sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Por que lutamos?

Numa época em que o corrupto apela até pra mandinga para afastar o mal trazido para si por seus investigadores e julgadores, pode se perguntar, por que lutamos?

Um país ecoa suas origens. A estrutura sócio-política brasileira, trazida há mais de quinhentos anos nas caravelas lusitanas de Cabral e Tomé de Souza, aportaram nesta terra-virgem costumes e aparatos burocráticos cujas consequências ressoam até os dias atuais, para o bem e para o mal.

Para o bem, a confusão de culturas até então incompatíveis permitiu que crescêssemos de forma plural, e multicultural, num amálgama de etnias, ideologias e crenças convivendo em rara harmonia, do catolicismo romano a umbanda, candomblé e macumba, esta curiosamente difundida entre todos os estratos sociais para fins religiosos. Mais recentemente, em Tocantins, foi desvirtuada e usada para afastar investigadores e magistrados do cumprimento de seus deveres, como já sinalizaram supostas apreensões em operações policiais recentes.


Para o mal, ficaram as reminiscências aristocráticas do patriarcado e o domínio patrimonialista. Um sistema de valores, enrijecido em raízes estáveis, que favorece o clientelismo, o nepotismo e as relações verticalizadas, que desde sempre têm dificuldade em separar aquilo que é do Rei, daquilo que pertence ao reino.

É o retrato velho e desbotado, porém estampado na sala de estar, da vulgaridade moral que ainda dá o tom à nossa época. A longa caminhada dos séculos na história do Brasil não fez acompanhar-se de evolução semelhante na cultura estamental.

Hoje, a elite política, embora tenha abandonado os brasões lustrosos e vestimentas de brocados exuberantes, governa em nome e interesse próprio, num círculo quase impenetrável às preferências cidadãs; o Estado, pelo aliciamento dos seus fundos e pelo desvio de seus fins, reduz-se à vontade daqueles que o gerenciam; e o povo? Que parte lhe cabe neste latifúndio? Este tenta lutar para fugir do laço sufocante dessa ordem que vem de cima.

Nem a pressão democrática imposta pela modernização diluiu as alocações particularistas de recursos, geradoras de desigualdade no acesso aos bens públicos, tampouco desfez o sistema de privilégios do patronato, que acarreta a impunidade dos poderosos e, ao cidadão comum, a terrível sensação de que o êxito profissional – neste pântano pouco iluminado do capitalismo de compadrio ou camaradagem – é menos produto do esforço inovador do que de relações próximas com autoridades estatais.

Em nível individual, a corrupção é igualmente perniciosa, erodindo a confiança básica nas instituições públicas, sem a qual democracia nenhuma para em pé – e a nossa, tão jovem, parece sempre estar cambaleando. A corrupção é a mais aguda expressão dos problemas não-resolvidos da nossa República.

Esse mercado clandestino do patrimonialismo constituiu as bases de um Estado paralelo e cooptado que aos poucos configurou um estatuto de normas invisíveis mais poderosas, até mesmo, que as leis do Estado. Estas, reiteradamente violadas pela impunidade, enquanto qualquer um que não conspire com as convenções ilícitas encontra punição certa. E sob esse obscuro sistema de poder, certamente a sociedade espera não ter de apelar para que forças ocultas ajudem-na a sair do milenar ciclo vicioso.

Tarda que a peculiar história brasileira fique para trás, e que as raízes outrora estabelecidas sejam de uma vez por todas liquidadas, reerguendo o valor da virtude e rompendo a túnica rígida de um passado sufocante. E não há, para tanto, caminho melhor senão o da educação que desperte a consciência cívica massiva, capaz de afastar a conformidade das gerações presentes, que oscilam entre a descrença e o engodo, e redefinir o comportamento público das gerações futuras.

Frank Capra, na série de propagandas contra o fascismo durante os momentos iniciais da II Guerra Mundial, lançou uma interessante reflexão: por que lutamos? Talvez nunca liquidemos inteiramente o espólio da herança patrimonialista, mas lutamos porque é o certo a se fazer. Para tornar mais difícil aos cleptocratas perverter a coisa pública. Para converter a desfaçatez em esperança de dias melhores. E que a nossa luta não seja pura arte de construção no vácuo.

Mas se neste passado a corrupção era vista como um crime sem vítima, assim não é mais. Hoje, somos todos nós. Por isso, seguiremos lutando, deixando as mandingas pra lá!

