sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Radicalismo mata

Quando há uma espiral de polarização, precisamos que os cidadãos apoiem políticos preocupados em ser responsáveis, não violar as leis. É a única forma de salvar as democracias: a polarização não pode crescer ao ponto em que se comece a violar as leis
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, “Como as democracias morrem”

As ilusões do novo mundo

A destruição do Museu Nacional aconteceu no auge da campanha política. Talvez sirva, ao menos, para que os candidatos despertem para a importância de uma política cultural e de preservação do patrimônio histórico. Talvez porque, às vezes, a crise é tão aguda e prolongada que o corpo não responde mesmo a estímulos cavalares como a perda parcial da memória do País.


Nas viagens semanais pelo País, convivo com inúmeras experiências locais de preservação da memória. Museus pequenos, às vezes improvisados, surgem em vários pontos do Brasil. A razão de sua existência é muitas vezes também econômica. São pequenas cidades com belezas naturais que querem, de certa forma, encontrar sua identidade e agregar valor às suas atrações turísticas.

Dias logo antes de o Museu Nacional desaparecer numa noite de domingo, tinha feito uma viagem entre Rio e Minas. O objetivo era percorrer nove cidades ligadas por um trem comprado em Três Rios, sem nenhuma ajuda do governo. O final da linha desse trem será Cataguases. E precisamente em Cataguases conversei com as autoridades sobre a possibilidade de um museu que pudesse abarcar a presença da cidade no movimento modernista. Poucos sabem que ali foi lançada a Revista Verde, que era defensora do modernismo nascente. E que a cidade tinha um poeta e escritor chamado Rosário Fusco, que merecia ser lembrado.

Na verdade, escritores e artistas são bons temas para pequenos museus. Na Copa do Mundo, fiquei impressionado como existem museus cultuando escritores na Rússia. Existe uma diferença de idade entre os dois países e também de importância de duas literaturas, sobretudo no século 19.

Em Volta Grande, colada a Cataguases, visitei a casa onde funcionava o estúdio de Humberto Mauro, o primeiro grande cineasta brasileiro. A casa estava fechada e meio abandonada, a piscina vazia vigiada por um imenso sapo ornamental. É evidente que com um pouco de esforço, até exibindo filmes de Humberto Mauro, aquilo poderia funcionar bem. Como funciona e é atraente o Museu Mazzaropi, em Taubaté.

Talvez esteja aí também uma diferença de peso. Museus dirigidos por fundações privadas têm mais chance no universo da decadente política brasileira.

De pernas longas

O problema da mentira não é tanto o mentiroso, pois a ele cabe apenas sustentar a invencionice adicionando ponto sobre ponto ao próprio conto conforme a conveniência. Mais complicada é a situação de quem trata com condescendência a mentira na ingênua fé de que a verdade é submissa ao poder soberano dos fatos. Nem sempre.

Disso vem dando notícia o PT desde que assumiu a Presidência qualificando de “herança maldita” o legado da estabilidade econômica, enquanto se preparava para aderir ao festim diabólico da roubalheira patrocinado havia décadas por seus novos companheiros de uma jornada cuja meta seria a formação de um consórcio de poder perpétuo.



De memória fraca, a maioria ignorou um fato: o ambiente estável foi uma conquista coletiva, decorrente da adesão do país a um plano que o governo sozinho não teria dado conta de executar. Inexperiente no exercício do cotejo entre palavras e atos de seus governantes, ficou indiferente às incongruências factuais, preferindo ser feita de boba pelo falatório diário conversor de mentiras pela via da repetição.

Assim, sob consentimento quase geral, operou Lula durante anos, antes e depois do poder. Daí não é de surpreender a capacidade do PT de não apenas se adaptar às vicissitudes como tirar bom proveito delas. A mentira é obra que se constrói com muita facilidade. Difícil de destruir, entre outros motivos porque tem como alicerce a desonestidade. O trapaceiro não tem compromisso com a regra; já larga no lucro quando é aceito no jogo, e na dianteira fica em relação aos demais que atuam dentro de restrições legais, morais, educacionais, sociais e/ou institucionais.

Eis a razão pela qual Lula e o PT permanecem no centro da cena política apesar de todos os pesares: falta de escrúpulos. Contra o desrespeito deslavado às leis, a afronta a decisões judiciais e a ausência total de espírito público pouco há que fazer além de aguardar que o tempo dê seu jeito. São tão emaranhados e erráticos os caminhos do fingidor que uma hora termina prisioneiro do próprio labirinto.

