sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Gente fora do mapa


Aberta fila de indicações políticas de Bolsonaro

Foi deflagrada em Brasília uma articulação política de dimensão que não se via desde 2003, quando o petismo substituiu o tucanato no poder federal. A pretexto de expurgar da máquina estatal os "esquerdistas" que ocupam poltronas nas repartições públicas desde o primeiro mandato de Lula, os operadores de Jair Bolsonaro começaram a organizar uma espécie de fila do emprego. Parlamentares dispostos a apoiar o governo do capitão estão sendo convidados a fazer indicações para cargos federais situados nos Estados.

Encontram-se sobre o balcão assentos em órgãos muito cobiçadas por deputados e senadores. Por exemplo: Dnit, Incra, Dnocs, Funasa e Ibama. São nichos tradicionais de politicagem e corrupção. Em português castiço, o que se vê nos bastidores da transição é o velho toma-lá-dá-cá —aquele modelo arcaico de fazer política que Bolsonaro havia amaldiçoado durante a campanha eleitoral. No melhor estilo franciscano, é dando que o futuro governo espera receber apoio às reformas que enviará ao Congresso.

O pretexto ideológico é frágil, pois vários congressistas entram na fila não para ocupar, mas para manter cargos que já controlam. São fisiológicos profissionais. Apoiavam Fernando Henrique Cardoso. Continuaram apoiando Lula. Deram suporte a Dilma Rousseff. E ajudaram a derrubá-la para manter seus espaços na máquina estatal sob Michel Temer.

Há, porém, um quê de originalidade no fisiologismo à Bolsonaro. Por enquanto, as negociações não passam pelas cúpulas dos partidos. Abordados diretamente, integrantes do chamado baixo clero legislativo se sentem valorizados como cardeais. Onyx Lorenzoni, o futuro chefe da Casa Civil, seleciona um grupo de parlamentares barrados nas urnas de outubro para compor um grupo para ajudar a organizar a fila e preencher os cargos.

Desigualdade ao extremo


Matar é o ápice da desigualdade social
Judith Butler

O teatro principal

Bomba fiscal é bomba social. A do Brasil é monumental e o novo governo mal começou a lidar com ela. Depois de muito espremer as estatísticas, economistas da FGV-SP chegaram a um número de forte expressão simbólica, dada a questão social embutida na frase “atacar a questão fiscal”. De cada 1 real gasto pelos cofres públicos, 75 centavos vão para pagamento de previdência, programas assistenciais, transferências de benefícios.


Trata-se, na verdade, de uma gigantesca folha de pagamentos, dos quais dependem direta ou indiretamente cerca de 2/3 da população do País. Falar em “ajuste fiscal”, “atacar a questão dos gastos públicos” significa, portanto, lidar com um problema social de implicações políticas que o novo governo está começando a entender. Vai demandar um grau de capacidade de articulação e equilíbrio cuja ausência até aqui em governos anteriores foi compensada através da distribuição de benesses (de todos os tipos) e aumento de impostos – e não há mais espaço para nenhum deles.

A questão tributária e a quebradeira dos Estados têm de ser colocadas também nessa conta – que, insisto, é uma conta para a Política. Assim, os 308 votos necessários na Câmara dos Deputados em Brasília são apenas parte do desafio. A coesa e coerente equipe econômica sob Paulo Guedes e a estrutura de comando executiva composta ainda por vários militares de boa formação e cabeça aberta dispõe de qual “governabilidade” diante: a) do tamanho da bomba (que é uma corrida contra o tempo) e b) da óbvia falência de um sistema político que talvez esteja apenas iniciando um processo de recuperação?

Os sinais do período de transição indicam que Bolsonaro entendeu que a articulação política com o Congresso tem sentido mais amplo do que contar votos de deputados e isso não é tarefa para um homem só. Entendeu que política é negociação e compromisso e tanto é assim que encontrou um nome para o Ministério da Educação do agrado de um círculo político do qual ele, Bolsonaro, depende para apoios (evangélicos). Está apanhando ainda para perceber que propostas de palanques (e lacração em redes sociais) não são programa nem método de governo – quanto mais depressa Bolsonaro “institucionalizar”, melhor para ele mesmo.

A política trouxe do vocabulário militar expressões como “teatro principal de operações” e “teatro secundário de combate”. Há nos primeiros passos da transição iniciada pela onda política que varreu o País a clara evidência de confusão entre esses dois planos. É “normal” para a situação de um presidente empurrado aonde chegou por uma transformação política que se dá tanto em torno de “valores” quanto pelo desejo de ver a economia destravando e gerando prosperidade (portanto, de projetos e plataformas). O problema aqui é se concentrar no teatro principal e não gastar energias em ávidos debates secundários, cujo principal mérito é sobretudo produzir muita repercussão em redes sociais.

Diante do fato inconteste que o Brasil é fatiado em interesses corporativistas dos mais diversos, e muito bem organizados, ganhar a eleição foi o mais fácil e a verdadeira guerra começa agora. A tal da “governabilidade”, entendida como capacidade de levar adiante o que o governo acha que precisa fazer, depende diretamente da concentração de esforços no que realmente importa. O preço político a ser pago é enorme e difícil de ser calculado, mas provavelmente não conseguirá ser saldado se o emprego do capital trazido pela vitória eleitoral se dissipar em muitas frentes.

Brasil mostra sua bandeira


Cadáveres insepultos

Três deputados estaduais do Rio pelo MDB estão presos há mais de um ano por corrupção, à espera de serem cassados por seus pares. Enquanto isso não acontece, continuam recebendo seus salários, verbas de representação, ajuda de custo e outras benesses. Seus funcionários de gabinete também continuam na folha de pagamento, embora não tenham o que fazer.

