quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A muleta da conspiração

Jair Bolsonaro tem um caso antigo com as teorias da conspiração. Desde que virou deputado, em 1990, ele descreve o Brasil como um país à beira do comunismo. O fantasma vermelho nunca existiu, mas o ajudou a acumular sete mandatos.

No Planalto, o capitão continuou a combater inimigos imaginários. Ao enfrentar as primeiras dificuldades no Congresso, ele insinuou que haveria um complô para derrubá-lo. Ao ser criticado pelas queimadas na Amazônia, acusou o ator Leonardo DiCaprio de participar de uma trama contra a floresta.


Ontem Bolsonaro voltou a investir na ficção. Ao chegar da viagem à Índia, ele declarou que os problemas do Enem podem ter sido fruto de sabotagem. Na mesma entrevista, levantou suspeitas sobre a auditoria que não identificou fraudes no BNDES. “Tem coisa esquisita aí”, garantiu. Em ambos os casos, o presidente não apresentou nenhum fato concreto para sustentar o que disse.

A tese de um conluio para melar o Enem não para em pé. A lambança é de responsabilidade do Ministério da Educação, que permitiu a troca de gabaritos e demorou a reconhecer a extensão do problema.

Se houve sabotagem, ela foi promovida pelo próprio governo. Bolsonaro disse que escolheria todos os ministros por critérios técnicos, mas entregou o MEC a dois seguidores de Olavo de Carvalho. Ao nomear Ricardo Vélez e Abraham Weintraub, premiou a incompetência a serviço da guerra ideológica.

No caso do BNDES, o discurso conspiratório ajuda o presidente a disfarçar um vexame. Desde a campanha, ele prometia abrir a “caixa-preta” do banco. A tal auditoria custou R$ 48 milhões e não encontrou nenhum sinal de corrupção.

Bolsonaro não parece acreditar nas próprias cascatas, que usa como muletas para desviar a atenção de problemas. Mesmo assim, suas teorias ainda convencem muita gente. Segundo pesquisa do Instituto da Democracia, 45% dos brasileiros não confiam na contagem de votos do TSE. O presidente é o primeiro na fila para desacreditar as urnas eletrônicas.

As águas de janeiro

A cobertura de deslizamentos de terra na Região Serrana do Rio de Janeiro, provocados por fortes chuvas em janeiro de 2011, foi talvez a mais chocante que já fiz. Centenas de pessoas morreram soterradas em baixo de lama, rochas e casas destruídas. Era destruição total nos vales, com pedras gigantes passando por cima de casas, e rios de lama, pedras e árvores levando pessoas embora. As autoridades juravam, na época, que algo assim nunca mais iria se repetir. Nos últimos dias, no entanto, mais de 60 pessoas morreram por causa das chuvas fortes em Minas Gerais e no Espírito Santo. Outra vez, casas foram levadas embora pelas correntezas.

É verdade que resolver os problemas não é fácil. As chuvas no Brasil caem com muita força, o solo desliza facilmente, e a urbanização desordenada dos últimos 50 anos, com muitas casas construídas de forma ilegal nas encostas, dificulta qualquer ação das autoridades. E retirar moradores de áreas de risco geralmente gera conflitos – principalmente porque não há uma oferta de moradias alternativas para essas pessoas. E, tendo em vista o número grande de construções nessas condições, solucionar o problema realmente demanda um esforço gigantesco.

Mas há, também, um aparente despreparo das autoridades, ou, talvez até uma certa indiferença. Os problemas não são novos – então por que não se vê um esforço para solucioná-los? Em 2019, o governo federal usou apenas um terço dos recursos previstos no orçamento para prevenção de desastres naturais, atingindo o menor patamar em 11 anos.

O governo federal joga a culpa para os governos locais, ou seja, estaduais e municipais, dizendo que eles não realizaram as obras previstas. O empurra-empurra de sempre. Fica a impressão de que resolver esses problemas não é prioridade para os governos.


Desde que cheguei ao Brasil, há 20 anos, os problemas são os mesmos, e pouco se fez para melhorar a situação. O esgoto toma conta dos rios que atravessam as cidades – até mesmo a mais rica de todas, São Paulo, com os rios Tietê e Pinheiros fedendo a dejetos. Apesar de investimentos pesados, o problema continua. Falta saneamento básico.

