quinta-feira, 16 de março de 2023

Pensamento do Dia

 

Giacomo Cardelli (Itália)

Os diamantes são os melhores amigos de uma garota

Não me surpreendeu a notícia de que a família Bolsonaro recebeu as joias da Arábia Saudita como bens de caráter "personalíssimo". Nada mais normal do que o presidente e sua esposa receberem joias no valor de quase R$ 17 milhões como um presente pessoal. Ainda mais quando o remetente for o governo de um país com o qual o Brasil estava, na época, negociando acordos.

Bom, falando sério: ainda mais espantoso é ver o vídeo no qual o coronel Mauro Cid, o faz-tudo do presidente, organiza a retomada das joias aprendidas pela Receita Federal em São Paulo, poucas horas antes da fuga presidencial para a Flórida, no fim de dezembro. Havia um avião da FAB, além diárias pagas para que o sargento Jairo Moreira da Silva pudesse ir a São Paulo, onde tentou vários truques para liberar as peças.


De onde a família Bolsonaro tira esses fieis faz-tudos? Antes, era o Fabrício Queiroz, o faz-tudo do Jair e do Flávio, além da família do Adriano da Nóbrega, claro. Agora é uma turma de militares. Ainda tem Frederick Wassef, o advogado do clã, que até emprestou sua casa em Atibaia para o Queiroz se refugiar.

Falando nisso: já sabemos algo sobre os cheques no valor de R$ 89 mil depositados pelo Queiroz na conta da Michelle Bolsonaro? Nunca saberemos, penso, assim como não haverá consequências para a família Bolsonaro – nem pelo caso das rachadinhas, nem por este novo, das joias sauditas. Aparentemente, existem castas aqui no Brasil que são intocáveis.

A Justiça não atuou de forma pesada contra as falas misóginas e racistas de Bolsonaro quando ele era deputado, nem quando "dedicou" seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff a um monstro torturador. Sem falar da multa ambiental emitida pelo Ibama a Jair por pescar em local proibido em Angra dos Reis. Foi logo anulada quando o Jair virou presidente.

E tenho a sensação que nem esse novo caso fará com que Bolsonaro perca seus súditos. A percepção da realidade é subjetiva, os seguidores ferrenhos desculpam qualquer deslize do seu herói. Sabemos que isso também se aplica à esquerda, onde o PT está criando a narrativa de que a Lava Jato foi apenas uma invenção de uns juízes e promotores. E nada mais.

Segundo essa narrativa, devemos ser mais pragmáticos e menos moralistas. Afinal, "corrupção existe em todos os lugares". Conforme esse argumento, o importante é a governabilidade, pois o caos e a anarquia devem ser evitados a qualquer preço, para garantir a sobrevivência da sociedade. O governo Lula manter ministros suspeitos de corrupção e de ligações com milicianos entristece. "Mas, teremos, pelo menos, a salvação da Floresta Amazônica em troca".

P.S.: Aí me pergunto, por que o Lula não simplesmente declarou o triplex no Guarujá ou o sítio de Atibaia como presentes personalíssimos, para acabar com os problemas judiciais? Solução simples.

Mal começaram a ser descobertos os podres da Era Bolsonaro

E se Bolsonaro tivesse sido reeleito em 30 de outubro do ano passado? Com certeza, não haveria a depredação dos prédios públicos na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro.

Em outra data, a depender de como se comportassem seus ministros, os prédios do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral poderiam, sim, ser atacados.


Se dependesse de Bolsonaro, teriam sido atacados há mais tempo. Em 2021, ele encomendou um voo rasante de um jato da FAB sobre o prédio do Supremo para estilhaçar seus vidros.

Alvo da encomenda, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse não. Foi demitido. Os comandantes, à época, do Exército, Marinha e Aeronáutica pediram demissão.

Nunca antes na história democrática do Brasil, um presidente da República, em meio ao governo, substituiu de uma vez os comandantes das três armas.

