sábado, 14 de julho de 2018

O Brasil que você terá no futuro


O valor mais alto que sempre se alevanta

O domingão bolivariano vivido pelo País na ressaca da derrota na Copa é uma síntese do dramalhão brasileiro.

Foi só mais um golpezinho chinfrim, desta vez envolvendo deputados e desembargadores plantados. A cara do Lula. A cara do PT. A medida exata do valor que dão à democracia, às instituições que manipulam, ao Brasil e aos brasileiros.

A vitória, excepcionalmente, foi “dos mocinhos”. Teriam atirado no alvo errado ao visar o TRF-4, a outra Curitiba, a quem o Brasil fica devendo mais essa? Há quem diga que tudo o que queriam era desmoralizar as instituições. Já as gravações na rede comemorando antes da hora a libertação do chefe feitas por toda a cúpula da organização criminosa descrita na Ação Penal 470 que Lula, como o PCC, comanda de dentro do presídio indicam que eles realmente esperavam que essa armação mequetrefe pudesse colar...


Mas isso pouco importa, pois no universo moral do lulismo nenhuma sujeira se perde, todas apenas se transformam. O que choca é terem os 200 milhões de brasileiros da “2.ª Classe” razões de sobra para se angustiar com mais essa palhaçada, pois os favretos do STF que acabam de dar fuga ou apagar os pecados da cúpula da quadrilha fixaram a jurisprudência de que os fatos, a lei, a Constituição e até as sentenças deles próprios não valem nada, tudo pode virar do avesso conforme a “turma” que estiver de plantão. E se pode a “turma” (que em dois meses estará “lá”) ou mesmo um só entre eles nesta nossa monocracia, por que não o aparelhado solitário de turno plantado no TRF-4 pela janela do “quinto constitucional”?

Causa “intolerável insegurança jurídica” a decisão “inusitada e teratológica” baseada em “premissa falsa” por autoridade “manifestamente incompetente”? Revela dolo ter ela redobrado sua truculência ameaçando juízes e policiais federais depois de alertada para o “flagrante desrespeito a decisões colegiadas do STJ e do plenário do STF”? Desejavam espicaçar perigosamente “paixões partidárias e políticas” pondo o País inteiro em risco e causando prejuízos sistêmicos à economia com esse “tumulto processual sem precedentes”?

Sim, sim e sim, é “óbvio e ululante”! Mas, data maxima venia, os editorialistas são estes aqui ao lado. Da meritíssima Laurita Vaz, que representa a instituição agredida, o País tem o direito de esperar medida saneadora exatamente proporcional aos adjetivos todos que usou. Afinal, já está provado: a 2.ª Instância, unida, isola e desarma até a última instância bandida.

A pergunta que nunca se faz em voz alta diante dessas mixórdias todas – alguns dos que deveriam porque mamam diretamente, outros porque mamam indiretamente, o favelão nacional apenas porque ninguém amplifica o som da sua voz – é: porque, afinal de contas, o Poder Judiciário “mocinho”, de quem depende a segurança jurídica, pela ausência da qual está o País inteiro se afogando em sangue e miséria, convive com os seus favretos e dá a esses cânceres no máximo a aspirina de um “pito”?

A resposta é igualmente óbvia e ululante: porque tem de ser monolítico o edifício periclitante da “privilegiatura”, especialmente no meio desse terremoto permanente que a esta altura ele custa à Nação. E é natural que seja assim. É o instinto de sobrevivência que nos move como espécie. E não há, fora da seara dos santos, altruísmo que resista a essa força da natureza. Por isso ninguém, nem no que resta de menos poluído no funcionalismo que ainda é pago em dia (e astronomicamente muito), dispõe-se a permitir que sua indignação vá mais longe do que foi a de Laurita Vaz.

