sábado, 22 de julho de 2017
Escândalos se incorporam desumanamente ao cotidiano
Vivendo sua quadra histórica mais complicada, nessas duas semanas o país disfarça seus males e faz de conta que tudo está bem. São as águas paradas do recesso, o cansaço da opinião pública, a desatenção causada pelo frio; o remanso temporário das águas no mesmo lago onde mora o monstro. Presidente, Michel Temer toca o bumbo: ''o país reencontrou o rumo; está nos trilhos''. É do seu papel e sua alternativa: ao jogador de poucas cartas cabe o blefe; olhar para mão pobre e sorrir como se repleta estivesse de ases e reis.
Mas, o rumo é tortuoso e os trilhos danificados. O que mais preocupa é a segurança pública. Alguém já assinalou que, em alguns lugares, a bala perdida foi assimilada; faz parte do ruído urbano como o pio dos pardais. Banaliza-se a morte. Há alguns meses, numa dessas viagens que a profissão obriga, me perdi num desses subúrbios perigosos. Apavorado, o motorista que me levava suava em bicas; dizia-me que, ali, o risco era o ladrão e também a polícia. Frio, eu mantinha a calma dos ignorantes.
Tempos depois — de volta ao estado, consciente dos riscos —, comentei o caso com um taxista; como se lhe contasse uma aventura, falei dos caminhos porque havia me perdido. Com atenção, ele ouvia sem abalos; parecia-lhe óbvio que na cidade houvesse áreas desse tipo e que elas se expandissem. ''Está cada vez pior''. Nem o Waze é capaz de dominar a sociologia das cidades. Por fim, filosofou: ''Às vezes, nada acontece''. Não era ironia nem piada: tive sorte. A tragédia é, sim, o normal.
O estado em questão foi o Rio de Janeiro, mas o episódio cabe em qualquer rincão do país. Simbólico, o Rio é apenas, na federação, o doente em estágio mais avançado. De um modo geral, todos estão quebrados, sem dar conta do custeio das máquinas públicas — quanto mais investir para amenizar os efeitos da crise. À população resta se adaptar: trancar as portas, cercar as casas, evitar as ruas. Medo que se banaliza ou é neurose ou é covardia — a covardia nossa de cada dia.
O escândalo se incorpora desumanamente ao cotidiano como um poste sem vida. Evidente que, ao chegar à segurança pública, a crise já tomou várias outras áreas. Saúde, educação, promoção social; ética e moralidade pública. Tudo se resume a uma espécie de muro pichado, numa rua abandonada à qual todos incorporam ao caminho; o rumo de que fala o presidente Temer. Tem sido assim.
A maior preocupação de muitos analistas se volta para a saúde das contas públicas. Não deixa de fazer sentido, em tese. O raciocínio é conhecido: sanear as finanças do Estado, fornecendo confiança para investimentos privados, que trariam empregos e crescimento econômico; aumentos de arrecadação facilitariam investimentos em segurança, saúde e educação: circulo virtuoso, desenvolvimento social. Tudo muito simples. Em tese.
Nesse sentido, justificam-se os aumentos de impostos diante das condições fiscais, mas também pela manutenção de importantes políticas públicas. Seria mesmo inevitável.
Os impostos, no entanto, vieram após o aumento dos salários de parcelas do funcionalismo, o perdão ou refinanciamento de dívidas, liberações de emendas e cargos às mancheias para garantir o claudicante mandato do presidente. Reforma da previdência, com manutenção de aposentadorias especiais; modernização trabalhista com preservação do imposto sindical. Que sentido há nisto além do poder dos grupos de pressão?
O que fazer está nos livros-texto dos melhores cursos de economia. Como fazê-lo nenhum manual ensina. O longo prazo é uma esperança para depois de depois de amanhã; não raro, se lhe perde de vista. A vida concreta e o desespero da vida se dão no hoje e no agora: é preciso Políticas pra já. Depois, é sempre tarde. Na verdade, é cruel: jogar água fria na manhã gelada dos que dormem na rua demonstra a estupidez humana em seu grau mais elevado. Prêmio Barbárie. Nem às vezes isso pode dar certo.
Carlos Melo
Mas, o rumo é tortuoso e os trilhos danificados. O que mais preocupa é a segurança pública. Alguém já assinalou que, em alguns lugares, a bala perdida foi assimilada; faz parte do ruído urbano como o pio dos pardais. Banaliza-se a morte. Há alguns meses, numa dessas viagens que a profissão obriga, me perdi num desses subúrbios perigosos. Apavorado, o motorista que me levava suava em bicas; dizia-me que, ali, o risco era o ladrão e também a polícia. Frio, eu mantinha a calma dos ignorantes.
Tempos depois — de volta ao estado, consciente dos riscos —, comentei o caso com um taxista; como se lhe contasse uma aventura, falei dos caminhos porque havia me perdido. Com atenção, ele ouvia sem abalos; parecia-lhe óbvio que na cidade houvesse áreas desse tipo e que elas se expandissem. ''Está cada vez pior''. Nem o Waze é capaz de dominar a sociologia das cidades. Por fim, filosofou: ''Às vezes, nada acontece''. Não era ironia nem piada: tive sorte. A tragédia é, sim, o normal.
O estado em questão foi o Rio de Janeiro, mas o episódio cabe em qualquer rincão do país. Simbólico, o Rio é apenas, na federação, o doente em estágio mais avançado. De um modo geral, todos estão quebrados, sem dar conta do custeio das máquinas públicas — quanto mais investir para amenizar os efeitos da crise. À população resta se adaptar: trancar as portas, cercar as casas, evitar as ruas. Medo que se banaliza ou é neurose ou é covardia — a covardia nossa de cada dia.
O escândalo se incorpora desumanamente ao cotidiano como um poste sem vida. Evidente que, ao chegar à segurança pública, a crise já tomou várias outras áreas. Saúde, educação, promoção social; ética e moralidade pública. Tudo se resume a uma espécie de muro pichado, numa rua abandonada à qual todos incorporam ao caminho; o rumo de que fala o presidente Temer. Tem sido assim.
A maior preocupação de muitos analistas se volta para a saúde das contas públicas. Não deixa de fazer sentido, em tese. O raciocínio é conhecido: sanear as finanças do Estado, fornecendo confiança para investimentos privados, que trariam empregos e crescimento econômico; aumentos de arrecadação facilitariam investimentos em segurança, saúde e educação: circulo virtuoso, desenvolvimento social. Tudo muito simples. Em tese.
Nesse sentido, justificam-se os aumentos de impostos diante das condições fiscais, mas também pela manutenção de importantes políticas públicas. Seria mesmo inevitável.
Os impostos, no entanto, vieram após o aumento dos salários de parcelas do funcionalismo, o perdão ou refinanciamento de dívidas, liberações de emendas e cargos às mancheias para garantir o claudicante mandato do presidente. Reforma da previdência, com manutenção de aposentadorias especiais; modernização trabalhista com preservação do imposto sindical. Que sentido há nisto além do poder dos grupos de pressão?
O que fazer está nos livros-texto dos melhores cursos de economia. Como fazê-lo nenhum manual ensina. O longo prazo é uma esperança para depois de depois de amanhã; não raro, se lhe perde de vista. A vida concreta e o desespero da vida se dão no hoje e no agora: é preciso Políticas pra já. Depois, é sempre tarde. Na verdade, é cruel: jogar água fria na manhã gelada dos que dormem na rua demonstra a estupidez humana em seu grau mais elevado. Prêmio Barbárie. Nem às vezes isso pode dar certo.
Carlos Melo
Portadores do novo
A política brasileira sofre de apego ao passado. Até mesmo as forças progressistas deixaram de ser portadoras do novo. Mas nunca foi tão urgente imaginar o futuro desejado e como construí-lo.
O novo está mais no dinamismo decorrente da coesão social, do que na disputa de interesses de grupos, corporações e classes: empresários precisam entender que há um interesse nacional comum a todos brasileiros; os trabalhadores precisam perceber que a luta sindical não deve sacrificar a estabilidade nacional, nem o bem-estar do conjunto do povo. Ser moderno é servir aos interesses do público, seja com instrumentos estatais, privados ou em parceria.
O novo exige que a economia seja eficiente, que a moeda seja estável e que o seu excedente seja usado para cuidar dos serviços públicos com qualidade e respeito aos usuários. O novo está na educação de qualidade capaz de construir uma sociedade do conhecimento, da ciência, da tecnologia, da inovação, da cultura.
O novo não é mais a proposta da igualdade plena na renda, que, além de demagógica, é autoritária, ineficiente e não respeita o mérito, o empenho e as opções pessoais. O novo está na tolerância com uma desigualdade na renda e no consumo dentro de limites decentes, entre um piso social que elimine a exclusão e um teto ecológico que proteja o equilíbrio ambiental. Entre estes limites, é preciso a escada social da educação que permita a ascensão das pessoas, conforme o talento e o desejo de cada um.