Doris de Miranda Coutinho

Imagem do Dia

Lisboa (Armando Franca)

Gatos e monstros

Às cinco e vinte da manhã, acendi a luz e comecei a limpar o banheiro dos dois irmãos. O mais magro é bagunceiro e leva jeito de destemido, mas se assusta até com uma sombra; Temis, a irmã dele, é mais quieta e, em certos momentos, se entrega à reflexão. Ambos mantêm uma postura elegante, altiva, sem falar na conduta ética, de fazer inveja nestes tempos...

Antes de jogar os dejetos nas folhas de um jornal de junho, dei uma olhada nas fotografias e manchetes. E o que vejo, ainda em jejum? Uma imagem de rostos monstruosos: um grupo de machos governamentais, jovens e velhos, uns oito ou nove velhacos, indiciados ou investigados. Ao lado desses homúnculos, uma chamada na capa: o presidente sancionou uma Medida Provisória que reduz em quase 40% a área da Floresta Nacional do Jamanxim (PA). São os grandes grileiros, em conluio com certos políticos do Pará, do Mato Grosso...

Quando dizem que vão fiscalizar uma área florestal liberada para extração de minérios ou plantação de soja, só um ingênuo é capaz de acreditar nessa mentira deslavada. Não fiscalizam nem mesmo o Parque Nacional, ali perto de Sobradinho, nas barbas do Planalto...

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Por que somos tão passivos diante de tantos crimes? Onde estão as panelas de antanho? Perguntas que faço a Temis, enquanto junto com uma pá a areia suja e cubro a imagem dos machos meliantes, todos eles mais empedernidos que os dejetos dos felinos, e mais rapaces que hienas, com a devida vênia a esses devoradores de cadáveres.

Embrulho tudo e escuto um miado melodioso: é um pedido para que eu abra a janela, pois está amanhecendo, e minha felina de pelagem cinza é crepuscular. Sei que essa bela palavra é batida, mas não encontro outra para expressar a atração de Temis pela primeira luz da manhã e a última da tarde, quando ela contempla com olhar parcimonioso, e não raramente sonhador, o mundo lá fora.

Ali embaixo se reúnem os primeiros operários que trabalham numa torre de concreto, alguns se benzem ao passar diante da igreja, ainda fechada. À direita, quase na esquina, um rapaz abre a banca de revistas e jornais e pendura as manchetes das iniquidades do Brasil: “país de caminhos fechados”, como escreveu o poeta.

Temis vê a faxineira do prédio na calçada, olha para mim e pisca: é o afeto felino, tão puro e espontâneo, que rima com cristalino. Nas raras andanças pelo térreo, a gata conversa com a faxineira sobre a vida, sempre mais dura e perigosa para milhares de mulheres que acordam às cinco da matina, rezam para não ser assaltadas e atravessam a cidade para ganhar o pão de cada dia.

No fim da tarde, a felina gosta de escutar o “Magnificat” e ver os noivos radiantes sob uma chuva de arroz na porta da igreja, antes de rumarem à primeira ou milésima noite. Ela não sai da janela, pois sabe que ainda ouvirá um réquiem na missa à memória de uma pessoa que passou para o outro lado do espelho.

Amanhã, bem cedinho, vou acender a luz e despejar os dejetos nos rostos dos farsantes monstruosos. Depois, no crepúsculo do dia e da noite, vou acompanhar o olhar da felina, que salta do mundo real ao imaginário, vai da tristeza à alegria, da esperança ao desencanto, numa onda de emoções que também me comove.

Milton Hatoum

Geddel fez por onde ser preso novamente

Com mais um pouco, a segunda prisão, esta manhã, em Salvador do ex-ministro Geddel Vieira Lima teria vindo tarde. Ele abusou de fazer por onde ser preso outra vez. É verdade que cumpria prisão domiciliar sem a tornozeleira eletrônica a que estaria obrigado.

A nova prisão não será tão rápida quanto foi a primeira. Ele amargará muito tempo de cadeia na condição de reincidente. Como amarga em Natal, Rio Grande do Norte, seu amigo e ex-colega de governo Henrique Eduardo Alves, que jaz esquecido. 

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A descoberta de oito malas e de seis caixas com R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador foi mortal para Geddel. Não pela quantidade de dinheiro em si mesma assombrosa. Mas porque a impressão digital de Geddel foi encontrada em parte das cédulas.