Outros sete deputados estaduais, dos quais cinco reeleitos em outubro último, foram presos há duas semanas e podem ter o mesmo destino: prisão com vencimentos integrais enquanto não perderem os mandatos, leve o tempo que levar.

Os três primeiros deputados presos, um deles o notório Jorge Picciani, ex-presidente da Assembleia fluminense e velho cúmplice do ex-governador Sérgio Cabral, já custaram à Alerj pelo menos R$ 9 milhões nesse período. Se a cassação dos outros sete também se arrastar, a despesa com esses cadáveres insepultos passará de R$ 20 milhões. Num estado falido e com os serviços nas últimas, como o Rio, é de se perguntar o que não se compraria de importante para a população com esse dinheiro.

Na área da saúde, R$ 20 milhões comprariam muita coisa em gaze, algodão, luvas hospitalares, máscaras, seringas, roupa de cama, jalecos, instrumentos, anestésicos, analgésicos, luz, gás, alimentação e conforto para os residentes. Vidas poderiam ser salvas com a maior fartura desses itens.

Na área da educação, R$ 20 milhões equivaleriam a currículos mais exigentes, tecnologia de ponta em sala de aula, professores com melhores salários, bibliotecas decentes, merenda para os alunos e maior aproveitamento em geral.

No quesito segurança, R$ 20 milhões representariam mais serviço de inteligência, fronteiras estreitamente vigiadas, armamento mais sofisticado, menos operações de risco e menor número de mortos.

Seria ótimo, não? OK, agora, acorde. E os ditos cadáveres podem voltar a caminhar entre nós.

Uma família do barulho!

Famílias presidenciais são como todas as famílias: sempre têm espaço para mais uma … confusão. É o caso dos Trump e, também, dos Bolsonaro.

Jair, o pai, elegeu-se presidente da República e ainda conseguiu pôr três filhos no Legislativo. Um na Câmara de Vereadores do Rio, outro na Câmara dos Deputados e um terceiro no Senado. Feito inédito nessa faixa verde-oliva-amarela abaixo do Equador.

A família Bolsonaro constitui o primeiro círculo do poder do futuro governo. É um núcleo masculino, onde se destaca em cadeira cativa a mulher de Bolsonaro, Michelle, uma ativista social. Nele, Bolsonaro-pai só permitiu a entrada de uma pessoa que não é da família, o deputado federal eleito pelo Rio Hélio Fernando Barbosa Lopes, ou Hélio “Bolsonaro” ou ainda Hélio Negão, invariável acompanhante do presidente eleito em todas as ocasiões. São velhos amigos íntimos.

Dificilmente haverá decisão importante de governo sem trânsito por esses cinco (os três filhos parlamentares, o silencioso deputado federal Hélio e a primeira dama Michelle). No mínimo, eles terão conhecimento prévio das decisões capazes de afetar a vida de todos os brasileiros e – quem sabe? – de abalar a de parte do mundo.

Ao integrar os filhos-parlamentares no centro de decisões de governo, Bolsonaro-pai criou um problema para o presidente Bolsonaro. É desses problemas insolúveis, pelas seguintes razões:

1) filhos são indemissíveis da vida de qualquer pai;

2) os Bolsonaro-parlamentares são jovens, inexperientes em política, e se apresentam em público como se fossem generais de uma revolução deflagrada no berço doméstico;

3) eles são percebidos como os mais qualificados intérpretes da vontade do pai-presidente e os mais autênticos porta-vozes do presidente-pai;

No conjunto, aparentam uma corte familiar. Isso, no tumultuado ambiente político de uma transição de governo, é suficiente para atrair gestos gratuitos de cortesia, alianças interessadas e adversários no poder.

De Hélio Negão nunca se ouviu palavra. Nem mesmo um sussurro. Tampouco se viu um gesto. Da primeira-dama tudo que se ouviu até agora foi um breve discurso sobre sua disposição de batalhar por uma causa nobre – a inclusão de pessoas portadoras de deficiências.

Os Bolsonaro-filhos são opostos. Comportam-se como parlamentares de movimentos estrepitosos, indiscretos, e parecem ter necessidade de reafirmação pública e constante do poder conquistado pelo DNA de família.

Nas últimas 48 horas, um disse nos Estados Unidos que a reforma da Previdência tem poucas chances de ser aprovada. O outro, aqui, que tem chances, sim. O terceiro…

Eles se comunicam e se divulgam de preferência via fraseados de 240 caracteres no twitter, geralmente no estilo de desabafo contra tudo e contra todos que, por acaso, possam não concordar com 100% do ideário lapidado na Barra da Tijuca, o berço doméstico.

À medida em que a posse presidencial se aproxima, começam a ver adversários e até inimigos por todos os lados. Como foi o caso do vereador carioca Carlos Bolsonaro com seu twitter a respeito do perigo que corre a vida do seu pai.

Não creio que Carlos faça gosto pela leitura de clássicos. Ele poderia ter citado Marco Antonio nos funerais de César: “Então, eu e vocês e todos nós também tombamos, enquanto essa sanguinária traição florescia sobre nós.” Caberia num post com 140 caracteres.

É possível que Jair Bolsonaro não imaginasse que venceria a eleição. Eleito, talvez não imagine como será seu governo com três filhos políticos afoitos, indiscretos e com a ansiedade juvenil de reafirmar a todo momento, sua condição de família onipresente no coração do poder.

Deus salve a América! Quero dizer: o Brasil.

