quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O caixa do Brasil


Moro está preso na ratoeira de Bolsonaro ou fareja algum destino que ignoramos?

Ficaram muito distantes os tempos em que o agora ministro da Justiça do Governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sérgio Moro, era o duro fustigador dos políticos corruptos. Agora mais parece ser o advogado de defesa do presidente e de seu clã familiar. Quem parecia ser capaz de ver até pelo no ovo dos políticos, sobretudo os de esquerda, agora se apresenta como o máximo garantidor da honradez da família real e do Governo.

Moro caiu em uma ratoeira ou acalentará algum destino que ainda ignoramos? Será que, quando deixou a jurisprudência para se trasladar para a política, acreditava que dominaria o mito Bolsonaro e até o poderia suceder? A verdade é que o presidente de extrema direita, uma vez conquistado o troféu Moro, levou pouco tempo para fazê-lo ver que quem manda e desmanda no Governo é somente ele.

Moro parece ter aceitado não somente sua posição na hierarquia dentro do Governo, sendo um a mais, mas também oferecido tal vassalagem a seu chefe Bolsonaro. Se até então o presidente tinha como pitbull seu filho irrequieto Carlos, agitador das redes sociais em defesa do pai, agora a ele se juntou o ex-juiz da Lava Jato, que ainda mantém fortes laços de amizade com os comandos da Polícia Federal e a Procuradoria do Estado.

Apesar de os analistas políticos terem especulado que Moro não aguentaria por muito tempo o cargo de ministro da Justiça e que poderia sair batendo a porta, ante as humilhações que o presidente lhe ia impondo gota a gota, mais parece o contrário. É Moro quem demonstra estar à vontade com o mito Bolsonaro e sua tropa exacerbada que pretende, sempre em luta contra a modernidade, até mudar a Constituição, pois, segundo eles, a atual é "laica e socialista".

Moro nestes meses está acumulando declarações de amor a Bolsonaro e a seu movimento extremista. Seria possível dizer que não sabe o que fazer para que acreditem que, além de não pretender abandonar o Governo, suas relações com o presidente não poderiam ser melhores. E ele sai em sua defesa nos momentos de dificuldade, sobretudo quando o presidente, seu partido ou a própria família começam a aparecer salpicados de corrupção. Para Moro não parecem existir nunca irregularidades ou pecados em torno de Bolsonaro. Não é que o justifique, é que desmente e até dá a entender que possui informações reservadas para poder afirmar que é assim. Isso já não seria ilegal, se fosse verdade?

Cada vez mais, Moro e Bolsonaro fazem galanteios mútuos. O presidente chegou a dizer em seu discurso na ONU que Moro, seu ministro da Justiça, era "um herói nacional". E não se trata apenas de que a relação entre o ministro e o presidente parece sem conflitos, mas que Moro está cada vez mais assimilando as essências autoritárias do bolsonarismo, como aparecem nos documentos que preparou em seu ministério contra a violência. Neles, Moro parece um fiel discípulo da concepção bolsonariana de combater a violência com mais violência. Diz e repete nas entrevistas que, em 2022, se Bolsonaro se candidatar à reeleição, e faltam mais de três anos, seu voto será para ele e que não irá se mudar para nenhum outro partido. Ele se sente à vontade no bolsonarismo e em sua carga de extremismos e de luta contra a modernidade em busca de velhas essências medievais em todos os campos do saber, da ciência, da arte e da cultura.

Tamanha é a identificação de Moro com Bolsonaro que até o jornal Folha de S.Paulo foi criticado por uma publicação em que relata que dinheiro ilegal poderia ter sido usado na campanha de Bolsonaro, segundo informações obtidas da Polícia Federal. E é conhecida a dificuldade que o presidente de extrema direita encontra em dialogar com os meios de comunicação que não comungam de suas ideias. O ministro chegou a afirmar, sem que ninguém lhe perguntasse, que Bolsonaro "fez a campanha eleitoral mais barata da história", tentando responder à imprensa.