Batom na cueca! A caça ao batom foi o principal motivo das 14 horas ininterruptas levadas pela Polícia Federal para contar o dinheiro. Procuravam-se impressões digitais, datas de emissões das cédulas, tudo o que pudesse ligar Geddel ao tesouro. Bingo!

Mas teve mais. Além do dono do apartamento, outra pessoa confirmou que o espaço havia sido cedido a Geddel. E ele passou senhas incorretas do seu celular para a Polícia Federal e se recusou a fornecer sua digital para que acessassem o aparelho.

Por fim, o homem que deixou a Penitenciária da Papuda em Brasília depois de 13 dias recluso e que assegurou estar disposto a colaborar com as autoridades deu sinais claros de que poderia fugir do país, segundo concluiu a Polícia Federal.

Além de corrupção, Geddel também poderá ser processado por tentativa de obstrução da Justiça. De pouco adiantará que chore como já o fez antes de ganhar o direito à prisão domiciliar. A cruz de isopor que carregava virou uma cruz de ferro.

Situação de Temer agravou-se muito

Para quem em visita à Noruega pensa estar na Suécia, e, ao lado do presidente paraguaio, trata-o como governante de Portugal, uma confusão a mais seria apenas natural e inevitável. Não fosse, dessa vez, uma viagem de Michel Temer a respeito de si mesmo, ao acreditar que o afundamento de Joesley Batista extingue os efeitos judiciais e políticos do que tramaram no seu encontro noturno. A situação de Temer, na verdade, agravou-se muito. Além de inalterada, a já conhecida incriminação que Joesley lhe fez ganhou, entregue em malas e caixas, volumosa contribuição do seu parceiro Geddel Vieira Lima.

As gravações que Joesley traz não apagam a anterior, em que Temer lhe recomenda manter a compra de silêncio dos presos Lúcio Funaro e Eduardo Cunha. Nem elimina sua indicação, para representá-lo junto a Joesley, do “auxiliar de plena confiança” logo fotografado com a mala e meio milhão vindo do empresário. Temer continua denunciado, para ser processado quando termine o mandato.



Geddel é um político que não suscita dúvidas há 25 anos, quando se notabilizou como um dos “anões do Orçamento”, que desviavam em favor próprio a destinação, pela Câmara, das verbas federais para o ano. Na década passada, Antônio Carlos Magalhães avisava, sobre negócios de Geddel com fazendas e outros imóveis: “Geddelzinho vai às compras”, ou foi.

Apesar de tal transparência, Geddel foi diretor da Caixa Econômica a pedido do então vice de Dilma Rousseff (para eliminar dúvidas teimosas sobre o sentido de suas escolhas, o outro diretor indicado por Temer foi Moreira Franco). 


Derrubada Dilma, Geddel estava na primeira fila a entrar no Planalto, feito ministro da Secretaria de Governo de Temer – um dos dois ministros que sabem e lidam com tudo no governo.

O apartamento de Salvador tornou-se cofre de Geddel no ano passado, como informou à polícia o proprietário, Silvio Silveira. No governo Temer, portanto. A providência teve motivo claro: o governo resguardava Geddel de investigação sobre o pretendido prédio ilegal em Salvador, mas a Lava Jato e outros jatos poderiam escapar ao controle.

Remeter dinheiro para o exterior, assim como aplicações encobertas, era um risco implícito nas circunstâncias. Malas e caixas passaram a compor um cofre dotado de sala, quartos, banheiro e cozinha. Tão único quanto Geddel. Mas sem negar a utilidade de cofres ainda mais turísticos, apesar de inconvenientes no momento.

As autorizações do juiz Vallisney de Souza Oliveira à Polícia Federal indicam disposição de esmiuçar a riqueza de Geddel, seus meios e fontes. Isso tem conexões com outro fator de agravamento para Temer: as revelações de Lúcio Funaro, intermediário de corrupção com ligações tanto a Geddel, em transações variadas, como a Temer, no mínimo em captações sob o nome do PMDB.

A delação de Funaro homologada pelo Supremo foi um complemento adequado ao dia em que ficaram conhecidos o cofre e mais uma gravação de Joesley. A homologação encerra a espera do procurador-geral Rodrigo Janot para liberar nova denúncia criminal contra Temer.

Ainda em nível de expectativa, há mais quatro ou cinco gravações de Joesley e outros dirigentes do grupo J&F. Mais ameaças potenciais para Temer, sem exclusividade: seria a hora também de outros políticos. Acima de tudo isso, paira a indignação que invadiu o Supremo e, pode-se pressentir, exacerbou disposições ali quanto a tudo referente à corrupção e seus personagens. Uma boa perspectiva, pois. Não para Temer.