No caso do Rio de Janeiro, nada de concreto é feito para resolver a poluição dos rios, lagoas e da Baía de Guanabara. Centenas de milhões de reais foram investidos na despoluição, mas o cenário continua o mesmo.

Recentemente, a situação até piorou, com o esgoto se misturando à água potável. Habitantes reclamam de doenças causadas pela água suja, procurando se abastecer com garrafas pet de água, produto escasso em muitos supermercados da cidade. Ambientalistas previam há anos a atual situação vivida pela segunda maior cidade brasileira. Mas o governo estadual nega que a água tenha ficado imprópria para o consumo. O governador Wilson Witzel simplesmente fala em "alarmismo".

Para o governo do Rio, lucrar com a prevista privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) é essencial para sair da crise financeira. Valorizar a estatal antes da venda parece ser prioridade para o governo, que, com a finalização da nova estação de tratamento de Gandu, espera mais que dobrar o valor da Cedae, para 15 bilhões de reais.

Enquanto a Cedae obteve um lucro histórico de 832 milhões de reais em 2018, as reclamações explodiram. Aparentemente existe um sucateamento das instalações, que provoca problemas de abastecimento. Há meses, a mídia relata problemas na estação de Guandu, onde, desde o começo de janeiro, o esgoto se mistura à água potável.

Fica a impressão de que lucrar é mais importante do que resolver os problemas. E isso não é exclusividade dos governos. Os desastres de Mariana e Brumadinho levam a acreditar que empresas privadas tampouco colocam a segurança em primeiro lugar. Me pergunto: onde está a pressão popular para exigir uma melhoria?
Thomas Milz

Brasil endemoniado


Por ora, o risco maior é o 'Viabra', vírus da incompetência aguda brasileira

O coronavírus pode diminuir de um quinto a um terço do crescimento da China neste trimestre, a gente lê por aí em relatórios financeiros e em textos de consultorias. É uma diferença brutal de estimativa (rir, rir, rir), ainda mais para um PIB grande como o chinês, equivalente a um sexto da economia mundial.

A tolice não para por aí, embora a doença seja séria e possa matar milhares de pessoas. Por ora, no entanto, a gente corre mais risco com o Viabra (“Vírus da Incompetência Aguda Brasileira”), que infecta evidentemente o INSS ou a Educação, para ficar só em dois exemplos, mas pode infectar até a medula da política econômica.

A gente não tem informação confiável nem sobre a doença, que dirá de seus efeitos na economia da China ou do mundo. Não se sabe bem o número de casos chineses, com o que não se conhece a velocidade de expansão da infecção nem quão letal é.


Cientistas de Hong Kong criticam os números da China (pode haver mais infecções). Há dúvidas sobre qualquer contagem porque, afora a confusão que esses surtos provocam, duvida-se que ora existam profissionais e testes em quantidade suficiente para fazer exames.

O coronavírus vai ter efeito pior do que seu primo que causava a Sars (síndrome respiratória aguda grave), epidemia de 2002-2003? Pelo que se tem registro, a Sars matou cerca de 800 pessoas e infectou umas 8 mil, de novembro de 2002 a julho de 2003. Uns estudos do efeito econômico da doença dizem que a epidemia tirou cerca de um décimo do crescimento do PIB chinês, que corria então ao ritmo de 10% ao ano. Além de Hong Kong e Singapura, no restante do mundo, o efeito foi na prática irrelevante, afora para os mortos, suas famílias e seus amigos.

Isto posto, o vírus parece bastante agressivo, escreve gente que estuda o assunto, em revistas científicas. Um baque significativo na economia chinesa pode ter efeitos diretos no Brasil (preços de minério e petróleo) e indiretos. Até a semana passada, o FMI e bancões pareciam animadinhos com alguma retomada da economia mundial. Para o FMI, o crescimento global passaria dos 2,9% estimados para 2019 para 3,3% neste 2020. Se houver desgraça maior na China, não vai rolar.

Enquanto seu vírus não vem, o nosso principal problema somos nós mesmos e o Viabra, o vírus da incompetência. Além de gente desclassificada, há gente desqualificada em postos-chave do governo.