Lula e o PT montaram esse tipo de armadilha e seguem na direção dela. Mas como, se fazem o maior sucesso? Digo como: apostando tudo na sobrevivência da fama de uma pessoa e confessando, assim, que o partido só tem um ativo; com isso deixando de investir nas eleições estaduais e parlamentares, o que equivale ao enfraquecimento da legenda e consequente perda de importância no jogo político.

O petismo já largou a ponta da toalha, pois só quem se dá por perdido admite correr tantos riscos. Quais sejam, os de perder espaço no horário eleitoral, ficar reduzido a representação irrisória no Congresso, transformar a preferência nas pesquisas numa montanha de votos nulos por insistência em candidatura nula de origem, passar à história como campeão de derrotas na Justiça e, o risco maior de todos, ganhar a eleição sem ter como cumprir a promessa de fazer “o Brasil feliz de novo”.

Essa canoa já virou, e foi a benevolência geral para com os caprichos autorreferidos do PT o que a fez virar.

Pensamento do Dia


Símbolo do abuso

Ganhará muitos votos quem se comprometer a abrir guerra contra os privilégios indecentes que dividem os cidadãos entre nós e eles. Não só pelos salários, mas pelos benefícios, que têm seu maior símbolo no carro com motorista. Nos ricos Estados Unidos, Inglaterra e França, parlamentares, juízes e alta burocracia vão para o trabalho de metrô, dirigindo seus carros ou pagando seus motoristas. Aqui são os pobres que pagam.

Símbolo de status provinciano, o carro com motorista é o signo mais evidente da desigualdade e dos privilégios com dinheiro público e deveria ser extinto, não só pela economia em carros trocados a cada três anos, em motoristas com emprego vitalício, em gasolina e manutenção à vontade, que não é pouca coisa em escala nacional, mas como símbolo de um privilégio injustificável e indignante.


Seguindo o exemplo de cima, vem o efeito cascata. Qualquer Câmara Municipal furreca ou dos estados mais pobres tem carros, qualquer estatal ou órgão federal, qualquer juizado tem, e, com o tempo, só aumentam os carros e a despesa pública.

Por que eles não podem ir trabalhar em seus carros, de metrô, de táxi ou de ônibus como cada um de nós, que pagamos os impostos que os sustenta?

Eles devem estar rindo ao ler isso, como se fosse impossível acabar com uma tradição nacional, como o carnaval ou o são-joão, porque é um privilégio abusivo que depende justamente dos que o usufruem. Um deputado ou um juiz votando pelo fim dos carros oficiais, só em programas de humor.

Mas não se vive sem utopias. Se outros países conseguiram, por que não nós? Quem sabe com uma pressão eles vão, como quando tiveram que votar a Lei da Ficha limpa, que foi devastadora para a corporação.

Não é pelo carro, ou só por ele, mas pelo símbolo de um desperdício injustificável e de um privilégio intolerável em um país com tantos pobres a pé.

Um carro de placa oficial queimando, como o Museu Nacional, seria a metáfora de uma revolução de costumes no Brasil e teria o público aplaudindo em volta.

Não merecemos nossos tesouros

O arqueólogo egípcio Zahi Hawass é uma figura polêmica. É histriônico e carismático, veste-se como todo mundo espera que um arqueólogo sério se vista desde os filmes do Indiana Jones — e, de quebra, aproveita para vender a sua linha de produtos online. Faz programas maravilhosos de TV que despertam o interesse de crianças e adolescentes pela sua profissão, mas é detestado pelos jovens arqueólogos do seu país. Organizou exposições extraordinárias que viajaram o mundo atraindo público recorde e atenção da mídia para os tesouros do Egito, mas já esteve preso num imbróglio mal explicado que misturava corrupção, desvio de antiguidades e o governo de Hosni Mubarak.

Anteontem, ele deu uma entrevista à BBC chamando o Brasil às falas: países que não têm competência para cuidar do passado que está em seus museus deveriam devolvê-lo aos seus países de origem. Zahi Hawass tem toda a razão, exceto por um detalhe: em certos casos, os países de origem também não sabem cuidar do seu patrimônio. Durante a Primavera Árabe, alguns museus egípcios foram saqueados e vandalizados, entre eles o famoso Museu Egípcio do Cairo.

