segunda-feira, 9 de maio de 2016


De volta ao real

Tenho dito aqui que o tipo de governo que se instalou no Brasil e em alguns países latino-americanos – como Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador – é uma espécie de populismo de esquerda, que de esquerda não tem nada. Tenho dito também que esse populismo – apelidado por Hugo Chávez de socialismo bolivariano – nasceu como uma alternativa ao regime de tipo soviético, que se esgotou e findou na década de 1980.

Ao dizer isso, não afirmo mais do que o óbvio, uma vez que, na origem dessa opção, estava a Revolução Cubana, inspiradora dos movimentos guerrilheiros surgidos em alguns países do continente. Esses movimentos, que naturalmente fracassaram, estão, portanto, na origem do atual populismo, que foi obrigado a desistir da luta e voltar-se para o caminho eleitoral.

Mas, vejam bem, ao traçar tal diagnóstico, não desconheço que esse populismo, para afirmar-se como redutor da desigualdade social, contribuiu para melhorar as condições de vida de milhões de pobres que viviam em condições sub-humanas.

migueljc
As críticas que faço a esse tipo de regime é que ele, por um lado, se vale do assistencialismo para perpetuar-se no poder e, por outro, conduz os países à debacle econômica por optarem pelo assistencialismo em lugar do investimento produtivo. No fundo, mas de outro modo, incorrem no mesmo erro dos regimes comunistas: desconhecer que o capitalismo, ainda que injusto, é fonte de riqueza e desenvolvimento econômico.

Como já observamos em outra ocasião, esse populismo não é o mesmo em cada um dos países onde se implantou, embora, apesar disso, tenha cometido os mesmos erros em cada um deles e, não por acaso, entrou em colapso quase ao mesmo tempo. Na Argentina, em sua versão kirchnerista, já chegou ao fim e, na Venezuela, está prestes a acabar, ainda que de maneira quase hilariante.

Depois de criar o Vice-Ministério da Suprema Felicidade, Maduro reduziu o trabalho do funcionalismo público a apenas dois dias por semana e quer agora impedir que as mulheres usem secador de cabelo para assim reduzir o consumo de energia...

No Brasil não chegamos a tanto, porque não somos uma terra propícia ao realismo mágico de García Márquez. Não obstante, também aqui o populismo entrou igualmente em colapso, não diria que em função daquele realismo e, sim, do realismo corrupto que, se não é exclusividade nossa, parece que se tornou parte de nossa vida política.

Quem diria, por exemplo, que um partido como o PT, nascido sob o lema do "não rouba nem deixa roubar", fosse implantar no país um dos regimes mais corruptos de nossa história?

Não por acaso, esse é também o regime da mentira. E, se digo que não é por acaso, digo-o porque, em face dos últimos escândalos e de como se comportam os petistas e seus aliados, sou obrigado a acreditar que a mentira é inerente a esse tipo de militância política.

Nunca vi mentir com tamanho descaramento. Diria mesmo que a mentira é um elemento estrutural do procedimento político-administrativo que tem governado o país nestes últimos anos.

Senão vejamos: Lula implanta o mensalão, mente que foi traído e depois mente de novo ao dizer que foi tudo invenção da imprensa. Estoura o escândalo do petrolão, que leva à cadeia gente de seu partido e empresários amigos seus. Mas ele, sem qualquer constrangimento, afirma que se trata de uma conspiração para tirar o PT do poder.

Dilma segue o mesmo caminho, afirmando que o impeachment é golpe, embora tenha usado a grana das pedaladas para se reeleger. E mentiu durante toda a campanha eleitoral de 2014. Ainda assim –ou talvez por isso mesmo– nada evitará que o populismo petista chegue ao fim.

Dilma estará fora do governo. Mas me perguntam : o que virá depois? Pode-se confiar em Temer? Diante disso, minha resposta é a seguinte: também não sei o que virá depois, mas, dificilmente, será pior do que o que aí está. De qualquer modo, é melhor tentar mudar do que manter o que já não deu certo.

O último tango em Brasília

Naufragados na tristeza hoje veem em desatino, que um erro, um acidente, um desastre foi em nosso destino. Em nossa pobre vida pária, arrependimento. E nada mais.

Acompanhada de seus bacanas comandou o descaminho. Foi inepta, incompetente, e, sabemos, sem brilho. Errou tudo, principalmente onde não podia e não devia. Tarde agora para fazer sentido. Jamais voltará.


