuosos e longos. Matérias sem objetividade e muitas vezes com textos escaldados e sem conteúdo relevante. Na página de opinião e nos artigos temáticos a maioria dos autores apenas justificam posições em busca de seus caminhos. Textos inconsequentes, em sua maioria. Não defendem ideias e projetos. Justificam posições em arrazoados desinteressantes e inócuos. Pior que o press release. Fazem lob ou justificam-se perante seus nichos. Não há pautas que os tornem atraentes. São poucos aqueles que realmente atraem pela atualidade e textos objetivos. E estes é que seguram o jornal.

Colunas diversas e todas tratando de frivolidades. Inclusive na política. O retrato fiel da política brasileira são algumas colunas de O Globo: piadas. Uma imensa estrutura de produção de conteúdo, com gente talentosa, mas desinteressante. Em dez, doze notas, escapam duas ou três com densidade. No caso das colunas até se entende, mas não justifica.

Causa espanto os acontecimentos recentes em Brasília quando uma maré de jornalistas foi incapaz de relatar com fidelidade o clima do impeachment. Todos se dizem bem informados. Mas ninguém é capaz de explicar como um exército de profissionais não foi capaz de antecipar aos seus leitores o segredo que mais da metade do Congresso Nacional sabia: o fatiamento do processo de cassação da ex-presidente Dilma. Esquecem que são bem relacionados apenas para servir ao leitor. Em plena era da informação os jornais prestam cada vez menos serviços e informam menos. A realidade se encarrega de informar melhor, de ser mais rápida e sem barreiras. A internet que o diga.

Os leitores perdem o interesse, a publicidade foge. Para se financiarem os grandes jornais partem para a publicidade de patrocínio. É quando determinadas marcas aparecem junto aos textos de determinadas coberturas. Mas o leitor imagina e sabe que este modelo não favorece a independência e a isenção necessárias.

Governos e suas marcas também são generosos no financiamento desta prática. Mas o que resulta daí vem mofado, insosso, suspeito, quando não comprometido mesmo.

Regabofe para juízes em resort da Bahia

Costuma-se dizer que não basta ser honesto. A pessoa, entidade ou empresa deve também parecer honesta.

Parece honesta uma associação de juízes que, para realizar um encontro, associa-se a uma empresa enrolada em processos?

A Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) reunirá a partir de hoje milhares de juízes em um resort cinco estrelas em Arraial d'Ajuda, distrito de Porto Seguro, na Bahia. O lugar é paradisíaco.

Arraial d'Ajuda (Foto: Divulgação)
O evento tem como um dos seus patrocinadores a Veracel Celulose, empresa dos grupos brasileiro Fibria e sueco-finlandês Stora Enso, instalada no Sul da Bahia.

Ela já foi condenada na primeira instância do Judiciário nas áreas ambiental, trabalhista e fiscal, e em segunda instância por causa de imposto devido ao miserável município baiano de Belmonte.

Os juízes que comparecerem ao encontro, muitos deles à custa da Justiça dos seus Estados, terão desconto na diária cobrada pelo resort, ouvirão palestras e assistirão a um show de Ivete Sangalo.

Na programação oficial do VI Encontro Nacional de Juízes Estaduais, constam debates com o juiz Sérgio Moro e os ministros Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowiski, do Supremo Tribunal Federal.

A Veracel está envolvida em 106 demandas judiciais. Em 24 delas na condição de ré e em 19 outras como alvo de execução fiscal, segundo reportagem publicada em O GLOBO.

Procurada pelo jornal, a AMB disse não ver nada demais em ter como parceira uma empresa às voltas com a Justiça. Não crê que ela possa beneficiar-se da proximidade com a principal associação de juízes do país.

Não há registro de que a Veracel atue no ramo da filantropia.

O nocaute eleitoral arruinou a cabeça baldia

Neste outubro, o PT elegeu o prefeito em apenas oito dos 645 municípios do Estado de São Paulo. Qual teria sido a causa de tamanho fiasco na mais populosa e desenvolvida unidade da federação? A corrupção em escala industrial? A ladroagem desavergonhada? A catastrófica incompetência administrativa? A política econômica desastrosa? A expansão apavorante do desemprego? Ou a soma desses espantos e outros mais?

Nada disso, ensinou Lula em Buri, onde reapareceu nesta terça-feira. Segundo o único doutor honoris causa do mundo que não lê nem escreve, o problema é o que chama de “conservadorismo paulista”. Como o massacre ocorrido em São Paulo se repetiu em todo o país, pode-se deduzir que tanto os nordestinos da região da seca quanto os ribeirinhos da Amazônia hoje são tão conservadores quanto um bilionário quatrocentão.