Ele pede, por exemplo, a devolução do busto de Nefertiti, que está em Berlim. Mas esse busto está em destaque absoluto numa sala esplêndida no Neues Museum, onde tudo indica a sua importância; um exemplo perfeito de como exibir, com a devida reverência e segurança, uma obra única. É praticamente um estudo de contrastes com o acervo do Museu do Cairo, um amontoado de maravilhas onde faltam detalhes triviais como etiquetas para explicar o que estamos vendo.

A discussão sobre a repatriação de bens culturais é tudo menos simples. Pela lógica, itens roubados deveriam ser restituídos a seus países de origem; mas, em muitos casos, esses bens talvez nem tivessem sido descobertos sem o esforço dos que os roubaram, ou talvez se tivessem perdido, ou desviado para coleções particulares. Os grandes museus do mundo talvez sejam os melhores guardiões de um passado comum da Humanidade; mas, por outro lado, é justo espalhar a herança cultural de um povo? É melhor ver uma escultura da Mesopotâmia no Museu do Louvre, ou chorar a sua destruição no Museu Nacional do Iraque? Pode-se discutir isso indefinidamente, como aliás se tem discutido, sem chegar a conclusão nenhuma.

Já fui radicalmente a favor da devolução dos bens roubados, de qualquer lugar para o outro qualquer lugar de onde tenham sido levados; já me enchi de raiva encontrando certas peças em museus e, ao contrário, vendo sítios históricos sem as suas colunas, estátuas, painéis.

Hoje, porém — depois do assassinato dos Budas de Bamiyan pelo Talibã, depois da destruição deliberada das antiguidades sírias pelo ISIS, depois do incêndio do nosso museu — , tenho mais dúvidas do que certezas.

O que eu sei é que teria preferido mil vezes que os tesouros do Museu Nacional nos tivessem sido roubados a vê-los consumidos por um descaso tão criminoso. Se nem uma universidade — uma universidade! — consegue valorizar o patrimônio cultural de um país, este país não merece o patrimônio que tem. Nem o seu próprio, nem o de mais ninguém.

Não pode ser assim

Desta vez, foi a facada em Jair Bolsonaro; antes, foram os tiros nos ônibus da caravana do ex-presidente Lula. Lembro-me que na ocasião, Geraldo Alckmin, por exemplo, chegou a afirmar que o PT colhia o que havia plantado. Pois, foi o pouco caso com o primeiro absurdo que levou à radicalização e ao absurdo e meio que é este segundo. Nada disso é admissível, mas processos políticos e sociais, às vezes, podem sair mesmo do controle e transformar aquilo que era ruim em algo muito, muito pior.

Eis o porquê o imperativo do cuidado e da moderação que agentes políticos devem, ou deveriam, ter. Dizia Aristóteles que uma das virtudes do político seria a mediedade, a capacidade de ponderar. Os políticos no Brasil desta quadra histórica rasgaram essa regra. Apostaram na disputa acirrada e agora parecem prestes a perder o controle.

Mesmo aqueles que agora pedem equilíbrio têm responsabilidade em tudo isso quando funcionaram preferencialmente como incendiários, enforcando os bombeiros.

A política, no entanto, foi criada para mediar, para buscar consensos e saídas. Atos de violência são sua negação; são apostas na barbárie – infelizmente, este é o segundo artigo numa mesma semana em que uso o termo barbárie e por motivos diversos. E, não importam quais sejam as armas, facas, tiros ou o discurso de nós contra eles ou a desqualificação pessoal – mais que política — de adversários.

Um clima assim desperta o monstro; o sujeito, louco-maluco, no meio da multidão, alimentado por todas as taras das disputas sem limites, que lança mão de uma arma – imaginem se fosse um revólver – e, se não tira a vida de outro, esmaga a democracia. Como a política se perdeu, voltaremos à era do “olho por olho, dente por dente”. Retrocedemos alguns milhares de anos.

Era mais que evidente, era óbvio que um processo como este que o país vive não poderia acabar bem. A disputa política há tempos virou briga de torcidas – Grenal, Fla-Flu, Corinthians X Palmeiras. E como o que se dá no futebol, as piores torcidas organizadas partem para a batalha campal com hora marcada pela Internet. Não pode ser assim. Melhor fechar o boteco do que vender e tomar essa cachaça.