Brasileiros vão às compras e ignoram Lula

A descoberta de outros casos de corrupção e lavagem de dinheiro deixa sombrios os dias de Lula. Para quem achava que passaria poucos dias na cela, que renasceria das cinzas como a fênix para um novo voo político como candidato a presidente da república, o tempo passou e só Carolina não viu, como diria Chico Buarque, seu mais ardoroso defensor. Da euforia da pré-campanha, quando se apresentava como candidato, mesmo com a certeza de que a Justiça iria impugnar seu registro, Lula agora se prepara para uma prolongada permanência atrás das grades, agora com o tempo desfavorável a um desfecho feliz.


Já não se vê por aqui os movimentos de “Lula Livre” e a campanha do “Fora Temer”, patrocinada pelos petistas. Parecem clichês do passado que vão se desmilinguido enquanto o país caminha para outro momento político. A brasileirada está mais preocupada em encher os carrinhos de compras nas lojas de departamento no frisson do Black Friday do que sair pelas ruas friorentas da Big Apple acenando a bandeira de PT injustiçado.

No meio dos brasileiros – até entre os petistas radicais – já não se ouve tanto a defesa doentia de Lula. Parece que os protestos foram engolidos pelos novos tempos, depois do último depoimento do ex-presidente à juíza Gabriela Hardt que o enquadrou de forma severa ao perceber a intenção dele em tumultuar o interrogatório quando insinuou que o juiz Sérgio Moro tinha relações próximas com o doleiro Youssef. Se Lula imaginava que iria impor suas bravatas, o que se viu foi um cara abatido e acuado diante da juíza determinada a não deixá-lo fazer proselitismo político.

A sensação que tenho por onde passo – Miami e Nova Iorque – é de que existe um conformismo entre os seguidores de Lula de que ele ficará mais tempo na cadeia do que se imaginava. E que depois da campanha feita no exterior com dinheiro público por embaixadores simpatizantes do PT e cineastas com dinheiro da Ancine, é fria, hoje, a reação dos brasileiros em relação a causa petista.

A imprensa, então, quase não fala de política brasileira. O próprio Bolsonaro já está frio, gelado, no noticiário. Trump, com os seus arroubos, não deixa espaço pra ninguém na mídia. Quem vem ocupando as manchetes por aqui é outro brasileiro, o ex-presidente da Nissan, o Carlos Ghosn, preso no Japão sob acusação de sonegação fiscal.

O executivo é figura presente nas primeiras páginas dos principais jornais como Financial Times, NYT e Washington Post. Há controvérsias quanto a sua prisão. Fala-se, inclusive, que os japoneses teriam armado uma arapuca contra Ghosn, também naturalizado libanês, para retirá-lo da presidência do conselho com inveja do sucesso dele à frente da própria empresa deles. É o que pensa pelo menos os dirigentes da Renault, empresa francesa, parceira da Nissan, que condena a prisão de Ghosn.

Assim como a imprensa, os organismos internacionais também baixaram a bola na campanha do “Lula Livre”. Alguns dirigentes tentaram, em vão, tumultuar o processo eleitoral, mas recuaram diante da decisão soberana do TSE de manter a inelegibilidade de Lula nas eleições desse ano. Há um certo temor entre os minguados petistas sobreviventes no exterior de que o ex-presidente será novamente condenado. E se isso de fato ocorrer, dizem eles, Lula dificilmente sairá da cadeia, já que seu partido, derrotado nas urnas, está no ostracismo.

Outros militantes acreditam que Lula, caso condenado novamente, deverá ser transferido para um presídio comum para cumprir as penas. Mantê-lo sob custódia na Polícia Federal requer uma logística que a própria PF não está acostumada, pois o local não é para abrigar preso já condenado. Além disso, Lula custa muito caro ao estado pelo aparato à sua disposição por ser um preso que exige atenção especial.

Enfim, o velho ditado do “rei posto, rei morto” é o que se ouve dos brasileiros, que nesse momento se acotovelam com os japoneses nos corredores lotados das lojas de grife, quando falam sobre a situação atual de Lula.

O ostracismo do Lula assemelha-se a cena de um político apagado como se alguém tivesse puxado a tomada, deixando-o na escuridão.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Critério ministerial de Bolsonaro é falta de critério

Em campanha, Jair Bolsonaro prometera compor um ministério técnico e enxuto. Tudo isso sem toma-lá-dá-cá. Eleito, foi perdendo o nexo aos poucos. Hoje, o critério marcante da composição de sua equipe é a ausência de critério. O time não é 100% técnico. A Esplanada de 15 pastas se encaminha para a marca de duas dezenas. E um pedaço do primeiro escalão foi encostado no balcão do baixo mercado da política.


Quando falava aos eleitores em ministros técnico, Bolsonaro dava a entender que refugaria indicações políticas. Súbito, escolheu três deputados do DEM: Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde). Nada a ver com o partido, alegou. Onyx é escolha pessoal. Tereza e Mandetta são apoiados por frentes parlamentares, não partidos. Hummm…

Antes que a plateia conseguisse entender qual é a diferença entre os parlamentares de uma frente e os congressistas de um partido, Bolsonaro entregou a pasta da Cidadania ao deputado Osmar Terra, ex-ministro de Michel Temer, filiado ao velho MDB. E acomodou no Ministério do Turismo o deputado Marcelo Alvaro Antonio, do seu PSL. O mesmo PSL que reclamou do excesso de DEM no time do capitão.

Além de Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça), especialistas em suas respectivas áreas, o perfil técnico é mais visível, no fim das contas, na cota militar do ministério. O PFA, “Partido das Forças Armadas”, emplacou cinco ministros. Ocupa um espaço equivalente ao que foi destinado ao PT nos governos de Lula e Dilma. Ou ao MDB na gestão Temer. Com uma vantagem: nenhum dos ministros militares carrega na biografia acusações de assalto ao erário.