A democracia é o regime que reconhece as forças da natureza e trata de colocá-las a serviço do bem. Não há resposta institucional às bofetadas que o PT et caterva dão na cara das instituições, não porque elas não disponham de armamento de defesa, mas porque estão nas mãos erradas os gatilhos que o acionam.

Tudo o que está errado no Brasil, aliás, está errado porque é isso que está errado.

É “dinheiro de pinga” essa montanha que escandaliza o mundo do que nos roubam por fora da lei. O que arrebenta mesmo é o que nos tomam por dentro da lei. É o que nos tomam convertendo todo e qualquer assalto em mais um “direito adquirido”; automatizando o avanço anual sobre os bolsos do favelão nacional; rebatizando pedaços do esbulho como “auxílio”, “contribuição” ou “salário-xis”. O que nos mata mesmo é, com todos os chineses do mundo fungando no cangote dos nossos empregos, ter o peso desses penduricalhos multiplicado pela ausência de cobrança de resultados, a estabilidade eterna e até hereditária no emprego, o avanço na carreira por decurso de prazo, a antecipação das aposentadorias...

Enquanto não estiver nas nossas mãos o direito de deseleger a qualquer momento estes que hoje elegemos para uma “privilegiatura” eterna, destruir o Brasil continuará parecendo-lhes mais barato que perder uma eleição. Enquanto a pena máxima para juiz ladrão continuar sendo a aposentadoria precoce, eles continuarão a soltar, em vez de prender bandidos. Enquanto não for você que decide quem fica e quem sai do serviço público, toda corporação que chantagear o povo será perdoada, toda lei adicional contra a corrupção se transformará na mais nova arma da corrupção, todo teto imposto ao funcionalismo será imediatamente convertido em piso.

Instituições e seus dispositivos de defesa são armas de afirmação de uma determinada hierarquia. Qual? Vai depender de quem puxa o gatilho. Se quisermos que mude o que está aí, temos de tirar a mão do Brasil que nos está matando do gatilho e pôr no lugar a do Brasil que queremos que sobreviva. O resto acontece sozinho.

Alô, indignados de boa vontade! Alô, candidatos sem bandeira nenhuma! Alô, povo que ainda pode derrubar governos com passeatas sem levar tiro! Eleições distritais puras, retomada de mandatos a qualquer momento (recall), referendo de todas as leis que vierem deles, eleição de retenção de juízes regularmente, é isso que nos tira da condição de alvos e nos põe na de atiradores.

Togas partidárias

A judicialização da política elimina a separação de poderes, que era a base da democracia liberal. Ela é a causa principal da crise institucional. Ela acontece em muitos países, mas, no Brasil, é muito mais brutal e mais direta, com objetivos diretamente políticos da parte do poder judicial
Manuel Castells

Gastos com alimentação na Câmara trataria câncer de 18 mil

Os 513 deputados federais já receberam reembolso de R$5,56 milhões de gastos com alimentação desde a posse em 2015. Em vez de encher a barriga dos parlamentares, literalmente, o valor seria suficiente para pagar mais de 4 mil sessões de quimioterapia e mais de 14 mil sessões de radioterapia de pacientes de câncer, além de 400 cirurgias para remover tumores no SUS.

Em média, cada deputado recebeu de volta R$10.845. Esse valor seria suficiente para bancar 8 sessões de quimioterapia e 27 de radioterapia.

Enquanto o trabalhador se vira com R$954, deputados ganham R$33,7 mil mensais, mas pedem reembolso de R$ 1 gasto com pão de queijo.

Dos 86.984 pedidos de reembolsos, o maior foi da liderança do PT: R$6.205,00. Dos dez maiores pedidos, nove são do PT e um do PSDB.

