segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Gente fora do mapa

Nicarágua

O Brasil conspira contra o Brasil

A autossabotagem parece ser uma marca inerente à Nação. Numa avaliação fria dos últimos tempos é fácil perceber que quase todos os agentes – de congressistas a empresários, banqueiros, juízes, trabalhadores em geral e até jornalistas (por que não?) – contribuíram e seguem articulando para puxar o País para baixo. Senão, vejamos: ao menos nos dois anos recentes estivemos prestes a evoluir de uma aguda recessão, que castigou indiscriminadamente quase o período integral dos desastrosos mandatos da petista Dilma Rousseff, para um quadro de, ao menos, equilíbrio de mercado e, com sorte, de crescimento sustentável. Havia efetivamente instrumentos para tanto. Os indicadores monetários de câmbio, juros e carestia se acomodavam. Claro que bancos não iriam permitir repassar à ponta final do tomador o crédito mais barato com taxas civilizadas. Naturalmente que a bancada de tribunais iria recorrer a veleidades como a da soltura de salafrários políticos e empresariais condenados até em segunda instância. Inevitável que parlamentares, em tempos de eleição, se dariam ao desfrute de espetar gastos extras, em forma de projetos, no orçamento público. E que veículos de comunicação se dedicariam com especial afinco aos desdobramentos da Lava Jato e dos escândalos, deixando de lado a cobrança sistemática de uma agenda mais positiva para reconsertar o Brasil. Todos, invariavelmente, nesse interregno de dois anos, resolveram cruzar os braços à espera de mudanças por osmose e aceitaram passivamente a crise como sentença irreversível. Mergulharam em um desânimo contagiante e inercial. Deram de ombros para a necessidade de participar e pressionar as instituições por alternativas mais palatáveis, de retomada, de abertura aos investimentos, de privatização e de aprovação de propostas estruturais que significassem efetivamente ajustes. Por que da escolha desse caminho? Como se chegou até aqui? Para uma conclusão mais abalizada é preciso retomar a trajetória desde o seu início com a deposição da presidente petista em 2016. O governo que assumiu a seguir e fazia a transição do caos para uma possível estabilidade foi literalmente engolfado por ataques. Empresários e executivos, travestidos de denunciantes da Justiça, partiram a acusações e atropelaram planos que estavam em franco andamento. As reformas vinham sendo feitas. A trabalhista passou. O teto de gastos das estatais, idem. A inflação voltou ao eixo. Os juros desceram a um dígito – ainda não no plano ideal, mas quase lá – e a revisão completa do sistema previdenciário estava na boca para acontecer. Parou quando já era dada como certa em meio ao festival de armações e negociatas para dizimar o poder constituído. O povo embarcou criando para o sucessor Temer, sabe-se lá a título do que e com quais fundamentos, o maior índice de impopularidade que já se viu de um mandatário – maior até do que o da Dilma (há explicação?). O Congresso entregou sua parcela de ajuda conspirando para entornar o caldo. Praticou o boicote escancarado a projetos (aliás, sua maior especialidade) e seguiu dando as costas ao Executivo. Vieram seguidas acusações, ao menos três processos de julgamento por casos de favorecimento. A mídia em boa parte cuidou de fazer o bombardeio sistemático da cobertura às investigações, deixando de lado medidas funcionais em negociação. A maior emissora do País passou quase um ano inteiro mostrando a mesma cena de um encontro forjado entre o presidente Temer e o empresário que foi orientado por procuradores do Ministério Público a agir nesse sentido. Vieram depois os caminhoneiros que literalmente pararam o Brasil, com o apoio benevolente da população, diga-se de passagem – mesmo que isso significasse (como veio a se verificar depois) prejuízos de toda ordem em vários setores e principalmente no bolso do contribuinte e no PIB. Os caminhoneiros decidiram travar as estradas e paralisar a produção simplesmente porque a estatal do petróleo, que havia passado pelo maior roubo da história – praticado pela corja dos adoradores de Lula que se estabeleceu no poder-, estava finalmente fazendo o certo. Qual seja: agindo segundo regras do mercado, obedecendo a reajustes de preços conforme o resto do mundo. Na estatal, desde a troca de gestão, entrou a competência. O executivo Pedro Parente foi colocado ali para arrumar a casa e tratou justamente disso em um prazo quase recorde. Também teve sua cota de ataques e foi forçado a sair (seguiu depois, como não poderia deixar de ser, para uma das maiores empresas privadas nacionais com a missão de consertar outro buraco). Logo a seguir a sua saída, e certamente decorrente das mudanças adotadas até então, a Petrobras anunciou o maior lucro de que se tem notícia em um semestre desde 2011. Não é pouco depois de tudo que enfrentou. Não importava. Os impulsos de sabotagem à brasileira superariam qualquer fato positivo.