Moro, neste caso, parece ter se esquecido que boa parte da imagem de que desfrutava até internacionalmente quando era juiz da Lava Jato se deve aos meios de comunicação que sempre o protegiam. Essa identificação cada vez mais estreita de Moro com Bolsonaro parece, ao mesmo tempo, não ter volta atrás, já que Moro, que pode ser acusado de muitos erros, mas não de ser ingênuo e sem perspicácia, sabe muito bem que nos outros campos da política, nas demais instituições do Estado, sua imagem, embora ainda com grande força popular, está se deteriorando rapidamente.

Neste momento Moro não poderia contar, se se divorciasse de Bolsonaro, nem com a maioria dos partidos nem com o Congresso, e menos ainda com o Supremo Tribunal Federal, do qual desejaria fazer parte. Uma das críticas mais duras feitas nos últimos dias a Moro foi a do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que chegou a denunciar que o ex-juiz tem a estratégia permanente de tentar “acuar as instituições democráticas”.

Portas políticas e institucionais se fecham todos os dias ao ministro Moro, enquanto ele parece se identificar cada vez mais com as essências autoritárias do bolsonarismo, que começou com o objetivo de poder governar, a golpe de decreto, encurralando o Congresso e o Supremo. Não está conseguindo. Nunca um presidente tinha tido rejeitados pelo Congresso tantos decretos ou vetos como ele. Desesperado, Bolsonaro agora chega a fazer a corte às tais instituições que pretendia domar com a força. Acabou de afirmar que está pensando em "casar-se com Maia", usando seu tópico sexual da paixão para explicar suas relações com o poder.

O pior para Moro parece ser que não tem volta atrás e agora só consegue respirar politicamente por meio de seu pacto de sangue com o bolsonarismo. Do outro lado da política já ardem, de fato, as conversações para a criação de um polo de centro democrático que apresentaria um candidato alternativo a Bolsonaro, no caso de algum infortúnio político ou pessoal o levar a abandonar o cargo ou se pensar em se candidatar de novo. O grande bloco democrático que é a maioria do Congresso já está unido na busca de uma saída ao bolsonarismo para acabar com essa tempestade autoritária e de extrema-direita que tomou conta do Brasil. E espera-se que a esquerda, se desta vez for capaz de unir forças, entre no mesmo barco.

Sem saída, então, para Moro, o novo bolsonariano doutor de peso no Governo? A política é sempre uma incógnita, embora no momento tudo leve a crer que ambos querem ser rei. Bolsonaro continua sendo, porém, com o poder na mão, o verdadeiro rei, e Moro, só um de seus peões. Por mais paradoxal que possa parecer, o ministro que até ontem era o rei da Lava Jato em Curitiba, com passagem por Harvard, cuja mão não tremeu ao condenar políticos e empresários de calibre, agora se entrega como aprendiz político de alguém que até chegar ao poder era apenas um capitão reformado e expulso do Exército, com uma presença insignificante no Congresso em 30 anos de deputado. Ele mesmo confessa que "nunca imaginou chegar à Presidência".

É possível que o astuto e nada ingênuo ex-juiz Moro não tivesse previsto esse panorama? Ou será que o jogo será outro? Será verdade, como às vezes se sussurra em Brasília, que Moro guarda em seus cofres algo que ainda possa lhe servir politicamente?

O filósofo e cientista francês Pascal, precursor do que seria o existencialismo angustiante do século XX, tornou célebre sua frase "o coração tem razões que a razão desconhece". Aqui poderia ser o oposto: que o excesso da fria razão chega a se esquecer das exigências do coração. Pascal duvidava da capacidade do ser humano de entender a si mesmo. Dizia que é a liberdade de escolher o que nos distingue dos animais. Essa capacidade de escolha pode, no entanto, obnubilar-se quando o ser humano prefere os riscos e prazeres do poder ao bem de toda a comunidade.