Gente fora do mapa

Rohingya fogem da violência no estado de Rakhine
Fugitivos da etnia muçulmana rohingya  em Mianmar

Comemoração incompleta

Daqui a cinco anos, o Brasil ingressará no terceiro centenário de sua história como país independente. Neste 7 de setembro, aos 195 anos de nossa independência, é possível comemorar o que nossos antepassados conseguiram. Atravessamos quase 200 anos consolidando um imenso território soberano e unificado por redes de transporte, de comunicações e de distribuição de energia. A economia brasileira está entre as maiores do mundo no valor do Produto Interno Bruto, e passamos de 200 milhões de habitantes. Não há dúvida de que temos que comemorar os primeiros dois séculos.

Mas, se no lugar de mirarmos a história, olharmos ao redor, a festa perde seu brilho. Comemoramos um elevado PIB, o oitavo do mundo, que também é o 84º quando dividido por habitante devido a nossa baixa produtividade. Igualmente grave, nossa economia concentra-se em bens agrícolas e minerais ou em indústrias tradicionais porque somos um país de baixa capacidade de inovação. Do ponto de vista social, carregamos a vergonha de ser campeões em concentração de renda, temos formidáveis ilhas de riqueza e um trágico mar de pobreza.


Chegamos ao nosso terceiro século divididos tão brutalmente que podemos considerar-nos um sistema de apartação, um país onde a população está dividida e separada por “mediterrâneos invisíveis” intransponíveis. Somos um país integrado fisicamente e desintegrado socialmente. Por isso somos, em parte, campeões de violência urbana com mais de 100 mil mortos por ano: 50 mil assassinatos e 45 mil vitimas de acidentes de trânsito.

Na política, apesar de comemorarmos o aniversário com um sistema democrático e instituições funcionando, em nenhum outro momento tivemos uma classe política tão desacreditada. A sensação é de que o país entra no seu terceiro século desagregando-se, sem coesão social e sem rumo histórico.

O mal-estar explica-se por muitas causas, mas certamente a principal está no descaso com a educação de nossa população desde a primeira infância. Chegamos ao nosso terceiro século com 13 milhões de compatriotas adultos incapazes de reconhecer a própria bandeira da República por não saberem ler o lema “Ordem e progresso”. Além desses, segundo o IBGE, são quase 28 milhões de adultos analfabetos funcionais. Apenas um pequeno número de jovens recebe formação necessária para construir a economia e a sociedade do conhecimento que vai caracterizar o século adiante. Passados dois séculos, ainda somos um país com baixíssimo grau de instrução e com abismal desigualdade no acesso à educação conforme a renda da família.

Não seria difícil fazer com que, bem antes do quarto século, o Brasil consiga ser um país com educação de qualidade para todos: os filhos dos mais pobres em escolas com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos; uma sociedade que não dispensaria um único talento intelectual de sua população. Sem isso, certamente não teremos o que comemorar quando o quarto centenário chegar
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Do rei Arthur de Cabral ao crime organizado do PT

Disse aqui certa vez que Al Capone seria um ingênuo estagiário nas empresas dos irmãos Batista. Pelo que sabemos do gangster de Chicago, ele saia de armas em punho para confrontar seus desafetos, matando-os como um serial killer. Quem não rezasse na sua cartilha era executado sumariamente. Sua organização atuava em todas as áreas, desde o contrabando de bebidas, sequestros, assaltos até o lenocínio. Corrompia a polícia, o judiciário e os políticos para burlar a Lei Seca, na década de 1920, nos Estados Unidos. Um dia, porém, caiu nas mãos do agente do Tesouro Americano Eliot Ness, que chefiava os intocáveis, e a casa caiu.

Pois bem, essa história guarda alguma semelhança com os atuais criminosos de colarinho branco do Brasil? Claro que sim. Ao apontar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como chefe da organização criminosa brasileira que saqueou os cofres públicos, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, finalmente, começa a dar nomes aos bois. Ao contrário de Al Capone – que vivia basicamente do contrabando de bebida – aqui, Lula criou um partido político que se transformou numa quadrilha que dilapidou o patrimônio financeiro do país.