Mas se entregou ao jogo, enquanto interessava. Foi num tempo sem grandeza, quando tu, arrogante e imodesta, nos arrastava para pobreza de uma existência sem prazer.

Achava-se poderosa, bacana. A vida sorria em canto. Enquanto nos tratava como otários, brincava com a verdade, como um gato sem piedade que faz o rato padecer.

Hoje teus os olhos ficam cheios de promessas enganosas, dos amigos mentirosos, mercadores da ambição. Trazes na memoria registrada todas as farras do pecado, com delírios de grandeza, que hoje faz pena e tristeza. Tudo enraizado em ideias sem noção.

Nada temos a agradecer-te. Não estamos quites. Julgaremos o que fizeste quem ganhou, e quanto perdemos.

Pelos favores recebidos nós já pagamos muito caro. E se resta alguma conta esquecida em um canto, põe na conta dos otários que sempre te acompanharam.

Em todo este tempo, não houve triunfos. Nem mesmo passageiros. Somente promessas, mentiras, engodo. Por tudo isso passamos.

Que o chefão que te sustenta te acompanhe na jornada, em existência sem passeio, em ambiente sem luxos ou lisonjeio. Que os otários usuais te sigam sempre. Embora nem eles acreditem na tua inocência.

E amanhã, descartada como móvel velho, tua última esperança de retorno morrerá. Quando te faltar um auxílio, poderá somente lembrar o tempo no poder. Nem os amigos ouvirão seus pedidos. Que te digam os otários és uma boa mulher.

Merecíamos algo melhor

Que modo mais sinistro, esse, do PT, de despedir-se de longos 13 anos de poder.

Voltará à oposição depois do fracasso de Dilma, o último presidente que elegeu e reelegeu; da decadência do primeiro, Lula, sob o risco de ser preso por corrupção a qualquer momento; e de ter despencado no ranking dos partidos mais admirados pelos brasileiros.

O PT nunca deu nada de barato. Não daria agora.

Dilma foi abandonada por Lula no palanque do 1º de Maio, em São Paulo. De lá, telefonou para ele três vezes. E ouviu de Marisa que o marido estava afônico e febril. Não podia atendê-la, muito menos comparecer ao ato convocado pela Central Única dos Trabalhadores.

Dilma telefonou para o médico de Lula perguntando se ele estava de fato doente. O médico respondeu que não sabia. Que triste, não?

Queixa-se Lula de Dilma tê-lo abandonado quando a Lava-Jato começou a aproximar-se dos dois. Mais que nunca, era preciso que eles tocassem de ouvido para tentar escapar do juiz Sérgio Moro.

Mas Dilma não estava sujeita a Moro, e sim ao Supremo Tribunal Federal (STF) onde tem amigos. Pouco fez para salvar a face de Lula. E o que acabou fazendo produziu um monumental desastre.

Com a divulgação de uma série de conversas de Lula grampeadas, Moro deixou-o nu na frente do distinto público. E Lula, despido das fantasias concebidas pelo marketing, é muito feio. Sempre foi.

Uma das conversas, a de Dilma com Lula, flagrou a presidente da República avisando ao ex-presidente que um portador lhe entregaria cópia do ato de sua nomeação para Ministro-Chefe da Casa Civil.

Assim, se Moro mandasse prender Lula antes de ele tomar posse como ministro, Lula alegaria que sua nomeação já fora assinada por Dilma, e que, portanto, ele só poderia ser preso por ordem do STF.

Manobra escandalosa para obstruir a Justiça! Que custou a Lula a suspensão de sua posse. E a ele e a Dilma, um pedido do Procurador Geral da República para que sejam investigados por isso.

O Senado, depois de amanhã, aceitará a instalação de processo para julgar Dilma por despesas feitas sem autorização do Congresso. De imediato, ela será afastada do cargo e se recolherá à solidão do Palácio da Alvorada à espera do julgamento.

Assumirá o vice Michel Temer. E Lula seguirá vivendo o pesadelo diário de ser acordado por agentes da Polícia Federal. Que triste, não? Mas merecido.

O país merece líderes e governos melhores. O desafio de Temer é esse. E ele não terá muito tempo para vencê-lo.

Infelizmente, e com razão de sobra, ganha corpo dentro e fora do Congresso a impressão de que nada deverá ser mais parecido com o governo Dilma do que o governo Temer.