O novo não está mais na ideia de uma economia controlada sob o argumento de ser justa, mas no entendimento de que o seu papel é ser eficiente sob regras éticas nas relações trabalhistas, no equilíbrio ecológico e na interdição de produzir bens nocivos. O novo está na definição ética do uso dos resultados da economia eficiente para construir a justiça, com liberdade e sustentabilidade, especialmente garantindo que os filhos dos brasileiros mais pobres terão escolas com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos.
O novo não está na riqueza definida pelo PIB, a renda e o consumo, mas na evolução civilizatória, por exemplo; não está no número de carros produzidos, mas na eficiência como funciona o transporte público. O novo não está na velocidade como se destroem florestas e sujam-se os rios, mas na definição de regras que permitam oferecer sustentabilidade ecológica e monetária. O novo não está na segurança de mais prisões para bandidos, mas na paz entre os cidadãos.
O novo não está mais no excesso de gastos e de consumo, mas na austeridade que permita sustentabilidade e bem-estar. A política nova não está apenas na democracia do voto, mas também no comportamento ético dos políticos, em eleições com baixo custo, espírito público sem corporativismo, e na apresentação de propostas para o futuro nos atuais tempos de mutação, mesmo que isso implique em suicídio eleitoral, porque em tempos de mutação, os portadores do novo correm o risco de solidão. Mesmo assim, é preciso dizer: o novo está na educação.
O arauto do desastre
“Estamos tratando com seriedade o dinheiro do pagador de impostos, disse o presidente Michel Temer ao anunciar o temível aumento de imposto que nos empobrecerá ainda mais. “São tantos feitos administrativos que a garganta acaba falhando”, afirmou Temer, emocionado consigo próprio. Criticou “os arautos do desastre”, que são todos aqueles que não vivem em sua ilha da fantasia. O impacto na bomba de gasolina é a pauta-bomba da semana.
Quando vejo a nova versão confiante de Temer, esculpida na compra explícita de apoio no Congresso para se manter presidente e longe do alcance da Justiça, eu me pergunto se a doença do cinismo é incurável e hereditária no Brasil. Passa de partido a partido, de governo a governo, sem pedido de desculpas. Convivemos com escaramuças fiscais, jurídicas e linguísticas, com promessas descumpridas. E, agora, escutamos novidades velhas. Um exercício de marketing desesperado. Os R$ 344,3 milhões prometidos para a saúde bucal deveriam ser “realocados” para a saúde mental dos governantes brasileiros. Eles descolaram da realidade.
Lembro ao leitor, perdido na guerra dos números e dos gráficos: a meta do governo Temer é um déficit de R$ 139 bilhões. Como fazer o povo entender isso? Qualquer pessoa honesta se deprime com o nome sujo na praça, ao não conseguir pagar uma conta. Mas Temer continua a rir depois de pagar R$ 1,8 bilhão pela cumplicidade de parlamentares na forma de emendas. O aumento do imposto na gasolina, etanol e diesel – e a alta resultante no transporte e nos alimentos – são nosso sacrifício para ajudar Temer a cumprir sua meta deficitária. O aumento não cobrirá o rombo extra do rombo original. O que ainda virá por aí? Provavelmente a CPMF.
Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, esperam boa vontade, solidariedade, compreensão. Esperam que o cidadão, assaltado por bandidos cotidianamente, também aceite ser assaltado por um Estado inchado, ineficiente, incapaz. O governo é o grande “arauto do desastre”. Temer pede aos bobos da Corte que tenham “o que é muito comum nos brasileiros, o otimismo extraordinário”. O senhor não tem lido as pesquisas, presidente. O que existe hoje é um “pessimismo extraordinário”, com base na realidade.
A vida das famílias dos ministros, senadores e deputados não mudou com a crise econômica. Todos recebem em dia não só os salários, mas as mordomias. A vida melhorou para todos os que receberam benesses para suas emendas, quando Temer abriu o cofre público para comprar consciências e se garantir no Palácio do Jaburu, com seu misturador de vozes em ação.
A Fiesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, publicou anúncio intitulado “O que é isso, ministro? Mais impostos?”. O texto sublinha os motivos do pessimismo brasileiro. “Aumento de imposto recai sobre a sociedade, que já está sufocada, com 14 milhões de desempregados, falta de crédito e sem condições gerais de consumo. Todos sabem que o caminho correto é cortar gastos, aumentar a eficiência e reduzir o desperdício.”
O Brasil é um país esquizofrênico. Enquanto no estado do Rio de Janeiro tem servidor na fila para pegar cesta básica porque não recebeu o 13º de 2016, nem maio nem junho, o governo Temer aumentou em R$ 12 bilhões seus gastos com pessoal, 11,8% acima da inflação. Chega de pagar o pato.
Há uma palavra, entre tantos clichês da macroeconomia, que me dá calafrios. É o “contingenciamento”. Dos gastos do governo, 90% são obrigatórios. As obrigações deveriam mudar, para o Brasil ser mais justo. Meirelles afirma ser favorável ao corte de gastos, “mas a máquina pública tem de funcionar”. A máquina pública não funciona, ministro!
Vários órgãos do governo, entre eles a Câmara dos Deputados, estouraram o teto de gastos. Temos cerca de 30 ministérios com quase 100 mil cargos de confiança e comissionados. Pagamos aluguéis, passagens, diárias, saúde, beleza e educação dos poderosos. O funcionamento da Câmara e do Senado custa R$ 28 milhões por dia, mais de R$ 1 milhão por hora, informa a ONG Contas Abertas, do economista Gil Castello Branco. Por que pagamos viagens de Dilma Rousseff e outros ex-presidentes? Dilma gastou R$ 520 mil neste ano em viagens para contestar o impeachment. Nós gastamos. Lula, Collor, Fernando Henrique Cardoso, Sarney também têm suas viagens financiadas pelo povo.
Por que sustentamos calados um Estado que mete a mão no nosso bolso sempre que está em apuros e que continua inchado, ineficiente e incapaz? As autoridades ainda riem nas fotos, como o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, que não sabe de nada, inocente, por estar desligado num spa de luxo. É absurdo, escandaloso. Nessa guerra de tronos, enredo e atores precisam mudar.
Quando vejo a nova versão confiante de Temer, esculpida na compra explícita de apoio no Congresso para se manter presidente e longe do alcance da Justiça, eu me pergunto se a doença do cinismo é incurável e hereditária no Brasil. Passa de partido a partido, de governo a governo, sem pedido de desculpas. Convivemos com escaramuças fiscais, jurídicas e linguísticas, com promessas descumpridas. E, agora, escutamos novidades velhas. Um exercício de marketing desesperado. Os R$ 344,3 milhões prometidos para a saúde bucal deveriam ser “realocados” para a saúde mental dos governantes brasileiros. Eles descolaram da realidade.
Lembro ao leitor, perdido na guerra dos números e dos gráficos: a meta do governo Temer é um déficit de R$ 139 bilhões. Como fazer o povo entender isso? Qualquer pessoa honesta se deprime com o nome sujo na praça, ao não conseguir pagar uma conta. Mas Temer continua a rir depois de pagar R$ 1,8 bilhão pela cumplicidade de parlamentares na forma de emendas. O aumento do imposto na gasolina, etanol e diesel – e a alta resultante no transporte e nos alimentos – são nosso sacrifício para ajudar Temer a cumprir sua meta deficitária. O aumento não cobrirá o rombo extra do rombo original. O que ainda virá por aí? Provavelmente a CPMF.
Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, esperam boa vontade, solidariedade, compreensão. Esperam que o cidadão, assaltado por bandidos cotidianamente, também aceite ser assaltado por um Estado inchado, ineficiente, incapaz. O governo é o grande “arauto do desastre”. Temer pede aos bobos da Corte que tenham “o que é muito comum nos brasileiros, o otimismo extraordinário”. O senhor não tem lido as pesquisas, presidente. O que existe hoje é um “pessimismo extraordinário”, com base na realidade.
A vida das famílias dos ministros, senadores e deputados não mudou com a crise econômica. Todos recebem em dia não só os salários, mas as mordomias. A vida melhorou para todos os que receberam benesses para suas emendas, quando Temer abriu o cofre público para comprar consciências e se garantir no Palácio do Jaburu, com seu misturador de vozes em ação.
A Fiesp, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, publicou anúncio intitulado “O que é isso, ministro? Mais impostos?”. O texto sublinha os motivos do pessimismo brasileiro. “Aumento de imposto recai sobre a sociedade, que já está sufocada, com 14 milhões de desempregados, falta de crédito e sem condições gerais de consumo. Todos sabem que o caminho correto é cortar gastos, aumentar a eficiência e reduzir o desperdício.”
O Brasil é um país esquizofrênico. Enquanto no estado do Rio de Janeiro tem servidor na fila para pegar cesta básica porque não recebeu o 13º de 2016, nem maio nem junho, o governo Temer aumentou em R$ 12 bilhões seus gastos com pessoal, 11,8% acima da inflação. Chega de pagar o pato.
Há uma palavra, entre tantos clichês da macroeconomia, que me dá calafrios. É o “contingenciamento”. Dos gastos do governo, 90% são obrigatórios. As obrigações deveriam mudar, para o Brasil ser mais justo. Meirelles afirma ser favorável ao corte de gastos, “mas a máquina pública tem de funcionar”. A máquina pública não funciona, ministro!
