terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Definição


A palavra ‘democratizar’ tem sido usada por mentes de pessoas totalitárias para matar aquilo que a democracia tem de melhor, que é a liberdade de expressão. É preciso não esquecer que as ditaduras no Leste Europeu eram chamadas de democracias populares
Senador Jefferson Peres, do PDT do Amazonas (1932- 2008)

'Vamos precisar de um balde maior'

Quem seremos nós, sem água? Caberá a essa geração imperfeita enfrentar os desafios de um futuro que chegou antes
Quando a gente abre a torneira em São Paulo e não sai nada, e sabe que logo chegará o dia que não haverá nada no dia seguinte e no dia seguinte ao dia seguinte e assim por um tempo que ninguém sabe quanto será e quem diz que sabe mente, descobrimos que nos tiraram muito mais do que água. Essa é a parte aterrorizante. E é aterrorizante para além das vidas secas. O terror é menos pelo que só agora faltou, mais pelo que nunca existiu. O terror é dado pela perda das ilusões de que tudo estava sob controle. E, de repente, aqueles que repetiam que estávamos todos bem bem mostraram que, na verdade, estamos todos bem perdidos. O estado de torpor dos moradores de São Paulo foi perfurado pela realidade, abriu-se um rombo que talvez seja impossível fechar. No fundo desse buraco não há vazio, mas espelho. É nesse ponto que existe algo de fascinante. É quando o morador de São Paulo vira todos, encarna o humano dessa época, uma catástrofe diante da catástrofe. Nós, o futuro que chegou primeiro.

São Paulo sem água é uma imagem poderosa. A cidade expandida em que mais de 20 milhões vivem à beira de um rio que matamos. A cidade que virou estufa, abarrotada por carros que se movem mais e mais lentamente, queimando combustíveis fósseis e lançando gases na atmosfera. A cidade que desmatou o entorno dos mananciais e desprotegeu-se. A cidade em que, quando a chuva cai, parece que evapora antes de chegar ao chão convertido em concreto e, nas tempestades, alaga e é destruída porque o cimento não pode absorver a água. As chaminés das fábricas do século 20 da São Paulo “que amanhece trabalhando”, assim como os canos de descarga dos carros de cada dia, são falos decaídos. As ilusões de potência e de superação, o sem limites da modernidade, viram pó na cidade imensa, transformando São Paulo num monumento que ela não sonhou ser – e nós em seres trágicos.

O momento em que a máquina do mundo se abriu para a maioria foi no final desse janeiro, ao ser anunciado que poderia haver um rodízio 5X2 – cinco dias sem água, dois com água. A classe média correu a comprar caixas d’água extras e galões, houve quem estocou centenas de litros, os baldes viraram objetos de desejo. Lembrou “Tubarão”, o filme de Steven Spielberg que talvez tenha inaugurado o conceito de blockbuster, na cena em que o monstro emerge com uma boca capaz de palitar os dentes com o barco que pretendia caçá-lo e o xerife da cidade diz, na frase que ficou antológica para quem gosta de cinema: “Vamos precisar de um barco maior”. Parece que, por aqui, nós vamos precisar de um balde maior.


O futuro chegou antes e justamente no momento em que as instituições políticas e os grandes partidos estão desacreditados

Nosso momento presente é enorme. Precisaríamos ter na liderança um estadista, uma pessoa capaz de botar o interesse público acima de suas ambições eleitorais, alguém que compreende a amplitude do que está em jogo, um político com visão de século 21. Nosso desamparo é maior porque não temos essa figura nem no governo de São Paulo nem no governo do país. Temos no comando do estado alguém com uma mentalidade de vereador de cidade pequena. E nada contra vereadores de cidade pequena, existem os bons, apenas que para um governador o olhar precisa ser muito mais amplo e a política exercida num outro nível. E, no Planalto, temos uma presidente vendida como “gerente”, o que não é exatamente o que se espera de alguém que comanda um país, mas, como sempre pode piorar, se mostrou uma má gerente ainda no primeiro mandato.