Haverá maior racionalidade econômica, ninguém duvida. Mas isso só não basta.

A base de apoio de Temer no Congresso será praticamente a mesma que subtraiu a Dilma tudo o que pôde para depois largá-la de mão.

O governo que está no fim tem nomes citados na Lava-Jato. O governo ainda em fase de montagem também terá. Temer nada vê de negativo nisso. Parece não ter tirado lição alguma da decisão do STF de suspender o mandato de Eduardo Cunha.

Temer cogitou atrair nomes “notáveis” para seu governo. Desistiu, ao que tudo indica. No momento, troca ministérios por votos no Senado para impedir a improvável volta de Dilma ao cargo em um prazo de até 180 dias.

Que triste, não? Merecíamos algo melhor.

O Ministério da Frustração mostra que nada mudou

Quinta-feira, senão antes, o país conhecerá o ministério de Michel Temer. Já se pode adjetivá-lo como “ministério da frustração”, pelos nomes que vem sendo indicados. São os mesmos, ou seja, representantes de partidos que para apoiar o novo governo disputam as maiores verbas orçamentárias e um sem número de facilidades. Será a festa de legendas grandes e pequenas, bem como de líderes ávidos de mais poder eleitoral e, certamente, financeiro.

Nada mudou. Basta atentar para os nomes dos novos ministros, sem qualquer ligação com as atividades de cada pasta. Notáveis, ou quase, só dois ou três.

Afaste-se a tentação de fulanizá-los, até porque, com as raras exceções, ninguém os conhece. Michel Temer passará pela mesma dificuldade de Dilma Rousseff e, em boa parte, do Lula: a impossibilidade de referi-los nominalmente nas primeiras semanas, muito menos suas qualidades e potenciais. Salvam-se Henrique Meirelles, José Serra e mais quem?

Tudo o que o novo presidente prometeu ou sugeriu desfez-se num festival de fisiologismo explícito em nada diferente dos últimos governos do PT. Os novos ministros, como os anteriores, nenhuma ligação possuem com as obrigações de seus ministérios. Vão nomear, patrocinar favores, senão sinecuras, favorecer grupos capazes de retribuí-los com aumento de patrimônio e influências variadas.

Sequer a promessa da diminuição do número de ministérios o ainda vice-presidente conseguiu manter. Esqueceu as boas intenções de buscar na sociedade os melhores em cada setor. Luminares, nem pensar. De preferência, parlamentares dóceis às imposições de seus partidos.

Em suma, nada de novo no pantanal da incompetência e da avidez. A pergunta que começa a ser feita é sobre quanto tempo vai durar a submissão até que se volte a falar em reforma da equipe ou, com certeza, na perspectiva de um novo impeachment.

Realidade é dura, mas tem cura


Suportar o presente com os olhos abertos é muito pesado. E mesmo sabendo que fechando os olhos não vamos resolver nada, fazemo-lo constantemente
Alberto Manguel

Não há plano B

Político não tem crédito, tem débito. Dar cheque em branco, como o voto obrigatório, e confiar em promessas, quando até as de santos falham, viu-se que é perigo na certa. Sente-se hoje o castigo, que veio a cavalo.

Michel Temer está aí para provar. As ruas foram contra Dilma e o PT, mas não imploraram pelo vice. Desejaram mudança constitucional. Na medida do possível, nesta mixórdia brasileira, até que saíram-se bem. Foi o que restou.

Os manifestantes pediram mudança de governo para que não morresse a esperança. E é isso que conta, porque Temer não é Dilma, embora haja tanta semelhança no jeitinho fisiológico de governar. Nem seria possível outra coisa. Afinal são anos de demagogia típica do coronelismo político que deixaram a boca torta.

Há poucas pouquíssimas certezas em tantas incertezas. De momento é de rei morto, rei posto dentro dos protocolos estabelecidos pelo STF. Outra é de que
Temer não é nenhuma Brastemp nem muito menos poste. Vai funcionar como tampão reciclado. Exigir mais é impossível, nem reclamar no Procon por propaganda enganosa. 


O vice mostra o insuperável cacoete político de cacique. Quem esperava coisa melhor contente-se com o que está aí. Sequer estadista ou salvador da pátria, Temer foi mais para mordomo sempre assistindo aos governos. Não seria diferente agora investido no executivo.