Na reta final do mandato, que está por assim dizer em período de aviso prévio, cumprindo os derradeiros 90 dias de comando, o presidente se encontra nas cordas, acuado, travado pelo descaso de um Parlamento oportunista e de sistemáticas acusações de desvios ainda não devidamente comprovadas. O Supremo Tribunal trata de fazer das suas. Virou palco de circo nos julgamentos, com os magistrados querendo aparecer mais do que as leis. Um candidato presidiário esculhamba com o que há de mínimo respeito às leis. O povo espera pelo milagre da mudança com as eleições. Mas ela só virá através de uma revisão de comportamento, geral e irrestrita.

Teorema di tutti capi


Haddad é 'recall' de Dilma, poste que deu defeito

No mundo dos negócios, o recall é uma convocação que as empresas fazem aos consumidores para trocar peças ou produtos vendidos com defeito. Evitando riscos à vida, à saúde e à segurança da clientela, o fabricante atenua o vexame e livra-se das indenizações. Lula está prestes a introduzir na política a prática do recall. Com uma diferença: ele oferecerá um novo poste ao eleitorado, Fernando Haddad, sem reconhecer que o poste anterior, Dilma Rousseff, revelou-se uma fraude.

À espera da decretação formal de sua inelegibilidade pela Justiça Eleitoral, Lula trata a fabricação da candidatura de Haddad como um grande negócio. Se o eleitor comprar a tese de que o novo poste é solução para os problemas nacionais, Lula será convertido em mártir. Se o produto for refugado, o presidiário do PT renovará a pose de vítima. Em qualquer hipótese, o segredo do negócio é esconder o fiasco da administração de Dilma Rousseff.

Levado à vitrine como vice da chapa tríplex do PT, Haddad aderiu ao coro que celebra a presença de Lula na liderança das pesquisas como uma consequência da comparação do seu governo com a gestão de Michel Temer. Nessa versão, os brasileiros recordam que havia mais empregos e renda sob Lula. E deploram a volta do desemprego e da miséria sob Temer. Para que esse tipo retórica fique em pé, será necessário que a amnésia petista vire um fenômeno epidêmico.

A gestão de Temer é ruinosa. Mas a ruína econômica é consequência direta do desastre gerencial que foi o governo de Dilma. As digitais de Lula estão gravadas no fiasco. É de sua autoria a criação do mito da gerentona. É dele também a responsabilidade do pelo descalabro ético. O mensalão e o petrolão nasceram no seu governo, período em que coalização virou eufemismo para organização criminosa.

No limite, Lula é responsável também pela perversão do governo Temer, pois foi nos seus mandatos que o PMDB tornou-se sócio do PT na usina de propinas. Tudo isso teve um custo. Para quem desceu a rampa do Planalto cavalgando uma popularidade de 84%, os 30% de intenção de votos detectados pela mais recente pesquisa do Datafolha revelam que o prestígio da fábrica de postes já não é o mesmo.

Entre 2013 e 2016, a economia brasileira encolheu 6,8%. Na gestão empregocidade Dilma, o desemprego saltou de 6,4% para 11,2%. Foram ao olho da rua algo como 12 milhões de trabalhadores. Deflagrada em 2014, a Lava Jato demonstrou que o único empreendimento que prosperava no Brasil era a corrupção. Agora, na campanha de 2018, o PT tenta empurrar o espólio de Dilma para dentro do armário.

O PT mantém Dilma longe da cena presidencial. Confinou-a numa candidatura ao Senado, em Minas Gerais. Lula, Haddad e a cúpula petista só lembram do poste anterior quando sentem a necessidade de renovar a teoria do “golpe”. Um golpe sui generis, pois Dilma foi deposta por seus aliados, sob regras constitucionais, numa sessão presidida pelo amigo Ricardo Lewandowski, do STF.