Há, de resto, uma outra categoria ministerial que não se encaixa nos critérios pactuados por Bolsonaro com o eleitorado. São os dois ministros da cota do polemista Olavo de Carvalho: Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Vélez Rodríguez (Educação).

Assim, pode-se encontrar muita coisa no primeiro escalão do futuro governo de Jair Bolsonaro, exceto a lógica. Os fatos logo confirmarão a sensação de que o capitão, ao revelar o seu lado mais concessivo, aguçou o apetite da banda fisiológica do Congresso. Vem aí a guerra do preenchimento dos cargos do segundo escalão.

Como lidar com o negacionismo climático?

O deputado alemão Karsten Hilse, do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), raramente levanta a voz ou chama a atenção com um tom estridente, com comumente o fazem os líderes de sua legenda – Alice Weidel e Alexander Gauland.

Mas Hilse é não é menos radical. Ele é porta-voz da AfD para política climática – e diz não acreditar no aquecimento global. Seu objetivo é fazer com que a Alemanha deixe o Acordo Climático de Paris. De preferência já na COP24, conferência internacional que começa na próxima semana em Katowice, na Polônia.

Ele apoia as empresas de exploração de carvão que restaram no leste alemão e que em breve serão fechadas porque prejudicam o clima. E ele quer que os alemães parem de pensar sobre como podem combater as mudanças climáticas provocadas pelo Homem. Porque, para ele, os seres humanos não são culpados pelo aumento das temperaturas.

Para o político de 53 anos, partidos políticos tradicionais se uniram à mídia para criar uma religião ambiental irracional que força os cidadãos a pagar, em todo o mundo, por pecados climáticos imaginários.

"Especialmente na TV pública, não passa um dia sem que as pessoas sejam persuadidas de que são responsáveis pela catástrofe que está por vir e que, portanto, precisam ser boazinhas e prestar seu apoio às energias renováveis", disse Hilse à DW.

Da forma como ele vê, as mudanças climáticas se tornaram um substituto de religião. E, nessa visão de mundo, Karsten Hilse e seu partido são os iluministas ateístas e racionais. Em sua tentativa de convencer os outros dessa posição, Hilse desafia não apenas a política e a mídia, mas também a ciência.


A sede do Partido Verde alemão se encontra a poucos minutos de bicicleta do prédio do Bundestag em Berlim. Na coletiva semanal de imprensa, a copresidente dos verdes Annalena Baerbock afirmou que o ceticismo da AfD sobre as mudanças climáticas nada mais é do que uma contestação cínica sobre a ciência.

"A AfD não apoia a liberdade de pesquisa em nosso país. Não aceita que tenhamos resultados científicos em todos os setores climáticos, inclusive no debate sobre o clima empreendido por todos os cientistas do mundo, em vez disso, ela procura questionar a ciência", disse.

A afirmação de Baerbock não corresponde inteiramente à realidade: na verdade, há cientistas que rejeitam o conceito das mudanças climáticas causadas por humanos, mas eles são poucos e não são especialistas climáticos. Como os signatários da Petição do Oregon, de 2007, em que alguns pesquisadores colocam em dúvida as mudanças climáticas e que é considerada duvidosa.

A maior parte dos especialistas defende a ideia de que a humanidade precisa mudar seu modo de vida para evitar as mudanças do clima. No entanto, para Karsten Hilse, da AfD, a ciência "não é uma democracia" determinada por uma "maioria".

"Olhem para o caso de Copérnico, que foi o primeiro a dizer que a Terra não se encontra no centro do nosso Sistema Solar, mas o Sol", afirmou Hilse. "Quantos especialistas não disseram então: 'Você é louco?'", indagou o político populista de direita. "A ciência não tem nada a ver com a democracia."

Na verdade, o argumento de Hilse é falho: a teoria heliocêntrica de Copérnico acabou sendo aceita como correta, porque ele era um cientista mais competente que seus detratores, mas não porque não se deva, em princípio, acreditar em especialistas.

O fato de que até mesmo a Alemanha não deverá alcançar os seus próprios objetivos climáticos até 2020 é, para Hilse, um sinal da fraqueza desses "acordos não vinculativos". A conclusão da AfD é portanto: por que participar? Para os verdes, no entanto, esse é um motivo para persuadir o governo alemão a investir mais na proteção climática, em vez de desperdiçar tempo e energia em discussões com a AfD.

"A AfD quer abolir todo esse debate político, por isso não adianta tentar conversar com eles o tempo todo", disse Baerbock. "Em vez disso, temos que instar o governo alemão, que hoje infelizmente não cumpre as metas de proteção climática do Acordo de Paris, a ir mais adiante."

Embora a AfD seja, em primeira linha, um partido anti-imigração, talvez se pudesse dizer que Hilse é um lobo solitário sem chances, cuja visão de mundo confusa pudesse ser seguramente ignorada. Mas Hilse não está sozinho em seu partido.

Embora o ceticismo da legenda populista de direita sobre as mudanças climáticas tenha recebido pouca atenção até agora, com sua forma de agir, eles estão mudando as regras do jogo político. Hilse argumenta que seu único desejo é representar perspectivas alternativas e "deixar as próprias pessoas formarem uma opinião."

Baerbock, no entanto, vê isso como algo ameaçador: uma destruição dos fundamentos democráticos da ecologia moderna e que isso seria uma dupla vitória para os populistas de direita: "Entre os liberais e partes dos conservadores, diz-se agora subitamente: 'em consideração à AfD, não devemos falar muito sobre a política climática'", afirmou Baerbock à DW." Isso é absolutamente errado. Assim se faz o jogo dos populistas de direita."

E assim o populismo da AfD contribui para o fato de que a política climática alemã, que já perdeu muito em entusiasmo, se enfraqueça ainda mais.