O resto fica ao Deus dará se Ele ainda for brasileiro ou ter um xodó pela terrinha. De forma que é rezar e esperar para que se consiga um mínimo de governabilidade. Não é o ideal, mas no momento tem que servir. Ainda mais que não se tem plano B para estancar a sangria financeira até 2018.

O PT enfraqueceu a esquerda e fortaleceu a direita

O PT tinha um discurso tão mentiroso de esquerda quanto foi mentirosa Dilma Rousseff ao falar nos palanques que a economia do Brasil ia bem e que teríamos um 2015 de progresso e crescimento. O PT se travestiu de esquerda, sem o ser, como foi demonstrado a todos, mas nem todos são bons entendedores. Diante do que o PT fez e ainda achando que se trata de um partido de esquerda, para uma grande massa de pessoas a esquerda é assim mesmo.

Tem uma parte de razão e outra de desrazão a declaração de Frei Betto de que: “Não creio na recuperação do PT, infelizmente. Ele jogou na lata de lixo da história os três capitais simbólicos que o caracterizavam na origem: ser o partido da ética; ser o partido da organização da classe trabalhadora; ser o partido do horizonte socialista para o Brasil, o que traria mudanças estruturais. O envolvimento de alguns de seus dirigentes na corrupção ficará como uma ferida incicatrizável.”

Lula, que é o protótipo e dono do PT, nunca teve ética. Realmente organizou setores da classe trabalhadora com seu discurso populista, mas o PT nunca foi prenúncio de um horizonte socialista para o Brasil. O programa de governo do PT foi sempre eternizar-se no poder, enriquecer com dinheiro ilícito seus principais dirigentes, sumir com quem se interpusesse no seu caminho, como foi o caso de Celso Daniel, e dane-se o futuro.

Pergunte-se a Lula e a seus pupilos o que será do Brasil a longo prazo. A resposta, certamente será como a de John Maynard Keynes, 1883-1946, economista inglês, ao ser perguntado no que resultaria da economia a longo prazo. Keynes respondeu: “A longo prazo estaremos todos mortos”.

A falta de visão e o fanatismo produzem em Frei Betto um sacrilégio, ao dizer que “os governos Lula e o primeiro de Dilma foram os melhores de nossa história republicana”. Significa que até hoje ele não tem um juízo crítico do que foram os governos Lula e Dilma, se em nossa história republicana tivemos Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Itamar Franco. Até os governos da ditadura militar foram melhores do que os governos do PT.

Lula e o PT, embora nunca tenham sido de esquerda, queimaram todo o filme da esquerda brasileira, que não tem nada a ver com o PT. A única afirmação de Frei Betto que está correta, mesmo porque se torna óbvia, é de que o próximo governo e o próximo Congresso serão de direita. Isso significa que o PT foi o grande garoto-propaganda da direita e mesmo até da extrema-direita, a exemplo do prestígio atual de Jair Bolsonaro, que tem milhões de seguidores.

Lula e Dilma, uma farsa em cinco atos

Época houve em que os esquerdistas brasileiros liam muito. Liam só marxismo, mas liam, o que não é dizer pouco. Com o tempo, o hábito desapareceu; a geração atual, pelo que me consta, nem marxismo lê. Lula pertence a uma geração intermediária, mas, por motivos diferentes, tampouco parece ter adquirido o hábito da leitura.

É por isso que as esquerdas atuais desconhecem um dos trechos mais valiosos da literatura marxista: o chamado “testamento político” do grande líder da revolução russa de 1917, Vladimir Ilyich Lenin. No fim de 1922, já muito doente, Lenin decidiu advertir os altos dirigentes do Partido Comunista contra os riscos representados pelo crescente poder de Josef Stalin como secretário-geral, recomendando seu afastamento. Nadia Krupskaia, sua mulher, levou-lhes a carta no início de 1924, mas os dirigentes não deram ouvidos à recomendação de Lenin, decisão que muitos deles acabaram pagando com a vida.

Na mensagem mencionada, Lenin escreveu o seguinte: “A questão da personalidade poderia parecer secundária, mas é uma daquelas coisas secundárias que podem acabar adquirindo uma significação decisiva”. Preocupado com o futuro do partido e da própria revolução, acrescentou que certos traços de caráter de Stalin – notadamente sua “rudeza” e sua tendência a fazer política na base da “malícia” – tornavam perigosa a permanência dele à frente da secretaria-geral. Era preciso substituí-lo naquele poderoso cargo por alguém “mais tolerante, mais leal, mais cordial”, que tivesse “mais consideração por seus camaradas”, que não fosse “tão caprichoso”, etc.