Diante do descalabro em que se converteu o governo de Dilma, as causas invocadas para sua cassação —o uso de recursos de bancos públicos para pedalar despesas que eram de responsabilidade do Tesouro e a abertura de créditos orçamentários sem a autorização do Congresso— são pretextos para condenar uma administradora precária pelo caos que produziu.

O instituto do recall está regulamentado no Código de Defesa do Consumidor. Ao oferecer um poste novo ao eleitorado sem reconhecer que empurrou pela segunda um poste micado para 54 milhões de eleitores em 2014, Lula viola pelo menos duas exigências do texto legal:

1) “O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.”

2) “O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.”

Nesse ritmo, o preso mais célebre da Lava Jato acabará adicionando problemas novos ao seu extenso prontuário. Arrisca-se a ser acionado no Procon.

A Mateus, o seu


Se tudo está à venda, inclusive os tribunais e a política, a confiança evapora, o crédito desaparece, e os negócios murcham 
Yuval Noah Harari, "Homo Deus"

Agosto, mês do desgosto?

O tal desgosto do mês de agosto será apenas uma rima? Ou é algo mais, com raízes de angústia, bastando apenas esperar para ver?

Ou o “agosto, mês do desgosto” surgiu da “gripe espanhola” que aqui brotou em agosto-setembro de 1918, há 100 anos, e fez o oitavo mês ser visto como maldito? Espalhada pelos cadáveres putrefatos da Grande Guerra de 1914-1918 na Europa, a “espanhola” matou entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas mundo afora. No Brasil, 300 mil mortos, entre eles o ex-presidente Rodrigues Alves, recém-eleito para um novo mandato do qual nunca tomou posse.

Agora, o tom funéreo reaparece no desinteresse e na apatia que marcam a próxima eleição de presidente e governadores. Será que certas datas de agosto marcaram tanto o século 20, ou a própria vida, que parecem ter ocorrido horas atrás, impedindo de pensar no futuro?

A 2.ª Guerra Mundial, por exemplo, nasceu a 28 de agosto de 1939, quando Hitler mobilizou o exército alemão e, três dias depois, invadiu a Polônia. Conhecemos o que veio em seguida, inclusive o terror das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945.


Foi no Brasil, porém, que esse mês se tornou um marco. A 24 de agosto de 1954, o suicídio do presidente Getúlio Vargas culminou numa crise cujas consequências indiretas perduram, em parte, até hoje. Em 1961, consolidávamos a convivência quando a estapafúrdia renúncia do presidente Jânio Quadros (a 25 de agosto, com menos de sete meses de governo) mostrou que não sabíamos conviver em democracia.

Em 1964, a ditadura inventou seus “agostos” de “atos institucionais” em qualquer mês e data. Depois, voltamos à normalidade, mudamos de século e vimos como mudavam também os epicentros da política e da sociedade. Ou como novos ídolos tropeçavam em seus pés de barro. E, assim (sem ter de recordar o que todos sabem), a 31 de agosto de 2016 Michel Temer assume a Presidência da República em forma definitiva, não como mero “vice” interino.

O que mais podemos esperar? Ou que outros desastres estarão encobertos neste agosto pré-eleitoral, de pobreza tão ampla e profunda que chega a abrir espaço para candidatos como Lula da Silva e Jair Bolsonaro, tão iguais um ao outro no tom místico e autoritário, na habilidade de nunca revelar o que são de fato?

Cito os dois porque neles se resume aquilo que o exercício da política e da vida pública tem de perigoso ou até de perverso. Não se trata de conclusão pessoal. Eles próprios – Lula e Bolsonaro – se desnudam em público alegando que jamais foram o que são nem como agem, ou sequer como sempre demonstraram ser.

Nada os diferencia. Nem que um diga ser de um lado e o outro afirme estar em outro. Tampouco que um tenha pose de “esquerda” e o outro pose de “direita”, pois a diferenciação já não existe no dia a dia. Além disso, jamais alguma pose definiu alguém, e é apenas “uma pose”, tão falsa e quebradiça como um anel de vidro.

