sábado, 11 de março de 2017

Refém do imprevisível

Enquanto o país aguarda, ansioso, a segunda lista do Janot – as delações premiadas dos 77 executivos da Odebrecht -, prometida para depois de amanhã (13), novos depoimentos continuam em curso. Na mesma segunda, Emílio Odebrecht, dono da empreiteira – e pai de Marcelo –, deporá ao juiz Sérgio Moro, em Curitiba.

Emílio tem muito a contar, sobretudo de Lula, que, nas planilhas do departamento de propina de sua empresa, tinha o codinome de “amigo”. E, segundo consta, era credor de uma propina residual de R$ 23 milhões, ao tempo em que a farra acabou.

O volume da rapina é monumental. O STF, para difundi-lo, optou pela via digital. E solicitou que os veículos de comunicação interessados encaminhassem um HD de ao menos 1 terabyte – nada menos – para que fosse possível armazenar os depoimentos.

E vejam bem: é apenas o relato de uma empreiteira - a maior, é verdade -, mas há outras, fazendo a mesma trajetória: Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, UTC etc. Não se diga, pois – como têm feito viúvos e viúvas da gestão petista -, que não há provas.

São terabytes de provas, a mais bem documentada – exatamente por ser a maior – rapina de toda a história humana.

A delação da Odebrecht não se esgota nos fatos relativos à Petrobras. Resvala em algo ainda maior, a caixa-preta do BNDES. O TCU audita, neste momento, um extenso volume de operações suspeitas de crédito do banco, favorecendo, nos últimos 15 anos, empreiteiras (em grande parte em obras no exterior, em países de governos bolivarianos) e empréstimos a empresários amigos.

O total de recursos envolvidos é de R$ 1,2 trilhão, o que faz com que os cerca de R$ 80 bilhões roubados da Petrobrás pareçam uma ninharia. Para que se tenha uma ideia do que isso significa, o rombo da Previdência, que a sujeitará a uma reforma de emergência, que afetará as gerações futuras, é de (“apenas”) R$ 150 bilhões. O Brasil definitivamente banalizou o bilhão.

O PIB de 2016 caiu 3,6%; o de 2015, havia caído em 3,8%. No acumulado desde 2013, a perda é de cerca de 10%.

Os desempregados chegam a 14 milhões, sem contar a clientela do Bolsa Família, excluída das estatísticas. Os números, paradoxalmente, revelam a grandeza do país, capaz de resistir a tamanha predação. Não cai no abismo porque é maior que ele.

No TSE, corre o processo que poderá resultar na cassação da chapa Dilma-Temer. Os depoimentos da semana, que envolvem também executivos da Odebrecht – entre eles, o onipresente Marcelo -, buscam avaliar o papel do presidente Temer nas doações criminosas à campanha que resultou na eleição de Dilma Roussef.

Já se sabe que ela participou diretamente das negociatas. Temer tem sua participação relatada de forma controversa: Marcelo diz que foi doação oficial; seus assessores dizem o contrário. A acareação entre eles, ontem ocorrida, esclarecerá. Mas, inocente ou não, existe, considerada a jurisprudência, a hipótese concreta de cassação da chapa, o que abrirá outro horizonte de problemas.

A saída do presidente, a menos de dois anos do final de seu mandato, destruirá a pinguela e lançará a sucessão no colo do Congresso – que, por sua vez, será mutilado pelas delações da Odebrecht e pelas que a sucederão. Como, nessa hipótese, preencher o hiato de tempo até 2018?

O ministro Gilmar Mendes diz que, mesmo cassado pelo TSE, Temer poderá ser reeleito pelo Congresso para concluir seu próprio mandato, se restar claro que pessoalmente não delinquiu.

Mesmo assim, é improvável que tal solução – no mínimo, falta de imaginação - contribua para a tal paz social que o próprio Temer receia que se abale com a prisão de Lula, a que se opõe.

Eis onde está o país, que terá este mês duas manifestações populares em protesto contra “tudo isto que está aí”. Na segunda, esquerda e intervencionistas, extremos que se tocam, vão às ruas pelo “fora, Temer”, unindo protestos com objetivos antagônicos.

