quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Paisagem brasileira

Paisagem, Ronald Schnepper

Avanço do desmatamento exige medidas urgentes no Brasil

A saúde da natureza e da biodiversidade no planeta estão em estado grave. Nas Américas do Sul e Central, e particularmente no Brasil, a situação é especialmente preocupante. A conclusão é parte do Relatório Planeta Vivo, publicado pelo WWF nesta terça-feira.

"O relatório reforça a perda que estamos vendo nos biomas brasileiros. A Floresta Amazônica, por exemplo, já perdeu 20% de sua cobertura original", pontua André Nahur, coordenador de Mudanças Climáticas do WWF Brasil.

No Cerrado, segunda maior vegetação na América do Sul, o desmatamento chega a 50%. Expansão da agricultura de larga escala, crescimento urbano, expansão da infraestrutura e mineração são apontados no relatório como as principais causas da destruição florestal.


Dado o diagnóstico, medidas urgentes são recomendadas para reverter a perda da natureza. "A pauta socioambiental deve ser prioridade para qualquer governo. Ela não é um entrave para o desenvolvimento", diz Nahur sobre os resultados do relatório no atual contexto político brasileiro, depois da eleição de Jair Bolsonaro à presidência.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro deu declarações contrárias a políticas ambientais, direitos indígenas, áreas protegidas para conservação e o Acordo de Paris sobre o clima. Ele voltou atrás em relação a alguns dos temas depois de ser criticado.

"A nossa biodiversidade e riqueza natural são os principais ativos que temos para que o país continue crescendo economicamente. Precisamos manter as florestas, que garantem água para centros urbanos, para o agronegócio, para o setor de energia", argumenta Nahur.

Reverter a tendência do aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado é visto por especialistas como um dos maiores desafios do próximo presidente. Em meados de novembro, dados anuais monitorados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) serão divulgados.

Um levantamento prévio feito pelo Observatório do Clima com informações do sistema Deter B, do Inpe, indicou um crescimento do desmatamento de 36% de junho a setembro, período eleitoral, o que a organização considerou um "efeito Bolsonaro".

"Quase certamente, os números anuais do Inpe mostrarão um aumento em relação ao período anterior. A equipe de transição do novo governo irá se preocupar ou comemorar?", questiona Carlos Nobre, climatologista e atualmente pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

Nobre é um dos autores de um estudo que concluiu que, caso mais de 25% da Amazônia sejam destruídos, a floresta entra num processo irreversível de degradação.

"Não estamos muito longe desses limites dos quais não deveríamos chegar nem perto", afirma o pesquisador, lembrando que 20% da bioma no Brasil já se foram.

Diante do alerta emitido pelo WWF e de posicionamentos de Bolsonaro contrários ao meio ambiente, o maior desafio será uma mudança de olhar, opina Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima.

"É preciso passar a enxergar o meio ambiente com olhos de 2019, e não de 50 anos atrás", diz sobre o futuro presidente. "Derrubar florestas ou direitos de povos indígenas e aumentar emissões de gases de efeito estufa será péssimo para a imagem dele, para a reputação e a competitividade Brasil, de nossas empresas e de nossas commodities", afirma.

A perda de florestas e da biodiversidade, poluição, superexploração de recursos naturais e elevação da temperatura média global, provocados pela ação humana, estão levando o planeta ao limite. "Isso tudo prejudica a saúde e o bem-estar das pessoas, espécies, sociedades e economias em todos os lugares", diz o documento.

Além da perda florestal, nas Américas do Sul e Central, foi registrada uma redução de 89% das populações de vertebrados desde 1970, segundo o relatório do WWF. No mundo, populações de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes caíram 60% nas últimas cinco décadas. Espécies estão se movendo cada vez mais rápido em direção à extinção, alerta o WWF.

Outro fator de preocupação é o plástico, descartado muitas vezes após ser usado uma única vez e que vai parar nos oceanos, também é encontrado no organismo de cerca de 90% das aves marinhas. Em 1960, apenas 5% delas carregavam algum vestígio.

"Metade dos corais de águas rasas foi perdida globalmente em apenas 30 anos", fala Nahur sobre o ecossistema, considerado o berçários de peixes. O sumiço dos corais é apontado como um dos impactos da elevação da temperatura média da Terra de 1,1°C em comparação com o nível pré-industrial.

O Relatório Planeta Vivo observou as tendências em 16.704 populações que representam 4.005 espécies de vertebrados. Na edição passada, em 2016, o documento avaliou 14.152 populações de 3.706 espécies.