O que distingue Lula e Bolsonaro é apenas a habilidade de se esconder mais ou ocultar-se menos. O ex-torneiro mecânico é simpático e, mesmo preso, mostra-se humilde. Refinado ator, é tão atraente que (quando no poder) arrancava aplausos de intelectuais ao elogiar a ignorância e se jactar de “não ter curso algum”. O ex-capitão é também consumado ator, mas de outros palcos. É dos que buscam aplausos pela antipatia de “ser duro” com tudo, mas nunca consigo mesmo e, menos ainda, ao abrir a boca para exteriorizar machismo, preconceitos, rancor ou até ódio.

Nem um nem outro tem visão crítica do que faz. Mostram a exacerbação interior de um vulcão pronto a explodir, e nisso são aprendizes de Hitler. Vomitam ideias ou teorias perigosamente estapafúrdias como se descobrissem o Éden. E o público, ávido pelo novo, às vezes toma o vômito ácido como se fosse champanhe francês…

Depois que o mensalão e as erupções das diferentes “Lava-Jatos” mostraram o conluio perverso entre o público e o privado, merecíamos um horizonte melhor no qual confiar nosso voto. Além deles, porém, temos apenas um amontoado informe e difuso de candidatos afirmando generalidades e, com elas, “reformando” o Brasil.

Onde estão os programas concretos de ação futura? Os chefes de partido viraram gerenciadores de espaço na TV e, de fato, alugam-se para isso. Quanto ao povo, os candidatos nada dizem nem escutam. Quando parecem escutar, apenas ouvem o eco de si mesmos.

Como romper esse imobilismo e fazer com que a urna não se transforme numa tumba eletrônica em que sepultamos o futuro apertando botões com números? Optar pelo “menos pior” pode ser a única saída, mas será, sempre, uma cilada que armamos para o amanhã. O resto é inibição ou medo.

Nos anos mais terríveis da ditadura, em 1970-1971, um procurador de Justiça de São Paulo, de 48 anos, desafiou o medo que imobilizava o Brasil e levou a Justiça a condenar o delegado Sérgio Fleury e outros pelos assassinatos cometidos pelo Esquadrão da Morte. Fleury era o intocável guia da tortura e da repressão política no baronato ditatorial do general Médici, e às pressas inventaram uma lei para livrá-lo da prisão. O “atrevido ato” do procurador Hélio Bicudo, porém, serviu de ponto de partida e apoio para que, passo a passo, o País perdesse o medo.

Agora, em julho, antes de agosto chegar, Hélio Bicudo nos deixou aos 96 anos, encerrando uma vida de coerência pessoal, ideológica e política. Num país em que a política serve para municiar e ajeitar posições e fortunas pessoais, ele foi um dos modelos vivos a mostrar que tudo pode ser, apenas, uma questão de gosto, a qualquer instante ou mês, a começar por agosto. Fora disso, será quase como retroagir à “gripe espanhola” de 1918.

Pensamento do Dia


Depois da eleição de outubro, o PT estará reduzido a partido nanico

Em 2012, o julgamento do Mensalão mostrou que o PT se havia transformado numa organização criminosa. Desde 2015, a Operação Lava Jato vem acumulando descobertas que escancaram a façanha inverossímil: o partido que virou bando conseguiu montar o maior esquema corrupto de todos os tempos. Não é pouca coisa, mas a seita que tem em Lula seu único deus não pode parar.

No momento, o PT faz o diabo para forçar a Justiça a engolir a candidatura presidencial de um corrupto e lavador de dinheiro condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão.

Mais: a companheirada também exige que Lula seja autorizado a trocar a cela pelo palanque, e as conversas com carcereiros por debates e entrevistas.

Para alívio do Brasil que presta, essa versão degenerada da Ópera dos Malandros sairá de cena daqui a dois meses. Depois da eleição de outubro, o PT estará reduzido a partido nanico. E Lula será apenas o mais conhecido integrante da população carcerária.

Será também a prova mais eloquente de que o Brasil dos condenados à perpétua impunidade deixou de existir.

Político é a força

Possuímos, segundo dizem os entendidos, três poderes: o Executivo, que é o dono da casa, o Legislativo e o Judiciário, domésticos, moços de recados; gente assalariada para o patrão fazer figura e deitar empáfia diante das visitas. Resta ainda um quarto poder, coisa vaga, imponderável, mas que é tacitamente considerado o sumário dos outros três.