Brasil de mendigos


'Postos Ipiranga' na lógica do novo governo

A forma da água depende de seu estado físico. Líquida, conforma-se ao recipiente que a contém. Assim são os governos, dependem dos limites impostos por margens políticas. Sob Jair Bolsonaro, o governo federal vai assumindo a forma imposta pelas circunstâncias, a maior ou menor força do presidente eleito, de sua margem, maior ou menor, para exercer influência mais ou menos decisiva. Seu estilo.

Onde o presidente eleito não tem força — ou admite nada entender do assunto —, não se mete. Delega e outorga; concede aquilo a que tem chamado de “Carta Branca”. Nasce, assim, um “Posto Ipiranga”, onde se vai buscar tudo aquilo a que o presidente não tem resposta. É, de certo modo, anti Dilma, a presidente que sabia de tudo, interferia em tudo, até nos planos de voo dos pilotos do avião presidencial.


A postura de Bolsonaro, a princípio, talvez seja menos nociva, em certo sentido ao menos. A interferência diária, “a marcação em cima”, como se dizia de Dilma, pode criar um caos tanto quanto a falta de coordenação e a omissão. Leigo que dá ordem a médicos mata o paciente, ainda assim, presidente é presidente. E, na cultura brasileira, associa-se a ele toda a responsabilidade, todos os bônus e os ônus pelos resultados.

Pode-se argumentar que, a exemplo do que se dizia de Lula, o presidente não precisa ser um técnico e, talvez, nem deva ser, bastando que tenha sensibilidade política para agir no momento certo. Política é timing; essa habilidade é mesmo um dom, uma arte. Pode-se governar a partir disso. No mais, é saber de quem se cercar. Ouvi os conselheiros certos — o que também não parecia ser o caso de Dilma.

É isso que será testado em Bolsonaro, qualquer veredito a esse respeito, neste momento, será precipitação. Liderança não se dá em tese, a priori, em expectativa; ela se dá sob o fogo dos conflitos, nas batalhas. Liderança é sempre testada. E, como presidente da República, obviamente, Bolsonaro ainda não foi testado.

Mas, já se pode dizer que, em virtude das condições gerais do país e das características pessoais do futuro presidente, seu governo vai tomando contornos mais nítidos. Já se pode vislumbrar a forma de organização, que tende a ser fundada em centros com considerável autonomia, se não independentes. Em outros termos, vislumbra-se um governo organizado em várias unidades de Postos Ipiranga.

São cinco:

1) Posto Ipiranga Econômico”, sob governança de Paulo Guedes: trata-se de um centro feito à imagem e semelhança do futuro ministro; um super ministério da Economia, incorporando várias frentes: Fazenda, Planejamento e Orçamento, Indústria e Comércio Exterior, BNDES, Banco Central, Bancos oficiais. Além de exercer forte influência sob os ministérios da Agricultura, Minas e Energia, e Infraestrutura. Sua lógica é do liberalismo puro, radical e ortodoxo, com vários de seus membros oriundos da Universidade de Chicago. Além da questão fiscal, tende a se voltar para a diminuição do Estado, privatizações e fim de incentivos fiscais, subsídios, protecionismos; se voltará à transformações de longo prazo, com vistas à implantação de uma lógica de mercado nas mais diversas frentes. Com base na filosofia de que não se faz omeletes sem esmagaros ovos, abrirá diversas frentes de conflitos inevitáveis diante de propósitos assumidos já durante a campanha — e, a partir daí, pode mesmo perder os ovos;

2) “Posto Ipiranga do ‘Combate ao Crime’”, sob o julgamento de Sérgio Moro: muito mais que Justiça e Segurança, incorporará a Polícia Federal, o Coaf, a conexão com o Judiciário e o Ministério Público. Uma Lava Jato Turbo. Será a frente que buscará dar conta de desafios tão grandes quanto os econômicos. E foi, sobretudo, com essa pauta que Jair Bolsonaro foi eleito: ações incisivas e efetivas contra a corrupção, o crime organizado e a violência das ruas. Será daí que poderá brotar a mais célere — e cheia de pressão — das fontes de popularidade (ou desgaste) do governo. Moro organiza sua frente à sua imagem e semelhança, locando em cada posto-chave delegados do PF e promotores que devem implantar o clima e o estilo de “Curitiba”, no governo federal;

3)“Posto Ipiranga Militar”, sob o comando do futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva: exercerá poder de moderação sob o governo. Note, “poder de moderação” e não “poder moderador” sobre Poderes e instituições. Até aqui, tem servido para conter qualquer tentação de politização sobre as FFAA, restringindo-as ao papel definido pela Constituição Federal, à parte de qualquer intenção de usá-las a outro propósito. Pode-se dizer que, até aqui pelo menos, os militares colocaram os civis para fora dos quartéis, ainda que os civis tenham levado militares ao governo;

4) Posto Ipiranga Ideológico”, sob hegemonia dos filhos do presidente, com influência de seu guru filosófico, além, é claro, da fiscalização e veto da bancada evangélica: está aí o núcleo de propaganda política e ideológica — o que Bolsonaro criticava no PT, com o sinal trocado. A partir do Itamaraty, do ministério da Educação e o futuro ministério da Cidadania, que deve incorporar Cultura, Esportes, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, tende a irradiarem-se os valores e crenças da direita globalistado trumpismo bolsonariano,do pentecostalismo. Evidentemente, abrirá guerrilhas contra valores e costumes do mundo moderno, despertando conflitos na área dos direitos e liberdades civis;