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Na cabeça baldia arruinada pelo nocaute, o fenômeno serve para explicar tudo ─ da ausência de candidatos do PT em Buri ao triunfo de João Doria na periferia da capital, do desaparecimento do “cinturão vermelho” formado pelos municípios do ABC ao sumiço do palanque ambulante, imobilizado em São Bernardo por falta de interessados. Deve-se presumir que também explica por que nenhum dos candidatos lançados pelo partido desde 1982 conseguiu homiziar-se no Palácio dos Bandeirantes.

As urnas impediram a chegada ao governo estadual de gente como José Dirceu, José Genoíno e o próprio Lula. O primeiro está na cadeia. O segundo esteve. O terceiro logo estará. Os três exemplos avisam que conservadorismo pode ser o outro nome da sensatez.

Imagem do Dia

Templo de Kailasa, na caverna Ajanta Ellora, uma das famosíssimas cavernas do…:
Templo de Kailasa, na caverna Ajanta Ellora (Tibet)

E a tecnologia mudou tudo

“Acredito que a internet seja essencialmente um mecanismo de transmissão de conhecimento, ela coloca ao seu alcance uma quantidade notável de conhecimento. Se influencia as formas de criação? Não sei, isso ainda não vejo.”

Numa conversa com Josep Ramoneda em setembro de 2012, Ferran Mascarell, artífice da política cultural de Barcelona nos anos 1990 e secretário de Cultura do Governo regional catalão, dizia não acreditar que a tecnologia digital ou a internet tivessem transformado significativamente as maneiras de pensar e produzir a cultura. Na visão dele, e de muitos outros intelectuais, a rede mundial de computadores era um canal de distribuição a mais, e só. Entretanto, é difícil encontrar uma disciplina da cultura ou das artes que não tenha sido sacudida até seus alicerces pelo efeito disruptivo do digital.

Em certo sentido, quase toda a cultura que produzimos já é cultura digital: os discos são gravados em computadores, os filmes são montados e pós-produzidos em sistemas digitais de edição, os livros são escritos em processadores de texto. É difícil pensar que essa substituição de ferramentas não tenha transformado de maneira nenhuma o que é composto, filmado ou escrito. Mas não é só isso. Qualquer site consiste basicamente de um back-end(a plataforma de criação, organização e disponibilização do conteúdo) e de um front-end, o espaço onde o usuário interage com palavras, imagens ou vídeos. Nos últimos 25 anos, tanto o back-end como o front-end da cultura sofreram atualizações tão profundas que não só se tornou difícil reconhecer esse artefato chamado indústria cultural como também, às vezes, há dúvidas de que ele continue existindo.


No back-end, a democratização das ferramentas criativas foi a primeira grande reviravolta. Desde a década de noventa, qualquer computador doméstico é potencialmente um estúdio de gravação, e todos os hinos da dance music e a da música eletrônica foram compostos e gravados em dormitórios e garagens. A substituição do celuloide pelo vídeo digital coloca o sonho de ser cineasta nas mãos de milhões de pessoas que nunca pisaram num set de filmagens. Tangerine, um dos sucessos do cinema independente norte-americano em 2015, foi integralmente gravado com dois celulares iPhone 5S.

Para escrever nunca foram necessários muitos meios – embora acadêmicos como Katherine Hayles estejam convencidos de que não se escreve igual com um processador de textos, a lápis ou com uma máquina de escrever –, mas a necessidade de uma gráfica e uma editora foi durante muito tempo uma barreira intransponível para a entrada. Agora, não só lemos em telas e livros eletrônicos como também existem plataformas digitais permitindo que um livro autopublicado chegue a milhões de leitores com apenas um clique. O gatekeepertradicional é burlado por fenômenos que ele não antecipa, não compreende e não controla: de best-sellers que encontraram um público sem passar por nenhuma editora tradicional (50 Tons de Cinza) até figuras como a do blogueiro, capaz de competir com as macroestruturas daquela que outrora foi a imprensa massificada.

Aceitamos operar dentro de uma máquina de controle que penetra nos nossos telefones, hábitos e intimidades e cujos mecanismos não conhecemos

As formas de comercialização também entraram em sua própria era glacial desde que um adolescente chamado Shawn Fawning descobriu, em 1999, que não havia nada mais corriqueiro do que compartilhar em escala global arquivos sonoros que continham canções. A era peer to peer (P2P) não só colocou em crise indústrias tradicionais dos conteúdos como também obrigou a uma revisão de toda a estrutura da propriedade intelectual. Numa época em que o conhecimento pode ser reproduzido de forma instantânea, infinitamente e a custo zero, como conciliar essa oportunidade cultural com a necessidade de proporcionar um meio de vida aos criadores? Como sair da histeria binária do “a Internet vem aí”, que impede explorar novos marcos, formas e contextos?

