Ao conhecer o balanço anual da violência, o governador de Rio, Wilson Witzel, tuitou na semana passada: “Nossa política de segurança vem gerando resultados positivos mês após mês”. Quando fazia campanha para o cargo que ocupa há pouco mais de um ano, o mesmo Witzel prometeu: “A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo” contra os suspeitos armados com fuzis. Em seus tuítes, o governador, que foi juiz e militar, enumerou as estatísticas, que também refletem notáveis quedas nos latrocínios e apreensões de armas. Mas Pablo Nunes, especialista da Rede de Observatórios da Segurança, explica que “é improvável que as variações nas taxas de homicídios e mortes por policiais estejam relacionadas. Quando analisamos os bairros e cidades do Estado do Rio, na maioria dos casos onde as mortes por policiais aumentaram, os homicídios também aumentaram ou se estabilizaram, e vice-versa”.
Ilona Szabó, especialista em segurança pública, adverte de que “às vezes as reduções da criminalidade são utilizadas para legitimar o abuso da força. A relação, entretanto, é falsa”, escreve nesta quarta-feira na Folha de S.Paulo. Daniel Cerqueira, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, concorda: “Essa retórica do governador é falsa. Estatisticamente não vemos relação”. O especialista acrescenta que, em todo caso, “a violência policial estimula a violência em geral”.
A queda dos homicídios no decorrer de 2019, que foi também o primeiro ano de mandato presidencial do ex-militar Jair Bolsonaro, estende-se pelo Brasil inteiro. É um dos dados que o ultradireitista mais alardeia e que influi no recente aumento de sua popularidade neste país que está há anos entre os mais violentos do mundo, excetuando as nações em guerras. A especialista Szabó alerta que existem “líderes que estão reduzindo problemas complexos a discussões binárias e reforçando a violência como solução”. Justamente nesta quarta-feira, o Governo autorizou que os donos de armas legais possam comprar quatro vezes mais munição por ano do que antes.
Os tiroteios são tão frequentes no Rio que quatro crianças foram alcançadas por balas perdidas desde o início de 2020. A última delas, de cinco anos, assistia a um jogo de futebol amador. Uma bala atingiu o menino nesta segunda-feira na cabeça depois de perfurar a mão de seu pai, que tentava protegê-lo da troca de tiros entre policiais e bandidos. O garoto sobreviveu, mas está em estado muito grave.
O Rio de Janeiro ―Estado onde vivem 17 milhões de brasileiros― se destaca em nível nacional e internacional pelo tanto que sua polícia mata. Para que se tenha uma ideia, as 1.810 pessoas mortas por disparos de agentes em 2019 representam mais do que o dobro das 800 vítimas assassinadas pela organização terrorista ETA na Espanha durante quatro décadas, ou metade das mortes no conflito da Irlanda do Norte. O assunto alcançou tal magnitude que a ONU expressou sua preocupação em setembro passado. E também tem seu reflexo na cultura popular. A telenovela mais vista da atualidade no Brasil, Amor de Mãe, tem entre seus vilões um policial corrupto que mata um policial honesto.
Na comparação nacional, as forças de segurança do Rio também se destacam, como indica a comparação com São Paulo. A taxa de mortes cometidas pela polícia fluminense supera a soma de homicídios perpetrados por bandidos e policiais em São Paulo, segundo a Folha. Um dos fatores que explica essa diferença é que o grupo criminoso mais poderoso de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC), proíbe matar sem autorização no território que domina.
É muito pouco provável que um policial seja denunciado no Brasil por abater um suspeito, muito menos julgado ou condenado. Nem um só agente do Rio foi levado à Justiça em 2019, segundo uma investigação da revista Época, que analisou os casos dos 195 mortos pela polícia em julho, o mês mais letal. Revela que foram abertos 151 inquéritos, que 11 casos foram arquivados, e que não foram encontradas informações sobre outros 19. A revista descobriu que os boletins de ocorrência revelavam um padrão: incursões em favelas de patrulhas compostas por dois a seis policiais com fuzis para reprimir o tráfico de drogas; são atacados, respondem, fazem buscas no local, localizam a vítima e a levam ao hospital. Ressalta a Época que em 60% dos casos os agentes não retornaram ao local dos fatos para investigar. A imensa maioria das vítimas da violência policial é composta por homens negros, pobres e moradores de favelas.
O professor Cerqueira salienta que as mortes violentas vêm diminuindo no Rio do Janeiro desde 2003, com a única exceção do biênio 2016-2017, quando se registrou uma alta coincidindo com a crise socioeconômica generalizada na cidade depois das Olimpíadas do Rio.
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