5)“Posto Ipiranga Político”, que deveria estar sob a liderança de Onyx Lorenzoni, futuro ministro-chefe de uma Casa Civil esvaziada que, pelo cheiro, tende a ser tutelada por militares da Reserva, como o futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, e o futuro ministro Secretário-Geral da Presidência da República, general Carlos Alberto dos Santos Cruz: o lócusda queda-de-braço do bolsonarismo com o sistema político e os meios de comunicação tradicionais. Não por acaso, a Secretaria de Governo ficou sob comando de um militar, de modo não apenas a endurecer com a negociação fisiológica, como também inibi-la no nascedouro. Há aí muito da influência de Augusto Heleno e do vice, Hamilton Mourão, além de Bolsonaro: a visão disruptiva que o presidente eleito vocalizou durante suas quase três décadas, como parlamentar. Na reação do sistema político e do status quo do Legislativo, pode-se esperar muito barulho e turbulência vindo daí. Algumas derrotas em votações importantes, como, aliás, já tem ocorrido. Apenas ao final do primeiro ano de mandato é que se poderá avaliar quem ganhou e quem perdeu esse inevitável rali.

Resta saber se, com tantos centros, desafios e conflitos, governo será um todo uniforme; se as partes se somarão ou entrarão em disputa e conflito; se haverá coordenação central sob tantos polos de poder — sob a gerência do vice Mourão, com antigas atribuições da Casa-Civil —, a partir da autoridade do presidente da República. Se Jair Bolsonaro terá sensibilidade, habilidade e sagacidade para coibir vaidades, naturais crises de primas-donas,e arbitrar conflitos de verdade tanto no interior da equipe, quanto fora do governo. Resta saber se terá sucesso. Só o tempo dirá.

Multidão contra mudar

Há um lote pior no Brasil: é o dos que não querem ficar honestos nem daqui pra frente e gostariam que tudo continuasse a ser como sempre foi
Luís Roberto Barroso, ministro do STF

Armação contra a Lava Jato

Pode parecer teoria conspiratória, mas vamos juntar algumas pontas, na base do livre pensar, para mostrar que tem muita gente em Brasília tentando armar conta a Lava Jato.

Primeira ponta: muitos políticos estabelecidos foram derrotados nas urnas. É chato, mas a categoria sempre teve um modo de acomodação: a nomeação para cargos públicos diversos, especialmente nas tão numerosas estatais e, mais recentemente, nas agências reguladoras. Aliás, dá para entender por que são necessárias tantas empresas ditas públicas.

De 2016 para cá, entretanto, surgiu um grande obstáculo, a Lei de Responsabilidade das Estatais. A norma proíbe que dirigentes partidários e parentes de políticos com mandato sejam nomeados para a presidência, diretorias e cargos em conselhos das estatais.

A lei havia sido uma reação à Lava Jato, que flagrou justamente o escândalo das nomeações políticas. E mais recentemente, houve um avanço, um projeto de lei, apresentado na Câmara, que estende a proibição para as agências reguladoras.

Pois então, na tramitação desse projeto, deputados conseguiram uma proeza. Com uma manobra de bastidor, inverteram os termos, de proibição para permissão, e ainda incluíram as estatais. Ou seja, aprovaram um texto que simplesmente libera total as indicações políticas para qualquer empresa ou agência.

A jogada ainda não está concluída, pois o projeto ainda tem que passar pelo Senado. Mas sobram informações mostrando que a Casa, onde foi maior o número de parlamentares derrotados, está, digamos, muito propensa a seguir a manobra da Câmara.

Argumentam que a lei não é razoável, é muito severa, exagerada, pois o político ou seu parente podem ser um bom gestor. Podem, e a lei é mesmo exagerada.

Mas isso porque a corrupção foi muito mais exagerada.

A segunda ponta: de nada adiantará liberar as indicações políticas se as estatais forem privatizadas. Claro, não?

Vai daí, acumulam-se as restrições administrativas e legais às privatizações. O ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, com uma liminar, derrubou pontos de uma lei que regula a gestão e, pois, a venda de estatais. Para o ministro, para cada estatal a ser privatizada, é preciso uma lei específica votada pelo Congresso.

Não basta, portanto, uma lei geral de desestatização, como era a norma. Mesmo pequenas subsidiárias precisam de lei específica.

Trata-se de liminar, decisão provisória de um ministro. Ainda precisa ser debatida e votada no plenário do STF. A liminar é de junho último e não há o menor sinal de que será incluída na pauta do tribunal.

O ministro Lewandowski justificou seu voto dizendo que era preciso conter a “crescente vaga de desestatizações”.

Não há propriamente uma onda de privatizações, mas o tema está na pauta nacional por uma razão simples: governos estão quebrados, estatais em crise, de modo que vender ativos não é uma opção ideológica, mas uma necessidade econômica.

Por toda parte, porém, vão surgindo obstáculos. A Eletrobras tem ainda duas subsidiárias que são um poço de prejuízos, as do Amazonas e de Alagoas. Não consegue privatizar e assim vai passando a conta para os contribuintes. Mas se mantêm os cargos.

Terceira ponta da armação contra a Lava Jato: o indulto de Natal concedido pelo presidente Temer em 2017. Generoso, tira da cadeia condenados por corrupção que tenham cumprido pequena parte da pena. Nomes ilustres que seriam beneficiados: Eduardo Cunha e Antonio Palocci.

Partes dessa lei do indulto foram suspensas por liminar do ministro Luís Roberto Barroso – e o caso agora está no plenário do STF.

Esta coluna foi fechada antes da conclusão do julgamento, mas o que está em debate vai além. A questão é: pode o presidente, que tem a prerrogativa de indultar, conceder o benefício aos criminosos de colarinho branco?

Eles podem não ser violentos no sentido de que não mataram ninguém. Mas roubar dinheiro público não seria uma violência social ainda mais grave?