A análise científica é bianual e feita desde 1998. A atual versão contou com mais de 50 cientistas e pesquisadores de diferentes órgãos internacionais.
Deutsche Welle

Quando surgirá o 'vergonhódromo'?

Estou pensando em criar um "vergonhódromo" para políticos sem-vergonha, que ao verem a chance de chegar ao poder esquecem os compromissos com o povo
Leonel Brizola

Sem pacto, por favor

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, fez um pronunciamento dois dias antes do segundo turno da eleição para presidente conclamando os três Poderes da República a firmarem um pacto para reconciliação de vencedores e derrotados, pelo bem e pela união do Brasil. Segundo ele, “a celebração de um pacto nacional é não só necessária, mas premente. Com o devido diálogo, realizaremos as almejadas reformas dentro de um quadro de segurança jurídica. O Supremo Tribunal Federal exercerá o importante papel de árbitro dos eventuais conflitos, garantindo a solidez, a segurança jurídica e a paz social, função última da Justiça”. Cá pra nós, que textinho ruim, hein?

À primeira vista, a proposta, na aparência, parece resultar de um espírito cívico muito nobre, mas ela padece de um mínimo de legitimidade. A cidadania brasileira acaba de tomar, em eleições históricas, pacíficas e limpas, uma decisão da maior importância e ela precisa ser recebida e acatada por todas as instituições que compõem o organismo do Estado de Direito no Brasil, sem que haja necessidade de concessões e boa vontade de parte nenhuma. O capitão reformado e deputado federal Jair Bolsonaro ganhou a disputa eleitoral em dois turnos enfrentando muitos percalços e cumprindo um programa que vem sendo empreendido há, pelo menos, dois anos: levar ao poder da República a indignação amplamente majoritária da sociedade brasileira, da qual faz parte negar alianças, pactos e compromissos que tentam driblar ou até contrariar a vontade política e majoritária do povo.

A eleição, realizada sem contratempos de monta, em 7 e 28 de outubro, é o ápice de manifestações populares nas ruas realizadas há cinco anos e às quais o “Brasil oficial” da célebre crônica crítica de Machado de Assis respondeu com desprezo e mofa. Para começo de conversa, a presidente em 2013, Dilma Rousseff, propôs não um, como o fez agora seu ex-subordinado no PT, mas cinco pactos. Apenas lorota, conversa pra boi dormir. Tudo ficou como dantes no cartel de Abrantes, assim com c mesmo, pois falamos de cartéis, e não de casernas. A proponente disputou eleição no ano seguinte e nela praticou a mais infame fraude eleitoral da História: uma campanha abjeta de sórdido marketing eleitoral contra outra mulher esquerdista, Marina Silva, da Rede, que lhe atrapalhava a caminhada para repetir o seu primeiro desgoverno federal, que conquistara como poste sem luz de Lula. Logo depois afundaria no maior lamaçal ético de todos os tempos, acabando em impeachment e não deixando saudade nem em quem a inventou.

Durante a breve gestão de seu sucessor, Michel Temer, dono do então PMDB, hoje MDB, que era seu vice, escolhido, é claro, pelo morubixaba de Garanhuns, foi celebrado um acordão – sem acento agudo no o – para garantir reeleição e foro privilegiado a políticos desonestos denunciados pela Operação Lava Jato, de 2014. Os sócios sigilosos desse pacto de impunidade dos chefões das associações criminosas, ditas organizações partidárias, se reuniram num bando chamado Centrão com o objetivo de assegurar o poder a vários incriminados, incluído o presidente provisório, e oferecer aos associados desse clube do “mamãe, eu quero” a garantia da mamadeira à mão. Sob os auspícios de Darcísio Perondi, Carlos Marun, Eliseu Resende e Moreira Franco, esse grupo levou o ex-governador tucano paulista Geraldo Alckmin ao cadafalso, com anêmicos 4,75% dos votos. A extensão dos delatados alcançou todo o espectro partidário, a tal ponto que, única exceção, o capitão do baixíssimo clero Jair Bolsonaro, do PSL, ficou com a glória, a vitória e o campeonato. Quer saber por quê? Porque o populacho sabe que esses tais pactos são fórmulas de transferir o suado dinheiro do trabalhador para as contas bancárias da patota.