O que tem o testamento de Lenin que ver com a presente conjuntura brasileira, cujo pivô é o impeachment de Dilma Rousseff? Muito simples. O impeachment será o fim de uma farsa cuidadosamente arquitetada, pela qual o Brasil já está pagando, e pagará ainda por vários anos, um preço altíssimo. Um retrocesso econômico terrível e um brutal aumento do desemprego, responsáveis pelo empobrecimento de milhões de famílias que já antes sobreviviam com poucos meios.

Toda farsa que se preze envolve pelo menos dois farsantes; essa a que vou me referir teve Lula e Dilma Rousseff nos papéis principais. Não sei se Lula tem a inteligência que lhe é atribuída, sei apenas que ele faz política com base muito mais numa malícia aprendida e aprimorada nos meios sindicais do que por uma concepção minimamente cívica da vida pública. É acima de tudo um esperto.

A farsa começou lá atrás, quando Lula mandou Dilma Rousseff presidir o Conselho de Administração da Petrobrás. Por que o fez? Três hipóteses me parecem cabíveis. É possível que ele sinceramente acreditasse na competência dela. Ou que a considerasse incapaz de desvendar a teia de corrupção lá instalada. Ou, ainda, por saber que ela a desvendaria, mas não se furtaria a dançar conforme a música.

O segundo momento da farsa foi a eleição de 2010, sobre a qual serei sucinto. Lula tinha uma certeza e um objetivo. A certeza era a de que, com seus próprios recursos, Dilma não se elegeria nem para a Câmara Municipal de Porto Alegre, onde residia. Mas ele, Lula, com mais de 80% de popularidade, dinheiro jorrando da cornucópia da Petrobrás e o marqueteiro João Santana a tiracolo, a conduziria ao Planalto com um pé nas costas. O objetivo era colocar na Presidência uma pessoa que combinasse as virtudes de um poste com as de um cão: a passividade do primeiro e a fidelidade do segundo. De quebra, o chefão petista impediria o surgimento de um rival dentro do partido. Foi docemente constrangida, imagino, que Dilma aquiesceu.

O terceiro momento, é escusado lembrar, foi a campanha eleitoral de 2014. Àquela altura, a catástrofe econômica já comia solta. A questão central era (e continua a ser) a deterioração das contas públicas. Em qualquer país onde as promessas feitas durante a campanha eleitoral sejam levadas um pouco mais a sério, Dilma teria de admitir a inexorabilidade do ajuste fiscal. Mas, hélas!, não admitiu; ao contrário, atribuiu a seu adversário a intenção de fazer o que ela sabia ser inevitável. Explica-se: no leme encontravam-se Lula, João Santana e ela mesma, um trio habituado à malícia e a uma não menos pronunciada prepotência como instrumentos de ação política.

O quarto momento, ainda em curso, mas, felizmente, já na reta final, é o impeachment. Talvez por causa da indisponibilidade de João Santana, preso em Curitiba, a farsa encenada por Lula e Dilma perdeu qualidade. Em que pese sua proverbial esperteza, Lula comportou-se como um jejuno em política. Não percebendo o alcance das manifestações de apoio ao impeachment (e ao juiz Sergio Moro?), pensou que a sociedade brasileira continuaria a acreditar em qualquer coisa que ele dissesse e aceitaria qualquer coisa que fizesse. Instalado numa suíte do hotel Golden Tulip, em Brasília, subestimou o instinto de sobrevivência e, por que não dizê-lo, os brios dos deputados federais, a maioria dos quais ele sempre tratou como “picaretas”. Imaginou que consciência alguma resistiria à força combinada de suas “negociações” com a eficiência de Dilma apressando as edições especiais do Diário Oficial da União. Como se não bastasse, os dois ainda acreditaram que a maioria dos cidadãos e do Congresso Nacional retrocederia ante a tentativa de pintar o impeachment como golpe.

No quinto e último ato, finalmente, Dilma Rousseff desistiu de se apresentar como farsante. Para se segurar no cargo não vacilou em denegrir a imagem do Brasil no exterior, fez discursos tão patéticos quanto reveladores e, no grand finale, decretou “bondades” diversas, ratificando o figurino populista-esquerdoide de sua concepção de política
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Bolívar Lamounier

É possível comprar um país?