O futuro chegou antes. E justamente no momento em que as instituições políticas e os grandes partidos estão desacreditados, em que se pode mentir para ganhar a eleição e dizer o contrário em seguida. É assim que a população descobre que as autoridades não só falsearam a realidade como não sabem o que fazer agora que a calamidade se instalou. As autoridades desautorizaram-se, num fenômeno político tão grave quanto complexo. E a população encontrou-se só e com o monstro na sala.

Leia mais o artigo de Eliane Brum

Desculpas, nem morta


Pedir desculpas não está no vocabulário dos políticos, empresários, funcionários públicos e governantes brasileiros. Parece a eles um gesto humilhante. O grande ato de humildade, que revela civilidade, não consta no DNA deles, saturados de arrogância e oxigenados pela prepotência. Enfim, cretinos. A sempre presente autoridade do "sabe com quem tá falando", vício danado de tempos coloniais, se incorpora quando se instalam como servidores públicos, quando se servem à vontade.

Não pedem desculpas, não dão satisfação. Quando alguém viu um desses políticos, de qualquer partido, confessar que sabia sobre o agravamento do problema hídrico e agora se desculpa porque não tomou as devidas providências? Também ninguém sabia de corrupção campeando há anos na Petrobras. Como não há um deles se mostrando consternado com a roubalheira que pode levar o país para o buraco, quebrar a maior empresa do país.

Se dizem autoridade, mas não passam de canalhas.

Dilma dá o exemplo de que não se deve pedir desculpas. Como não se desculpou nenhuma vez, não mostrou indignação com a canalhice vigente no país. É o governo da tirania de quem faz o que quer, quando quer e como acha melhor para sua imagem. Não é exemplo de democrata, mas a imagem de uma ditadora.

Na última semana, quando reinava soberana na Toca de Ali Babá, diante de uma cambada de ministros, se achava a dona da cocada. Era mais uma figura bufona. A democracia estava bem longe em Nova Iorque, onde o prefeito Bill de Blasio dava uma lição aos governantes de republiquetas.

Diante de uma possível meganevasca na cidade, tomou todas as medidas as mais exageradas (como só se viu depois) para enfrentar o temporal. Saíram ilesos a cidade e o prefeito, que junto à equipe municipal de meteorologia foi pedir desculpas na televisão por se prevenir tanto. Mereceu aplausos e apoio.

Um gesto que não se vê no Brasil. Nem falta previsão em casos de desastres esperados, ou em qualquer ato que atinja a população, como se recusam a pedir desculpas quando se mostraram os mais incapazes para administrar.

O idiota da família


É uma derrota se o Estado decide gastar mais do que tem. Isso só é possível tomando emprestado o dinheiro dos outros, roubando sua poupança ou cobrando mais tributos
Nas situações de dificuldade, em que algum princípio é admitido, lembro sempre da vida. Quando o destino é conviver com a existência de quem não tolero, sinto-me de fato governante. A forma sombria de encarar o dever de fazer regime não foi amenizada pelo jantar dedicado a proteger o que é parco sem impor à sociedade o modelo de endividamento que lhe tirou a saúde.

Tantas repartições, leis, um mundo de autoridades que é difícil entender onde está o erro. O contador olha para trás, resolve o problema das contas furioso por ter sido consultado tarde. O balanço só fecha com cortes.

O economista olha para frente, vislumbra novas perspectivas, quer mais receita. A ordem é fazer brilhar o corriqueiro, equalizar despesa e receita. Os dois se encontram. Decidem rodar o carrossel da economia estatal mirando outra vez a sociedade.

República, democracia, cidadania: três formas sádicas que se vingam dos que não dormem, sempre os alvos desta adoração pública pelo bolso dos outros.

Poder, o míssil propulsor entra em órbita, liderado pelos gênios iguais que espalhamos por aí para dar aulas sobre o que acabaram de aprender. Impiedosos, não podem ficar desatentos ao inferior gastador, o homem livre e de desejo infinito.

Consagrado pelo sacramento do mando, o governante não tem um pressentimento complexo de suas próprias limitações. “Pacote”, a bonança econômica da tempestade política, o caro que não adianta, o barato que não funciona.

O que se pode saber de um governo, hoje em dia? A América do Sul só vê perto. Não olha o futuro, não se interessa por enxergá-lo. Quanto de dinheiro deve ser gasto pelo Estado e com quanto você deve ficar para gastar com sua família?, perguntou a dama conservadora ao Parlamento perdido.