Desgraçar a vida de gente na fila do INSS ou infernizar vestibulandos do Enem, no curto prazo nem causa danos econômicos, pode-se congratular barbaramente o governo. Mas o Viabra está espalhado pela administração federal, um risco enorme para a economia, doente grave que convalesce devagar. Nesse ano, seria preciso haver outra rodada de redução duradoura de gasto, um programa de obras na rua e algum conserto tributário, pelo menos. Se nem ao menos o pacotão rudimentar e antissocial de ajuste econômico for adiante, o caldo azeda.

Exagero? Note como o Ministério da Economia diz “a” e Jair Bolsonaro diz “não a” ou “b” sobre tantos assuntos. O governo cria crises políticas do puro ar, do nada. A maioria delas tem sido espuma tóxica, daninha, mas que se dissipa.

E quando não for? Esperar que Rodrigo Maia governe o grosso da economia com uns economistas de Bolsonaro e controle suas atrocidades maiores pode até ser uma expectativa razoável, mas o mero fato de que as coisas tenham funcionado assim, e olhe lá, não diz boa coisa sobre o nosso arranjo.

Notória negligência

A responsabilidade quando temos perdas de vidas humanas é da negligência do poder público que não soube ouvir o que os cientistas estão alertando há muito tempo e tomar medidas
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima
 

Recorde de mortes por policiais e a queda de homicidios no Rio são fenômenos desconectados

A letalidade policial bateu um novo recorde no Rio de Janeiro em 2019, enquanto a criminalidade teve uma queda histórica no Estado, tendência que se estende ao resto do Brasil, um dos países mais violentos do mundo. Segundo dados oficiais do Governo fluminense, 1.810 pessoas morreram em intervenções policiais no ano passado, a cifra mais alta em duas décadas. Os 3.995 homicídios registrados, por outro lado, representam um resultado histórico, o menor desde 1991. Embora os políticos partidários da linha dura com a criminalidade apontem para a eficácia dessa posição, numerosos especialistas brasileiros em segurança pública advertem que os dois fenômenos não estão vinculados.

Ao conhecer o balanço anual da violência, o governador de Rio, Wilson Witzel, tuitou na semana passada: “Nossa política de segurança vem gerando resultados positivos mês após mês”. Quando fazia campanha para o cargo que ocupa há pouco mais de um ano, o mesmo Witzel prometeu: “A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo” contra os suspeitos armados com fuzis. Em seus tuítes, o governador, que foi juiz e militar, enumerou as estatísticas, que também refletem notáveis quedas nos latrocínios e apreensões de armas. Mas Pablo Nunes, especialista da Rede de Observatórios da Segurança, explica que “é improvável que as variações nas taxas de homicídios e mortes por policiais estejam relacionadas. Quando analisamos os bairros e cidades do Estado do Rio, na maioria dos casos onde as mortes por policiais aumentaram, os homicídios também aumentaram ou se estabilizaram, e vice-versa”.

Ilona Szabó, especialista em segurança pública, adverte de que “às vezes as reduções da criminalidade são utilizadas para legitimar o abuso da força. A relação, entretanto, é falsa”, escreve nesta quarta-feira na Folha de S.Paulo. Daniel Cerqueira, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, concorda: “Essa retórica do governador é falsa. Estatisticamente não vemos relação”. O especialista acrescenta que, em todo caso, “a violência policial estimula a violência em geral”.


A queda dos homicídios no decorrer de 2019, que foi também o primeiro ano de mandato presidencial do ex-militar Jair Bolsonaro, estende-se pelo Brasil inteiro. É um dos dados que o ultradireitista mais alardeia e que influi no recente aumento de sua popularidade neste país que está há anos entre os mais violentos do mundo, excetuando as nações em guerras. A especialista Szabó alerta que existem “líderes que estão reduzindo problemas complexos a discussões binárias e reforçando a violência como solução”. Justamente nesta quarta-feira, o Governo autorizou que os donos de armas legais possam comprar quatro vezes mais munição por ano do que antes.