'Dono' do pedaço

Fico pensando naqueles deputados que dão a alma, lutam por ele, acham ele o cara mais honesto e íntegro e o defendem com unha e dentes, ouvindo ele falar que o PSL não interessa e que o Bivar está queimado. Se o Bivar está queimado, o Jair Bolsonaro está carbonizado
Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-bolsonarista de carteirinha

Senado trava repasse de R$ 3 bi para deputados

Em sessão que entrou pela noite de terça-feira, o Congresso escancarou diante das câmeras uma cisão que envenena a atividade legislativa. Envolve o pagamento de emendas enfiadas pelos parlamentares dentro do Orçamento da União.

A sessão era conjunta, com deputados e senadores. Após quase oito horas de debate, foi a voto proposta do Planalto que destina R$ 3 bilhões ao pagamento de emendas de deputados que ajudaram a aprovar a reforma da Previdência.

A coisa passou com folga na Câmara: 270 votos a 17. No Senado, verificou-se que o total de votos disponíveis, 37, era inferior ao quórum mínimo necessário: 41. Os senadores boicotaram deliberadamente a sessão, esvaziando-a.



Por quê? Os senadores exigem que o Planalto envie proposta destinando algo com R$ 5 bilhões para o pagamento das suas emendas. Do contrário, nada feito. E a reforma previdenciária? Veja bem...

Estimava-se que seria votada na primeira semana de outubro. Ficou para o final da primeira quinzena. Nesta terça, foi empurrada para o dia 22, que cai numa outra terça-feira. Imagina-se que até lá o governo encontre um dinheiro indisponível.

Aos pouquinhos, vai ficando claro que o problema do Brasil não é o esquerdismo retrógrado nem o direitismo arcaico. O grande problema continua sendo o "dinheirismo". Em tese, o pagamento das emendas agora é obrigatório. Mas o governo, com os cofres em ruínas, administra sua penúria.

Dirigismo cultural

A intromissão do governo na vida pessoal dos cidadãos é a ambição de todo governo autoritário, de esquerda ou de direita. Quando há uma ditadura, como na China, é fácil até mesmo controlar o dia a dia do cidadão, como o governo pretende fazer a partir do próximo ano pondo em prática o Sistema de Crédito Social, que dará nota aos cidadãos de acordo com seu comportamento cotidiano, que será monitorado pelo governo.

Esse programa definirá o grau de confiança do governo no cidadão. Conforme a pontuação, cidadãos serão proibidos de viajar, ou de colocar filhos em boas escolas, ou de trabalhar. Pode transformar alguém em pária, ou em burocrata bem-sucedido.


Aqui, como ainda somos uma democracia, o governo está inaugurando um sistema de monitoramento tupiniquim, com burocratas checando nas redes sociais o pensamento e o comportamento político de artistas e produtores que pretendam financiamento para suas obras dos órgãos públicos.

Na Caixa Econômica já começou. Para o presidente Bolsonaro, trata-se de não “perder a guerra da informação”. O que ele chama de “mudanças na questão da cultura, da Funarte, da Ancine”, é simplesmente censura oficializada, pois determinou que “não veremos mais certo tipo de obra por aí”.

Para Bolsonaro, “não é censura, isso é preservar os valores cristãos, é tratar com respeito a nossa juventude, reconhecer a família como uma unidade familiar, essa é a nossa linha”. O presidente já definiu claramente o que pensa: se quiserem fazer filmes pornográficos, façam com dinheiro próprio, não com dinheiro público.

Simples assim. O critério do que é pornográfico é dele, como se o dinheiro público fosse também dele. Essa não é a função do governo no financiamento público da cultura. Ao contrário, um governo democrático tem obrigação de estimular e financiar a diversidade cultural.

O conceito intervencionista e dirigista que está por trás do suposto projeto cultural do governo Bolsonaro, que já faz seus efeitos na autocensura dos dirigentes de órgãos que temem punições, pode ser espelhado na tentativa dos governos petistas de controlar a produção cultural.