Vários órgãos do governo, entre eles a Câmara dos Deputados, estouraram o teto de gastos. Temos cerca de 30 ministérios com quase 100 mil cargos de confiança e comissionados. Pagamos aluguéis, passagens, diárias, saúde, beleza e educação dos poderosos. O funcionamento da Câmara e do Senado custa R$ 28 milhões por dia, mais de R$ 1 milhão por hora, informa a ONG Contas Abertas, do economista Gil Castello Branco. Por que pagamos viagens de Dilma Rousseff e outros ex-presidentes? Dilma gastou R$ 520 mil neste ano em viagens para contestar o impeachment. Nós gastamos. Lula, Collor, Fernando Henrique Cardoso, Sarney também têm suas viagens financiadas pelo povo.
Por que sustentamos calados um Estado que mete a mão no nosso bolso sempre que está em apuros e que continua inchado, ineficiente e incapaz? As autoridades ainda riem nas fotos, como o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, que não sabe de nada, inocente, por estar desligado num spa de luxo. É absurdo, escandaloso. Nessa guerra de tronos, enredo e atores precisam mudar.
Estará voltando a esperança ao Brasil?
O título desta coluna poderá parecer uma provocação, já que o Brasil parece estar imerso em tudo, menos na esperança. No entanto, observo que muitas pessoas começam a se cansar do pessimismo que açoita o país e estão em busca de uma saída que lhes alivie o peso do tufão em que foram mergulhadas pelos escândalos de corrupção e a hipocrisia de uma classe política que se nega a abrir caminho a uma geração nova ainda não contaminada pelo velho.
Esse desejo de ressuscitar dos escombros e até quase de esperança em que as coisas possam melhorar parece querer aflorar, embora seja apenas como antídoto contra a desesperança em que as lutas sombrias pelo poder arremessaram o país. Diz-se que a esperança é a última que morre, mas lembro também que um velho professor de teologia nos dizia na universidade em Roma que, de todas as virtudes, a mais difícil de cultivar era a esperança. E isso porque o pessimismo floresce em cada canto de nossa existência.
Escrevo esta coluna enquanto festejo meu 85º aniversário com mais de 40 anos trabalhando para este jornal, que me outorgou sempre a mais absoluta liberdade de expressão, e depois de ter percorrido profissionalmente três vezes nosso pequeno planeta. Vi de tudo na vida, desde a terrível guerra civil e fraticida da minha Espanha a dois conflitos mundiais. Da chegada do homem à lua à eleição de sete papas.
Vivi na Itália o escândalo da Operação Mãos Limpas e, hoje, o da Operação Lava Jato. Desfrutei da queda do Muro de Berlim, que atravessara seis meses antes de desmoronar, e da criação feliz de uma Europa Unida –e hoje ainda consigo ter medo dos movimentos que nos lembram passados sombrios de barbárie, exclusão dos diferentes e campos de concentração. E me dá medo a pós-verdade que privilegia as sensações à realidade. A História, por experiência pessoal, é escrita com a tinta de muitas cores, umas mais opacas e outras mais luminosas.
Tudo isto para dizer que hoje, que sofro por este país que amo, preferiria que o pêndulo entre pessimismo e esperança pudesse começar a inclinar-se na direção desta última. O Brasil tem recursos humanos e naturais, experiência e capacidade para apostar na esperança mesmo em meio às piores nuvens de tempestade.
Entre os muitos presentes que me brindou este aniversário de muitos anos já vividos, dois foram simbólicos. O primeiro, o de um despertar com sol e ar de primavera, depois de dois dias de frio polar, mar endiabrado e chuva e vento, desconhecidos nestas terras. Quis ver isso como símbolo de um Brasil que poderia estar saindo do túnel do pessimismo para momentos melhores. Como conseguir, não sei, mas como muitos prefiro apostar no despontar da esperança em vez de continuar aprisionado pelo pessimismo.
O outro presente, o mais distante, foi uma frase que me enviaram meus queridos tradutores para o japonês, Kats e Yuki. Não os conheço pessoalmente, mas são para mim um exemplo de lutadores. Ainda em meio a graves problemas profissionais, nunca os vi perder a esperança. Enviam-me a frase de um dos maiores compositores musicais espanhóis do século XX, Joaquín Rodrigo, autor da célebre música O Concerto de Aranjuez. Cego desde os três anos, o maestro Rodrigo via o mundo, dizia, “com os olhos de seus amigos”. Sua luta pela autenticidade foi tão grande como a de seu talento musical. Sua falta de visão não o fez perder a esperança. Aos inimigos que o consideravam um criador conservador, pouco moderno, ele dizia, como me recordam meus amigos japoneses: “Meu copo é pequeno, mas bebo em meu copo”, um verso que acabou sendo o epitáfio do compositor.
Da esperança dos brasileiros neste momento de quase cegueira e animosidade coletiva, seria possível dizer, como o compositor, que é como um copo pequeno, mas é o nosso e dele necessitamos beber se não quisermos morrer de pessimismo. Se o maestro Rodrigo não se sentia infeliz obrigado a ver com os olhos de seus amigos, talvez hoje, para recuperar a esperança, necessitemos todos mais da força de nos sentirmos unidos do que das rupturas. Melhor do que uns contra outros, todos juntos, sem renunciar à própria identidade e pensamento, mas cada um ajudando aos demais para reconstruir um Brasil mais digno de ser vivido e amado, menos violento e mais igual.
Às vezes as melhores catedrais se erguem do nada. Minha colega Flávia Marreirome recorda hoje em uma mensagem que “a felicidade está nos pequenos detalhes”. Tem razão. O mesmo se passa com a esperança. Vamos apostar neste Brasil melhor, embora seja só com o pequeno detalhe de começar a sonhá-lo?
Esse desejo de ressuscitar dos escombros e até quase de esperança em que as coisas possam melhorar parece querer aflorar, embora seja apenas como antídoto contra a desesperança em que as lutas sombrias pelo poder arremessaram o país. Diz-se que a esperança é a última que morre, mas lembro também que um velho professor de teologia nos dizia na universidade em Roma que, de todas as virtudes, a mais difícil de cultivar era a esperança. E isso porque o pessimismo floresce em cada canto de nossa existência.
Vivi na Itália o escândalo da Operação Mãos Limpas e, hoje, o da Operação Lava Jato. Desfrutei da queda do Muro de Berlim, que atravessara seis meses antes de desmoronar, e da criação feliz de uma Europa Unida –e hoje ainda consigo ter medo dos movimentos que nos lembram passados sombrios de barbárie, exclusão dos diferentes e campos de concentração. E me dá medo a pós-verdade que privilegia as sensações à realidade. A História, por experiência pessoal, é escrita com a tinta de muitas cores, umas mais opacas e outras mais luminosas.
Tudo isto para dizer que hoje, que sofro por este país que amo, preferiria que o pêndulo entre pessimismo e esperança pudesse começar a inclinar-se na direção desta última. O Brasil tem recursos humanos e naturais, experiência e capacidade para apostar na esperança mesmo em meio às piores nuvens de tempestade.
Entre os muitos presentes que me brindou este aniversário de muitos anos já vividos, dois foram simbólicos. O primeiro, o de um despertar com sol e ar de primavera, depois de dois dias de frio polar, mar endiabrado e chuva e vento, desconhecidos nestas terras. Quis ver isso como símbolo de um Brasil que poderia estar saindo do túnel do pessimismo para momentos melhores. Como conseguir, não sei, mas como muitos prefiro apostar no despontar da esperança em vez de continuar aprisionado pelo pessimismo.
O outro presente, o mais distante, foi uma frase que me enviaram meus queridos tradutores para o japonês, Kats e Yuki. Não os conheço pessoalmente, mas são para mim um exemplo de lutadores. Ainda em meio a graves problemas profissionais, nunca os vi perder a esperança. Enviam-me a frase de um dos maiores compositores musicais espanhóis do século XX, Joaquín Rodrigo, autor da célebre música O Concerto de Aranjuez. Cego desde os três anos, o maestro Rodrigo via o mundo, dizia, “com os olhos de seus amigos”. Sua luta pela autenticidade foi tão grande como a de seu talento musical. Sua falta de visão não o fez perder a esperança. Aos inimigos que o consideravam um criador conservador, pouco moderno, ele dizia, como me recordam meus amigos japoneses: “Meu copo é pequeno, mas bebo em meu copo”, um verso que acabou sendo o epitáfio do compositor.
Da esperança dos brasileiros neste momento de quase cegueira e animosidade coletiva, seria possível dizer, como o compositor, que é como um copo pequeno, mas é o nosso e dele necessitamos beber se não quisermos morrer de pessimismo. Se o maestro Rodrigo não se sentia infeliz obrigado a ver com os olhos de seus amigos, talvez hoje, para recuperar a esperança, necessitemos todos mais da força de nos sentirmos unidos do que das rupturas. Melhor do que uns contra outros, todos juntos, sem renunciar à própria identidade e pensamento, mas cada um ajudando aos demais para reconstruir um Brasil mais digno de ser vivido e amado, menos violento e mais igual.