Uma onda generalizada de aquisições de terra percorre o mundo. Grandes investidores estão gastando milhões na compra de terrenos, principalmente para a agricultura e pecuária. Mas o fenômeno levanta dúvidas. Trata-se de um novo colonialismo? Comprar uma parte significativa de um país compromete sua soberania ou as suspeitas que essas operações geram são uma mera desculpa protecionista? A suspensão na Austrália da venda de uma grande extensão de terra — equivalente a 1% de seu território — a um consórcio liderado por uma empresa chinesa é o exemplo mais recente sobre a cautela em relação a esse tipo de negócio.

Comboio de gado da S. Kidman
A centenária S. Kidman & Co., que está no centro da polêmica, é especializada na criação de gado para exportação de carne e controla pastagens de cerca de 100.000 quilômetros quadrados (equivalente a um quinto da Espanha). O consórcio liderado pela chinesa Shanghai Pengxin Group, do qual também participam empresas australianas, fez uma oferta pela área, avaliada em cerca de 1,3 bilhão de reais. Mas o Tesouro australiano suspendeu a operação, levantando dúvidas se a oferta atende aos interesses nacionais, devido "à dimensão e importância" desses ativos, que abrigam cerca de 200.000 cabeças de gado. Uma possibilidade seria vender o terreno em áreas menores, porque, segundo as autoridades australianas, nenhum país permitiria que o capital estrangeiro ficasse com tamanha extensão do próprio território. No ano passado, a vizinha Nova Zelândia já havia rejeitado uma oferta semelhante da mesma empresa.

Em países menos ricos, é mais difícil impedir esse tipo de operação. O apetite de Pequim para comprar terrenos é bem conhecido na África, que é de longe a região que mais vendeu parte de seu território a estrangeiros, seguida pela Ásia. Mas quanto de terra foi adquirido em todo mundo para investimentos, agricultura ou criação de gado na última década? Impossível saber exatamente. De acordo com a Land Matrix, uma organização internacional que monitora essas operações, foram fechadas 1.100 transações desse tipo desde 2000. No total, 40 milhões de hectares passaram para as mãos de estrangeiros, ou seja, uma superfície maior do que a Alemanha. Os principais investidores: Estados Unidos, Malásia, Singapura, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido. A China ainda não aparece nessa lista, mas é o segundo país mais ativo na compra de terras depois da Arábia Saudita, considerando as operações que ainda estão em fase de negociação.

Em 2008, a Organização das Nações Unidas (ONU) já havia feito um alerta sobre esse novo "neocolonialismo alimentar". Mas a ganância por terras, por vezes, tem um objetivo puramente financeiro. Existem fundos de investimento que incluem a aquisição de terrenos como mais uma forma de ganhar dinheiro, o que, por vezes, pode submeter o cultivo às caprichosas tensões dos mercados (por exemplo, o interesse na promoção dos biocombustíveis resultou em um aumento dos preços da soja). Um exemplo dessa preocupação foi visto recentemente na província canadense de Saskatchewan, que proibiu os fundos de pensão de comprar terras de cultivo da região para evitar "a especulação em Wall Street".

A inveja e a mesquinharia

Dia desses deparei-me com curiosa frase de Machado de Assis: “está morto, podemos elogiá-lo à vontade”. Eis aí um daqueles conjuntos de palavras que instigam a mente - e assim lá fui eu viajar pelos tempos afora, buscando aquela iluminação que só a memória traz.

Comecei na Grécia clássica, recordando Sócrates - com quem o conhecimento humano tem um imenso débito. Foi ele a nos mostrar como usar a razão, um dos precursores da lógica e criador da dialética. Sua obra filosófica ainda hoje nos cativa. Porém, a humanidade foi ingrata com seu filho ilustre: de 500 homens livres sorteados entre a população de Atenas, 360 votaram por sua morte. E ei-lo tomando cicuta, vítima da mais refinada mediocridade.

E que dizer de Pitágoras? De seu famoso teorema à introdução da prova na matemática, da descoberta dos números irracionais aos seus estudos filosóficos, tínhamos nele um gênio - que morreu exilado no distante Metaponto, dizem alguns que até queimado vivo em um incêndio provocado por manifestantes.