A progressista não se sentiu provocada e deixou transparecer que, tradicionalmente, se mete na vida de todos através da bagunça financeira. Esgotamos todo o dinheiro dos impostos e queremos mais quando ele acaba, respondeu.

Mas o Estado não tem outra fonte de recursos do que o dinheiro que as pessoas ganham para si próprias, insistiu didaticamente. É uma derrota se o Estado decide gastar mais do que tem.

Graça Foster é o 'boi de piranha' de Dilma, de Lula e do PT


A Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apertam cada vez mais o cerco à presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, acumulando provas provas de seu envolvimento direto no esquema de corrupção da Petrobras, desde a época em que assumiu a Diretoria de Gás e Energia, em setembro de 2007. E logo em dezembro ela assinou o vergonhoso documento propondo “parcerias” para a Transportadora Gasene, através da criação de uma “Sociedade de Propósito Específico” (SPE).

A Gasene é uma rede de gasodutos construída entre Rio de Janeiro e Bahia, passando por Espírito Santo, e esse ato de Graça Foster (ela prefere ser chamada assim) acabou se tornando mais um escândalo na estatal, com participação efetiva dela.

O Tribunal de Contas da União já enviou à força-tarefa da Operação Lava Jato uma cópia de sua auditoria, que aponta superfaturamento superior a 1.800% em determinados trechos dos gasodutos, além de pagamentos sem a execução dos serviços e dispensas ilegais de licitação. A gigantesca obra foi tocada pela estatal chinesa Sinopec, que era contratada da Transportadora Gasene S/A e fazia as subcontratações das empreiteiras e fornecedores.

A Petrobras (leia-se: Graça Foster) tentou barrar as investigações no Tribunal de Contas, alegando que a SPE Transportadora Gasene é uma empresa privada e foi responsável pelo empreendimento. Mas na verdade a estatal teve total controle da obra e tem a responsabilidade de pagar os financiamentos do BNDES. A manobra dos advogados da Petrobras não deu resultado, porque já existe jurisprudência de que o TCU tem competência do órgão para fiscalizar as SPEs.

No desespero, Graça Foster pediu que os advogados então tentassem impedir que o Tribunal de Contas enviasse os documentos à força-tarefa da Operação Lava Jato, para abafar o escândalo, porque o processo sobre o Gasene ainda é considerado sigiloso e tramita nas sessões reservadas do TCU.

Mas o plenário do TCU, em sessão aberta, acabou derrubando a tentativa da Petrobras de barrar as investigações sobre a rede Gasene. No início da reunião, o ministro-relator André Luís de Carvalho propôs que o recurso da Petrobras fosse apreciado sem sigilo. O plenário concordou. E o recurso da Petrobras foi rejeitado, porque os ministros não enxergaram qualquer irregularidade ou ilegalidade no envio de documentos à PF e ao MPF, que já estão usando os dados da auditoria do TCU para abrir nova frente de investigações.

Detalhe: o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli e o ex-presidente da Transportadora Gasene, Antonio Carlos de Azeredo. Os dois são apontados na auditoria como responsáveis pelas supostas irregularidades. Azeredo disse ter sido só um “preposto” na função. Será?

Mesmo diretamente envolvida nos escândalos da Petrobras, por que Graça Foster não é demitida? Segundo a analista Natuza Nery, da Folha de S. Paulo, o motivo é muito ardiloso. Graça se julga prestigiada, mas está apenas servindo de escudo para a presidente Dilma Rousseff. Enquanto a amiga permanecer no comando da Petrobras, levando pancada de todo lado, Dilma ficará longe do foco das discussões.

Natuza Nery tem toda razão. A estratégia do Planalto é realmente esta, e Lula ficou como “voto vencido”, porque não participa mais das decisões. Se dependesse dele, Graça Foster já teria sido detonada há dois meses e seria formado um “gabinete da crise”, com participação também do PT e do Instituto Lula. Mas Dilma não quer saber dessas ideias de Lula, prefere errar sozinha.

O mais interessante é que Lula acaba sendo beneficiado por essa estratégia do Planalto, já que, enquanto Graça Foster estiver em cena, ele poderá se preservar nos bastidores.

Carlos Newton