Às vezes as melhores catedrais se erguem do nada. Minha colega Flávia Marreirome recorda hoje em uma mensagem que “a felicidade está nos pequenos detalhes”. Tem razão. O mesmo se passa com a esperança. Vamos apostar neste Brasil melhor, embora seja só com o pequeno detalhe de começar a sonhá-lo?
O País no necrotério
Dez por cento dos homicídios do planeta ocorrem no Brasil, que é também campeão mundial na categoria em números absolutos: de 2011 a 2015, matou-se mais aqui que, no mesmo período, na Guerra da Síria: 278 mil e 839 contra 256 mil e 124. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O tema não consta da agenda política do país, não obstante versar sobre o bem maior da existência, que é ela própria. Nenhum tema pode se sobrepor ao da preservação física da população. E, no entanto, vários se sobrepõem. Basta consultar os discursos do Parlamento e as propostas de lei que lá tramitam.
Há uma guerra civil em curso, mas as tais instituições – que os políticos garantem estar funcionando – não a enxergam.
Dados do Mapa da Violência referentes a 2014 (os últimos atualizados daquela fonte) registram 59 mil e 627 pessoas assassinadas, contra 48 mil e 909 no ano anterior.
Dessa estatística, constam apenas os que morrem no local do crime. Os que morrem depois ou sofrem lesões graves não se incluem nessa contabilidade macabra. Não é tudo: os especialistas garantem que esses números estão ultrapassados, e que, em 2017, a violência está sendo bem maior que nos anos anteriores.
Basta ver o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro com os transportes de carga, que levam alimentos, medicamentos e outros insumos essenciais à população. São 24 assaltos por dia. Em São Paulo, são dois por semana.
As empresas de transporte não querem mais fazer a rota da cidade e as seguradoras se recusam a continuar cobrindo o desfalque, sem falar nos motoristas que não querem mais se expor à violência, que já matou alguns colegas. No limite, isso levará ao desabastecimento da cidade que é a segunda em renda e população do país, além de seu cartão postal.
O narcotráfico é, de longe, a causa maior desse genocídio. Tomou os morros do Rio e a periferia dos grandes centros urbanos. Mas quem liga? A única providência do governo, não este, mas o anterior (embora este ignore o problema) foi desarmar a população.
Esta semana, um deputado estadual de Goiás, Major Araújo (PRB), teve uma ideia ainda mais brilhante: desarmar a polícia, “já que não é possível desarmar os criminosos”. Não é piada: são os termos do projeto de lei n° 787, de sua autoria, já em tramitação.
O Brasil, inicialmente corredor de exportação dos países que sediam os grandes cartéis de drogas - Bolívia e Colômbia -, tornou-se gradualmente grande consumidor; é hoje o segundo mercado mundial de cocaína (o primeiro são os EUA) e o primeiro de crack.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que, após acordo de paz com o governo local, se encaminham, seguindo conselho de Lula, para tornar-se um partido político, são os maiores fornecedores do planeta. A política não atrapalhará os negócios; continuarão a coexistir. Quem sabe, venham a eleger o próximo presidente da República. Como aqui, tudo é possível.
As Farc integraram na origem o Foro de São Paulo, entidade que congrega os partidos de esquerda do continente, fundado por Lula e Fidel Castro em 1990. Acaba de promover sua 23ª reunião na Nicarágua, onde pontificou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, senadora e ré na Lava Jato. Solidarizou-se com o regime esquerdista de Nicolas Maduro, da Venezuela, que, como aqui, estaria sofrendo perseguição da elite local e do imperialismo yankee. Isso mesmo.
Ainda carecem de estudos os vínculos entre a ascensão esquerdista no continente e o comércio de drogas. Na Venezuela, por exemplo, presidiu a Assembleia Nacional, ao tempo de Chavez e até há pouco, um conhecido operador do ramo, Diosdado Cabello.
No Brasil, Dilma Roussef, ao tempo em que chefiava a Casa Civil, no governo Lula, nomeou Ângela Maria Slongo, mulher de um chefão das Farc, Olivério Medina, como oficial de gabinete, em 2006. Medina, na ocasião, estava preso no Brasil. Foi solto logo depois. E revelou ter oferecido dinheiro das Farc a candidatos do PT.
Nada disso foi até aqui investigado. E é improvável que o seja.
Para que se tenha uma ideia do poder financeiro do narcotráfico, basta dizer que movimenta algo em torno de 1,5% do PIB mundial - 870 bilhões de dólares, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc).
Esse comércio, segundo essa fonte, movimenta 40% das demais frentes de negócios do crime organizado no mundo, como tráfico de armas, de pessoas e lavagem de dinheiro, num total anual de US$ 2,1 trilhões, ou 3,6% do PIB global.
O Brasil está no coração dessa tragédia, e as instituições (“que estão funcionando”) fingem que não veem. O Foro de São Paulo, fiquem tranquilos, garante que a revolução ainda não começou.
O tema não consta da agenda política do país, não obstante versar sobre o bem maior da existência, que é ela própria. Nenhum tema pode se sobrepor ao da preservação física da população. E, no entanto, vários se sobrepõem. Basta consultar os discursos do Parlamento e as propostas de lei que lá tramitam.
Há uma guerra civil em curso, mas as tais instituições – que os políticos garantem estar funcionando – não a enxergam.
Dados do Mapa da Violência referentes a 2014 (os últimos atualizados daquela fonte) registram 59 mil e 627 pessoas assassinadas, contra 48 mil e 909 no ano anterior.
Dessa estatística, constam apenas os que morrem no local do crime. Os que morrem depois ou sofrem lesões graves não se incluem nessa contabilidade macabra. Não é tudo: os especialistas garantem que esses números estão ultrapassados, e que, em 2017, a violência está sendo bem maior que nos anos anteriores.
Basta ver o que vem ocorrendo no Rio de Janeiro com os transportes de carga, que levam alimentos, medicamentos e outros insumos essenciais à população. São 24 assaltos por dia. Em São Paulo, são dois por semana.
As empresas de transporte não querem mais fazer a rota da cidade e as seguradoras se recusam a continuar cobrindo o desfalque, sem falar nos motoristas que não querem mais se expor à violência, que já matou alguns colegas. No limite, isso levará ao desabastecimento da cidade que é a segunda em renda e população do país, além de seu cartão postal.
O narcotráfico é, de longe, a causa maior desse genocídio. Tomou os morros do Rio e a periferia dos grandes centros urbanos. Mas quem liga? A única providência do governo, não este, mas o anterior (embora este ignore o problema) foi desarmar a população.
Esta semana, um deputado estadual de Goiás, Major Araújo (PRB), teve uma ideia ainda mais brilhante: desarmar a polícia, “já que não é possível desarmar os criminosos”. Não é piada: são os termos do projeto de lei n° 787, de sua autoria, já em tramitação.
O Brasil, inicialmente corredor de exportação dos países que sediam os grandes cartéis de drogas - Bolívia e Colômbia -, tornou-se gradualmente grande consumidor; é hoje o segundo mercado mundial de cocaína (o primeiro são os EUA) e o primeiro de crack.
As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que, após acordo de paz com o governo local, se encaminham, seguindo conselho de Lula, para tornar-se um partido político, são os maiores fornecedores do planeta. A política não atrapalhará os negócios; continuarão a coexistir. Quem sabe, venham a eleger o próximo presidente da República. Como aqui, tudo é possível.
As Farc integraram na origem o Foro de São Paulo, entidade que congrega os partidos de esquerda do continente, fundado por Lula e Fidel Castro em 1990. Acaba de promover sua 23ª reunião na Nicarágua, onde pontificou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, senadora e ré na Lava Jato. Solidarizou-se com o regime esquerdista de Nicolas Maduro, da Venezuela, que, como aqui, estaria sofrendo perseguição da elite local e do imperialismo yankee. Isso mesmo.
Ainda carecem de estudos os vínculos entre a ascensão esquerdista no continente e o comércio de drogas. Na Venezuela, por exemplo, presidiu a Assembleia Nacional, ao tempo de Chavez e até há pouco, um conhecido operador do ramo, Diosdado Cabello.
No Brasil, Dilma Roussef, ao tempo em que chefiava a Casa Civil, no governo Lula, nomeou Ângela Maria Slongo, mulher de um chefão das Farc, Olivério Medina, como oficial de gabinete, em 2006. Medina, na ocasião, estava preso no Brasil. Foi solto logo depois. E revelou ter oferecido dinheiro das Farc a candidatos do PT.
Nada disso foi até aqui investigado. E é improvável que o seja.
Para que se tenha uma ideia do poder financeiro do narcotráfico, basta dizer que movimenta algo em torno de 1,5% do PIB mundial - 870 bilhões de dólares, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc).
Esse comércio, segundo essa fonte, movimenta 40% das demais frentes de negócios do crime organizado no mundo, como tráfico de armas, de pessoas e lavagem de dinheiro, num total anual de US$ 2,1 trilhões, ou 3,6% do PIB global.