As consequências foram danosas: 14 milhões de trabalhadores desempregados, a economia destroçada, crianças fora das escolas, a violência desordenada, um caos na saúde e na educação, obras de infraestrutura paralisadas, empresas e bancos estatais quebrados e fundos de pensão descapitalizados. Na cadeia, hoje, está boa parte da cúpula do PT, inclusive tesoureiros e ministro da Fazenda. Na lista de espera, Lula, Dilma, o casal Gleisi e Paulo Bernardo e Edinho denunciados pelo procurador-geral da República como integrantes da organização criminosa.

Os quatorze anos do governo do PT se parecem muito com os métodos que Al Capone adotou para corromper o estado e seus agentes públicos. Para movimentar seus negócios ilegais, o bandido transformou pessoas aparentemente honestas em delinquentes. No Brasil, a organização petista agiu politicamente. Presidentes e presidenciáveis, políticos e empresários foram atraídos para o buraco negro da corrupção. O dinheiro do contribuinte foi distribuído para as várias facções partidárias que se espalharam pelo país. Descobre-se agora R$ 51 milhões de reais dentro de um apartamento do ex-ministro Geddel Vieira Lima, prática usada pelo narcotraficante Pablo Escobar para esconder a fortuna suja do tráfico de drogas.

É dolorosa essa constatação, mas, infelizmente, é verdadeira: o Brasil apodreceu. Sabe-se também que alguns votos para o país sediar as Olimpíadas foram comprados por Sérgio Cabral & Companhia. As imagens da escolha do Rio como sede são patéticas, quando vistas hoje. Cabral corre para abraçar o Lula efusivamente, enquanto os convidados, entre eles o escritor Paulo Coelho, vibram como crianças felizes com a guloseima sem saber que por trás existia uma transação de milhões de dólares para encobrir a farsa.

O engenhoso Cabral dividiu seu território em um principado fecundo que prosperou por décadas no Rio gerando riqueza para ele e seus vassalos. Iniciou seu reinado dando o nobre título de rei ao seu amigo Arthur Cesar Menezes Soares Filho, comerciante, responsável pelo abastecimento da corte. Assim, com um tesouro de 3 bilhões de reais, Rei Arthur foi às compras. Com milhões de dólares corrompeu os dirigentes das entidades esportivas mundiais porque Sua Majestade, o Cabral, precisava compensar seus súditos com pão e circo oferecendo-lhes o PanAmericano, a Copa do Mundo e os jogos Olímpicos.

Com o fim do reinado, o circo desmoronou-se e o pão acabou. A corte faliu. Cabral está preso e o Rei Arthur foragido.

O entretenimento da plebe tinha um preço alto. Enquanto a turma do PT mantinha seus súditos no picadeiro, outro grupo engendrava os bastidores da política para manter o domínio das províncias. Assim, Luiz Inácio Lula da Silva esticou seu reinado por oito anos e ainda deu a sua rainha outros seis de governo. Para tanto escalou dois modestos açougueiros de uma de suas províncias para irrigar o dinheiro roubado do seu reinado.

A operação era simples. Os Batista teriam acesso fácil a riqueza da corte desde que ajudasse a manter o rei no poder. Em pouco tempo, os irmãos espertos já tinham conquistado outros territórios graças ao acesso fácil aos amigos do rei. Com isso, o império petista se agigantou e os Batista garantiram a sua manutenção com o dinheiro dos súditos. Mas a casa começou a ruir quando eles decidiram distribuir mais dinheiro do que a corte tinha para sustentar a extravagância do rei, da rainha, dos conselheiros, dos procuradores, dos ministros e de todos os políticos envolvidos no mercado negro da corrupção. O império foi à falência.

Primeiro caiu o rei, depois a rainha. E agora, os vassalos, como na música Cartomante, de Ivan Lins: Cai o rei de Espadas/Cai o rei de Ouros/Cai o rei de Paus/Cai, não fica nada.

O inacreditável mora aqui

O realismo fantástico se incorporou à rotina do país. Gabriel García Márquez e o seu Cem anos de solidão são fichinha perto do que acontece por aqui. Macondo, a cidade fictícia do romance onde aconteciam coisas estranhas, não é nada perto do que acontece em Brasília e na política nacional.

O Brasil deveria ganhar o Nobel de Literatura por transformar ficção em realidade. Nada supera nossa capacidade de transformar fantasia em pesadelo. Alguns fatos que vieram à tona nos últimos dias comprovam nossa condição inusitada: as novas gravações do empresário Joesley Batista, da JBS, e o achado de milhões em um apartamento de Salvador.