Carlos Melo

Imagem do Dia

Jay Moore Mallette

Chamado à razão

A coluna é dedicada ao que pensam os militares sobre o momento político. Condensei mais de dezena de longas conversas recentes com oficiais de alta patente das três armas, quase todos da ativa, incluindo dois comandantes. Oficiais generais não manifestam qualquer disposição para a tal “intervenção” militar. Mas se perguntam, sem conseguir responder, o que fazer se houver rompimento de um tecido social já “esgarçado” (expressão muito usada por eles). O cenário mais temido é a quebra de lei e ordem “no caso de uma besteira qualquer do STF beneficiando o Lula” ou, pior, da reconhecida falta de contingentes para atuar no caso de greves de PMs ou a paralisação do País por bloqueios simultâneos de rodovias.


“Achamos que devemos, sim, alertar em público e em privado para perigos e chamar à razão pessoas com responsabilidades”, diz um interlocutor. Assim foi entendido, por exemplo, o já célebre tuíte do comandante do Exército às vésperas do julgamento de um habeas corpus em favor de Lula, em abril. Oficiais registraram com alívio sinais, vindos de contatos diretos com integrantes do STF, de que “não haveria surpresas” até o fim do período eleitoral, o que inclui questões envolvendo a Lei da Anistia, um ponto descrito como inegociável – boa parte dessa sensação vem da indicação do general Fernando Azevedo e Silva, até agora no comando do Estado-Maior do Exército, como assessor do ministro Dias Toffoli, que assume a presidência do STF. Esse oficial é uma das principais “cabeças políticas” nas três armas.

Esse “chamado à razão” – na verdade, um alerta e uma advertência – resulta menos de um cálculo para interferir na política e mais para “aliviar enorme pressão” vinda de escalões inferiores nas estruturas de comando. “Você imagine que um maluco de saco cheio com a política comande um pequeno destacamento bloqueando algum lugar – digamos, Curitiba – e aí ninguém segura mais nada”, admite-se, por hipótese. “A fragilidade do atual governo é um absurdo, e a falta de autoridade também”, comenta-se. “Não dá pra achar que a gente vai salvar políticos incompetentes desse desastre.”

Oficiais de alta patente já admitem a possibilidade de um presidente Jair Bolsonaro (“para nós não é mais capitão, é um político civil”), em relação a quem não mais se declaram refratários, embora lhe atribuam escassa sabedoria política e pouca capacidade de articulação para enfrentar um Congresso provavelmente hostil. “Ponto positivo nele é que talvez ajude a frear essa onda de esquerdização do País”, diz fonte de alta patente. “Já conseguiu encurralar parte dessa mídia que é a grande responsável por esse clima.”

O general Heleno é um dos principais canais entre Bolsonaro e setores superiores da ativa, em que se ouve o palpite de que “Bolsonaro daria um tiro certo se nomeasse o Heleno seu chefe da Casa Civil, pois tem cabeça política melhor que a dele, e se pusesse um civil no Ministério da Defesa”, disse um general de destaque.

Nenhum dos oficiais de alta patente antecipa tranquilidade e estabilidade pela frente. Acham que há um esforço internacional, incentivado também pelo PT, de enfraquecer “ainda mais a soberania nacional”, lamentam que debates sobre segurança e um projeto de País mal apareçam na campanha, queixam-se de que não há como soldados resolverem questões de ordem pública, manifestam-se profundamente descrentes da classe política, mas, também, do Judiciário ser capaz de reverter a onda de insegurança jurídica (que, apontam, vem de um STF fracionado por lealdades políticas e pessoais de todo tipo).

Não se furtam a fazer comparações com “a bagunça” que precedeu 1964, mas não é a que se poderia esperar (intervir para “salvar a democracia”, por exemplo). “Naquela época, pelo menos, havia estadistas”, disse um destacado oficial general. “Hoje, este país é um deserto de lideranças.”

Triângulo de fogo

Incêndios dependem basicamente da temperatura de ignição. Os outros fatores — oxigênio e material inflamável — estão dados em qualquer situação. O qu e vai distinguir a gravidade do incêndio é a existência de produtos químicos e materiais sintéticos, contra os quais não basta o resfriamento. É preciso cortar o oxigênio e a existência de corrente elétrica, muitas vezes a origem da fagulha que provocou o incêndio. Não, desta vez não se trata do museu que pegou fogo, trata-se das eleições e do desgaste a que estão sendo submetidas as nossas instituições democráticas, principalmente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), às vezes, em razão de suas próprias contradições internas.