Dia 26, os movimentos responsáveis pelas manifestações anteriores farão a sua. O país perdeu a confiança nas instituições e pretende demoli-las de fora para dentro.

O jeito é aguentar

O Brasil vive no momento mais uma de suas fábulas fabulosas. Até o dia 31 de agosto de 2016, pela maior parte do que se pode ler, ver e ouvir hoje em dia, as coisas por aqui estavam uma maravilha. Tudo o que existia de melhor no mundo, dos hospitais públicos aos cursos de ensino técnico, do ritmo alucinante da distribuição de renda à iminente entrada do Brasil na Opep, estava aqui dentro ─ e estava aqui dentro como consequência direta da espetacular qualidade dos governos do PT, sem paralelo no resto do planeta. Mas aí veio o impeachment da presidente Dilma Rousseff, por falsificação das contas públicas, e sua substituição pelo vice-presidente Michel Temer, em obediência escrita e inevitável ao que a Constituição manda fazer nesses casos. Pronto: nada mais deu certo neste país, e já nos primeiros minutos do novo governo ficou entendido no universo dos formadores de opinião, ou coisa parecida, que o Brasil passava a viver a pior crise de sua história ─ essa mesma que está aí agora.

É verdade que no momento em que Dilma finalmente foi deposta do cargo havia entre 11 milhões e 12 milhões de desempregados no Brasil. Outra de suas realizações, que não encontra comparação na nossa história econômica, foi manter o país em recessão por três anos seguidos. Sob sua direção, a indústria brasileira voltou ao nível que tinha nos anos 40 do século passado ─ ela, a padroeira do nacionalismo econômico e dos “campeões nacionais”, só conseguiu mesmo, na prática, construir uma montanha de sucata com as fábricas brasileiras e escolher Eike Batista, atualmente um presidiário à espera de julgamento, para ser nosso empresário-modelo. Suas obras ─ e as obras do ex-presidente Lula ─ são a Ferrovia Transnordestina, o desvio das águas do Rio São Francisco, a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, talvez a obra mais roubada do sistema solar, recordes de congestionamento nos acessos aos portos, colapso nos transportes, em escolas e em hospitais, a ruína da maior estatal brasileira, a Petrobras, e a entrega da máquina pública do Brasil a uma estratégia de corrupção sem precedentes na experiência humana. Nem se fale, até por cansaço, do governo insano que a ex-presidente impôs ao país durante anos a fio ─ e de tantas outras calamidades. Mas hoje, seis meses depois, tudo isso praticamente sumiu. É como se nunca tivessem existido Dilma, Lula, o PT e os atos de cada um deles. O problema é Michel Temer.


O novo presidente, sem dúvida, construiu com as próprias mãos a desgraça que é seu ministério ─ tão ruim que, em seis meses de governo, seis ministros tiveram de ir embora, um está de licença médica, outro luta para adquirir “foro privilegiado” e dois saíram por conta própria. Jamais lhe passou pela cabeça que toda essa gente era errada para aquele momento, quando uma presidente da República acabava de ser posta na rua por chefiar um governo de ladrões ─ talvez fosse errada para qualquer momento. Temer, o rei dos políticos “realistas”, dos “profissionais”, dos “operadores” etc. etc., achou, ao substituir Dilma que estava sendo Temer. Na verdade, estava apenas querendo fazer mágica. O resultado é o que está aí. Nada disso, porém, muda o fato de que ele é o único presidente que o Brasil tem e pode ter no momento ─ e qualquer invenção para fazer as coisas de outro jeito vai tornar a situação atual muito pior do que já está, com 100% de garantia. Ou alguém acredita que tirar Temer e colocar no governo um presidente escolhido em eleição indireta por este Congresso ─ sim, este mesmo, não dá para arrumar outro ─ vai melhorar alguma coisa? O quê, por exemplo? Temer e seus ministros de curtíssima duração são herança direta de Lula e do PT ─ além de tudo o mais, deixaram isso também. Quem escolheu Temer para vice de Dilma? Quem viveu durante mais de dez anos no mais perfeito amor com os Renans e os Jucás, com os Geddéis, Padilhas ou Moreiras, para não falar do governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro? Aguente-se, agora, até a próxima eleição.