O Brasil está no coração dessa tragédia, e as instituições (“que estão funcionando”) fingem que não veem. O Foro de São Paulo, fiquem tranquilos, garante que a revolução ainda não começou.
O País possível
Conforme o roteiro estabelecido, em outubro de 2018 será eleito um novo presidente, recomposto o Congresso Nacional e alterada a chefia dos governos estaduais. Há uma expectativa de que, então, se iniciará a superação da crise que hoje ameaça derreter a República. Será isso mesmo?
Olhemos para Brasília. Deputados dedicam-se a encontrar brechas para se reeleger. Querem escapar da Justiça e do repúdio dos eleitores e estão dispostos a pagar o preço necessário para conseguir isso. Inventam dispositivos para que candidatos não possam ser presos e para que os partidos sejam regiamente financiados. Não ligam se os remendos que idealizam ferem a dignidade republicana e andam de costas para o que pensam os cidadãos. Acreditam que ao fim e ao cabo conseguirão mais uma vez iludi-los.
Os candidatos presidenciais até agora anunciados, por sua vez, expressam os descaminhos que temos trilhado. São corresponsáveis pelo nível a que chegamos. Não trazem qualquer esboço de novidade, nem sequer na retórica. De Lula a Bolsonaro, passando por Ciro Gomes, Alckmin e Doria, temos mais do mesmo, uma política que insiste em não se renovar.
Falam uma língua que compreendemos, mas que nada diz. O País que nos apresentam é uma ficção que estaria ao alcance das mãos de quem tem “vontade política”.
Lula enche a boca ao falar do seu “projeto político”, mas não o apresenta a não ser como desejo incontido de voltar ao poder, nele acampar para fugir de Moro e fazer as mesmas coisas de sempre. Ciro segue caminho quase idêntico, impulsionado pela boca gulosa, pronta para lacerar os adversários, mas carrega no peito aquela faixa surrada do nacionalismo populista que tanto estrago já causou. Bolsonaro é um caso singular, tamanhas são as aberrações que nele se incrustam: oferece um roteiro teratológico, a meio caminho entre o militarismo autoritário, a ditadura política e o ódio contra minorias, tudo devidamente temperado pela grosseria e pelo horror à política, à democracia, à representação. Já os postulantes tucanos não se preocupam em ir além de um antipetismo visceral, na vã expectativa de que isso mobilize o eleitorado.
Enquanto esses candidatos preparam suas campanhas, a sociedade segue para o precipício. Expõe ao mundo suas vísceras envenenadas, suas chagas históricas, que vão da desigualdade abismal à violência cotidiana, da corrupção pública aos assassinatos por balas perdidas, do despreparo das forças policiais à insanidade das facções criminosas. São índios e ambientalistas dizimados, 50 mil jovens assassinados por ano, crimes aos montes, cidades inseguras, um desencanto que corrói a alma do cidadão, encurralado por processos que não consegue controlar.
Ficamos olhando para as urnas de 2018, como se delas pudesse sair, por encanto, um País pronto e acabado.
Eleições diretas não deveriam ser desperdiçadas. Não podem ser vividas como um episódio a mais de nossa série preferida. Precisam ser preparadas para que representem um avanço. Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, porém, elas de pouco servirão, não trarão nenhuma visão de futuro, nenhum entusiasmo cívico. Serão arranca-rabos entre candidatos conhecidos, com estratégias de marketing e campanhas negativas que já vimos para onde nos podem levar.
O nosso é um macroproblema. Não são somente os políticos ou os partidos, tomados em conjunto ou isoladamente. É o sistema todo que apodreceu, corroído pela desqualificação dos quadros e pela corrupção, que corre nas veias aos borbotões. Faltam honestidade e caráter, mas falta também uma visão estruturada sobre o que fazer. É falsa a ideia de que sabemos quais são as prioridades nacionais e que caminhos nos permitirão alcançá-las. Há um déficit brutal de consenso. O legado dos ciclos políticos mais recentes, desse ponto de vista, é trágico.
Não precisamos de mais disputas por cargos, verbas e recursos de poder. Ainda dá tempo de se chegar a um plano que defina prioridades, reformas, estratégias de desenvolvimento e projete a sério um sistema de educação, de saúde, de habitação, de infraestrutura, de ciência e tecnologia. O que houver de energia e discernimento nos partidos, na sociedade civil, nos movimentos sociais precisaria convergir para um ponto mínimo de unidade, a partir do qual possam ser forjadas ideias consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril. Ideias que atualizem o País ao mundo, promovam sua interação ativa com a nova sociedade que emerge.
Sem isso, tanto faz saber em quem vamos votar em 2018.
Presidentes são pessoas. Podem pouco. O segredo está nas articulações que os patrocinam e sustentam; está no pacto que podem coordenar, na “teoria social” em que se apoiarem. Mais importantes do que eles são o programa de ação que se dispuserem a cumprir, os representantes parlamentares que com eles governarem, as ideias que os orientarão.
Em vez de ficarmos perdendo tempo para ver se Lula será ou não candidato, se o PSDB virá com Alckmin ou Doria, se Bolsonaro conseguirá encarnar finalmente o Lord Voldemort que carrega no bolso, se a súcia parlamentar será finalmente afastada, o certo seria trabalharmos para projetar o País que queremos. Que não será o País da esquerda, do centro ou da direita que estão aí, porque essas posições nem sequer honram o nome que buscam carregar, ao menos até agora. Na melhor das hipóteses, será um País possível, melhor que o atual.
Ainda dá tempo. Arquivemos o maximalismo que transfere a um presidente “mágico” o poder de reformular tudo. Pensemos no passo a passo, a ser lapidado pela política com um “p” maior, que faça os representantes pensarem mais no coletivo que em seus próprios interesses. Valorizemos a política, não só para termos eleições mais limpas e frutuosas, mas para que nos encontremos com o País em que queremos viver.
Marco Aurélio Nogueira
Olhemos para Brasília. Deputados dedicam-se a encontrar brechas para se reeleger. Querem escapar da Justiça e do repúdio dos eleitores e estão dispostos a pagar o preço necessário para conseguir isso. Inventam dispositivos para que candidatos não possam ser presos e para que os partidos sejam regiamente financiados. Não ligam se os remendos que idealizam ferem a dignidade republicana e andam de costas para o que pensam os cidadãos. Acreditam que ao fim e ao cabo conseguirão mais uma vez iludi-los.
Falam uma língua que compreendemos, mas que nada diz. O País que nos apresentam é uma ficção que estaria ao alcance das mãos de quem tem “vontade política”.
Lula enche a boca ao falar do seu “projeto político”, mas não o apresenta a não ser como desejo incontido de voltar ao poder, nele acampar para fugir de Moro e fazer as mesmas coisas de sempre. Ciro segue caminho quase idêntico, impulsionado pela boca gulosa, pronta para lacerar os adversários, mas carrega no peito aquela faixa surrada do nacionalismo populista que tanto estrago já causou. Bolsonaro é um caso singular, tamanhas são as aberrações que nele se incrustam: oferece um roteiro teratológico, a meio caminho entre o militarismo autoritário, a ditadura política e o ódio contra minorias, tudo devidamente temperado pela grosseria e pelo horror à política, à democracia, à representação. Já os postulantes tucanos não se preocupam em ir além de um antipetismo visceral, na vã expectativa de que isso mobilize o eleitorado.
Enquanto esses candidatos preparam suas campanhas, a sociedade segue para o precipício. Expõe ao mundo suas vísceras envenenadas, suas chagas históricas, que vão da desigualdade abismal à violência cotidiana, da corrupção pública aos assassinatos por balas perdidas, do despreparo das forças policiais à insanidade das facções criminosas. São índios e ambientalistas dizimados, 50 mil jovens assassinados por ano, crimes aos montes, cidades inseguras, um desencanto que corrói a alma do cidadão, encurralado por processos que não consegue controlar.
Ficamos olhando para as urnas de 2018, como se delas pudesse sair, por encanto, um País pronto e acabado.
Eleições diretas não deveriam ser desperdiçadas. Não podem ser vividas como um episódio a mais de nossa série preferida. Precisam ser preparadas para que representem um avanço. Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, porém, elas de pouco servirão, não trarão nenhuma visão de futuro, nenhum entusiasmo cívico. Serão arranca-rabos entre candidatos conhecidos, com estratégias de marketing e campanhas negativas que já vimos para onde nos podem levar.
O nosso é um macroproblema. Não são somente os políticos ou os partidos, tomados em conjunto ou isoladamente. É o sistema todo que apodreceu, corroído pela desqualificação dos quadros e pela corrupção, que corre nas veias aos borbotões. Faltam honestidade e caráter, mas falta também uma visão estruturada sobre o que fazer. É falsa a ideia de que sabemos quais são as prioridades nacionais e que caminhos nos permitirão alcançá-las. Há um déficit brutal de consenso. O legado dos ciclos políticos mais recentes, desse ponto de vista, é trágico.