Não faltam interessados na radicalização política e na desmoralização da Justiça, em pleno processo eleitoral, entre os quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que legalmente está fora da disputa, mas mantém sua candidatura, e Jair Bolsonaro (PSL), que representa a outra face da mesma moeda, ao simbolizar o antipetismo radical e liderar os que defendem uma intervenção militar. Incêndios políticos são provocados por piromaníacos e não faltam exemplos na história. Nero, o imperador romano, foi um deles, embora haja controvérsias sobre o fato de ter provocado o grande incêndio do Circo Mágico, em 14 de julho de 64 d.C., que viria a destruir boa parte de Roma. Deposto, se suicidou em 68 d.C. e deixou como legado uma guerra civil conhecida como o ano dos quatro imperadores, todos generais romanos.



O incêndio do Reichstag, o parlamento alemão, em 17 de fevereiro de 1933, em Berlim, foi o episódio crucial para ascensão do nazismo. Adolf Hitler havia sido empossado chanceler da Alemanha quatro semanas antes e se aproveitou do episódio para incitar o presidente Paul von Hindenburg a aprovar um decreto de emergência que lhe conferiu superpoderes para combater os comunistas. O que aconteceu depois todo mundo sabe: a perseguição se estendeu aos social-democratas e liberais e demais opositores políticos de Hitler: doentes mentais, pacifistas, eslavos e grupos religiosos (tais como as Testemunhas de Jeová), homossexuais, ciganos e, principalmente, judeus. Com a 2ª Guerra Mundial, o Holocausto registrou o extermínio de ao menos 6 milhões de pessoas, a maioria judeus.

Antes que alguém imagine que a citação é exagerada, vale a pena examinar a disputa política global que se deu nos últimos 100 anos. Nos primeiros 50 anos, entre socialistas, liberais e fascistas, resultou na derrota da extrema direita; nos 50 anos seguintes, com a Guerra Fria, entre socialistas e liberais. No final do século 20, com a desintegração da União Soviética e demais regimes comunistas do Leste europeu, a hegemonia liberal se consolidou na política mundial de tal forma que a tese hegeliana do “fim da história” foi exumada pelo economista norte-americano Francis Fukuyama e parecia ter se comprovado. Eis, porém, que a globalização e o novo “capitalismo de dados”, com a revolução tecnológica, colocam em xeque as democracias representativas do Ocidente, que está em crise no mundo.

Os valores legados pela Revolução Francesa — liberdade, igualdade e fraternidade —, que são a essência da democracia moderna, parece que perderam a funcionalidade. Na corrida mundial para reinventar o Estado nacional, figuras de viés autoritário emergem com força no processo político do Ocidente, a começar pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Assim como Ronald Regan se contrapôs ao antigo regime soviético, Trump elegeu como principal adversário na arena internacional a China, cuja emergência econômica e política se assenta sobre um modelo de capitalismo de Estado integrado à economia mundial e no regime de partido único comunista, que parecia condenado a desaparecer. Entre esses dois polos, equilibra-se uma Europa assustada pela herança de seu próprio colonialismo, a crise humanitária na África e Oriente Médio, e pela agressividade da Rússia de Putin, determinada a restabelecer seu papel no grande jogo da Eurásia e manter seu acesso livre ao Mediterrâneo. Na periferia, os mais bem-sucedidos na modernização derivam da democracia para o autoritarismo.

É nesse contexto que as eleições ocorrem no Brasil, franqueado pela crise do abastecimento e hiperinflação do modelo bolivariano na Venezuela de Nícolas Maduro, e a crise cambial na Argentina, que expõe a vulnerabilidade da política liberal do presidente Maurício Macri. Ao contrário do que muitos afirmam, o Brasil enfrenta a sua maior crise desde 1964 num ambiente de ampla liberdade, com eleições livres e limpas, graças à Constituição de 1988, que até agora sobreviveu a todas as tensões. Devemos lutar para preservá-la e levar a sério a advertência do professor da Universidade de Harvard Steven Levitsky, autor do livro Como morrem as democracias?, que há anos estuda a relação entre populismo e autoritarismo, assim como a construção partidária na América Latina: “Se um candidato, em sua vida, carreira política ou durante a campanha, defendeu ideias antidemocráticas, devemos levá-lo a sério e resistir à tentação de apoiá-lo, ainda que, diante de circunstâncias momentâneas, pareça ser uma opção aceitável”.