A briga pela água no sertão

Campina Grande, a segunda maior cidade da Paraíba, com 400 mil habitantes, festejou a chegada das águas do Rio São Francisco com desmedida euforia. Afinal, a cidade e mais 16 no interior paraibano consumiram quase toda a água do açude de Boqueirão, no Vale do Rio Paraíba. O volume está em 3,7%, incluindo o volume morto. Por isso, o presidente Michel Temer foi pela terceira vez ao sertão, tentando reverter a queda de seus índices de popularidade. O PT e seus aliados da esquerda acusam-no de se aproveitar da obra que não é sua.

“Todo o pessoal do governo, que nunca colocou uma pá de terra na obra, está querendo tirar uma casquinha”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE) ao jornal Valor. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em cujo governo os trabalhos das obras foram iniciados, em 2007, já anunciou que também lá irá em março. Lula omite que passou oito anos no governo e não inaugurou “sua” obra. Dilma Rousseff passou mais 5 anos e 4 meses e meio no governo, mas não há notícia de que tenha dado alguma importância à transposição.

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E, com sua exígua capacidade de perceber a realidade, a ex-presidente também tem dado sinais de que pretende fazer o mesmo que Temer acaba de fazer e Lula anuncia que fará. Em sua página oficial nas redes sociais, num texto intitulado A verdade sobre a transposição, ela defendeu-se: “Diferentemente do que tenta (sic) fazer crer os jornalistas da imprensa nacional, e mesmo o ilegítimo governo de Michel Temer, a obra da transposição jamais esteve paralisada durante o governo Dilma Rousseff”. Não há nenhuma prova de que nos 64 meses e 12 dias de sua gestão e meia tenha havido algum mínimo avanço das águas do rio sertão adentro.

Dilma maltratou o vernáculo, mas não aproveitou para dar notícia alguma de uma visita às obras que ela tenha feito. Falta-lhe, portanto, autoridade para acusar o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso de desprezar a obra, como o disse.

O adversário da hora, Michel Temer, que foi vice de Dilma, está sendo acusado pela oposição de aproveitar a visita para insistir no lema de marketing com que tenta melhorar a popularidade na região – o de que quer ser lembrado como o “maior presidente nordestino da História”.

Mas não se pode acusar o presidente de estar vendendo peixe roubado. No discurso que fez na chegada das águas a Sertânia e Monteiro, ele disse, com modéstia: “Não quero a paternidade desta obra. Ninguém pode tê-la. A paternidade é do povo brasileiro e do povo nordestino. Vocês é que pagaram impostos ao longo do tempo, vocês é que permitiram que pudéssemos fazer grandes investimentos nessa obra, que cada vez mais está sendo festejada”.

Brigas à parte pelo aproveitamento político do alívio experimentado pelas pessoas e pelos animais que passarão a consumir a água oportuna do Velho Chico, convém que agora não se perca de novo a oportunidade de corrigir os enormes erros que nela têm sido cometidos à custa de muito dinheiro público. Técnicos respeitáveis e imparciais têm apontado inúmeros.

Muito dinheiro foi desviado pela corrupção, o que ocorreu em todas as obras públicas contratadas nos governos federais do PT. Não há atividade capaz de pagar o custo da obra. Especialmente agricultura. Bendita é a água que mata a sede do semiárido, mas a que sairá do rio produzirá menos energia, e esta vai faltar. O canal aberto é outra escolha errada. Ninguém atentou para o volume de evaporação nos canais abertos. Calcula-se que metade da água se evaporará. Será impossível também evitar roubo significativo de um produto valioso como é a água na região.

E a pior de todas as consequências é a degeneração do rio do qual ela é transportada. Em 2009, Lula prometeu mandar fazer um estudo sobre o problema. Até hoje ele não foi feito. E, quando o São Francisco secar, que águas poderão ser transpostas para a agricultura e o consumo no sertão?