Bolsonaro conseguiu quase 60 milhões de votos no segundo turno de gente que tem nojo desses pactos e nada espera de nobre ou cívico dos 11 membros da cúpula do Poder Judiciário. Dias Toffoli foi citado na delação de Léo Pinheiro, de OAS, mas ela foi guardada no freezer que congela a vodkinha de cada dia do dotô. E em cumplicidade do Trio Ternura Bandida da ex-Segunda Turma do STF, junto com Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, o ex-advogado da cúpula dirigente do PT exerceu o tal do poder monocrático para soltar criminosos de colarinho-branco, que o povão quer ver presos. Entre eles figura seu ex-chefe José Dirceu de Oliveira e Silva, criminoso reincidente do mensalão e do petrolão, condenado a 30 anos e meio de cana.

Agora mesmo cai o queixo da massa de milhões de cidadãos que mandaram para casa um punhado de chefões políticos delatados nas operações da Polícia, do Ministério Público e da Justiça Federais, com o time completo da “Suprema Corte” se intrometendo em decisões da Justiça Eleitoral em 17 universidades públicas em sete Estados da Federação. Esta havia mandado recolher material de propaganda eleitoral com circulação proibida em repartições públicas pela legislação eleitoral. Cármen Lúcia saiu à frente de todos para garantir a autonomia que a academia tem para mentir à juventude. Na certa, ela faltou às aulas de História sobre as ditaduras do Eixo sob os auspícios do fascismo de Mussolini e do nazismo de Hitler. Onde essa senhora viu no Brasil tropas de assalto armadas, perseguição e morte de 6 milhões de judeus, noite dos cristais com vidraças de lojas quebradas, experiências científicas com prisioneiros políticos servindo de cobaias, típicas deles?

O ministro Luís Roberto Barroso, fã de frase de efeito, tenha ela conexão ou não com a verdade factual, elaborou uma máxima filosófica de fazer corar o filósofo Zeca Boca de Bacia, de saudosa memória nos bares de Campina Grande nos tempos de minha adolescência. Para ele, a polícia só deve entrar em universidades “se for para estudar”. Cá pra nós, a frase é uma paródia imperfeita de outra, da lavra do engenheiro Leonel Brizola, que para liberar os territórios controlados pelos traficantes à época de seu governo no Estado do Rio declarou que sua (?!) polícia não subiria morro para prender e bater no povo. Não são mesmo fofos?

Pois é. Então, vamos resumir a questão sugerindo a seguinte resposta ao pacto proposto por Toffoli, aquele que chegou à presidência da Suprema Tolerância Federal sem nunca ter sido aprovado num concurso de juiz: faça sua parte e deixe Bolsonaro governar em paz o povo que o escolheu. Só para lembrar: quem o nomeou para o cargo vitalício e remunerado com o máximo de vencimento possível no funcionalismo federal, Lula, foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de prisão e está cumprindo a pena na sala de “estado-maior” da Polícia Federal em Curitiba. Esclarecido que “Lula está preso, babaca” (apud Cid Gomes), aos Poderes Legislativo e Executivo, cujos membros são eleitos pelo povo, cabe fazer as leis e executá-las, respectivamente. Os 11 membros da soit-disant “colenda Corte” devem assegurar o cumprimento da Constituição. Se eles não dispuserem de exemplares do texto, poderão tomar emprestado do presidente eleito, que exibiu um na sua mesa quando fez o primeiro pronunciamento após o triunfo, num live para redes sociais. Em vez de se meterem à toa onde não são chamados, como é o caso do ensino mentiroso da História do século 20 nos câmpus contaminados pelo vício do fracasso do socialismo e pela putrefação da política partidária, devem apenas se ater à letra fria da lei, se possível com um bom dicionário ao lado. Isso evitaria, por exemplo, a leitura errada do artigo 52 da referida Constituição, em que o decano Celso de Mello, o trêfego Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o citado Toffoli confundem “considerado culpado” com “preso”. Nada que duas ou três aulas da velha e boa gramática não resolvam.

Deve ficar assim: no Brasil, que não está dividido, mas já escolheu a rota a seguir, o Congresso faz as leis, a União toma as providências com base nelas e para os “supremos da Corte real” fica o mister de, da forma menos indiscreta que for possível, decidir se as normas legais e sua execução estão nos conformes da chamada Carta Magna. Ou seja, todo servidor público deve cumprir o que é seu dever de ofício. E o resto, como diria a única governadora eleita no Brasil no mesmo pleito que consagrou o capitão contra o ladrão, Fátima Bezerra, é “gópi”.