E doença crônica

Vamos parar com essa besteira de partido. O país está doente
Janaína Paschoal, que chegou a ser apontada como vice de Bolsonaro

A tragédia brasileira divulga mais um de seus dolorosos capítulos

A catástrofe que se abateu sobre o Museu Nacional, que em duas horas, ou pouco mais, provocou a destruição de pelo menos 90% de seu precioso acervo, faz parte da interminável tragédia brasileira, que acaba de divulgar um de seus mais dolorosos capítulos. Entre choro, luto, ranger de dentes e revolta contra o país, e diante das tristes cinzas e do incalculável e, certamente, irrecuperável prejuízo, os brasileiros, de norte a sul, procuram duas respostas: de quem é a culpa dessa monstruosidade? Que importância damos, afinal, a nossa história?

As perguntas que faço aqui, leitor, talvez não tenham respostas, ou as tenham em enorme quantidade, o que é a mesma coisa. Passemos, então, ao que mais interessa a nosso país: as eleições de outubro próximo. Só elas terão a virtude de prevenir outros incêndios.

Antes, porém, um registro: nosso regime democrático, depois de grande interregno, provocado pela ditadura imposta ao país a partir de 1964, foi de novo proclamado pela Constituição de 1988, que completará 30 anos no próximo dia 5. De lá para cá, o regime tem passado por equívocos, tropeços e trombadas, além do constante combate que lhe dirigem os radicais, cujo objetivo é um só: destruí-lo. Cabe aos democratas resistir às investidas, aperfeiçoá-lo e fortalecê-lo. Esse fortalecimento só se dará por meio do voto livre e direto, sua maior ferramenta de defesa. A democracia é o único regime capaz de cuidar do ser humano. Ela é indispensável à boa convivência entre os brasileiros.

As eleições deste ano nos oferecem uma oportunidade de ouro, que não pode ser perdida. Devemos voltar nossa atenção para o seguinte: os candidatos a presidente chamam mais atenção nas mídias em geral, incluídas as redes sociais, embora não devesse ser assim. O eleitor precisa estar preparado, também, para escolher os candidatos que disputam as eleições proporcionais. A eleição de um presidente é muito importante, mas nenhum eleito – se for um democrata – governará sem o Congresso Nacional, ou seja, sem deputados e senadores. No Congresso, em Brasília, é que serão votadas as leis. São elas que definirão as reformas de que o país necessita com urgência. Sem esse apoio, sem maioria no Congresso, leitor, nada feito, nenhum presidente terá sucesso na direção do país. Ele sucumbirá mais cedo do que pensa.

Por outro lado, não devemos aceitar a polarização que está sendo quase imposta pelos fanáticos de plantão. Ela não deverá ser levada em conta no instante em que formos depositar o voto na urna eleitoral. A polarização conduz à disseminação da cultura do ódio. Por esse motivo, não devemos pensar em anular o voto, votar em branco ou em deixar de votar. Analisemos, agora que a campanha já está no ar, os que pedem nossos votos para governos estaduais e Assembleias legislativas. Eles ajudarão na busca de um rumo certo para o país. Sempre haverá alguém, novo ou já experiente, que merecerá nosso voto.

Nosso país vive um instante crucial de sua história. Como já disse em outra ocasião, depois de algumas conquistas importantes, provenientes do real e de algumas medidas tomadas pelo primeiro governo do ex-presidente Lula, o país retroagiu de maneira realmente desastrosa. As eleições que se aproximam estão sendo comparadas com as de 1989. Pode haver alguma semelhança, mas a situação atual é muito mais grave, e o risco que corremos é muito maior.

Não precisamos, leitor, de nenhum salvador da pátria.

Dia da Independência

Sobra para velharias ideológicas o dinheiro que falta aos museus

A reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, controlada pelo PSOL, viu crescer nos últimos três anos a verba que lhe é destinada pelo Ministério da Educação. Mas manteve os olhos fechados às alarmantes carências do Museu Nacional, que não recebeu sequer o necessário para escapar da morte pelo fogo. Até agosto deste ano, foram repassados apenas R$ 98.115,34.

Enquanto tratam museus a socos e pontapés, os devotos do PSOL não admitem que se tire um único centavo do dinheiro desperdiçado com velharias ideológicas beneficiadas pelo programa “Bolsa Ditadura”.


O jornalista Hugo Studart, autor do excelente “Borboletas e Lobisomens”, livro que resgata a verdadeira história da guerrilha do Araguaia — e por isso mesmo tem sido hostilizado com selvageria pelo PCdoB – fez nesta segunda-feira uma constatação muito pedagógica. No orçamento de 2018, o Ministério do Planejamento contemplou anistiados políticos com R$ 700 milhões.