Imagem do Dia

Devil's Punchbowl Falls, New Zealand:
Devil's Punchbowl Falls, (Nova Zelândia)

Malandragem rende R$ 20 milhões a deputados

Sem qualquer despesa para se instalar em Brasília, onde já moravam, os atuais 289 deputados federais que foram reeleitos embolsaram mais de R$ 19,5 milhões de “ajuda de custo”. O dinheiro foi pago no início da atual legislatura, em janeiro e fevereiro de 2015. Eles recebem “ajuda de custo” pelo “fim do mandato” e ainda levam mais uma grana ou “ajuda de custo” pelo início do novo mandato. Total: R$ 67,5 mil cada. 

A “ajuda de custo” do deputado no início do mandato, mesmo tendo sido reeleito, é um “auxílio” para sua mudança e instalação em Brasília.

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Os oito deputados eleitos por Brasília, apesar de já residirem no local de trabalho, também recebem, sem corar, os R$ 67,5 mil extras.

Cada um dos deputados suplentes que substitui o titular também recebe “ajuda de custo” de início e fim de mandato, como no Senado.

Cada auxílio concedido é de R$ 33.763, o equivalente ao salário, mas sem se sujeitar ao teto constitucional ou sofrer qualquer desconto.

Operação Lava-Rato

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A Lava-Jato perdeu a chance de se tornar a principal instituição feminista do país prendendo Dilma Rousseff no Dia Internacional da Mulher. A delação da Odebrecht está confirmando o óbvio — que ela sabia de tudo (“tudo”, no caso, significando o maior assalto aos cofres públicos da história). Mas Dilma continua à solta, e isso nem é o mais grave. A mesma delação está servindo ao papo de que a corrupção iguala todo mundo. O Brasil está louco para ser depenado de novo — e ele é bom nisso.

“A delação da Odebrecht mostra que os que derrubaram a Dilma praticaram a mesma corrupção que ela”, decretou no rádio um desses companheiros fantasiados de comentaristas. Claro que não gastaremos uma linha explicando a esses militantes que quem derrubou a Dilma foi a Dilma, o PT e esse amor atávico deles pelo dinheiro dos outros. Eles sabem — com profundo conhecimento de causa.

Aí vem outro dizer que, à luz das revelações redentoras da Odebrecht, o caixa dois do Lula é igual ao do Fernando Henrique. É a preparação perfeita do “fora todo mundo”, relativizando as obras completas do PT. Se já apareceu até gente tentando relativizar o holocausto, por que não relativizar o petrolão?

Também não vale gastar meia linha para explicar que Lula e Dilma, os presidentes da Lava-Jato, botaram o Estado brasileiro em cima do balcão, amordaçado. Há uma dinastia de tesoureiros petistas presos por esse detalhe. A maior empresa do país foi à lona por esse detalhe. Um pedaço do PIB foi gentilmente conduzido pelo bando governante ao seu sistema particular de arrecadação. Ninguém jamais havia sequer tentado algo parecido, porque o Brasil jamais havia sido governado pelo filho do Brasil — o herdeiro natural de tudo. Com lenda não se mexe.

O “fora todo mundo” quer que você ache que todos são iguais perante a planilha da Odebrecht. Estão loucos para ressuscitar a sentença mensaleira do herdeiro solitário: caixa dois todo mundo faz.

A história do assalto sem precedentes do PT precisa ser retocada porque a narrativa coitada não pode morrer. É que nem tráfico de drogas: virou indústria, meio de vida para muita gente. O sistema simplesmente não deixa acabar. Imagine se a plateia descobre, de repente, que a Gleisi Hoffmann propôs greve de sexo no Dia da Mulher apenas porque ela ganha a vida assim (não com o sexo, com a greve).

Seria duro demais para o país admitir, enfim, que todos esses revolucionários progressistas são só gigolôs da bondade — conforme a Lava-Jato, que indiciou Gleisi Hoffmann, já esfregou na cara dos brasileiros. Assim como a maconha e a cocaína, a hegemonia politicamente correta dá dinheiro — e dá onda. No auge da alucinação, produziu Dilma Rousseff. O Brasil fumou (e tragou) esse protetorado melancólico de Lula como símbolo de afirmação feminista e maternal. Essa era da boa.