E, resumindo, é ou não é uma armação?

Bolsonaro precisa dar um jeito na própria família, antes de ajeitar este país

Em 1988, durante a Assembleia Constituinte, de repente encontrei no Salão Verde da Câmara o lendário jornalista Barbosa Lima Sobrinho, presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Ele disse que precisava encontrar com o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA) e me convidou para ir junto. Durante a conversa, o parlamentar paraense fez uma curiosa revelação pessoal. Afirmou que um dos maiores problemas do político é a própria família, cujos integrantes sempre pressionam pedindo emprego ou favores para eles mesmos ou para parentes e amigos. “É um inferno”, desabafou. E realmente a família pode ser um problema para os políticos, como está acontecendo agora com o presidente eleito Jair Bolsonaro.

Os filhos dele – Eduardo, Flávio e Carlos – Bolsonaro são muito mal educados. Comportam-se como se fossem porta-vozes do governo. É uma esculhambação familiar inaceitável num país em que nepotismo é proibido.


Os rebentos do primeiro casamento de Bolsonaro, que está no terceiro matrimônio e tem mais dois filhos, Jair Renan e Laura, precisam ser contidos a qualquer custo, porque estão causando problemas ao futuro governo, que tem de se acertar internamente para conquistar respeito externo.

Depois de o presidente Bolsonaro ter recuado no caso da embaixada em Jerusalém, chutando a decisão para janeiro, e depois de o vice-presidente, general Mourão, ter dito que o assunto precisa ser repensado, porque o Brasil não pode se arriscar a fazer parte da rota do terrorismo islâmico, um dos filhos de Bolsonaro volta a atiçar o tema.

Nesta terça-feira, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), durante visita aos EUA, fez questão de declarar que a transferência da embaixada para Jerusalém é uma decisão tomada. “Não se sabe ao certo a data, quando ocorre, mas temos a intenção… A questão não é perguntar se vai, é perguntar quando vai”, disse Eduardo Bolsonaro, cheio de certezas.

Afinal, quem manda nesse governo? É uma pergunta importante e que precisa de resposta. O presidente eleito Jair Bolsonaro recebeu nesta quarta-feira, a visita do embaixador de Israel, Yossi Shelley, na Granja do Torto, mas não informou o assunto do encontro. Ou seja, mantém reserva sobre o polêmico assunto da mudança da embaixada, mas seu filho Eduardo tem outra visão do problema.

É claro que se trata de nuvem passageira, porque Eduardo Bolsonaro é deputado federal e deverá passar a cuidar do próprio mandato, espera-se. Da mesma forma, aguarda-se que Flávio tome posse como senador e arranje o que fazer, enquanto o terceiro filho Carlos é vereador no Rio de Janeiro e também precisa fazer jus à generosa remuneração que o povo lhe paga.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O acordão de Temer com o Supremo

Saiu tudo conforme o combinado. A cinco semanas de deixar o poder, Michel Temer sancionou o aumento dos salários do Supremo. No mesmo dia, o ministro Luiz Fux revogou a própria liminar que garantia a farra do auxílio-moradia dos juízes. Foi um acordão explícito. Daqueles que só são fechados quando ninguém mais se importa em manter as aparências.

Temer chancelou o aumento dos capas-pretas para R$ 39,2 mil, além das mordomias do cargo. O Supremo prometeu compensar o gasto extra com cortes no orçamento da TV Justiça. Será uma medida cosmética. O problema está no efeito cascata do reajuste, estimado em R$ 4 bilhões por ano.


O presidente acendeu o pavio e vai deixar o palácio pela porta de emergência. A bomba explodirá no colo do sucessor. Ele dividirá a conta com os novos governadores, incluindo os que herdarão estados falidos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Ao assumir o cargo, Temer pediu sacrifícios para equilibrar as contas. Seu último gesto vai na contramão do discurso de austeridade. É mais um sinal de que ele está menos preocupado com os cofres públicos do que com o próprio futuro.

Em janeiro, o presidente perderá o foro privilegiado e a blindagem negociada com os deputados. As denúncias da Procuradoria-Geral da República deverão ser remetidas à primeira instância. Um bom motivo para não negar o agrado natalino dos juízes.

Do lado do Supremo, a canetada de Fux escancarou que houve uma troca. Ao revogar o benefício que ele mesmo havia estendido aos colegas, o ministro restabeleceu o óbvio: não faz sentido o Estado pagar auxílio-moradia a juízes que têm imóvel próprio na comarca em que trabalham.

O curioso é que Fux não via problema no penduricalho até ontem. Bastou o aumento sair para que ele passasse a considerá-lo inadequado. “A Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e ressignificação”, justificou o ministro. Pode ser, mas certas autoridades são mais vivas do que qualquer documento.

Sem saída

Mas como se refaz um país com a Câmara e o Senado sendo o que são?
Ignácio de Loyola Brandão

Meu guri

O presidente eleito, ontem, deu uma entrevista no chamado quebra-queixo, à saída do Centro Cultural do Banco Cultural do Banco do Brasil, sede do grupo de transição. Seria para esclarecer o perfil de seu governo, mas a zona cinzenta não se dissipou. O governo Bolsonaro está indefinido não só quanto ao plano de voo, com as manobras concretas de que todos devem participar, mas principalmente na estrutura, cuja organização deve preceder o começo dos trabalhos. Falta a remodelação da Presidência da República e do Ministério da Infraestrutura, o que não é pouco. Mas apesar disso a escolha da equipe está avançada, e ela não dá à sociedade um sinal seguro sobre que rumo a nova ordem aponta.