(...) Aí está o rombo na Constituição quando ela for revista, metendo-se nela a figura interessante do chefe político, que é a única força de verdade. O resto é lorotaGraciliano Ramos, Jornal de Alagoas (1915)

Trapaças, golpes e tragédias na política brasileira

A política brasileira está repleta de golpes e manobras rocambolescas que cristalizam práxis nocivas ao país e favoráveis a indivíduos e linhagens. Isso atravanca a renovação no Poder Legislativo e a eleição de candidatos melhores para o Executivo, especialmente a Presidência da República. Uma estratégia eficaz é a formação de um quadro partidário multifacetado, sem consistência ideológica, mas ajustado ao mandonismo local, para que inimigos paroquiais confrontem-se sem fragilizar os respectivos feudos. Cada um cuida, portanto, de seu espaço, ignorando os interesses nacionais.


Os partidos maiores servem-se de minúsculas legendas que são acessíveis a alianças espúrias sob a promessa de absorção no loteamento da máquina pública e de benesses à comunidade carimbadas com os nomes dos benfeitores nacionais e locais. Não importa a instabilidade institucional nem a descontinuidade de programas oficiais, mesmo que isso deixe um cemitério de obras inacabadas. Aliás, muitos políticos preferem o país pobre, ignorante e desigual para exercer mais amplamente seu domínio. Resultados pífios são mantidos, então, quanto ao desenvolvimento socioeconômico, ao mesmo tempo em que se formulam novas estratégias para preservar o poder pelas mesmas oligarquias.

Uma expressão singular de manobra política está na teia urdida pelos republicanos para que o marechal Deodoro da Fonseca assumisse a liderança do novo regime, porque tinha alto prestígio com a tropa. Ignorando sua condição de dileto amigo de dom Pedro II, ele enviou, no dia 16 de novembro de 1889, uma intimação ao imperador para que deixasse o país com sua família em 24 horas, sob o pretexto de preservar a ordem pública. Sua audácia como presidente do Governo Provisório não o livrou, entretanto, da renúncia, em 1891, diante da Primeira Revolta da Armada.

Houve outros problemas que inviabilizaram a transmissão tranquila do cargo para presidentes legitimamente eleitos, como a morte de Rodrigues Alves antes da posse para seu segundo mandato, em 1919, e a de Tancredo Neves, em 1985. Além disso, Júlio Prestes foi impedido de assumir, em 1930, pelos líderes da revolução que levou Getúlio Vargas ao poder. Ele se manteve com perfil autoritário até 1945, quando foi deposto pelo Alto Comando do Exército. Foi sucedido pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Linhares, até a posse de Eurico Dutra, em 1946. Voltando à Presidência por eleição livre, o gaú-cho não suportou as pressões de seus inimigos, suicidando-se no Palácio do Catete, em 1954.

A campanha eleitoral de 1950 tinha evidenciado a baixa consistência partidária, pois o Partido Social Democrático (PSD) abandonou Cristiano Machado, votando em Getúlio Vargas, em processo conhecido como “cristianização”. Isso aconteceu novamente em 1989, quando Aureliano Chaves e Ulysses Guimarães foram ignorados pelos correligionários, que preferiram bandear-se para candidatos mais promissores.

Vivemos depois tragédias e golpes ainda piores.

Campanha do PT, comandada por Lula dentro da prisão, desmoraliza a Justiça

Bem, o fato concreto é que chegou a um ponto realmente inadmissível a permissividade em relação ao procedimento de Lula da Silva dentro da prisão, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Lá de dentro de sua cela/quitinete, o ex-presidente está comandando diretamente a campanha presidente do PT, porque tem total liberdade de receber os visitantes que bem entender e ficar com eles o tempo que desejar. Na última sexta-feira, por exemplo, passou quase quatro horas seguidas com a senadora Gleisi Hoffmann, a pretexto de lhe transmitir a decisão de mudar o rumo da campanha do PT e levar às ruas o vice oficial Fernando Haddad e a vice reserva Manuela d’Ávila.

Dentro da carceragem, Lula reúne-se livremente com companheiros de partido, advogados, parentes e amigos. No último dia 2, por exemplo, recebeu os amigos Martinho da Vila e Chico Buarque para uma visita amistosa e depois teve um prolongado encontro político com Gleisi e Haddad.