Os tiroteios são tão frequentes no Rio que quatro crianças foram alcançadas por balas perdidas desde o início de 2020. A última delas, de cinco anos, assistia a um jogo de futebol amador. Uma bala atingiu o menino nesta segunda-feira na cabeça depois de perfurar a mão de seu pai, que tentava protegê-lo da troca de tiros entre policiais e bandidos. O garoto sobreviveu, mas está em estado muito grave.

O Rio de Janeiro ―Estado onde vivem 17 milhões de brasileiros― se destaca em nível nacional e internacional pelo tanto que sua polícia mata. Para que se tenha uma ideia, as 1.810 pessoas mortas por disparos de agentes em 2019 representam mais do que o dobro das 800 vítimas assassinadas pela organização terrorista ETA na Espanha durante quatro décadas, ou metade das mortes no conflito da Irlanda do Norte. O assunto alcançou tal magnitude que a ONU expressou sua preocupação em setembro passado. E também tem seu reflexo na cultura popular. A telenovela mais vista da atualidade no Brasil, Amor de Mãe, tem entre seus vilões um policial corrupto que mata um policial honesto.

Na comparação nacional, as forças de segurança do Rio também se destacam, como indica a comparação com São Paulo. A taxa de mortes cometidas pela polícia fluminense supera a soma de homicídios perpetrados por bandidos e policiais em São Paulo, segundo a Folha. Um dos fatores que explica essa diferença é que o grupo criminoso mais poderoso de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), proíbe matar sem autorização no território que domina.

É muito pouco provável que um policial seja denunciado no Brasil por abater um suspeito, muito menos julgado ou condenado. Nem um só agente do Rio foi levado à Justiça em 2019, segundo uma investigação da revista Época, que analisou os casos dos 195 mortos pela polícia em julho, o mês mais letal. Revela que foram abertos 151 inquéritos, que 11 casos foram arquivados, e que não foram encontradas informações sobre outros 19. A revista descobriu que os boletins de ocorrência revelavam um padrão: incursões em favelas de patrulhas compostas por dois a seis policiais com fuzis para reprimir o tráfico de drogas; são atacados, respondem, fazem buscas no local, localizam a vítima e a levam ao hospital. Ressalta a Época que em 60% dos casos os agentes não retornaram ao local dos fatos para investigar. A imensa maioria das vítimas da violência policial é composta por homens negros, pobres e moradores de favelas.

O professor Cerqueira salienta que as mortes violentas vêm diminuindo no Rio do Janeiro desde 2003, com a única exceção do biênio 2016-2017, quando se registrou uma alta coincidindo com a crise socioeconômica generalizada na cidade depois das Olimpíadas do Rio.

A estagnação brasileira

Um olhar sobre a trajetória da economia brasileira nas últimas quatro décadas, quando o ritmo de crescimento caiu para um patamar bem inferior ao registrado nas décadas anteriores, mostra que, muito provavelmente, o país ainda não acabou de desmontar o modelo de desenvolvimento que faliu em 1982. Naquele ano, por causa da elevação da taxa de juros nos Estados Unidos a inacreditáveis 20% ao ano, países em desenvolvimento, como o Brasil, que se endividaram na década de 1970 simplesmente quebraram.

Em vez de reconhecer o fato de que, dali em diante, o modelo de Estado-empresário e de substituição de importações não teria mais como ser mantido por causa da enorme e abrupta restrição fiscal e creditícia surgida em 1982, os governantes optaram, nos anos seguintes, principalmente durante o governo Sarney (1985-1990), por insistir na salvação do que não tinha mais como dar certo.


A extensão do modelo de forte intervenção do Estado na economia e de fechamento comercial criou dificuldades que visivelmente até hoje impedem o país de voltar a crescer de acordo com seu potencial histórico. A insistência, ademais, permitiu que os setores da sociedade beneficiados por aquele regime econômico - a burocracia estatal e a indústria - se organizassem e reagissem a mudanças. A fatura do atraso - a escalada permanente dos preços a níveis crônicos e depois hiperinflacionários - foi paga por todos, mas especialmente pelos pobres, de quem o chamado “imposto inflacionário” mais retira renda.