No front-end, o antigo usuário ou consumidor, que hoje pode ser também produtor (o famoso prosumer), articula agora a voz de uma multidão que já não está mais interessada nas formas antigas de comunicação de ideias. São novos sujeitos, públicos e atores que fogem das vozes autorizadas, ou de cima para baixo, e se apresentam como autores ou no mínimo coparticipantes. O melhor exemplo dessa mudança é sem dúvida a substituição da enciclopédia, emblema do conhecimento autorizado e hierárquico da ilustração, pela Wikipedia, um oceano de vozes em conflito e cooperação, em permanente mutação, que põe em crise a própria ideia de que o conhecimento seja algo passível de ser organizado e fixado no tempo de maneira definitiva. Os próprios autores tradicionais estão abandonando a obra como objeto fechado e acabado; o rapper Kanye West, uma das maiores estrelas da música nesta década, decidiu continuar modificando seu último disco dias depois de seu lançamento. Afinal de contas, tratava-se apenas de uma playlist de canções alojadas em um servidor, ao qual todos acessamos a partir dos nossos celulares.

A obra de arte na era do cloud computing ainda carece de uma teoria que a explique e lhe dê sentido, mas é muito difícil negar que a tecnologia muda tudo – as formas de criar, os modos de ver e tudo o que está no meio disso –, e nem sempre para o bem. Destruímos meios de vida, substituindo milhares de pequenas livrarias e lojas de discos por monopólios digitais como nunca existiram, e aceitamos operar dentro de uma máquina de controle que penetra nos nossos telefones, hábitos e intimidades e cujos mecanismos não conhecemos nem entendemos. O Grande Irmão cultural articulado pelas bases de dados, por servidores e pelo registro individual de preferências de consumo constitui um novo campo de batalha que ainda não exploramos nem calibramos. Muitos de nós, envoltos na luta por um passado que não voltará, continuamos avançando como sonâmbulos e com poucos recursos epistemológicos para nos situarmos neste novo agora.

Gemma Galdon Clavell

Escândalo do petróleo é muito mais grave do que a Lava Jato mostra

O Brasil participou da última reunião da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), onde foi representado pelo engenheiro Márcio Felix, assessor do ministro Fernando Bezerra Coelho Filho. Marcio Félix, que levou um chega-pra-lá e teve que deixar de se importar com o monopólio privado dos gasodutos, já adota uma postura alinhada com o governo Temer (é possível encontrar uma linha para seguir?), que é a de não atrapalhar nenhum estrangeiro que queira ocupar posições no Brasil.

Uma dúvida óbvia: “Porque o Brasil na reunião da OPEP?” Elementar, meu caro. O Brasil é hoje um país exportador de petróleo. O Equador, membro da OPEP, exporta 500 mil barris por dia. O Brasil exporta 800 mil barris por dia (dados oficiais da ANP).

A posição que o Brasil adotou, nada diplomática, foi negar a importância da própria OPEP, discursando que o problema de mercado (preço) deve ser resolvida pelo mercado (empresas) e não há nada que deva ser feito, e que não iria reduzir a produção. Árabes chocados.


A OPEP foi criada porque o mercado só pagava 1 dólar por barril e nunca permitiria uma elevação na qualidade de vida dos exportadores, e é a antítese da entidade sobrenatural do mercado. Ninguém é obrigado a concordar com a OPEP, mas jamais se pode desprezar seu poder sobre o mercado do petróleo.

Além disso, a OPEP nunca se importou com a produção do Brasil, que ultrapassa há tempos 2 milhões de barris diários. Ela se importa com a exportação do petróleo do Brasil. E o que ela vê de fora é que o avanço da produção do pré-sal para mais de um milhão de barris por dia, com participação crescente das estrangeiras, transformou o Brasil em exportador de petróleo bruto e, como tal, um importante membro a ser angariado na organização.

A declaração do brasileiro, um balde de água fria nos árabes. Para eles, o Brasil não tem o que é necessário: vontade de regular a exportação de forma que o óleo se consuma internamente, excluindo mais uma parcela da abundância de óleo barato do mundo.

Como o índice de desenvolvimento humano dos países da OPEP não é dos mais exemplares, há uma tendência de desprezar seus conselhos, mas, olhando para o próprio umbigo, vê-se que o Brasil é um paradoxo.

O país conta com exportação em 800 mil barris por dia, dos quais 400 mil são de empresas estrangeiras parceiras da Petrobras no pré-sal. Os outros 400 mil a própria estatal exporta, por causa da irresponsável falta de refinarias no país, que obriga a Petrobras a importa 400 mil barris por dia em derivados (os números coincidem: voltamos à situação de 10 anos atrás, temos apenas a autossuficiência volumétrica – agora sem fogos de artifício).

As empresas instaladas no país exportam a um valor ridículo: 35 dólares o barril, quando o preço internacional é 50. Já os derivados, importamos a 65 dólares o barril. Isso significa que, se tivéssemos mais refinarias, teríamos 30 dólares por barril de valor agregado em cada barril, que tem mercado interno garantido, mesmo na crise atual.