Cláudio Humberto

O país à beira do abismo com a crise institucional

O STF já passou por várias crises, mas nunca houve uma balbúrdia como nos últimos anos, em que os ministros anulam decisões soberanas do Congresso Nacional, assumem funções legislativas e impõem ao país decisões monocráticas. Além disso, interpretam casuisticamente uma Constituição com deformações absurdas, porque foi redigida por constituintes que não tiveram compromisso com a austeridade fiscal nem responsabilidade na construção de uma nação soberana, justa e instruída. Deixaram que o corporativismo corresse solto, assimilando princípios contraditórios espalhados por artigos complexos. Ignoraram sempre uma linha direta, objetiva e afirmativa.


A Carta Magna tinha cunho parlamentarista, mas o plebiscito de 21 de abril de 1993 confirmou o presidencialismo, e, sem a adequada revisão prevista para aquele ano, o presidente da República ficou com poderes imperiais, especialmente no que se refere à medida provisória e proposição de emendas constitucionais. Ele subjuga os parlamentares com o controle das dotações orçamentárias, loteia a administração pública e nomeia ministros para os tribunais superiores, sem que haja acurada análise do Senado Federal.

Entre os absurdos da Constituição está a atribuição ao STF de julgamento de autoridades federais, misturando ações penais com sua missão essencial de Corte constitucional. Isso gera sobrecarga de processos para um pequeno colegiado, privilégio para alguns cidadãos e chance de impunidade para os patronos dos magistrados do momento, como ficou explícito na Ação Penal (AP) 470, em 2012, quando os políticos receberam penas menores do que as dos empresários. O despropósito cresceu com a proteção partidarizada a denunciados na operação Lava Jato, que elucidou muitos crimes de corrupção. O cidadão comum tem percebido interpretações subjetivas de artigos da Constituição de 1988, com endereçamento ajustado a alguns réus. Isso tem provocado aversão entre os cidadãos, sempre apreensivos a cada sessão na Corte maior, porque há forte engajamento político dos ministros que não se preocupam com a consolidação da jurisprudência.

O Brasil precisa de nova Constituição para reconstruir o Estado, mas quem serão os constituintes? Estamos em embate ideológico, e não há lideranças confiáveis para nortear a redação de um novo texto por uma equipe específica. O presidente da República não tem credibilidade nem se empenha para conduzir uma administração dinâmica, austera e consequente para a modernização do país. É indispensável eliminar os privilégios, mas ninguém aceitará reduzir os seus. Há dezenas de partidos sem sedimentação ideológica, pois os políticos preferem o fisiologismo e o aluguel da legenda para o bloco hegemônico do momento. O Poder Judiciário está repleto de militantes a serviço de seus patronos. O cidadão comum presta-se à venda de seu voto ou quer distância do processo eleitoral. Assim, continuaremos com uma Constituição bizarra ou apostaremos na elaboração de outra, que pode nos jogar definitivamente no abismo.

Imagem do Dia


Uma país de especialistas

Aos poucos, e à força, os brasileiros vão se especializando. Além de 200 milhões de técnicos de futebol, discutindo táticas, escalações e estratégias, também nos tornamos especialistas em novelas, todos entendem de interpretação, roteiro, tramas, se identificam com personagens e lutam por eles.

Tivemos que nos especializar em economia no duro aprendizado de incontáveis crises.

Agora todos entendem de inflação, câmbio, juros, e debatem os números da economia como se fossem futebol ou novela.

De política, todos entendem, têm profundas convicções, soluções para todos os problemas. As causas mais nobres.

Agora, todos entendemos tudo sobre leis e sua aplicação. Nos tornamos juristas amadores e discutimos decisões de tribunais como se fossem futebol, novela ou eleições. Com mestres como Gilmar, Dias Toffoli e Lewandowski, formamos péssimos juristas de araque.

Nelson Rodrigues reclamava que, em tempos passados, os idiotas vocacionais e as bestas quadradas tinham um certo pudor em dar opiniões, sabiam de sua estupidez e conheciam seu lugar, mas, na alvorada da era das comunicações, estavam dando opinião sobre tudo, orgulhosos da própria burrice. Imaginem Nelson na era da internet... rsrs

Um cínico nelson-rodrigueano diria que, no Brasil, os competentes raramente são honestos; e os honestos e incompetentes, com sua burrice e boas intenções, dão mais prejuízo que os ladrões.