Crises econômicas costumam ser semeadas durante períodos de bonança, quando cidadãos e empresas perdem a noção do risco ao acreditar que o ciclo econômico em que estão jamais acabará. A explosão do preço do petróleo no início da década de 1970 elevou a níveis impensáveis a liquidez mundial. A derrama de “petrodólares” derrubou fortemente as taxas de juros cobradas pelos bancos internacionais. Ato contínuo, essas instituições ofereceram crédito a um custo muito baixo a países como o Brasil, que, sendo estruturalmente uma economia importadora de capitais, foi à banca buscar esses recursos.

O país terminara a década de 1960 com dívida externa em torno de US$ 6 bilhões. Dez anos depois, graças ao funding dos “petrodólares”, essa dívida saltou para algo próximo de US$ 100 bilhões. O Brasil precisava desse dinheiro? Não se tenha dúvida. Foi isso que permitiu promover um ambicioso investimento em infraestrutura, absolutamente necessário para uma economia que, naquele momento, crescia acima de 10% ao ano, o ritmo mais veloz do planeta.

Com o dinheiro da dívida externa, o país criou um sistema elétrico integrado nacionalmente, expandiu fortemente a capacidade geradora de energia, implantou um sistema de telefonia federal razoavelmente moderno, construiu rodovias federais cortando praticamente todo o território, inspiradas no modelo americano, ampliou aeroportos, ferrovias etc. A crença de que a dívida seria honrada se baseava na percepção, correta, de que, como a economia avançava num ritmo veloz, não faltariam receitas para pagar os débitos.

O problema é que as taxas de juros, embora baixas, eram flutuantes. Como a segunda crise do petróleo, em 1979, provocou nova escalada nos preços dos combustíveis, a inflação americana assanhou-se, chegando a atingir mais de 20% A reação do Federal Reserve (Fed) foi a que se espera de um banco central independente: elevar a taxa de juros para conter a demanda e, consequentemente, os preços. A pancada no custo do dinheiro bateu nos juros flutuantes das dívidas dos países do chamado Terceiro Mundo e então a quebradeira foi generalizada.

Na reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI), o “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos” - na célebre frase de um de seus ex-presidentes, Porfirio Díaz - foi o primeiro a se declarar incapaz de honrar os vencimentos das dívidas contraídas na década anterior. Na sequência, outras economias fizeram o mesmo, generalizando o calote e iniciando um período terrível de nossa história econômica, marcado pela falta de acesso a poupança externa para financiar nosso desenvolvimento.

Os calotes se sucederam, o país foi obrigado a promover maxidesvalorizações de sua moeda frente ao dólar para elevar a competitividade das exportações e, assim, gerar saldos positivos na balança comercial, suficientes para pagar os vencimentos da dívida externa. Numa decisão drástica, o Banco Central centralizou o câmbio - basicamente, passou a definir a quem pagaria a dívida lá fora, uma vez que não havia divisas para pagar a todos.

As consequências vieram em forma de mais inflação, arrocho salarial, imprevisibilidade dos principais indicadores econômicos, enfim, uma situação que apenas os brasileiros com mais de 40 anos hoje viveram na pele. E, a partir dali, sem acesso a poupança externa e com inflação fora de controle, a taxa média de crescimento caiu a níveis nunca vistos nas três décadas anteriores.

Olhemos os números: da primeira década do século XX até a década de 1970, o Brasil cresceu a uma taxa média anual de 4,6%; de 1971 a 1980, esse ritmo saltou para 8,8%; na década de 1980, a taxa média de expansão recuou para 3%; na década de 1990, caiu para 1,8%; nos primeiros dez anos deste século, aumentou para 3,4% ao ano; na última década, a década perdida do novo século, o crescimento anual médio da economia brasileira foi de apenas 1,4%, a menor das 12 décadas desde 1900.

“Muita gente continua falando da recessão que acabou, mas alguns ignoram que estamos ainda numa depressão e, mais ainda, que estamos numa estagnação que acaba de completar quatro décadas”, diz o economista Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Essa grave estagnação não vem sendo pautada pela mídia e tampouco está na pauta dos políticos. Meu objetivo é fazer com que cresça a percepção dessa tragédia, com a esperança de que venham ações para saná-la. É humilhante o fato de que a década passada foi a de pior desempenho do PIB desde 1901.”