Essa abusiva liberdade de receber visitas demonstra que no Brasil a Constituição está equivocada ao determinar que todos são iguais perante a lei. O responsável pelas decisões sobre a custódia do ex-presidente é o juiz Danilo Pereira Júnior, titular da 12ª Vara Federal de Curitiba, que autorizou essa prisão tipo “sessão passatempo” exclusivamente para Lula, o único preso brasileiro que tem direito a essas regalias.

Mas nem sempre foi assim. Quando Lula foi preso, em abril, o juiz Pereira Júnior tinha sido convocado para assumir outras funções no Judiciário e foi substituído pela juiz Carolina Moura Lebbos, tida como uma magistrada discreta, técnica e rígida com os presos oriundos da Lava Jato.

Foi ela quem negou a visita de um grupo de governadores ao ex-presidente, em 10 de abril, 24 horas após a prisão. A juíza seguiu à risca as regras da carceragem na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, que permite visita de apenas três familiares aos detentos em apenas um dia da semana, entre 8h30 e 11h30 e 13h30 e 17h30.

As visitas de advogados são permitidas, é claro, mas não podem ser diárias nem a qualquer hora do dia, a pretexto de o detento transmitir ao PT as longas mensagens que na verdade são redigidas por seus defensores.

Em tradução simultânea, a prisão de Lula virou Piada do Ano, embora a Lei de Execução Penal determine que o direito à visita pode “ser suspenso ou restringido mediante ato motivado do diretor do estabelecimento”. No caso, o comando da carceragem ou a Superintendência da PF. Mas na verdade não se vê nenhuma iniciativa destinada a acabar com a transformação da cela de Lula em escritório eleitoral e outras coisas mais, porque ele é um preso com privacidade total, é como se morasse num pequeno apartamento.

Essa situação desmoraliza não somente a Justiça, mas também a própria Polícia Federal.

Abstenção eleitoral


Os ativos do Brasil

Amanhecer no Brasil é sentir o peso da crise prolongada e se perguntar: o Brasil tem jeito? Dá para apostar no futuro do Brasil?

Uma percepção mais clara exige ir além da conjuntura e olhar o Brasil em perspectiva ao longo das sete últimas décadas. Às vésperas das eleições, é possível contrapor ativos aos passivos que tanto nos angustiam.


O primeiro ativo completa trinta anos – a Constituição Federal de 1988 – que estabeleceu os marcos legais e institucionais de democracia política. Na superfície, os defeitos da democracia saltam aos olhos; na profundidade, as virtudes da democracia respondem com flexibilidade, resiliência, capacidade de adaptação e garantem a emergência da autonomia individual inserida no espaço público da cidadania. Testada em vários momentos, a democracia brasileira será submetida à tentação populista e autocrática.

De outra parte, o país fez uma opção pela economia de mercado. Lamentavelmente, o capitalismo de laços e o patrimonialismo capturaram o estado brasileiro. Estamos pagando um preço alto. Ainda assim, há um Brasil que dá certo: é o que trabalha mais do que pode frente a um que pode mais do que trabalha. A economia de mercado e a livre iniciativa são ativos que precisam de mais Brasil e menos Brasília.

Segue-se o paradoxo da décima economia mundial: uma economia grande e um país injusto. Transformar este passivo em ativo requer a convergência de políticas públicas permeadas por uma educação de qualidade em todos níveis e com os olhos voltados para as transformações do século XXI.

Outro ativo é fazer valer o primado da igualdade de todos perante a lei. Estamos no caminho. Passos largos foram dados na construção de uma ética pública que vai além da ética na política; que não se constitui, apenas por meio regras e sentenças judiciais no combate à corrupção e à impunidade, mas que se consolida numa cultura punitiva a toda e qualquer transgressão.

Cabe, por fim, uma palavra sobre o protagonismo brasileiro na perspectiva ambiental. Os fatores que respondem por uma economia de baixo carbono fazem parte dos nossos recursos naturais. É preciso um grande esforço de incompetência governamental para não assegurar sustentabilidade ao desenvolvimento econômico. Sem descambar para o ufanismo dos “risonhos e lindos campos”, basta olhar para o sol e os ventos de um nordeste renovável pelo conceito de uma matriz energética limpa.

Democracia, livre iniciativa, equidade social, ética e sustentabilidade são os pilares das nações desenvolvidas.