Ninguém tem culpa de ser burro, nem qualquer mérito em ter nascido inteligente ou bonito de fábrica. Mas a burrice é perigosa, se convence de soluções fáceis para problemas complexos, se aferra às suas convicções como verdades absolutas, é impermeável a razões e argumentos, e até a números e evidências científicas.

Sim, inteligência não tem nada a ver com ignorância, e Lula é a melhor prova disso, em contraponto às manadas de burros ilustrados no meio acadêmico. Mas o que é pior: a inteligência voltada para o mal, pelo seu maior potencial de danos, ou a burrice bem-intencionada e voluntarista, pelos desastres que provoca?

“São cegos guiados por loucos rumo ao abismo”, diria o Rei Lear, se vivesse no Brasil.

Em nome de Deus...



Vamos aproveitar esse tempo que nós estamos na prefeitura para arrumar nossas igrejas
Marcelo Crivella, pastor licenciado e prefeito do Rio

O Brasil onde se zomba da ética se coloca às portas da ditadura

O caso Lula e os últimos acontecimentos em torno da tentativa de libertá-lo da prisão a qualquer preço estão revelando algo mais profundo e grave: que, no Brasil, o espúrio conúbio entre política e justiça está jogando por terra o sentido sagrado da ética, que em suas origens supõe o reconhecimento entre “o bem e o mal”, como já advertia o filósofo Aristóteles. E quando um povo confunde os limites entre o bem comum e o pessoal, quando zomba da ética, coloca-se às portas da ditadura.

Se instituições como a política e a Justiça são concebidas por seus responsáveis como uma confraria de interesses pessoais, à custa das pessoas, é inevitável que surja a tentação de soluções autoritárias para impor e decidir o que é bom e o que é mau, à margem do que a sociedade possa pensar.

E esse é um perigo real hoje no Brasil, onde o emblemático caso de Lula, com tudo o que arrasta de paixões e interesses e que pode condicionar o presente e o futuro do país, está revelando que o conceito de ética está desmoronando a ponto de não se saber mais onde começa a verdade e a mentira, a liberdade e a tirania.


Quando uma sociedade percebe que os principais responsáveis nacionais por lutar pelo princípio da ética – vista como o sal que impede que a democracia apodreça – são os primeiros a pisoteá-la e ajoelhá-la perante seus interesses, não há nada de estranho que ela acabe envenenada, dividida, incrédula e tentada a tomar a justiça nas suas próprias mãos. Nesse ponto, a explosão de violência é inevitável.

Quando magistrados, juízes e políticos (preciso dar nomes?) usam seu poder a favor ou contra os que consideram ser “deles”, em detrimento do princípio de que ela deve ser igual para todos; quando os que nomeiam os cargos consideram normal que os nomeados sejam gratos a esses padrinhos ou ao seu partido, mesmo que à custa de usar dois pesos e duas medidas; quando observamos esse conluio político judicial à custa da sociedade e até da Constituição, não é de estranhar que as pessoas nas ruas vejam isso como um grotesco espetáculo que não corresponde ao peso e à importância de uma sociedade como a brasileira.

Que Lula seja julgado como qualquer outro cidadão, nem com maior nem com menor rigor, já que a lei é igual para todos. Mas que a sociedade sinta de forma palpável que esse rigor da lei serve também com os outros personagens da política. Do contrário, não é de estranhar que acabe convencida de que existem réus de estimação e réus para serem perseguidos.