E segue o baile. No Dia Internacional da Mulher, quem fala é Gleisi Hoffmann e a patrulha nostálgica dos anos Dilma — que levou ao poder Erenice, Idely, Iriny, Rosemary, Rosário, Jandira e grande elenco empoderado. Após o golpe do homem branco, velho, fascista e do lar, sabem qual é o perfil do poder feminino no país? Maria Silvia Bastos Marques. Sabem o que ela faz? Preside o BNDES, um dos maiores bancos públicos do mundo. Sabem o que ela está fazendo lá? Salvando o banco (e o seu dinheiro) do desastre perpetrado pelo governo bandido das companheiras empoderadas.

Cada nação tem o símbolo feminino que merece. Maria Silvia não surgiu à sombra de máquina partidária nenhuma, não ganhou notoriedade com proselitismo vagabundo nem batendo boca com político machista para se vitimizar. É independente, poderosa por suas virtudes, bela, elegante e ética. Claro que não fez o menor sucesso no Dia da Mulher.

Ao contrário: o que se viu foram notinhas plantadas na imprensa sobre empresários reclamando do BNDES — ou seja, tentando fritar Maria Silvia. São aqueles que mamaram nos 13 anos da DisneyLula, período em que o banco foi para as páginas policiais suspeito de operações obscuras no Brasil e no exterior. Lula é réu por tráfico de influência internacional envolvendo a Odebrecht e o BNDES. Imaginou a pressão sobre Maria Silvia? Pois é. Agora volte ao noticiário sobre a greve de sexo da Gleisi Hoffmann e disparates do gênero, porque é isso o que o Brasil tem para te oferecer na semana da mulher.

Um simpático deputado do PSOL foi ao jantar dos 50 anos de carreira de Ricardo Noblat. A patrulha flagrou-o conversando sobre vida real com Temer e Aécio. O pobre homem teve de se ajoelhar perante seus fiéis, jurando que continuava puro — e já arrependido. Quase ao mesmo tempo, o Ministério Público denunciava o PSOL pela criação de um núcleo partidário dentro do Colégio Pedro II. É a pureza de resultados.

Dizem que a MPB está entre Lula e Ciro Gomes para 2018. Viu como a lenda coitada tem sete vidas? Então preste atenção, porque caixa dois de reputação a Lava-Jato não pega.

Guilherme Fiuza

Choro e ranger de dentes

No Congresso, ressurge a proposta de ser anistiado o recebimento de ajuda eleitoral pelo caixa dois. Não se encontram deputados e senadores dispostos a votar contra. Depois que o Supremo Tribunal Federal admitiu como crime até o caixa um, Suas Excelências replicam com a iniciativa celerada.

Foi mais uma vez protelada a divulgação da lista do procurador Rodrigo Janot, no caso, a segunda, quando nem a primeira é conhecida. Deputados, senadores e ministros andam apavorados com a perspectiva de ter seus nomes conhecidos, na semana que vem. Mas também confiam em que, de novo, mudarão a lei para escapar de incriminações.

O risco é de novamente ficarem impunes os parlamentares que se elegeram com dinheiro podre. Sofrem também os vigaristas hoje sem mandato. No Congresso, há quem esteja sem dormir, pois pelo menos 150 seriam referidos como beneficiados pelas falcatruas.

Outra sombra a pairar sobre a Praça dos Três Poderes refere-se ao futuro. Nas eleições do ano que vem, quando a maioria disputará a reeleição, estão proibidas as doações por empresas. Campanhas milionárias, só por candidatos milionários. Como a maioria parlamentar disputará as preferências do eleitor? O fundo partidário não chegará para todos, talvez nem para os caciques. A quase totalidade das empresas, com as empreiteiras à frente, decidiram não abrir os cofres. Resultado: choro e ranger de dentes…
Quantos governadores integram a lista? Se forem os 27, não haverá surpresa. Mas uns poucos escaparão. Não muitos, porque as empreiteiras agiram nos Estados até com mais desfaçatez. Sofrem os que pretendiam candidatar-se à reeleição, abrindo-se para eles a frustração de buscar outros caminhos.