Não precisamos de mais disputas por cargos, verbas e recursos de poder. Ainda dá tempo de se chegar a um plano que defina prioridades, reformas, estratégias de desenvolvimento e projete a sério um sistema de educação, de saúde, de habitação, de infraestrutura, de ciência e tecnologia. O que houver de energia e discernimento nos partidos, na sociedade civil, nos movimentos sociais precisaria convergir para um ponto mínimo de unidade, a partir do qual possam ser forjadas ideias consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril. Ideias que atualizem o País ao mundo, promovam sua interação ativa com a nova sociedade que emerge.
Sem isso, tanto faz saber em quem vamos votar em 2018.
Presidentes são pessoas. Podem pouco. O segredo está nas articulações que os patrocinam e sustentam; está no pacto que podem coordenar, na “teoria social” em que se apoiarem. Mais importantes do que eles são o programa de ação que se dispuserem a cumprir, os representantes parlamentares que com eles governarem, as ideias que os orientarão.
Em vez de ficarmos perdendo tempo para ver se Lula será ou não candidato, se o PSDB virá com Alckmin ou Doria, se Bolsonaro conseguirá encarnar finalmente o Lord Voldemort que carrega no bolso, se a súcia parlamentar será finalmente afastada, o certo seria trabalharmos para projetar o País que queremos. Que não será o País da esquerda, do centro ou da direita que estão aí, porque essas posições nem sequer honram o nome que buscam carregar, ao menos até agora. Na melhor das hipóteses, será um País possível, melhor que o atual.
Ainda dá tempo. Arquivemos o maximalismo que transfere a um presidente “mágico” o poder de reformular tudo. Pensemos no passo a passo, a ser lapidado pela política com um “p” maior, que faça os representantes pensarem mais no coletivo que em seus próprios interesses. Valorizemos a política, não só para termos eleições mais limpas e frutuosas, mas para que nos encontremos com o País em que queremos viver.
Marco Aurélio Nogueira
Rio de morte
A Lula o que é de Lula
O sr. Lula da Silva tem dito que quer ser candidato à Presidência da República nas eleições de 2018. Seu desejo de voltar ao Palácio do Planalto enfrenta, no entanto, algumas dificuldades. A primeira é com a Justiça, já que foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo relativo ao triplex do Guarujá. Se o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região mantiver a condenação, o líder petista estará inelegível, por força da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010).
A dificuldade com a Justiça não é uma possibilidade remota, já que o histórico do TRF da 4.ª Região mostra que a Corte, além de ser célere, não costuma reformar as sentenças de Moro. E nos raros casos em que os desembargadores modificaram condenações da 13.ª Vara Federal de Curitiba, a alteração, em geral, aumentou a pena. É uma possibilidade real, portanto, que a Lei da Ficha Limpa se imponha contra as pretensões presidenciais do líder petista.
A questão jurídica não é, porém, o único obstáculo para que o sr. Lula da Silva volte ao Palácio do Planalto. Outra grave fragilidade de sua pretensa candidatura é a herança maldita que Lula da Silva deixou ao País. Recentemente, ele mesmo mencionou a triste situação que causou. “O Brasil que era o País da moda há um tempo atrás, o mais badalado, (...) virou essa vergonha de mentiras, de destruição, de desemprego e de fechamento de empresas”, disse Lula da Silva, em entrevista à Rádio Capital. Malandramente, ele não se reconheceu como responsável pelo desastre, relatando a situação nacional como se ele fosse mero espectador.
O fato de Lula da Silva não assumir a culpa que lhe corresponde não modifica, no entanto, sua responsabilidade sobre a história recente do País. Foi o sr. Lula da Silva quem abriu as portas do Estado brasileiro para o aparelhamento petista. Foi em seu governo que houve a gestação do maior escândalo de corrupção da história, o petrolão, e que se deu a perversão do regime democrático com a compra de parlamentares, o mensalão. Foi o sr. Lula da Silva quem escolheu, bancou e elegeu a presidente Dilma Rousseff, que viria a gerar a maior recessão da história, uma recessão que, como os brasileiros atestam diariamente, custa tanto a ir embora.
Ciente do seu papel na lambança, o líder petista tenta, desde já, desvirtuar os fatos, como se ele não tivesse qualquer relação com a crise nacional. Com a esperteza que lhe é própria, Lula da Silva atribui a responsabilidade pela situação atual ao presidente Michel Temer, há pouco mais de um ano no cargo. Ora, não é segredo para ninguém que a crise econômica, política, social e moral vem dos tempos petistas no governo.
Oriundas dessa mesma esperteza são as críticas que Lula da Silva faz agora à gestão da presidente Dilma Rousseff. Ante a absoluta impossibilidade de defender os desastrosos anos de Dilma na Presidência da República – soberba, ignorância e voluntarismo são apenas alguns de seus atributos –, Lula da Silva opta por reclamar da sua sucessora, na inverossímil expectativa de que o povo não lembre quem foi o criador da desastrada criatura.
Diante de tanta corrupção e podridão na esfera pública – com a direta participação de parte do setor privado –, alguns discorrem sobre a necessidade de refundar o País. Essas pessoas defendem a ideia de que as atuais instituições seriam incapazes de recolocar o Brasil nos trilhos. Certamente, são necessárias algumas reformas legislativas profundas, que abram espaço para o desenvolvimento econômico e social. No entanto, o principal óbice para o interesse público não são, no momento, as instituições. É uma pessoa, Lula da Silva, a grande responsável pela crise que está aí, cujo descaramento habitual ainda faz com que se apresente como solução. Basta que a população reconheça o papel único de Lula da Silva na atual situação brasileira, para que se elimine qualquer possibilidade de ele voltar à Presidência. De pronto, abrir-se-á ao País um novo horizonte de esperança e otimismo.
A dificuldade com a Justiça não é uma possibilidade remota, já que o histórico do TRF da 4.ª Região mostra que a Corte, além de ser célere, não costuma reformar as sentenças de Moro. E nos raros casos em que os desembargadores modificaram condenações da 13.ª Vara Federal de Curitiba, a alteração, em geral, aumentou a pena. É uma possibilidade real, portanto, que a Lei da Ficha Limpa se imponha contra as pretensões presidenciais do líder petista.
O fato de Lula da Silva não assumir a culpa que lhe corresponde não modifica, no entanto, sua responsabilidade sobre a história recente do País. Foi o sr. Lula da Silva quem abriu as portas do Estado brasileiro para o aparelhamento petista. Foi em seu governo que houve a gestação do maior escândalo de corrupção da história, o petrolão, e que se deu a perversão do regime democrático com a compra de parlamentares, o mensalão. Foi o sr. Lula da Silva quem escolheu, bancou e elegeu a presidente Dilma Rousseff, que viria a gerar a maior recessão da história, uma recessão que, como os brasileiros atestam diariamente, custa tanto a ir embora.
Ciente do seu papel na lambança, o líder petista tenta, desde já, desvirtuar os fatos, como se ele não tivesse qualquer relação com a crise nacional. Com a esperteza que lhe é própria, Lula da Silva atribui a responsabilidade pela situação atual ao presidente Michel Temer, há pouco mais de um ano no cargo. Ora, não é segredo para ninguém que a crise econômica, política, social e moral vem dos tempos petistas no governo.
Oriundas dessa mesma esperteza são as críticas que Lula da Silva faz agora à gestão da presidente Dilma Rousseff. Ante a absoluta impossibilidade de defender os desastrosos anos de Dilma na Presidência da República – soberba, ignorância e voluntarismo são apenas alguns de seus atributos –, Lula da Silva opta por reclamar da sua sucessora, na inverossímil expectativa de que o povo não lembre quem foi o criador da desastrada criatura.
Diante de tanta corrupção e podridão na esfera pública – com a direta participação de parte do setor privado –, alguns discorrem sobre a necessidade de refundar o País. Essas pessoas defendem a ideia de que as atuais instituições seriam incapazes de recolocar o Brasil nos trilhos. Certamente, são necessárias algumas reformas legislativas profundas, que abram espaço para o desenvolvimento econômico e social. No entanto, o principal óbice para o interesse público não são, no momento, as instituições. É uma pessoa, Lula da Silva, a grande responsável pela crise que está aí, cujo descaramento habitual ainda faz com que se apresente como solução. Basta que a população reconheça o papel único de Lula da Silva na atual situação brasileira, para que se elimine qualquer possibilidade de ele voltar à Presidência. De pronto, abrir-se-á ao País um novo horizonte de esperança e otimismo.
A conta do desajuste
Não existe política de conciliação no Brasil sem uma grande dose de patrimonialismo, que é a marca registrada das práticas políticas que não distinguem os limites do público e do privado. O patrimonialismo surgiu com a decadência do Império Romano, por influência dos bárbaros germânicos, quando os governantes começaram a se apropriar privadamente dos antigos bens da República. Tornou-se uma característica do absolutismo e, assim, chegou ao Brasil, com a concessão de títulos, sesmarias e poderes quase absolutos aos senhores de terra pela Coroa portuguesa.