Reeleito Bolsonaro, o escândalo das joias sauditas não teria vindo à tona. A essa altura, os agentes da Receita que apreenderam as joias de Michelle já teriam sido transferidos para outros postos.

E as joias estariam brilhando no pescoço, nos dedos e nas orelhas da primeira-dama com mandato renovado. Não se saberia que o pacote com joias para Bolsonaro entrou ilegalmente no país.

Sim, e a devassa ilegal feita nos dados fiscais e sigilosos do ex-ministro Gustavo Bebianno e do empresário carioca Paulo Marinho, desafetos da família Bolsonaro? Também seria ignorada.

Se não fosse, ficaria por isso mesmo. Por acaso, o Ministério do Trabalho teria sido acionado para resgatar baianos em situação de trabalho escravo no Rio Grande do Sul? Nunquinha.

Não havia Ministério do Trabalho. Quem ousaria investigar uma coisa feia dessas em municípios onde Bolsonaro derrotou Lula com folga? De resto, os produtores de vinho gaúcho são bolsonaristas.

A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) usou um programa israelense para espionar nos últimos 3 anos cerca de 10 mil pessoas de cada vez. Luz teria sido jogada sobre o fato?

E sobre as 38,9 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 vencidas, avaliadas em cerca de 2 bilhões de dólares? Só há pouco, a informação chegou à equipe do governo Lula.

O ex-ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, disse que não era ele quem cuidava do assunto. E que com o esfriamento da pandemia, os brasileiros deixaram de se vacinar. Cloroquina cura.

O tapete que esconde a podridão do governo Bolsonaro mal começou a ser levantado.

Os diamantes e o poder

“Oi, Cora. Essas bolsonarices ajudam os petistas a esconder os presentes que Lula e outros petistas receberam das empreiteiras. (Lembra dos relógios do Jacques Wagner?) Abs.”

O missivista (ainda se usa essa palavra?) não é, a rigor, um desconhecido; é um leitor que me escreve rotineira e educadamente, em geral enviando links para colunas e matérias com um certo viés. Ele sabe que não pensamos da mesma forma e não pretende me converter, apenas apontar o que lhe parece mais sensato do que o que eu escrevo. Respondi:


“Não estou elogiando os petistas. O que você chama de ‘bolsonarice’ atende por corrupção, e corrupção por parte de uma das piores ditaduras atuais. Duvido que os sauditas tivessem coragem de oferecer tais mimos a Angela Merkel ou a Jacinda Ardern. Não ser petista não faz do Bolsonaro um ser humano ou um governante minimamente aceitável.”

Ele replicou:

“Não está elogiando os petistas, mas ao não criticar Lula e o PT (sim, o governo deles já começou!) e ao fazer de Bolsonaro alguém ainda pior do que ele é, torna o efeito parecido. O governo Lula usa o Bolsonaro como ‘seguro’. O mesmo ditador daria o presente ao Lula, que o aceitaria. P.S. aceitar aquele presente é moralmente errado, talvez mesmo algo ilegal, mas não é propriamente corrupção, de acordo com nossa Lei.”

Meu leitor ignora que é impossível fazer de Bolsonaro alguém ainda pior do que ele é, e aí está, a meu ver, a sua maior falha filosófica. O governo Lula, ao contrário, sabe bem disso (razão pela qual, justamente, o usa como “seguro”).

Acho importante o que ele me escreveu porque revela como parte ponderável do país pensa sobre o assunto, a saber: 1) Lula teria feito o mesmo, e 2) aceitar milhões em joias talvez seja ilegal, embora não seja propriamente corrupção.

Tecer considerações no subjuntivo é um exercício inútil, mas duvido que Lula fizesse o mesmo — não por ser a “viva alma mais honesta do Brasil”, mas por ter inteligência política para perceber o potencial de estrago de um certo tipo de “presente”. Em 2003, sua falecida esposa Marisa Letícia fez questão de doar ao Fome Zero, muito publicamente, um colar que recebeu nos Emirados Árabes.