E quando uma sociedade se sente traída e burlada, não é difícil que caia na tentação de jogar a ética na sarjeta para fazer justiça com as próprias mãos. Pudemos ver isso nos últimos dias, depois da loucura judicial da ordem de domingo do juiz Rogério Favreto de tirar Lula da prisão, e tudo o que isso desencadeou no mundo político e judicial. Um episódio que serve para pôr sobre a mesa a irritação nacional contra as diversas instituições. O eco que isso produziu entre cidadãos de ambos os lados do espectro político foi significativo e aterrador. Por parte da esquerda, os tuítes violentos lançados à sombra do anonimato das redes, como os que diziam: “Eu queria libertar Lula com as minhas mãos, e com as mesmas matar Moro”, ou “Gente, é preciso mandar matar o Moro”. E pela direita, a divulgação do celular do juiz Favreto, que também culminaram em ameaças de morte a ele e à sua família, e até o tuíte do general Paulo Chagas, que, com a cara descoberta, incita à violência contra o juiz que mandou soltar a Lula: “Gauchada!!! O nome dele é Rogerio Favreto. É um desembargador petralha, está de plantão no TRF.4. Será fácil encontrá-lo para manifestar-lhe, com a veemência cabível, a nossa opinião sobre ele e a sua irresponsabilidade. Ele é mais um apaixonado pelo ladrão maior. Conversem com ele”.

Alguém poderá estranhar que a sociedade se sinta em guerra? Dividida em lados, como quem a governa, quando vê que aqueles em quem deveria confiar para que a deusa da justiça não seja estuprada a colocam aos pés de seus piores interesses?

Até nas guerras, nos campos de batalha, existem entre inimigos certas regras e pausas em que os soldados enfrentados param para conversar e até se confraternizar. Na guerra do Brasil, não parece haver nem momentos de pausa para refletir. Existirá alguém com autoridade e moralidade capaz de erguer a bandeira branca da paz, ou os políticos continuarão aproveitando o descontrole que criaram para continuar pescando nas águas revoltas?

Quando na Espanha, há mais de 40 anos, faleceu o ditador militar Franco, o país, ferido com mais de um milhão de mortos vítimas da guerra civil, estava partido em dois. O então futuro rei Juan Carlos, perante o cadáver do ditador, prometeu: “Serei o rei de todos os espanhóis”. Ali começou a difícil e ainda inacabada reconciliação nacional.

Quando em um país perde-se a medida para distinguir o bem do mal, onde a Justiça pode ter muitas caras e a ética aparece doente e desprezada, a democracia corre perigo de morte e abrem-se as portas dos fantasmas autoritários.

Uma história de 15 anos (ou "Os Demônios")

Lula foi eleito em 2002. Na posse, disse que “não tinha o direito de errar”. O resto é história. Mas recuemos um pouco. Nossa história há de começar por um crime: em 18 de janeiro de 2002 o então prefeito de Santo André foi sequestrado enquanto jantava em companhia de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, e assassinado. Celso Daniel era coordenador de campanha de Lula. Oito pessoas ligadas à cena do crime foram assassinadas – desde o garçom que o atendeu até o agente funerário que reconheceu o corpo. Sigamos.

A viúva de Celso Daniel, Miriam Belchior, seria figura importante nos governos Lula e Dilma: foi assessora especial do presidente da República, subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, ocupou a secretaria executiva do tal Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – substituindo a então ministra Dilma Rousseff, a gerentona –, até que, em 2011, chegou ao topo da carreira: foi ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, e em 2015 assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal, de onde só saiu com o impeachment.

Se um fato simboliza o PT, e se alguém simboliza o petismo, estes são o assassinato de Celso Daniel e a carreira de Miriam Belchior no governo e na burocracia. Mas sigamos.

Algo não estava previsto: em 2005, Roberto Jefferson denunciou o mensalão. Mas Lula foi poupado. Foi poupado por Marcos Valério, foi poupado por seus companheiros de partido, foi poupado pela Procuradoria-Geral da República, que não o denunciou, foi poupado pela imprensa e, principalmente, foi poupado por Fernando Henrique Cardoso e sua tese de que era preciso “deixá-lo sangrar”. O resultado: em 2006 Lula foi reeleito.