Gustavo Krause

Postes desencapados

Estaca, pau, toco, se já é difícil definir melhor os postes, agora eles tentam nos atrapalhar novamente nas eleições. Se estamos nessa penúria já é por causa de uma posta presidenta que caiu tarde, nos deixando a sua sombra da meia-noite, o vampiro que se escondia por detrás da chapa quente. Não é que agora estão tentando “emplacar” outros e outras?

Não sei se dar com a cara no poste é pior do que os acintes que nos impõem dia após dia. Auto concessão de aumentos de salários de e para quem já ganha o máximo e que, se aprovados, farão uma perigosa transmissão de valores para todas as esferas, ressonantes. Pior, quem poderia parar essa gracinha são justamente aqueles que – justamente pelos agraciados – serão julgados logo mais à frente.

Bem, e as aterradoras discussões do espetado país que solta para o Dia dos Pais quem matou o seu com requintes de crueldade?



Justiça? Querem debater para intervir sobre nossa cultura e religião, os nossos corpos, e aceitam, plácidos como postes inertes, que um preso por eles julgado, julgado e julgado se arrogue da porta para fora com megafone, receba mais visitas do que as casas da mãe joana, e ainda queira ser candidato à presidência da República. O espetáculo continua: agora, além do ap triplex, alguém já tinha ouvido falar da chapa triplex? Preso, poste, vice. Três em um. E um monte de inteligentinhos batendo palmas pros malucos dançarem. O que bebem para se encostar nos postes? Acham mesmo que essa é uma atitude avançada, de esquerda, de compromisso social, popular, correta?

Ou será apenas tanta insegurança que acham que seguir um líder, um Messias, um Bessias, os salvará? O mesmo com relação aos patriotinhas de araque, quem quer o poste Palmito, apelido que ele próprio disse que tem mostrando seus pálidos cambitos, e que pretende pendurar insígnias militares no nosso viver, contaminando tudo com toda a sua atroz ignorância.

O momento é sério. Estamos em grandes dificuldades. Não temos um candidato sequer que possa ser defendido sem ruborizar. Para relaxar, até porque já não tem mais outro jeito a não ser esperar o dia seguinte, estamos brincando, fazendo memes, até nos esforçando para tentar ouvi-los em debates e entrevistas para ver se, quem sabe, espremendo bem, sai algo que preste. E dia a dia só piora. Falam uma língua desconhecida, desqualificam nosso idioma, usam termos pomposos, prometem o que é impossível e fazer o que nunca fizeram quando puderam.

E os “novos” – que surgem, batendo no peito que são novos e chegam com as mais milenares práticas do dá aqui, que eu retribuo lá?

Não fizemos reforma política. Agora será uma maçaroca e é no que eles mais uma vez se fiam com a nossa distração. Talvez poucos entendam ainda que no dia da eleição vão encontrar uma urna repleta de fotos, e que terão que apertar para presidente (que vem com o vice dependurado), dois senadores, governador, deputado federal e estadual. Seis vezes aquele irritante alarme triiimmmm vai tocar. Pela ordem: deputado federal, deputado estadual ou distrital, senador primeira vaga, senador segunda vaga, governador e presidente da República.

Um monte de postes. Um do lado do outro. No meio da rua. Para tropeçarmos, darmos topadas neles. E estarão interligados transmitindo essa energia ruim que já sentimos no ar. Aterrados estamos nós.

Mariposas, quem nos dará uma luz?

Marli Gonçalves

Além de punir desonestos, combate à corrupção precisa mudar regime de incentivos a políticos

Boa parte da corrupção no Brasil se dá no Executivo. Este, no entanto, teria incentivos para produzir boas políticas públicas, sob pena de perder as eleições seguintes. Mas por que, em geral, isso não ocorre? Dito de outro modo, por que a corrupção é tão grande no Brasil e mesmo a punição da Justiça não parece ser efetiva em contê-la? Uma das razões está em que muitos partidos brasileiros focam apenas em cargos proporcionais, e ficam blindados das consequências eleitorais dos escândalos que assolam os governos dos quais eles fazem parte, limitando o poder de renovação das eleições.

Ao contrário do que defende o senso comum, o problema da corrupção brasileira não pode portanto ser enfrentado apenas pela punição dos responsáveis. É preciso também que o sistema político consiga premiar políticos honestos e punir os corruptos (com, respectivamente, resultados eleitorais favoráveis e negativos).