A fortuna é distribuída por dois ítens. O primeiro – indenização a anistiados políticos em prestação única ou em prestação mensal permanente e continuada – engoliu R$577.556.600,00. Mais R$123.682.452,00 saíram pelo ralo do segundo, reservado a valores retroativos a anistiados políticos.

Millôr Fernandes resumiu tudo isso em uma frase: “Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento”.

Mercado

Se no Brasil há dois pet shops para cada livraria, ensine-se a leitura aos cães e gatos ou transformem-se os livros em ração
Raul Drewnick

A intransigência vem desde a eleição de 2002

O atentado contra o candidato Jair Bolsonaro coroa a magnífica onda de intolerância que atravessa o país desde a campanha presidencial de 2002. Inúmeras vezes militantes de PT e PSDB trocaram sopapos em nome de seus candidatos. Uma militante arrancou a dentada um dedo da mão de adversária com quem batia boca num bar do Leblon, no Rio de Janeiro.

A partir daí a intolerância cresceu e passou à etapa de contágio durante o mensalão. O início foi parlamentar, a falta de razoabilidade tomou conta do Congresso durante a CPI dos Correios e do julgamento do escândalo no Supremo Tribunal Federal. Em seguida ganhou as ruas e contaminou o Brasil.

Nas manifestações de 2013 ela apareceu mascarada e atendia pelo nome de black blocs. Durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff e ao longo do julgamento, da condenação e da prisão do ex-presidente Lula ganhou o ar sombrio do dilúvio. Uma caravana petista com a presença do ex-presidente foi objeto de atentado ao ser atingida por bala numa estrada no Rio Grande do Sul.

As redes sociais fundaram guetos em que os manifestantes mais bem qualificados eram aqueles que mais virulência empregavam ao atacar seus “inimigos”. Amizades de anos foram desfeitas. Achava-se que o fundo do poço havia sido alcançado. Não fora, como se viu ontem, em Juiz de Fora.

O atentado contra Bolsonaro aprofundou a crise de tolerância que dilacera o país. Lula, professor titular da cadeira “Nós contra eles”, precisa ser mencionado. Embora tenha sido objeto de atentado no Rio Grande do Sul, foi autor das mais importantes páginas de intolerância deste país.

O próprio candidato do PSL agora agredido alimentou essa onda com seu rotineiro discurso de ódio.

Há dois dias, num palanque no Acre, Bolsonaro disse que queria ter uma arma na mão para “metralhar os petralhas”.

A facada em Jair Bolsonaro, o tiro contra a caravana de Lula, o dedo arrancado a dentada, os guetos das redes sociais são ingredientes da mesma fogueira que arde no Brasil. Se opor à opinião do outro com intransigência pode mesmo acabar de maneira brutal e sinistra.

O lado nada pop do agronegócio

O agronegócio ocupa papel de protagonismo no noticiário brasileiro. Por um lado, chamam a atenção os resultados do setor, que tem sido o fiador da balança comercial do país e um importante pilar do Produto Interno Bruto (PIB), o que se sobressai ainda mais num período de crise. Esse prestígio, porém, murcha quando o foco se volta para a preocupação ambiental e o respeito aos direitos trabalhistas.

Com o objetivo de oferecer um contraponto à propaganda positiva do setor, veiculada em horário nobre na maior rede de televisão do país, as fundações alemãs Heinrich Böll (ligada ao Partido Verde) e Rosa Luxemburgo (ligada ao partido A Esquerda) lançaram o "Atlas do Agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos".

Trata-se de uma coleção de artigos e infográficos sobre os impactos negativos do agronegócio em várias esferas. A primeira edição do documento foi apresentada em 2017 na Alemanha, por um conjunto de organizações que atuam em prol da justiça socioambiental global. No Brasil, as duas fundações trabalharam em conjunto para traduzir, atualizar, adaptar e contextualizar informações reunidas no relatório original, com o acréscimo de artigos com relevância especial para a sociedade brasileira.


O Atlas detalha, por exemplo, como essa atividade está intrinsecamente conectada com as movimentações de multinacionais que dominam os mercados globais, num cenário de concentração cada vez maior. As fusões entre gigantes do setor são crescentes em todas as áreas da cadeia produtiva do agronegócio – sementes, agrotóxicos, terra.

Com isso, são fortalecidos os lobbys em prol dos interesses dessas companhias, muitas vezes conflitantes com a saúde pública e a segurança alimentar mundial. O relatório destaca, por exemplo, que, apenas entre 2017 e 2018, o alto escalão do Ministério da Agricultura, incluindo o chefe da pasta, teve oito reuniões com representantes da Monsanto, sete com representantes da Bayer, quatro com representantes da Dupont e três com a Syngenta.