Paisagem brasileira

Diamantina (MG)

Está tudo errado e já quebrou. Mas não mexe!

Difícil entender a conduta de muitos brasileiros. A parcela mais significativa do eleitorado é, historicamente, sensível às mais demagógicas promessas populistas. A biografia de muitos que entraram para nossa história como líderes benquistos e o catálogo de suas principais realizações não resiste ao crivo da relação benefício-custo e ao escrutínio de suas consequências. O Brasil anda devagar e o futuro é um horizonte que se afasta. De Getúlio para cá, incluindo o próprio, o populismo nos presenteou pela urna Juscelino, Jânio, Collor, Lula e Dilma. Não era outro o ânimo dos vices Jango e Sarney. Escaparam-se, em tempos recentes, o saudoso Itamar Franco e FHC em sua primeira eleição como cavalo do comissário de um governo bem sucedido. Já não se diga o mesmo dele em 1998, pois a reeleição enviou às favas os critérios do primeiro mandato.

Recordista mundial em número de sindicatos, o Brasil cria 250 novas organizações desse tipo por ano. Segundo a revista Veja, em outubro do ano passado, havia 16.293 deles, prontos para servir de sinecura a dirigentes e de complicador às relações de trabalho. O motivo pelo qual os temos em tal quantidade (125 vezes mais do que os Estados Unidos e 180 vezes mais do que a Argentina) é o mesmo pelo qual são tantos os nossos partidos políticos. Há muito dinheiro fácil para uns e outros.

"Nenhum direito a menos!", lia-se em faixa de passeata ocorrida há dois dias em Porto Alegre. "Queremos mais direitos e não menos!" proclamava outra, no mesmo evento. Ora, quem disse que muitos direitos são vantajosos ao trabalhador? Fosse assim, Portugal e Espanha estariam recebendo trabalhadores alemães e ingleses. No entanto, o que acontece é o contrário. Recursos humanos de países super-regulamentados migram para países onde as relações são mais livres. Aqueles têm as economias mais travadas e pagam salários mais baixos; estes são mais ágeis, prósperos e pagam salários mais altos. Li outro dia que na Venezuela, onde a lei proíbe a demissão de quem ganha salário mínimo, os trabalhadores, por motivos óbvios, têm medo de ser promovidos.

Então, o Brasil preserva instituições irracionais, verdadeiras usinas de crises que promovem cíclica instabilidade da vida social e econômica. Cultua leis incompatíveis com o tempo presente como se fossem preciosidades jurídicas e esplêndidas realizações da generosidade política. Mas ai de quem propuser alteração em estatutos anacrônicos como os da previdência social e das relações de trabalho! Mas e o Brasil, deputado? Ora, o Brasil! Empregado tem nome e CPF. A empregabilidade não rende votos e o desempregado não tem sindicato.

A infeliz combinação de populismo, corrupção e leis erradas produziu a recessão, gerou 12,5 milhões de desempregados e derrubou a renda real dos brasileiros. Essa queda, porém, foi muito assimétrica, proporcionalmente maior para que ganha menos, chegando a 100% para o universo dos desempregados. Isso está muito errado!

Sim, mas não mexe, parecem dizer as próprias vítimas do perverso populismo e os eternos incendiários do circo alheio. Assim, o mero futuro já é uma utopia.