No clássico Coronelismo: enxada e voto, Vitor Nunes Leal descreve como o patrimonialismo sobreviveu ao Império e chegou à República Velha. Em troca dos votos dos coronéis fazendeiros, o Estado brasileiro homologou seus poderes formais e informais. Em contrapartida, os senhores de terra foram se adaptando aos novos tempos políticos, entregando os anéis para não perderem os dedos. Isso não seria possível sem a velha política de conciliação do Império, inaugurada no gabinete do Marquês de Paraná.
Entre a abdicação de Dom Pedro I e o Golpe da Maioridade de Dom Pedro II, os partidos liberal e conservador protagonizavam disputas políticas da época. Os liberais (luzias) reivindicavam a ampliação da autonomia dos governos provinciais e a reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de 1824; os conservadores (saquaremas) eram favoráveis à manutenção da estrutura política centralizada e à preservação dos poderes reservados ao imperador.
A eclosão das rebeliões e de outros movimentos de contestação que questionavam as determinações da Regência resultou, em 1840, no Golpe da Maioridade. Dom Pedro II assumiu o governo, foi apoiado e prestigiou a presença de figuras liberais em seu ministério. Escândalos de violência e corrupção envolvendo os liberais nas eleições, porém, provocaram a dissolução do ministério, em 1853, e a convocação de Honório Carneiro Leão, o Marquês de Paraná, um político conservador que estava havia 10 anos rompido com Dom Pedro II, para compor um novo gabinete. No regime parlamentarista da época, o imperador escolhia o presidente do Conselho de Ministros, e este formava o gabinete, escolhendo os demais ministros. Carneiro Leão montou um gabinete de liberais e conservadores mais leais a Dom Pedro II do que aos seus partidos.
O Gabinete Paraná representou a consolidação de uma inédita estabilidade, que proporcionou conquistas inimagináveis em tempos de ferrenha disputa política. Como havia unidade de interesses das elites liberais e conservadoras, principalmente em defesa da escravidão, o Segundo Reinado conseguiu manter a sua estrutura centralizada sem maiores sobressaltos. Carneiro Leão, que fora nomeado presidente da província de Pernambuco após a repressão à Revolução Praieira, descobriu em primeira mão que os princípios partidários eram vistos como irrelevantes e ignorados em níveis provinciais e locais. Um gabinete poderia ganhar o apoio de chefes locais para candidatos nacionais usando apenas o clientelismo.
Quem narra muito bem esse período é Joaquim Nabuco, no livro Um Estadista no Império, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não cansou de recomendar aos tucanos inconformados com sua aliança com o PFL, como o falecido governador paulista Mário Covas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu seus passos com sinal trocado, o que resultou no transformismo petista. Dilma Rousseff, também desse ponto de vista, fez tudo errado e perdeu o apoio das velhas oligarquias e dos novos chefes políticos.
Na chamada Nova República, o grande partido da conciliação vem sendo o PMDB, que soube conviver em conflito com o PT nos estados e a ele se aliar no poder central, como os saquaremas fizeram com os luzias no Império. A política de conciliação sobreviveu a duas ditaduras e continua vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações para salvar da Operação Lava-Jato os que foram pegos se apropriando de bens públicos.
O problema é o custo dessas alianças para os cofres públicos, como acontece agora. Ontem, o governo anunciou mais um aumento de impostos, para obter uma receita adicional de R$ 10,4 bilhões. O objetivo das medidas é cumprir a meta fiscal de 2017, um deficit (despesas maiores que receitas) de R$ 139 bilhões. A conta não inclui as despesas com pagamento de juros da dívida pública. Para compensar a tunga no bolso do contribuinte, fará um bloqueio adicional de R$ 5,9 bilhões em gastos no orçamento federal.
A tributação sobre a gasolina subirá R$ 0,41 por litro, ou seja, mais que dobrou, já que passará a 0,89 cada litro de gasolina, considerando a incidência da Cide, que é de R$ 0,10 por litro. O diesel subirá em R$ 0,21 e ficará em R$ 0,46 por litro. Segundo a Receita Federal, o crescimento de 0,77% na receita foi insuficiente para fechar as contas públicas. Na verdade, a receita com impostos e contribuições caiu 0,20% no período. O resultado positivo foi salvo pelos royalties pagos por empresas que exploram petróleo. O governo Temer não cortou na própria carne; pendurou a conta do ajuste fiscal na lei do teto de gastos. Ou seja, empurrou com a barriga.
No clássico Coronelismo: enxada e voto, Vitor Nunes Leal descreve como o patrimonialismo sobreviveu ao Império e chegou à República Velha. Em troca dos votos dos coronéis fazendeiros, o Estado brasileiro homologou seus poderes formais e informais. Em contrapartida, os senhores de terra foram se adaptando aos novos tempos políticos, entregando os anéis para não perderem os dedos. Isso não seria possível sem a velha política de conciliação do Império, inaugurada no gabinete do Marquês de Paraná.
Entre a abdicação de Dom Pedro I e o Golpe da Maioridade de Dom Pedro II, os partidos liberal e conservador protagonizavam disputas políticas da época. Os liberais (luzias) reivindicavam a ampliação da autonomia dos governos provinciais e a reforma de alguns aspectos contidos na Constituição de 1824; os conservadores (saquaremas) eram favoráveis à manutenção da estrutura política centralizada e à preservação dos poderes reservados ao imperador.
O Gabinete Paraná representou a consolidação de uma inédita estabilidade, que proporcionou conquistas inimagináveis em tempos de ferrenha disputa política. Como havia unidade de interesses das elites liberais e conservadoras, principalmente em defesa da escravidão, o Segundo Reinado conseguiu manter a sua estrutura centralizada sem maiores sobressaltos. Carneiro Leão, que fora nomeado presidente da província de Pernambuco após a repressão à Revolução Praieira, descobriu em primeira mão que os princípios partidários eram vistos como irrelevantes e ignorados em níveis provinciais e locais. Um gabinete poderia ganhar o apoio de chefes locais para candidatos nacionais usando apenas o clientelismo.
Quem narra muito bem esse período é Joaquim Nabuco, no livro Um Estadista no Império, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não cansou de recomendar aos tucanos inconformados com sua aliança com o PFL, como o falecido governador paulista Mário Covas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seguiu seus passos com sinal trocado, o que resultou no transformismo petista. Dilma Rousseff, também desse ponto de vista, fez tudo errado e perdeu o apoio das velhas oligarquias e dos novos chefes políticos.
Na chamada Nova República, o grande partido da conciliação vem sendo o PMDB, que soube conviver em conflito com o PT nos estados e a ele se aliar no poder central, como os saquaremas fizeram com os luzias no Império. A política de conciliação sobreviveu a duas ditaduras e continua vivíssima. Tornou-se, mais uma vez, a tábua de salvação do velho patrimonialismo. Estão aí o clientelismo com gastos públicos e as articulações para salvar da Operação Lava-Jato os que foram pegos se apropriando de bens públicos.
O problema é o custo dessas alianças para os cofres públicos, como acontece agora. Ontem, o governo anunciou mais um aumento de impostos, para obter uma receita adicional de R$ 10,4 bilhões. O objetivo das medidas é cumprir a meta fiscal de 2017, um deficit (despesas maiores que receitas) de R$ 139 bilhões. A conta não inclui as despesas com pagamento de juros da dívida pública. Para compensar a tunga no bolso do contribuinte, fará um bloqueio adicional de R$ 5,9 bilhões em gastos no orçamento federal.
A tributação sobre a gasolina subirá R$ 0,41 por litro, ou seja, mais que dobrou, já que passará a 0,89 cada litro de gasolina, considerando a incidência da Cide, que é de R$ 0,10 por litro. O diesel subirá em R$ 0,21 e ficará em R$ 0,46 por litro. Segundo a Receita Federal, o crescimento de 0,77% na receita foi insuficiente para fechar as contas públicas. Na verdade, a receita com impostos e contribuições caiu 0,20% no período. O resultado positivo foi salvo pelos royalties pagos por empresas que exploram petróleo. O governo Temer não cortou na própria carne; pendurou a conta do ajuste fiscal na lei do teto de gastos. Ou seja, empurrou com a barriga.
País falido, jogando dinheiro fora!
O governo federal anuncia aumento de impostos para compensar um gasto público que está ampliando o déficit previsto. Ah! Que coisa! Quem poderia imaginar qualquer desses dois fatos, ou seja, o gasto "superior ao previsto" e a solução fiscal encontrada? Estamos diante de uma situação recorrente, apenas agravada pela prolongada recessão que só as toupeiras não anteviam diante do regime de Copa franca e Olimpíada por conta da casa, que vigorou nisso e em tudo mais ao longo dos últimos oito anos do governo petista. Quem dizia que tudo acabaria em roubalheira e prejuízo era muito mal visto. Faz 10 anos, mas eu lembro.
Era o tempo das vacas gordas e a nação sob um governo, partidos e corporações funcionais suficientemente tolos para imaginar que aquilo iria durar para sempre. Como resultado dessa malfadada conjugação, a despesa continuou crescendo mesmo quando a receita começou a cair.