A esperança mudou de lado

Toda eleição é uma esperança de mudança. Durante muitos anos, as duas palavras estiveram associadas ao PT, como um mantra para chegar ao poder. A vitória veio para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. A passagem pelo governo federal, porém, associou a esquerda à corrupção e à incompetência administrativa. Isso já havia ocorrido em muitas cidades e alguns estados administrados pela legenda, mas se generalizou em boa parte do país por causa do fracasso econômico do governo Dilma Rousseff e da condenação de Lula pela Operação Lava-Jato. Resultado: a esperança mudou de lado.

Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República com aproximadamente 55% dos votos válidos, contra 45% de Fernando Haddad (PT). Depois da facada que levou em Juiz de Fora, teve a imagem humanizada e fez campanha praticamente sem sair de casa, pelas redes sociais. Na reta final, venceu o medo disseminado pelos adversários de que implantaria um governo despótico, muito em razão de suas atitudes e declarações de viés autoritário e à imagem de homofóbico e misógino, construída como deputado federal em incidentes na Câmara e com a imprensa. Pela primeira vez desde a redemocratização, teremos um militar na Presidência da República, eleito pelo voto direto, secreto e universal.


O discurso político de Bolsonaro em relação ao seu governo tem matriz positivista, típica da cultura sedimentada nas casernas desde a Escola Militar da Praia Vermelha, o berço do tenentismo, e que está vivíssima no lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. Seu projeto político sempre foi conservador, nacionalista, autoritário, mas sinalizou um choque liberal na economia que está em contradição com essa formação político-ideológica. Para a grande maioria dos brasileiros, porém, mirou a agenda prioritária: o combate à corrupção, ao crime organizado e ao desemprego. As pautas identitárias, que funcionam como uma espécie de gazua do PT para se rearticular nos movimentos sociais e não discutir o próprio fracasso no governo, ficaram em segundo plano para a maioria dos eleitores. Serviram muito mais como um instrumento de chantagem para mobilizar o voto antibolsonaro junto ao chamado “centro democrático”. Essa pauta, porém, alimentou o medo.

Por que Haddad perdeu as eleições? Com Lula na prisão, o PT tem muitas dificuldades para responder. Somente uma autocrítica profunda poderia fazê-lo. Mas não é isso que acontecerá. O partido é prisioneiro de uma narrativa construída para varrer seus erros para debaixo do tapete. Passará à oposição com um discurso antifascista. Outro equívoco: a eleição de Bolsonaro não representa uma mudança de regime; não se pode chamar 57,8 milhões de eleitores de fascistas. Entretanto, não faltarão comparações com a República de Weimar e a chegada de Hitler ao poder.

Precisamos aprender com o Chile, palco da ditadura mais sanguinária da América do Sul. Desde a vitória do “No” no histórico plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet, em 1990, liberais, socialistas e conservadores se revezam no poder, em sucessivas eleições, sem nenhum retrocesso de ordem institucional. A alternância de poder é um pilar da democracia, assim como o direito ao dissenso da minoria oposicionista. Pela primeira vez, desde a eleição de Tancredo Neves, teremos um governo assumidamente de direita. A esquerda, que banalizou o termo, terá de aprender a conviver com isso. Nosso Estado democrático de direito já deu demonstrações de grande resiliência, uma delas foi sobreviver ao maior assalto aos cofres públicos de que se tem conhecimento, o escândalo do petrolão.

Em suas “21 lições sobre o século 21”, Yuval Harari destaca que o gênero humano constitui agora uma única civilização. “Problemas como guerra nuclear, colapso ecológico e disrupção tecnológica só podem ser resolvidos em nível global. Por outro lado, nacionalismo e religião dividem nossa civilização em campos diferentes e às vezes hostis.” Não estamos fora desse processo, cujo epicentro é a crise da União Europeia. A crise venezuelana é um alerta para a América Latina. Bolsonaro sinaliza escolhas nas quais o nacionalismo e a religião têm papel relevante; ao mesmo tempo, se depara com um país divido em três pedaços: um terço votou nulo (2,15%), branco (7,43%) ou se absteve (21,29%. A eleição também traduz a permanência de injustiças e desigualdades regionais seculares no Brasil setentrional.

“Faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa, não de um partido, não é a palavra vã de um homem, é um juramento a Deus”, disse Bolsonaro logo após a eleição. “Nosso governo vai quebrar paradigmas, vamos confiar nas pessoas, vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade e construir o seu futuro. Vamos desamarrar o Brasil”, declarou. “Como defensor da liberdade, vou guiar um governo que defenda e proteja os direitos do cidadão que cumpre seus deveres e respeita as leis. Elas são para todos porque assim será o nosso governo: constitucional e democrático”, reiterou. Oxalá seja mesmo verdade.