A Operação Lava Jato mostrou, didaticamente, como o que se chama “governabilidade” significa, na prática, um amplo esquema de corrupção. Os partidos no comando do Executivo Federal se aliaram a outros partidos para fazer maioria no Legislativo, que davam seus votos em troca de participar do grande esquema de distribuição de propinas que é o Estado brasileiro. Outros escândalos de corrupção sugerem que esse padrão se repete nos demais níveis federativos.

Os partidos políticos, portanto, ocupam lugares distintos nesse mecanismo. Alguns partidos brasileiros buscam efetivamente eleger candidatos para o Executivo (notadamente presidente, mas também governadores) e, portanto, precisam ter uma agenda política para o país e os Estados. Outros partidos concentram sua estratégia em ocupar o Legislativo e fazerem parte da coalizão governamental.

De fato, os dados de candidatura eleitorais corroboram essa distinção entre partidos com foco no Executivo e partidos com foco no Legislativo. O gráfico abaixo apresenta a relação entre candidatos lançados ao Executivo (presidente e governador) e ao Legislativo (deputado estadual, federal e distrital) pelos partidos brasileiros nas eleições de 2014.

Conforme pode ser observado, existem três agrupamentos de partidos, representados pelas cores vermelho, azul e verde. O primeiro agrupamento contém pequenos partidos de esquerda, que lançam poucos candidatos ao legislativo e proporcionalmente muitos candidatos ao executivo, e não nos interessam aqui. O segundo grupo, na parte de baixo do gráfico, são os partidos que concentram suas atenções no Legislativo, proporcionalmente ao Executivo. Os partidos que compõem o chamado centrão estão, não por acaso, neste grupo. E, por fim, em verde, os partidos que proporcionalmente lançam mais candidatos para o Executivo e, portanto, precisam se preocupar com os resultados das políticas públicas.

Como podemos ver, a maioria dos partidos brasileiros têm foco em eleger políticos para o Legislativo e acabam sendo fundamentais para que os partidos com foco no Executivo consigam formar maiorias legislativas.

Pelo grau maior de escrutínio dos candidatos ao Executivo por parte da mídia, bem como pelo fato de que os eleitores responsabilizam os políticos com políticas públicas ruins, há incentivos para que o Executivo queira se manter relativamente limpo —se não por honestidade, pelo menos para continuar no poder.

Se um partido, porém, não tem pretensões de eleger políticos para o Executivo, resta a ele conseguir cadeiras no Legislativo e, via pertencimento à coalizão do Governo, chegar indiretamente ao Executivo. O problema é que, nesse caso, nosso sistema eleitoral de eleições proporcionais com lista aberta gera baixa responsabilização dos legisladores para com os destinos das políticas públicas. Em outras palavras, são menos punidos eleitoralmente por políticas ruins no Executivo que eles tenham apoiado ou mesmo produzido, ao comandarem ministérios, secretarias e estatais.

Como consequência, partidos cujos políticos não têm pretensões de chegar à Presidência da República ou mesmo eleger governador de Estado têm menos incentivos para eleger políticos bons e/ou honestos. E esses mesmos partidos vão fazer parte da coalizão do Executivo, efetivamente levando a corrupção/ineficiência para o Executivo, a despeito dos desincentivos eleitorais e punitivos.

A solução, é claro, passa por algum tipo de reforma política que mude esse cenário. Listas fechadas pré-ordenadas são um mecanismo que podem ajudar nesse sentido, bem como o fim das coligações para eleições proporcionais (para o Legislativo). Outras soluções incluem a redução drástica dos cargos de livre nomeação, que são a forma pela qual esses partidos conseguem se apoderar do Estado e influenciar as políticas públicas com objetivos não republicanos.

Com um legislativo melhor, o executivo não poderá simplesmente recorrer à compra de votos por meio da distribuição de nacos do Governo para ser objeto de corrupção. Similarmente, bons políticos poderão fazer alianças com quem está comprometido com boas políticas públicas, pois seu destino eleitoral depende disso. Aliando uma mudança desse tipo com a atuação dos órgãos de controle, haveria mais chance do combate à corrupção obter sucesso.
Manoel Galdino, Transparência Brasil