Começo pelo segundo fato. Encontraram mais de 51 milhões de reais acondicionados em malas e caixas em um apartamento da capital baiana. O imóvel seria de um amigo de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer e hoje sob prisão domiciliar. Em tempo, o amigo já disse na Polícia Federal que o apartamento estava emprestado para Geddel.

Quem guardaria tanto dinheiro em um apartamento vazio? Como se consegue recolher milhões em dinheiro vivo e transitar pelo país? O que justificaria alguém ganhar 51 milhões e esconder em um apartamento? Que logística foi empregada para tirar o dinheiro dos bancos e fazê-lo chegar ao apartamento?

Ora, quando achávamos que a corridinha com a mala dos 500 mil reais era um escândalo, superamos tudo e a todos com a maior apreensão de dinheiro vivo da história do Brasil!!! As malas – supostamente – de Geddel humilham as malas do Mensalão. 
 

Poucas horas antes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, veio a público expor outro fato inacreditável. A entrega equivocada à Procuradoria, pela defesa da JBS, da gravação de um diálogo impensável entre Joesley Batista e seu executivo Ricardo Saud sobre o conturbado e polêmico acordo de leniência assinado com os donos da empresa. O que já foi revelado é espantosamente sério. E tragicamente hilário quando se ver o volume de besteiras e grosseiras ditas pela dupla.

Caso se aplique a teoria do domínio do fato ao episódio, na versão do ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, Janot estaria em sérios apuros por conta da participação de seu ex-braço-direito, Marcelo Miller, no episódio. No mínimo, é tudo muito estranho.

Como um acordo de leniência de tamanha relevância é conduzido de forma tão descuidada e desastrada? Por que, nos diálogos gravados, Joesley diz que a Odebrecht moeu o Legislativo e que ele entregaria à PGR o Judiciário e o Executivo, para, na sequência, defender-se candidamente dizendo que não era bem isso que ele queria dizer?

A trama exposta nos diálogos desmoraliza o acordo de leniência, enfraquece Janot, atinge a reputação do Judiciário e revela que houve um brutal açodamento, um grave descuido e muita imperícia na condução da questão. Tudo ao mesmo tempo aqui e agora.

Também é inacreditável a entrega do material sem a conferência de seu conteúdo. Como as gravações foram entregues? Considerando o grau de maldade dos atores envolvidos, teria sido de propósito? O episódio também comprova que não existe segredo de justiça e que as provas vão sendo sucessivamente vazadas sem que se descubra quem anda vazando.

Ao tempo dos dois episódios mencionados, descobriu-se também que o Brasil teria subornado membros do Comitê Olímpico Internacional em esquema que envolve o ex-governador Sérgio Cabral para que o Rio de Janeiro fosse a sede das Olimpíadas. Cabral... que já é acusado de receber mais de 260 milhões de reais em propinas do pessoal dos transportes públicos do Rio!!!

As revelações de que dois próceres do PMDB – Cabral e Geddel – podem ter amealhado milhões em esquemas de corrupção causa nojo e indignação naqueles que lutaram pela redemocratização do país sob as cores do velho MDB. E que foram perseguidos e prejudicados na luta pela democracia. Que fim triste.

Na mesma leva de acontecimentos dos últimos dias, também sobrou para o PT, supostamente o partido da moral e dos bons costumes políticos: os ex-presidentes da República Lula e Dilma Rousseff foram denunciados no Superior Tribunal Federal, com fartura de provas, sob a acusação de liderarem uma organização criminosa. Para piorar, Antonio Palloci afirmou ao juiz Sergio Moro que Lula participou dos esquemas de corrupção da Petrobras!

A corrupção no Brasil é democrática: vai da direita à esquerda sem maiores constrangimentos e atinge políticos de grande, médio e pequeno porte.

Tempos atrás, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso disse que o sistema político brasileiro era indutor da criminalidade. Estava certo. Mas não é apenas isso. O poder do Estado e sua opacidade permitem que muitos daqueles que dirigem os negócios públicos possam se apoderar da máquina pública para fazer negócios de interesse pessoal, subverter as corridas eleitorais e perpetuar esquemas de poder e de corrupção. Tudo sob as barbas de uma elite omissa, interesseira, ideologicamente doente e incompetente.

Em tempo: a palavra Macondo, nome da cidade fictícia de Gabriel García Márquez, vem do dialeto africano Kituba e quer dizer “bananas”. Se somos mais do que Macondo, seremos mesmo uma República das Bananas e com uma elite de bananas? Cartas para a redação.