O STF só viria a julgar o mensalão em 2012. Os políticos em geral ou foram absolvidos, ou receberam as penas mais brandas; os empresários pegaram cana dura. Delúbio Soares tinha razão: o brasileiro tem memória curta e uma hora tudo iria virar piada de salão. José Dirceu, por exemplo, recebeu um perdão judicial. O próprio Delúbio, vejam só, também recebeu perdão judicial. Marcos Valério segue preso.

O método de governar do PT era sair comprando. Com dinheiro compravam-se os deputados. Era com dinheiro também que o PT iria comprar os grandes empresários. E aí entravam o BNDES, a Petrobras e a pletora de estatais. Era a época em que ouvíamos falar das “campeãs nacionais”, das empreiteiras e dos estádios para a Copa, das desonerações tributárias para a linha branca. A imprensa? Ora, compra-se também, com anúncios. Os pobres? Compra-se com Bolsa Família, com fogão novo, com bolsa em faculdade que não ensina. Os sindicatos, a academia e a igreja, estes já estavam comprados desde sempre.

Os artistas eram financiados gordamente com Lei Rouanet, e no palco homens nus andando em círculo enfiavam o dedo no ânus uns dos outros, com dinheiro público. Nas galerias de arte, com apoio dos grandes bancos, Nossa Senhora segurava um macaco, hóstias eram vilipendiadas. Artistas-militantes-comediantes, soi-disantes politizados, em eventos-comícios gritavam “fim da PM, se não acabou, tem de acabar”. O auge de toda esta loucura foi um programa Roda Viva, em 5 de agosto de 2013, em que Bruno Torturra, do Mídia Ninja, e Pablo Capilé, do Fora do Eixo, deram explicações muito sérias e compenetradas sobre como funcionava o “Cubo Card”, a moeda alternativa das casas coletivas – a mídia é ninja, a casa é alternativa e coletiva, mas no entanto recebe financiamento de George Soros, em dólar de verdade.

As ideias mais extravagantes eram acolhidas com entusiasmo. Um vento de alegria e loucura soprava sobre o país.

Sem oposição política, com a simpatia da imprensa e da classe artística, e com apoio do PIB e dos movimentos sociais, o PT sentia-se à vontade para esmagar a classe média e os seus opositores. Uma constatação feita há muitos anos pelo filósofo Olavo de Carvalho se cumpria: todos os políticos tradicionais, de oposição ao PT, ou aderiram ao petismo, ou então seriam presos, ou relegados ao ostracismo, com suas biografias destruídas.

E o PT avançava desavergonhadamente. Montou a Comissão da Verdade, para punir inimigos e indenizar amigos, trouxe médicos cubanos, tentou aprovar um decreto (o 8.243/2014 que implantava sovietes e suprimia o poder do Congresso), avançou sobre a regulação da internet, sobre a regulação da publicidade; sob o manto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), avançou a sua agenda politicamente correta à revelia do Congresso Nacional, em temas como controle social dos meios de comunicação, expansão do Bolsa Família, reforma agrária, relativização do direito à propriedade, cotas para negros e índios, legalização do aborto (inclusive com realização do procedimento pelo SUS), imposto sobre grandes fortunas, legalização da prostituição, políticas LGBT e identidade de gênero e desarmamento; emprestou mais de R$ 50 bilhões a juros subsidiados e mediante contratos secretos para governos esquerdistas como os de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua.

Fernandinho Beira-Mar foi preso. Ele trocava fuzis por cocaína com as Farc. O PT era parceiro das Farc e de seus líderes, Raúl Reyes e Manuel Marulanda, com quem se sentava todos os anos em reuniões do Foro de São Paulo. Lula chegou a admitir que, se não fosse o Foro de São Paulo e o silêncio obsequioso da imprensa, os governos de esquerda da América Latina não teriam sido eleitos; Hugo Chávez não teria sido eleito. Na capital paulista, uma liderança do PCC dá a ordem: “No dia da eleição é pra todo mundo votar pro Genoino”.