Não nos esqueçamos de Galileu. A este devemos o aprimoramento do telescópio e obras fabulosas sobre mecânica e astronomia - que, sem medo de errar, deram vigoroso impulso a uma verdadeira revolução científica que se alastraria na Europa, com reflexos até os nossos dias. Porém, também aqui fomos ingratos: Galileu morreu pobre, cego e em prisão domiciliar.

Há também um certo Alan Turing, a quem devemos o desenvolvimento do computador - inclusive do que decodificou os códigos secretos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, permitindo a vitória da liberdade. Em reconhecimento pelo imenso bem que fizera à humanidade, foi processado por homossexualidade e acabou cometendo suicídio um pouco antes de completar 42 anos de idade.

Lembra das chapas de raios-x, que tantas vidas salvam? Foram fruto do trabalho de Wilhelm Conrad Röntgen. Detalhe: ele recusou-se a patentear qualquer coisa relacionada com a produção ou o uso de raios-x, acreditando que eles deveriam ser usados para o benefício da humanidade. Morreu pobre, lá na Alemanha, desamparado pelo povo a quem tanto orgulho dera - e dá.

Do outro lado do planeta, temos o exemplo de Kung-fu-tsé - que conhecemos como Confúcio. Ao longo de sua existência produziu reflexões magníficas sobre como é possível conduzir a vida sem recorrer à especulação metafísica. Seus ensinamentos ainda hoje, passados já dois mil e quinhentos anos, encantam. Paradoxalmente, passou a vida buscando - sem sucesso - empregar-se de forma estável em algum lugar, qualquer que fosse. Morreu melancolicamente, amparado apenas por seus discípulos.

Na Itália, Nicolau Maquiavel recebeu como paga pelos textos eternos que escreveu morrer miserável, assistido apenas por alguns poucos amigos. Na Espanha, Cristóvão Colombo morreu na mais completa pobreza - uma recompensa por ter proporcionado à raça humana a descoberta da América. No Brasil, Landell de Moura inventou o rádio, transmitindo a voz humana dois anos antes de Marconi transmitir meros sinais telegráficos - para ter sua invenção destruída por brasileiros que o acusaram de ser bruxo e até louco.

Após este devaneio pelos tempos passados retornei ao presente com uma nota de pesar no coração, pensando no quanto custa a mediocridade ao desenvolvimento da raça humana. Concluí, absolutamente convicto, que Machado de Assis tinha razão e que, perdoando a tosca rima, homem bom, correto e honrado, só muito velho ou enterrado!

Pedro Valls Feu Rosa

É imprescindível uma reforma político-institucional, porém jamais será feita

Tudo essa crise é por culpa de uma Constituição canhestra, que desde o início norteava para o parlamentarismo e no final se tornou presidencialista. Digitais de dois ilustres peemedebistas: Ulysses, que renegou a tese de uma Constituinte exclusiva (pois havia mudança de regime, que é condição primeira para isso) e Sarney, que ao assumir o Alvorada nomeou uma comissão de notáveis juristas para elaborar o anteprojeto na nova Carta.

Terminado esse trabalho, eles foram a Sarney, que os recepcionou com um almoço em palácio, agradeceu, recebeu o anteprojeto e…engavetou-o! Devia ser bom para o povão, mas ruim para a classe político-privilegiada-adoradora de benesses.

E ninguém nunca indagou (até por curiosidade) aonde foi parar o anteprojeto e muito menos o seu teor.


E agora se fala em fazer reforma política que implicaria entre outras coisas diminuição de número de senadores, deputados federais e estaduais; vereadores recebendo só por sessão; fim dos inúmeros privilégios e imunidades; determinar-se que subsídio (o nome certo) não é salário e não dá direito à tal aposentadoria parlamentar; que o SUS é para todos e a escola pública idem; que as cotas de gabinete e auxílios diversos só servem para engordar os contracheques (aliás, mais cheques do que contra) dos ilustres representantes do povo; que propaganda política gratuita é tudo, menos gratuita; que fundo partidário é outro imposto disfarçado e um alimentador de gestação de partidos.

Mas a quem incumbiria realizar tal reforma (e ainda há mais coisas a citar)? Aos nobres políticos? Rs, rs, rs. Tirem o cavalinho da chuva. A maioria deles é capaz de tudo, menos de atear fogo às vestes ou seccionar os pulsos, como diriam os velhos repórteres de polícia, quando tratavam de suicídio.