quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

As águas de janeiro

A cobertura de deslizamentos de terra na Região Serrana do Rio de Janeiro, provocados por fortes chuvas em janeiro de 2011, foi talvez a mais chocante que já fiz. Centenas de pessoas morreram soterradas em baixo de lama, rochas e casas destruídas. Era destruição total nos vales, com pedras gigantes passando por cima de casas, e rios de lama, pedras e árvores levando pessoas embora. As autoridades juravam, na época, que algo assim nunca mais iria se repetir. Nos últimos dias, no entanto, mais de 60 pessoas morreram por causa das chuvas fortes em Minas Gerais e no Espírito Santo. Outra vez, casas foram levadas embora pelas correntezas.

É verdade que resolver os problemas não é fácil. As chuvas no Brasil caem com muita força, o solo desliza facilmente, e a urbanização desordenada dos últimos 50 anos, com muitas casas construídas de forma ilegal nas encostas, dificulta qualquer ação das autoridades. E retirar moradores de áreas de risco geralmente gera conflitos – principalmente porque não há uma oferta de moradias alternativas para essas pessoas. E, tendo em vista o número grande de construções nessas condições, solucionar o problema realmente demanda um esforço gigantesco.

Mas há, também, um aparente despreparo das autoridades, ou, talvez até uma certa indiferença. Os problemas não são novos – então por que não se vê um esforço para solucioná-los? Em 2019, o governo federal usou apenas um terço dos recursos previstos no orçamento para prevenção de desastres naturais, atingindo o menor patamar em 11 anos.

O governo federal joga a culpa para os governos locais, ou seja, estaduais e municipais, dizendo que eles não realizaram as obras previstas. O empurra-empurra de sempre. Fica a impressão de que resolver esses problemas não é prioridade para os governos.


Desde que cheguei ao Brasil, há 20 anos, os problemas são os mesmos, e pouco se fez para melhorar a situação. O esgoto toma conta dos rios que atravessam as cidades – até mesmo a mais rica de todas, São Paulo, com os rios Tietê e Pinheiros fedendo a dejetos. Apesar de investimentos pesados, o problema continua. Falta saneamento básico.

No caso do Rio de Janeiro, nada de concreto é feito para resolver a poluição dos rios, lagoas e da Baía de Guanabara. Centenas de milhões de reais foram investidos na despoluição, mas o cenário continua o mesmo.

Recentemente, a situação até piorou, com o esgoto se misturando à água potável. Habitantes reclamam de doenças causadas pela água suja, procurando se abastecer com garrafas pet de água, produto escasso em muitos supermercados da cidade. Ambientalistas previam há anos a atual situação vivida pela segunda maior cidade brasileira. Mas o governo estadual nega que a água tenha ficado imprópria para o consumo. O governador Wilson Witzel simplesmente fala em "alarmismo".

Para o governo do Rio, lucrar com a prevista privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) é essencial para sair da crise financeira. Valorizar a estatal antes da venda parece ser prioridade para o governo, que, com a finalização da nova estação de tratamento de Gandu, espera mais que dobrar o valor da Cedae, para 15 bilhões de reais.

Enquanto a Cedae obteve um lucro histórico de 832 milhões de reais em 2018, as reclamações explodiram. Aparentemente existe um sucateamento das instalações, que provoca problemas de abastecimento. Há meses, a mídia relata problemas na estação de Guandu, onde, desde o começo de janeiro, o esgoto se mistura à água potável.

Fica a impressão de que lucrar é mais importante do que resolver os problemas. E isso não é exclusividade dos governos. Os desastres de Mariana e Brumadinho levam a acreditar que empresas privadas tampouco colocam a segurança em primeiro lugar. Me pergunto: onde está a pressão popular para exigir uma melhoria?
Thomas Milz

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