(A política é feita tanto de símbolos quanto de fatos.)

Duvido, sobretudo, que a Arábia Saudita tivesse a audácia de oferecer um presente tão insultuoso para o atual governo, ainda mais por baixo dos panos. No cenário internacional, goste-se dele ou não, concorde-se ou não com a direção da nossa política externa, o Brasil de Lula é protagonista, enquanto o de Bolsonaro era pária — e assombração sabe para quem aparece.

Isso não quer dizer que Lula seja um santo. Ele está longe disso, muito, muito longe. Mas de todos os políticos da História recente do país, ele é o mais ambicioso, e o que melhor entendeu o seu papel: a sua obsessão é pelo poder, e não por quinquilharias, rachadinhas ou cargos para a parentalha.

Por isso, aliás, foi para a prisão, e não para Orlando; mas aí já são outros quinhentos.

Os almirantes e o cumprimento do dever

Conta-se que, diante do inimigo, quando se aproximava do Riachuelo, o almirante Barroso transmitiu à frota uma mensagem: “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”. Com esse espírito, Hélio Leôncio Martins, então capitão-tenente, subiu em um caça-ferro para proteger comboios no Atlântico, na 2.ª Guerra. Testemunhou um submarino do Eixo explodir um petroleiro na costa venezuelana.

Mais tarde, o almirante Leôncio foi o primeiro comandante do porta-aviões Minas Gerais. Era sincero nas respostas. Ao ser indagado sobre se a Marinha estava preparada para o conflito, disse: “Zero... Pode pôr zero. Zero mesmo. Não sabíamos nada de defesa antissubmarina, não tínhamos arma, nem equipamentos”. O caça-ferro Juruena, com o qual fez a guerra, só foi incorporado à Marinha em novembro de 1942, três meses após iniciado o conflito. E foi no mar que o Brasil sofreu as maiores baixas – 1,5 mil mortos –, embora a memória lembre mais da perda dos cerca de 600 pracinhas e aviadores na Itália. “Cada passagem de comboio era uma vitória.” E Leôncio teve muitas. Morreu em 2016. Honrou cada sílaba da frase de Barroso.

A Marinha tem agora um novo dever a cumprir. Lidar com o papel de seus almirantes no governo de Jair Bolsonaro. Foi do comandante da Força, Almir Garnier, que surgiram duas extravagâncias: o desfile de carros de combate em Brasília, no dia da votação da PEC do voto impresso, e a ridícula recusa de transmitir o cargo ao almirante Marcos Olsen. Elas expuseram a politização na Marinha.

Já a revelação do caso das joias trazidas escondidas da Arábia Saudita para Bolsonaro e sua mulher, Michelle, por outro almirante – Bento Albuquerque – só atesta a degradação que o bolsonarismo impôs ao País. Em uma das andanças, Bento esbarrou em um fiscal que cumpria o seu dever.

Pior. A voz do almirantado que se insurgiu contra a partidarização da Força Naval, o contra-almirante da reserva Antonio Nigro, foi punido com uma repreensão, em 2022. E isso em um governo que abafou o caso do general da ativa Pazuello. Se há punições que têm o valor de uma medalha, Nigro teve a sua.

Sobre as joias, escreveu: “Não me surpreende o fato de Bolsonaro ter incorporado ao seu acervo pessoal parte dos presentes. Nem tampouco o protagonismo de militares partidarizados na façanha de omitir o desvio das joias. Louvável a dignidade da conduta dos agentes de carreira da Receita. Exemplar a resistência deles contra investidas de autoridades de mais elevado nível hierárquico”. Nigro tem razão. Não disse nada de ofensivo, só reconheceu na conduta do fiscal o mesmo material que moveu Barroso e Leôncio: o cumprimento do dever.