O presidente Bolsonaro vê a área de cultura aparelhada pela esquerda, e quer fazer o seu próprio aparelhamento ideológico, pela extrema direita.

A tentativa de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) no governo Lula, com o objetivo de garantir uma “contrapartida social” à produção cultural, tem o mesmo sentido da criação do Conselho Federal de Jornalismo, para “regulamentar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional” e “zelar pela qualidade da informação e pelo exercício ético do jornalismo”.

Essa, aliás, é uma ojeriza comum aos governos autoritários de direita e de esquerda: detestam a imprensa independente. O presidente Bolsonaro refere-se às empresas de comunicação brasileiras como “abjetas”, “mentirosas”, e procura constranger jornalistas escolhidos como adversários pessoais, assim como faz Trump nos Estados Unidos, e como fazia Lula em seus tempos de liberdade.

Nos tempos petistas, até mesmo associações que teoricamente deveriam representar os jornalistas associaram-se ao governo para “enfrentar e combater a manipulação da informação, a distorção de fatos e as práticas jornalísticas que privilegiam interesses escusos em detrimento do cumprimento da função social do jornalismo”.

Com as mesmas palavras, o governo de hoje, que se contrapõe ao de ontem, e vice-versa, tenta controlar a imprensa e as manifestações culturais. Enquanto o PT quis incluir a tal da “contrapartida social” nos incentivos culturais, o governo Bolsonaro tenta incluir seus pensamentos e crenças, seus valores morais, como régua para os demais cidadãos, alegando que está “preservando os valores da família cristã”.

Quem define quais são os “valores da família cristã”? O que seja manipulação da informação? Qual é a “função social” do jornalismo? Denunciar os desvios do governo, qualquer governo, seria uma delas? E quais são as “contrapartidas sociais” para financiamentos de obras audiovisuais?

De esquerda ou de direita?

Paisagem brasileira

Paisagem colonial, Armínio Pascua

Novo tipo de ditadura

Primeiro, as pessoas não funcionam racionalmente e sim a partir de emoções. As pesquisas mostram cientificamente que a matriz do comportamento é emocional e, depois, utilizamos nossa capacidade racional para racionalizar o que queremos. As pessoas não leem os jornais ou veem o noticiário para se informar, mas para se confirmar. Leem ou assistem o que sabem que vão concordar. Não vão ler algo de outra orientação cultural, ideológica ou política. A segunda razão para esse comportamento é que vivemos em uma sociedade de informação desinformada. Temos mais informação do que nunca, mas a capacidade de processá-la e entendê-la depende da educação e ela, em geral, mas particularmente no Brasil, está em muito mau estado. E vai ficar pior, porque o próprio presidente acha que a educação não serve e vai cortar os investimentos na área. Por um lado, temos mundos de redes de informação, de meios que invadem o conjunto de nosso pensamento coletivo, e ao mesmo tempo pouca capacidade de educação das pessoas para entender, processar, decidir e deliberar. Isso é o que chamo de uma era da informação desinformada.

Nosso mundo da informação é um mundo baseado nas redes sociais e nas redes sociais há de tudo. Elas permitem a autonomia dos indivíduos, acreditávamos que era um instrumento de liberdade e é, mas é uma liberdade que é usada tanto pelos manipuladores como pelos jovens que tentam mudar o mundo. Foram desenvolvidas técnicas muito poderosas de desinformação e manipulação, que incluem a utilização massiva de robôs manipulados por organizações como o Movimento Brasil Livre (MBL) e financiadas pela extrema direita internacional, que estão preenchendo as redes sociais e manipulando-as muito inteligentemente, de forma que a construção coletiva do que ocorre na sociedade está totalmente dominada por movimentos totalitários, que querem ir pouco a pouco anulando a democracia. Por isso, é preciso atacar a educação, atacar os professores, as universidades, as humanidades e as ciências sociais, que são áreas que nos permitem pensar. Tudo o que significa pensar é perigoso. Por isso, digo que é uma ditadura, ainda que de novo tipo. É uma ditadura da era da informação.
Manuel Castells, um dos principais teóricos da comunicação e autor de livros como “A Sociedade em Rede” e “Galáxia da Internet”