Em sua coluna em Diário do Poder, o jornalista Claudio Humberto registra algo que mencionei durante recente palestra que fiz a um público convidado por entidades empresariais de Passo Fundo. O número é impressionante: o Palácio do Planalto, sede do governo brasileiro, tem 10 vezes mais servidores do que a Casa Branca, sede do governo dos EUA. São 3,8 mil no Planalto, 377 no staff de Trump e na cúpula do seu governo.
Não tenho os números do Congresso deles, mas duvido que a proporção seja muito diferente. Nossas duas Casas, juntas, têm 28 mil servidores, na soma dos efetivos, comissionados e terceirizados. Não é diferente a situação nos órgãos do Poder Judiciário, seus conselhos e no TCU, com suas mordomias e penduricalhos. Nem é diferente a explicação para o "fundão" de R$ 3,5 bilhões que deverá irrigar a campanha eleitoral do ano que vem.
A questão que proponho aos leitores é esta: houve algum movimento, por menor que seja, no sentido de reduzir os custos fixos nessas posições privilegiadas do serviço público? O contexto de dificuldades que afeta postos de saúde, hospitais, escolas, obras de infraestrutura tem algum reflexo no topo das instituições? Nada! Restrições passam longe dessas cadeiras de espaldar alto.
Observem a Venezuela. Enquanto incendeia sua miséria na valeta do comunismo caudilhesco, Maduro proclama que as dificuldades da economia são resultado da resistência dos empresários e do capitalismo. Aqui, seus parceiros ideológicos não ensinam diferente: a culpa dos problemas do país é do tal mercado e sua lógica. No entanto, a situação nacional seria bem outra se o setor público respeitasse a lógica de mercado na composição de seus quadros e na remuneração de seu pessoal. Qual é o artifício capaz de justificar o fato de que, no Primeiro Mundo, certas funções tenham um décimo do número de servidores custeados pelo pagador de impostos brasileiro? Isso descreve uma das essências do socialismo: o Estado como grande empregador, remuneração privilegiada para o topo do poder político e dachas para essa elite. Tudo bem de esquerda, não é mesmo? E miséria para quem ficou de fora.
Percival Puggina
Era o tempo das vacas gordas e a nação sob um governo, partidos e corporações funcionais suficientemente tolos para imaginar que aquilo iria durar para sempre. Como resultado dessa malfadada conjugação, a despesa continuou crescendo mesmo quando a receita começou a cair.
Não tenho os números do Congresso deles, mas duvido que a proporção seja muito diferente. Nossas duas Casas, juntas, têm 28 mil servidores, na soma dos efetivos, comissionados e terceirizados. Não é diferente a situação nos órgãos do Poder Judiciário, seus conselhos e no TCU, com suas mordomias e penduricalhos. Nem é diferente a explicação para o "fundão" de R$ 3,5 bilhões que deverá irrigar a campanha eleitoral do ano que vem.
A questão que proponho aos leitores é esta: houve algum movimento, por menor que seja, no sentido de reduzir os custos fixos nessas posições privilegiadas do serviço público? O contexto de dificuldades que afeta postos de saúde, hospitais, escolas, obras de infraestrutura tem algum reflexo no topo das instituições? Nada! Restrições passam longe dessas cadeiras de espaldar alto.
Observem a Venezuela. Enquanto incendeia sua miséria na valeta do comunismo caudilhesco, Maduro proclama que as dificuldades da economia são resultado da resistência dos empresários e do capitalismo. Aqui, seus parceiros ideológicos não ensinam diferente: a culpa dos problemas do país é do tal mercado e sua lógica. No entanto, a situação nacional seria bem outra se o setor público respeitasse a lógica de mercado na composição de seus quadros e na remuneração de seu pessoal. Qual é o artifício capaz de justificar o fato de que, no Primeiro Mundo, certas funções tenham um décimo do número de servidores custeados pelo pagador de impostos brasileiro? Isso descreve uma das essências do socialismo: o Estado como grande empregador, remuneração privilegiada para o topo do poder político e dachas para essa elite. Tudo bem de esquerda, não é mesmo? E miséria para quem ficou de fora.
Percival Puggina
A fantasia da sujeira
O bigode de Salvador Dali intacto depois de quase 30 anos da morte do pintor catalão fez grande sucesso nas mídias na sexta-feira. Infelizmente ganhou do maior quadro surrealista pintado por um ex-presidente brasileiro. Lula foi apanhado em flagrante com R$ 9 milhões em contas de investimentos sem contar com os quase R$ 700 mil em conta corrente.
Pintado como o pai dos pobres e salvador da Pátria, Lula vai perdendo mais rapidamente as cores fajutas do que o negro bigode de Dali. Não vale nem mais um centavo do incenso petista para salvar sua alma, se tiver alguma em caixa.
A falta de vergonha que o PT expressou em nota sobre o bloqueio judicial - "uma pena de asfixia econômica que priva o ex-presidente de sua casa, dos meios para subsistir e até para se defender das falsas acusações" - virou uma piada de humor negro. O mais honesto ser do Brasil tinha mais de R$ 10 milhões, até agora descobertos, para uma aposentadoria principesca, sem contar imóveis, num país em que a maioria aposentada sequer tem R$ 2 mil mensais, isso quando recebe.
Se Dali não perdeu o bigode nem na morte, ainda em vida Lula vê desaparecer todo o mito que se vangloriava de ser o mais honesto. É a diferença entre quem foi fel a seus ideais e aquele que que pintou e borrou a própria fantasia.
Pintado como o pai dos pobres e salvador da Pátria, Lula vai perdendo mais rapidamente as cores fajutas do que o negro bigode de Dali. Não vale nem mais um centavo do incenso petista para salvar sua alma, se tiver alguma em caixa.
A falta de vergonha que o PT expressou em nota sobre o bloqueio judicial - "uma pena de asfixia econômica que priva o ex-presidente de sua casa, dos meios para subsistir e até para se defender das falsas acusações" - virou uma piada de humor negro. O mais honesto ser do Brasil tinha mais de R$ 10 milhões, até agora descobertos, para uma aposentadoria principesca, sem contar imóveis, num país em que a maioria aposentada sequer tem R$ 2 mil mensais, isso quando recebe.
Se Dali não perdeu o bigode nem na morte, ainda em vida Lula vê desaparecer todo o mito que se vangloriava de ser o mais honesto. É a diferença entre quem foi fel a seus ideais e aquele que que pintou e borrou a própria fantasia.
Luiz Gadelha
O golpe do parlamentarismo
Os políticos que defendem a adoção do parlamentarismo querem dar um golpe para continuar no poder sem votos. É o que afirma o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor emérito da Universidade Paris-Sorbonne. “É surpreendente que esta ideia volte sempre de modo oportunista, em momentos de crise e na véspera de eleições presidenciais”, critica.
“Os brasileiros já rejeitaram o parlamentarismo em dois plebiscitos, em 1963 e 1993. Adotá-lo agora seria um golpe, uma forma de subtração da soberania popular”, acrescenta Alencastro, que hoje leciona na Escola de Economia da FGV-SP.
Na terça, a Folha noticiou uma articulação do senador José Serra e do ministro Gilmar Mendes para mudar o sistema de governo do país. A ideia é apoiada pelo presidente Michel Temer, que já defendeu a adoção do parlamentarismo a partir de 2022.
“Os brasileiros já rejeitaram o parlamentarismo em dois plebiscitos, em 1963 e 1993. Adotá-lo agora seria um golpe, uma forma de subtração da soberania popular”, acrescenta Alencastro, que hoje leciona na Escola de Economia da FGV-SP.
Com a mudança, o Brasil deixaria de ser governado por um presidente eleito pelo voto direto. A chefia do governo caberia a um primeiro-ministro escolhido de forma indireta.
Para Alencastro, a proposta está sendo ressuscitada porque a centro-direita ainda não encontrou um candidato viável ao Planalto. “O motivo é o medo da eleição direta”, afirma.
“Os tucanos perderam as últimas quatro disputas no sistema atual. O próprio Serra foi derrotado duas vezes”, lembra o historiador. Ele observa que o PSDB nasceu parlamentarista, mas deixou a bandeira de lado após a primeira eleição de FHC.
Para Alencastro, a proposta está sendo ressuscitada porque a centro-direita ainda não encontrou um candidato viável ao Planalto. “O motivo é o medo da eleição direta”, afirma.
“Os tucanos perderam as últimas quatro disputas no sistema atual. O próprio Serra foi derrotado duas vezes”, lembra o historiador. Ele observa que o PSDB nasceu parlamentarista, mas deixou a bandeira de lado após a primeira eleição de FHC.
Em artigo publicado na “Ilustríssima” em 2015, Alencastro criticou os deputados e senadores que descrevem o parlamentarismo como uma panaceia capaz de resolver todas as crises. Ele argumentou que o sistema atual precisa ser aperfeiçoado, mas garantiu ao país o mais longo período democrático de sua história.
Dois anos depois, o professor encerra a conversa com uma provocação: “Quem iria escolher o nosso primeiro-ministro, este Congresso? Está louco…”
Dois anos depois, o professor encerra a conversa com uma provocação: “Quem iria escolher o nosso primeiro-ministro, este Congresso? Está louco…”
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