"São quatro empresas de sementes e agrotóxicos muito antigas que historicamente dominam o mercado. Eram sete antes das fusões feitas desde o ano passado. Elas controlam 70% da produção, comercialização e transporte de produtos agrícolas", comenta Maureen Santos, coordenadora da Heinrich Böll Brasil.

"Elas são um braço do setor financeiro e negociam o preço das commodities no mercado futuro. No balanço anual, elas chegam a negociar um volume dez vezes superior à produção do mercado internacional. Quem dita se um alimento será usado para biocombustível ou ração animal são exatamente essas companhias", afirmou.

Na terça-feira, a versão brasileira do Atlas foi apresentada ao público no Rio de Janeiro. Além de Maureen, a chef de cozinha e apresentadora Bela Gil e o representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) Denis Monteiro participaram do debate. Mediador da conversa, o ator Gregório Duvivier destacou que os representantes do agronegócio vêm sendo vitoriosos na disputa de narrativas nesse campo.

"Conseguiram mudar o nome das palavras pesticida e agrotóxico, e criam a ideia de que a defesa dos alimentos orgânicos é uma pauta de esquerda. A direita gosta de veneno? Claro que não. É uma pauta humanitária. Vendem a ideia de que devemos ser gratos ao agronegócio, pelos resultados econômicos, como se isso acontecesse sem isenções fiscais e políticas públicas", criticou.

Em 2017, as exportações do setor somaram 96 bilhões de dólares, com aumento de 13% em relação a 2016. Num cenário sem a participação do agronegócio, a balança comercial brasileira teria sido deficitária em 15 bilhões de dólares. A atividade responde por 44,8% das exportações do Brasil e, nos últimos 20 anos, foi a que mais contribuiu para o crescimento do PIB do país.

Porém, para Monteiro, o atual modelo leva à concentração de riqueza e deve ser repensado. "O lucro das empresas de agrotóxicos no Brasil é da ordem de 10 bilhões de dólares por ano. Nós poderíamos ter um modelo de desenvolvimento que distribuísse essa riqueza. Primeiro, pela democratização das terras. Depois, pelo incentivo à produção de outros alimentos que não apenas soja e carne, com investimento na agricultura familiar, que também é capaz de produzir em diversidade e quantidade", defendeu.

"Vemos um decréscimo da participação da indústria no PIB nacional, um avanço da produção de commodities e esse impacto ambiental, que acaba sendo assumido pelas populações do campo."

Os números relativos à expansão da concentração fundiária apresentados no Atlas dão a dimensão dos impactos socioambientais do modelo agroexportador. Se os latifúndios brasileiros constituíssem um país territorialmente contínuo, seriam o 12º maior do planeta, com 2,3 milhões de quilômetros quadrados – área equivalente à da Arábia Saudita.

O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de desigualdade no acesso à terra, com 45% de sua área produtiva concentrada em propriedades superiores a mil hectares. Também nesse segmento, observa-se a forte presença de multinacionais do setor, que exploram o mercado de terras para a produção de commodities e a especulação financeira.

Como resultado do avanço do agronegócio, houve expansão significativa da atividade sobre o território conhecido como Matopiba, área de 400 mil quilômetros quadrados que engloba os estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, considerada a última fronteira agrícola do Brasil e que responde por 45% das emissões de gases de efeito estufa do Cerrado.

Estima-se que 52% desse bioma já tenha sido degradado ou tenha sofrido perda irreversível. Além disso, a disputa por terras mais baratas para exploração agrícola tem intensificado os conflitos fundiários: a Comissão Pastoral da Terra contabilizou 505 na região, com impacto na vida de 236 mil pessoas.

Uma vez que vários dos impactos registrados pelo Atlas estão ligados à natureza extrativista monocultora da agronegócio, Bela Gil defendeu que as políticas públicas visem garantir uma maior variedade alimentar, incentivo a práticas agroecológicas e à agricultura familiar.

"A chave para a saúde é uma dieta diversificada, e, no cultivo, as grandes monoculturas acabam com o solo. Além disso, a transgenia é totalmente associada aos agrotóxicos, que acabam com a fauna, a flora e a diversidade. Muita gente só sabe dizer que o alimento veio da prateleira do supermercado, há um distanciamento entre produtores e consumidores. É preciso mudar isso", comentou.