O paradoxo é que nem empreendedores nem a Petrobras querem operar no refino. E ninguém vê problema nisso. O Brasil vai pagar, somente este ano, 5 bilhões de dólares para chineses refinarem o óleo. Mas outra refinaria aqui, jamais!

Voltando ao assunto, pode causar surpresa o baixo valor do óleo (pré-sal exportado pelas multinacionais “parceiras” da Petrobras). Mas não causa a menor surpresa, porque quem compra são subsidiarias estrangeiras das mesmas empresas e, surpresa menor ainda, quanto menor o valor do barril, menor o imposto arrecadado.

A Agência Nacional do Petróleo manifestou preocupação com a situação e promete que vai investigar. Mas é pizza na certa.

De concreto, o que se tem é que a conquista do pré-sal pela Petrobras é um fato consolidado pela produção de mais de 1 milhão de barris por dia e que todo óleo a que as multinacionais tiverem acesso será exportado cru, deixando de 10 a 30% de seu valor declarado em forma de imposto – algo como 3 a 12 dólares por barril.

 Enquanto isso, se aguarda o planejamento energético de longo prazo do Brasil, que determinaria se o ideal para nosso progresso é produzir agora, com excedente vendido a preço de banana, ou restringir a exportação (como fizeram os EUA por 40 anos) e equilibrar a produção, refino e consumo.

Sem este planejamento, o governo se torna alvo fácil para ser chamado de entreguista com leilões sem objetivos com resultados pífios para a nação, tão necessitada em energia e emprego.

A Operação Lava Jato mostra apenas a ponta do iceberg da Petrobras. O escândalo no setor do petróleo é muito mais grave do que se pensa. Mas quem se interessa?

Primeiramente, fora PT

O "Fora Seja Lá Quem For" é uma expressão de desejo que acompanha a vida do petismo quando não é ele que manda. O partido, que sempre quis derrubar os governos que o antecederam no poder, retoma, agora, suas velhas exortações golpistas. Por isso, até mesmo professores iniciam suas aulas com o ensaiado bordão "Primeiramente, Fora Temer". Não se aborreçam, portanto, com o título deste artigo. Não fui eu quem começou. A gente poderia atribuir a essas manifestações esquerdistas um sentido anedótico, supor que sejam mera expressão de sintonia com o diapasão do governo cassado. Sim, sim, a gente poderia. Não fosse o que vem junto.

Observo com preocupação, desalento e pesar o rumo das invasões em curso no país. Poderia dizer - Danem-se! - a esses rapazes e moças. Danem-se com seus sofismas, sua retórica de enganar bobo, suas incongruências e inconsequências! Mas prefiro questioná-los. Onde estava essa indignação postiça quando o Brasil era roubado em centenas de bilhões? Onde se ocultava essa insofreável defesa da Educação enquanto o desempenho escolar os precipitava para os últimos degraus nos comparativos com seus colegas, mundo afora? Quem fez "Não!" com um dedinho sequer quando Dilma Rousseff, logo após reeleger-se presidente desta desacreditada República, cortou R$ 10 bilhões do orçamento da Educação? Quantos dentre vocês, alguma vez na vida, meteram o pé no barro ou na poeira das vielas pobres para estender a mão a algum dos miseráveis em nome de cujos interesses se atrevem a falar? Quem aí já participou de ações contra o uso de drogas ou tentou demover algum colega da dependência em que se arruína?

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Vocês se agrupam e acantonam para defender uma organização criminosa que operava no coração do Estado em que são cidadãos! A elite política que vibra com essas invasões é a mesma que serve aos interesses de réus confessos, de ladrões que estão devolvendo, em espécie, o que roubaram do país. É a mesma elite acusada por megaempresários que desenham ante os olhos da justiça os escabrosos meandros da corrupção. É a mesma elite que se derrete em louvações e aplausos ouvindo uma aluna invasora em sessão de comissão do Senado Federal. E é a mesma que os ensinou a chamar fascistas a quem apontar o fascismo presente nessas agressões aos direitos alheios.

Nada lhes diz a voz das ruas? Não chega aos sentidos de vocês o grito das urnas? O povo brasileiro, o povo simples deste país, em incontrastável demonstração de vontade política destituiu o PT de sua ambicionada hegemonia. A exoneração do PT integra o mundo dos fatos. Não bastante isso, o mesmo povo concedeu uma enxurrada de votos aos partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff. Não há o que negar: a sociedade brasileira decidiu depositar nesse novo governo, suas esperanças em meio à terrível crise deste circo que vocês querem incendiar. Ele nem longe se assemelha ao que mais gostaríamos, mas é o governo constitucional possível.

Percival Puggina