Vem aí a reforma administrativa

Um dos problemas do governo Bolsonaro é o fato de que o presidente da República não sabe aproveitar em seu favor as críticas ao governo, encara tudo como se fosse ofensa pessoal grave, ainda mais quando tem razão. Foi o caso, por exemplo, da notícia que a equipe econômica estuda acabar com a estabilidade dos servidores federais, atribuída ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A expectativa é qu o governo encaminhe ao Congresso, nos próximos dias, o projeto da reforma administrativa, que deve prever o fim da estabilidade para servidores públicos. Em outra proposta, o Executivo vai propor mudanças na regra de ouro, mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública. O acerto teria sido feito domingo entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Jair Bolsonaro, em um encontro fora da agenda no Palácio da Alvorada.

Bolsonaro ficou bravo, na manhã de ontem, em entrevista quebra-queixo (aquela de improviso, em que os repórteres se amontoam com microfones e celulares nas mãos), acusou o Correio e a Folha de São Paulo, que também divulgou a proposta, de publicar mentiras. Segundo ele, a proposta não passou pelo seu crivo e não se mexe na estabilidade dos servidores. Mais tarde a equipe econômica atuou nos bastidores para dizer que a mudança atingiria somente os que ingressarem no serviço público após a sua aprovação, o que também foi retificado por Maia.


Muito pior para o governo, porém, foi a nota publicada na coluna Esplanada, do jornalista Leandro Mazzini, do jornal carioca O Dia, especulando sobre a possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que provocou pânico no mercado, derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou a menos 1,93%, e provocou alta do dólar, cotado no fechamento a R$ 4,10. Uma simples nota especulativa de jornal, por mais credibilidade que tenha uma coluna, só deixa o mercado em pânico quando coincide com os rumores que circulam nesse meio. Esses rumores são provocados por comentários em conversas privadas e declarações públicas intempestivas do ministro Guedes, que já deu várias demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja.

Não é assim que as coisas funcionam na economia política. Guedes é homem do mercado financeiro, agora está tendo que lidar com a política concreta, que alguém já disse que é a economia concentrada. Aproveitando a onda “americanista”oficial, vale lembrar uma frase famosa do presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos, em seu discurso de posse, em 1913: “Devemos lidar com o nosso sistema econômico como ele é e como pode ser modificado, e não como se tivéssemos uma folha de papel em branco para escrever”. Esse parece ter sido o erro do ministro da Economia.

Maia revelou que o governo pretende mexer na regra de ouro do teto de gastos, com gatilhos para controlar as despesas obrigatórias. Neste ano, a meta só poderá ser cumprida graças a uma autorização extraordinária do Congresso para o governo contrair empréstimos de R$ 249 bilhões, de modo a não suspender programas sociais e subsídios. O mercado não gostou. Também revelou que foi acertado ainda um novo texto para tratar da partilha dos recursos do megaleilão do pré-sal, marcado para 6 de novembro, garantindo a participação de 15% dos estados do total arrecadado, e igual fatia para os municípios.

A proposta da equipe econômica era dividir os R$ 106,5 bilhões que devem ser arrecadados da seguinte forma: depois do pagamento de R$ 33,6 bilhões à Petrobras, estados, municípios e parlamentares ficariam, cada um, com 10%, o que corresponderia a R$ 7,3 bilhões. O Rio teria R$ 2,19 bilhões e a União, a fatia maior de R$ 48,9 bilhões. Maia afirmou a Bolsonaro que a proposta da equipe econômica não tem chance de passar no Congresso. Os governadores, prefeitos e parlamentares não gostaram, Bolsonaro recuou e Guedes ficou pendurado no pincel.