Percival Puggina

Tentação moderna

Uma tentação imediata do nosso tempo é o desperdício. Não é só resultado duma invenção constante da oferta que leva ao apetite do consumo, como é, sobretudo, uma forma de aristocracia técnica. O tecnocrata, novo aristocrata da inteligência artificial, dos números e dos computadores, propõe uma sociedade de dissipação. Propõe-na na medida em que favorece os métodos de maior rendimento e a rapina dos recursos naturais.
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As hormonas que fazem crescer uma vitela em três meses, as árvores que dão fruto três vezes por ano, tudo obriga a natureza a render mais. Para quê? Para que os alimentos se amontoem nas lixeiras e os desperdícios de cozinha ou de vestuário sirvam afinal para descrever o blefe da produtividade
Agustina Bessa-Luís

A agonia do sigilo

O WikiLeaks disparou a bomba mais potente da semana: a revelação de um instrumento da CIA para invadir telefones, tablets e televisões conectadas à internet. Ao mesmo tempo que notícias como essa mostram a vulnerabilidade da privacidade do indivíduo, elas revelam também como o sigilo estatal está cada vez mais ao alcance da sociedade. E a ferramenta da CIA e todos os seus usuários têm em si mesmos uma forte proteção, é um sigilo que a alta tecnologia torna mais recôndito.

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Aqui, no Brasil, num nível mais artesanal, o sigilo oficial em torno dos depoimentos dos dirigentes da Odebrecht foi um fracasso de crítica, mas um sucesso de público. Uma análise antecipada mostraria que o sigilo não iria sustentar-se. O melhor era abrir tudo, com todas as letras. Em primeiro lugar, porque dissipa dúvidas e neutraliza interpretações de má-fé. Em segundo, porque se pode fazer um trabalho mais didático, como o fizeram as autoridades norte-americanas e suíças.

Um dirigente da Odebrecht, Hilberto Mascarenhas, revelou que a empreiteira pagou R$ 10,5 bilhões em propinas a políticos de 2006 a 20014. Um dado fundamental.

Mas tanto nos EUA como na Suíça, para que todos fossem mais inteligíveis do que um simples vazamento, existiu a preocupação de mostrar o quanto a Odebrecht lucrou com esse dinheiro investido em propinas. Se a informação chegasse completa aos brasileiros, com as duas colunas, a julgar pelos índices suíços de um dólar de propina por quatro de lucro, a Odebrecht, na verdade, recebeu em troca dos R$ 10,5 bilhões cerca de R$ 42 bilhões.

A planilha, mais uma vez, vem cheia de apelidos sonoros. “Amigo” é um deles. Já se dizia que “amigo” era o Lula. Mas agora a afirmação vem de delator da empresa diante de um ministro do TSE. Lula afirma que não existem provas de que ele seja o “amigo”. Quando forem comparados os dados de Curitiba com os obtidos pelo TSE, ele terá de encontrar uma resposta mais elaborada.

Como a eventual candidatura de Lula poderá sobreviver depois da avalanche dos fatos? Se ela deixar de ser competitiva, neutralizará a alegação perseguição política.

De certa maneira, alguns lances de 2018 estão sendo decididos pela tática suicida da esquerda. A julgar pelas eleições municipais de 2016, é possível que no Brasil, por um caminho muito mais vergonhoso, se chegue a um cenário parecido com o da França, onde a esquerda se desgastou tanto que não deverá chegar ao segundo turno. Das correntes de direita que se habilitam, uma delas sempre tentará ocupar o espaço do populismo, das soluções simples, da exploração do ressentimento.

Quando menciono esse cenário, sei que irrito interlocutores de esquerda e de direita, porque estou subestimando o potencial do PT e de seus aliados, como o PCdoB e o PDT, cujas eleições também eram financiadas pela Odebrecht, segundo os delatores. Mas, na verdade, é apenas uma tentativa de imaginar um pouco a paisagem depois da batalha. No momento, o que vejo são dois contendores: uma avalanche de fatos e uma força política decidida a negá-los. Qual deles vai atropelar o outro?

É difícil esconder os fatos, embora exista a tentação de atropelá-los, fugir para o território das narrativas, dos fatos alternativos, da pós-verdade. Falsas notícias, lendas urbanas, teorias conspiratórias brotam com facilidade num mundo conectado. Mas quando se trata de um esquema de corrupção que desviou dos cofres públicos uma soma talvez maior que o déficit do Orçamento nacional de R$ 136 bilhões, o País precisa saber a verdade.

Li que Janot decidiu manter sob sigilo os dados das delações sobre corrupção em outros países. Por quê? Não podem ser públicos aqui, se certamente serão divulgados no continente?