E Lula chegou ao fim do seu segundo mandato com altíssima popularidade, capaz até de eleger um poste. Os petistas pareciam ter aprendido o segredo de como, habilmente, manobrar os espíritos. Pareciam ter entendido que, afinal, o êxito do socialismo é em grande parte devido ao sentimentalismo. Com João Santana e meia dúzia de palavras-gatilho, o PT elegeu o seu poste – Dilma Rousseff. O resto é história.

Todos se deixavam seduzir.

Após o julgamento do mensalão, os petistas perceberam que o Judiciário também não lhe ofereceria mais resistências. O Judiciário, na verdade, cooperava em seu projeto: enquanto os próceres petistas eram condenados no mensalão e gestavam o petrolão, o STF julgava demarcação de terras indígenas e quilombolas; liberava o aborto de fetos anencéfalos, o casamento gay, a Marcha da Maconha, o aborto até o terceiro mês de gestação por decisão monocrática; proibiu a prisão após condenação em segunda instância, julgou constitucionais as cotas raciais, liberou o auxílio-moradia para todos os juízes do Brasil por decisão liminar e proibiu a extradição de Cesare Batistti.

Impossível falar em STF e em PT sem lembrar de Dias Toffoli. Ele foi advogado do PT – repita-se, advogado do PT – nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, e entre janeiro de 2003 e julho de 2005 exerceu o cargo de subchefe da área de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, durante a gestão de José Dirceu – repita-se, era assessor de José Dirceu. Era advogado do PT. Hoje é ministro do Supremo. Nascido em 1967, Toffoli foi nomeado por Lula em 2009, aos 42 anos de idade. Poderá ficar no tribunal até completar 75 anos, ou seja, até 2042. Foi Toffoli quem deu o voto condutor, na Segunda Turma, que tirou José Dirceu da cadeia dias atrás. Não vamos nos iludir: em breve Lula também será tirado da cadeia.

E é significativo que, no STF, os ministros que hoje são identificados com a moralidade e o combate à corrupção – Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, ambos nomeados por Dilma – sejam também os esquerdistas da corte: o primeiro, ex-advogado de Cesare Batistti, autor da tese que resultou na proibição das doações de empresas para campanhas eleitorais, defensor da liberação das drogas e do aborto. O segundo, parceiro do MST e da CUT, acaba de dar um voto a favor do restabelecimento da contribuição sindical.

Em 2016 Dilma sofreu o impeachment. A dívida interna teve um aumento, só em 2016, de 12,67% saltando para R$ 2,98 trilhões. Segundo dados do Tesouro, a dívida pública mais do que dobrou entre 2006 e 2016. A inflação batia em mais de 10% ao ano. O déficit do governo federal era de R$ 154 bilhões. A retração do PIB foi de 3,8% em 2015, ano em que foram destruídas 1,5 milhão de vagas formais de empregos. O roubo à Petrobras foi de R$ 6 bilhões, segundo lançamento contábil da própria empresa. O número de assassinatos em 2016 foi de 61.619, o maior registro de mortes violentas da história do nosso país.

Os demônios vieram para roubar, matar e destruir.

E o assassinato de Celso Daniel? Nunca foi esclarecido. Em 2014 o STF deferiu o Habeas Corpus 115714, impetrado pela defesa de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, para determinar a anulação, desde a fase de interrogatório dos réus. Ou seja, foram anulados todos os atos processuais ocorridos desde dezembro de 2003. Em 27 de setembro de 2016, Sérgio Sombra morreu em decorrência de um câncer, sem ter sido julgado.

Luiz Cezar de Araújo