Finalmente, a reforma administrativa, que ficaria a cargo da Câmara, acabaria com a estabilidade para a maior parte dos servidores públicos, reduziria a quantidade de carreiras, imporia travas a promoções automáticas, avaliação de desempenho e aproximaria os salários do funcionalismo dos pagos na iniciativa privada. Seria uma espécie de plano B em razão do fracasso de Guedes na condução da reforma tributária, que já custou a cabeça do ex-secretário da Receita Marcos Cintra. A divulgação da proposta, supostamente sem seu aval, irritou Bolsonaro, porque mexe com corporações cujos interesses sempre defendeu. É mais uma fricção com o ministro da Fazenda, corroborando os boatos de que Guedes estaria quase pedindo o chapéu.

Quem tem medo do Coringa?

Parem as câmeras. Parem os prêmios. Parem os festivais. “Coringa” chegou para dar um recado que exige suspensão de fôlego. Aliás, discutir se Joaquin Phoenix  é o melhor Coringa do cinema pode até divertir, mas é fútil. Útil é perceber que se trata, isso sim, de um dos melhores trabalhos de um ator na história do cinema.

Quase tive um acesso incontrolável de riso, como o personagem, ao ler críticos consagrados de jornais como “NYT”, “The Guardian” e outros elogiarem o ator como se estivessem fazendo uma concessão ao fato de espinafrarem o filme. Um dos resenhistas chega ao extremo de dizer que o problema está na densidade que Phoenix dá ao Coringa, por roubar da película todo o resto.

Que resto? Esta é a grande qualidade da versão do diretor Todd Phillips! Deixar, conscientemente, que Phoenix crie um filme para si próprio e que sua composição do personagem construa um “discurso” para além das falas, do roteiro, da direção.


O problema dos que têm problema com esse Coringa é o medo. Primeiro, o medo de sua humanidade e verossimilhança. Segundo, o pânico de enxergar que ele não é um psicopata. Um psicopata desconhece o sentido da empatia. O Coringa de Phoenix tenta negociar, obsessivamente, até que, na sua ótica perturbada, esgotem-se as alternativas.

Mesmo acometido de uma doença mental (muita gente ainda confunde psicose com psicopatia), afinca-se numa lucidez extrema no que se refere às regras básicas de convivência. Quando vêm os acessos de riso, tenta sempre avisar aos que não o compreendem, com um gesto negativo das duas mãos, tratar-se de um problema neurológico. Tem até um cartão que informa sua condição.

É medonho ver que o Coringa chegou com empatia para dar e vender. É quase um idealista da arte, da gentileza, do respeito ao cidadão, da solidariedade. É um dócil adversário dos embustes, da mentira, da exploração, até o momento em que a hipocrisia toma tamanho vulto que, torturado por seus delírios, “decide” que não há opção senão um violento cinismo.

Ao testemunhar os três playboys misóginos de Wall Street  assediarem a passageira do metrô semi-vazio, antes de começar a rir, ele abana a cabeça, como a lamentar o incidente. Esse movimento, ora melancólico, ora gracioso, é a marca de seu desalento com o mundo. Um mundo onde Thomas Wayne, que nos quadrinhos costuma ser um Gandhi da elite financeira, no filme de Todd está mais para um candidato a Trump ou Bolsonaro. Desses políticos que pensam que o povo é palhaço e cuja plataforma é “limpar o que está aí”, sem dizer muito bem o que é.
Os diferentes risos do Coringa são formas de expressão e de reação à lógica ferrenha do sadismo que tomou conta das relações sociais. Há um segundo riso, atrasado em relação ao que o motivou, que é o mais medonho. Um riso empostado, agudo, com um movimento exagerado da boca. Ele o usa para reagir às piadas imbecis que se tornaram o padrão dos adeptos do discurso de ódio. Há quem pense que este Coringa representa tal discurso. É o oposto: ele é o vingador dos que não têm como se proteger da impostura carnavalizada dos novos populismos. É isso, acima de tudo, que mete medo.