A corrupção lá fora tem relação com o Brasil, pois a BNDES financiava a Odebrecht. Ainda não sabemos precisamente o que aconteceu no banco estatal na sua longa e extensa parceria com a Odebrecht e outras empresas. Se houvesse um Parlamento menos estranho que o nosso, os deputados teriam convocado a presidente do BNDES para cobrar dela um relatório sobre seu papel nessa história.

Tudo indica que, no fundo, a Odebrecht usou também o dinheiro de um banco oficial para corromper autoridades estrangeiras. Nada melhor que os fatos para confirmar ou desmentir essa tese.

O governo Temer não compreendeu ainda a importância disso ou quer esconder os dados do BNDES. Aliás, Temer parece também não entender o quadro ao afirmar que o prejuízo causado pelo PT foi incalculável. Um pequeno grupo de trabalho com a máquina de somar dispensaria o adjetivo e traria um pouco mais de precisão. A não ser que Temer se refira a um quadro mais amplo que o da corrupção e o incalculável aluda também ao mundo simbólico dos valores.

Em termos econômicos, os números da corrupção estão aí, soltos, porém sob controle, como um animal doméstico: basta chamá-los que eles aparecem na sala.

A contabilidade não se esgota nos ganhos fabulosos das empresas envolvidas no esquema, nem na parte do leão que coube ao PT. Ela se estende aos pequenos e ao grande aliado do partido, o PMDB. E, em escala menor, ao PSDB e ao DEM. Mesmo no quadrilha montado por Sérgio Cabral não se sabe ainda o quanto de recursos federais foi devorado no jogo de propina e superfaturamento.

A Odebrecht pagou R$ 6,7 bilhões num acordo de leniência. Mas ele foi feito com todas as delações avaliadas, houve um cálculo real de quanto ela ganhou? Só uma medida provisória comprada pela Odebrecht, a 460, teria dada a ela R$ 2 bilhões. E a cesta de compras da empresa era muito variada, como também abundantes as ofertas no sistema político transformado em balcão de negócios.

Apesar de estar vendo o essencial, continuo me sentindo como se estivesse olhando uma cena pelo buraco da fechadura, por meio dos vazamentos. Esperando a porta se abrir.

Saúde, no Brasil, começa com $

Nem bem ficou confirmado que a Odebrecht "comprou" uma Medida Provisória, enviada pela Presidência, para favorecer exclusivamente a empresa, e pipocam informações e indícios de que a promiscuidade política-empresarial vai além da imaginação. Como sempre para benefício empresarial em detrimento do melhor serviço à população.

Vem aí um projeto, fabricado dentro do governo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar, para novos planos de saúde "populares", que estarão estruturados para abiscoitar nos cofres das prestadoras as migalhas da miséria de um povo desempregado. 

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Com a crise de 13 milhões fora do mercado, há uma infinidade de leitos vazios na rede conveniada e queda no número de planos de saúde. E aí entra a ANS para salvar... as empresas. A medida, camuflada como mais um gesto de governo popular, vai minar de vez a proliferação das clínicas populares, que prestam a maior parte dos serviços das prestadoras sem necessidade de mensalidades a custo verdadeiramente popular.

Não importa em que mão o governo anda - esquerda ou direita - , mas certamente vai sempre na contramão do interesse da população.

A nova investida, sob o manto de atender o povo, vai mesmo beneficiar o empresariado como sempre para que as operadoras, através do marketing, explorem à vontade a "revolução" na saúde, que está mais para privada.

De quebra, o governo joga mais uma pá de cal na saúde pública, essa caixa preta que protagoniza grandes crimes aos direitos humanos. Ao favorecer cada vez mais o investimento particular na saúde, o governo vai limpar as mãos sujas de sangue e morte que mostra por todo o país. Jogará a responsabilidade sobre os cidadãos à iniciativa privada, que logicamente vai faorecer a quem puder pagar, ficando os necessitados sem dinheiro dependurados nos escolhos que os governos apelidaram de hospitais públicos.
Luiz Gadelha