A família Bolsonaro, nova oligarquia na política brasileira, como era previsível, começou a se desintegrar muito cedo. Carlos Bolsonaro desentendeu-se com Gustavo Bebianno e foi embora da transição, depois de ter pilotado as redes sociais durante a campanha, com sucesso. Tem mandato de vereador e o prestígio intransferível de ser filho do presidente. É claro que mesmo longe terá influência inaudita.

Eduardo Bolsonaro, que barbarizou na campanha e sofreu desmentidos em série, continua assombrando na transição ao começar uma rodada internacional de conversas, até fazendo alianças para punir Venezuela e Cuba, não se sabe com que mandato. O chanceler nem tomou posse. Se fosse na área militar, estaria preso.

Embora a lenda diga que Flávio é o mais estourado, não apareceu esse traço até agora. Mas é inegável a preponderância dessa influência familiar, afinal todos estarão na mesma ceia de Natal.

E eles não se contêm, parecem muito entrelaçados com o pai. Como não têm intimidade com a política, nem em sua história, nem adquirida, a possibilidade de errar é grande. Uma vantagem: todos tinham mandato antes de o pai chegar à Presidência, portanto têm legitimidade inquestionável, mas uma performance tosca.


A política brasileira sempre foi enredada por oligarquias. Todo presidente tem sua família, claro, não pode abandoná-la só porque chegou ao poder máximo, mas nem toda família tem condições de fazer parceria com o presidente. O chefe tem que domá-la.

E não há necessidade de ter cargos formais para os próximos. Getúlio Vargas trabalhou com a filha Alzira todo o tempo, e ela era uma assessora informal. Já Roseana Sarney teve cargo no Palácio. Os exemplos aparecem nas conversas entre os que estão perplexos com as intromissões dos filhos. Por exemplo, os irmãos Goes Monteiro, que exerceram funções diversas, de interventor a governador, de senador a chefe militar, todos tiveram os instrumentos necessários para manejar a política.

Pelo núcleo político mais próximo também não é possível perceber para onde estão indo. Bolsonaro cercou-se de pessoas que não eram líderes em seus partidos, quase tratadas com desprezo no Congresso e não têm o condão para mover opiniões, alianças e votações. Talvez o governo lhes dê força.

Onyx Lorenzoni e Gustavo Bebianno são incógnitas indecifráveis no momento. A relação do governo com o Congresso é crucial, e não se tem ideia de como ela vai acontecer sob o comando desses políticos já indicados. Cargos fundamentais para essas relações são os de líder do governo no Senado e na Câmara, que ainda não foram mencionados.

Ou a relação com o congresso está sendo articulada secretamente, ou não se sabe ainda o que fazer sem o presidencialismo de coalizão.

A Casa Civil tem que ser forte em um governo como esse. Não se tem ideia de como formar consensos. Por exemplo: os políticos de quem Bolsonaro se cercou até agora são todos contra a reforma da Previdência, ponto crucial de um programa de governo, hoje: Onyx, major Olímpio, coronéis, generais, sargentos, nunca quiseram a reforma. Só se vai ver com mais nitidez esse quadro quando começarem a operar de fato.

O grupo da Economia, sob o comando de Paulo Guedes, é homogêneo. Mas por ele também não dá para adivinhar o rumo do governo. Guedes vem de formação em Chicago, junto com a maioria de sua equipe. Sergio Moro, o poderoso ministro da Justiça e grande conquista do presidente eleito, vem de Harvard. A universidade que fez a formação de Moro é um centro de inteligência aberto, múltiplo, a mais glamourosa instituição dos Estados Unidos. Chicago cristalizou na universidade os princípios da economia conservadora. Quem vai inspirar o presidente?

O Itamaraty e o Ministério da Educação fazem parte daquele nicho, que também sempre existe, de amigos dos amigos, no caso dos amigos do guru presidencial Olavo de Carvalho. Uma dupla de direita, rígida, que também só com esse traço não aponta o que vai ser a nova gestão. Do filósofo Olavo Carvalho, que os apadrinhou, não se pode esperar muito porque ele não fornece ao espectador uma unidade de pensamento.

Percebe-se no novo governo uma República de Juiz de Fora, cidade que forneceu boa parte da equipe dos assessores e ministros militares. Curioso como Juiz de Fora virou marca indelével na vida política do presidente eleito. Porém isso, por si, não quer dizer muito.

Os numerosos militares de alta patente que assumirão cargos de relevância têm traços em comum. Alguns foram assessores militares no Congresso, onde se aproximaram de Bolsonaro como de muitos outros políticos. Os militares sempre fizeram sólida ponte com o Congresso, são aplicados, seguem a tramitação de projetos de seu interesse com grande disciplina. Parlamentares lhes têm estima. São organizados e cumprem rigorosamente a missão que lhes foi dada. São os melhores assessores parlamentares do governo que circulam pelos salões verde e azul.

Quem não teve essa escola, entre os militares do governo Bolsonaro, também tem comportamento ameno e senso de dever e submissão ao chefe presidente. Esse temperamento em comum lhes dá unidade. A ver como funciona quando começarem a operar. Até agora foi o grupo mais bem arranjado do novo governo, desmentindo os abalos esperados.

E a indefinição na comunicação é séria. Não dá para governar por desmentidos no Twitter, nem por anúncios de planos e nomeações pela rede. Aconselharam o presidente sobre a desnecessidade de ter uma comunicação profissional com os que fazem comunicação. Bolsonaro tem falado mais além do Twitter, mas não basta, é preciso ter no governo quem cuide disso. Para a mídia não tem problema, é fácil acompanhar o patriarca pelos seus manifestos, estejam onde estiverem. Para a sociedade é desinformação e risco de perda precoce de popularidade do eleito.

Gente fora do mapa


Lições para Educação do país em que pedreiros estudam por até 4 anos

Adriane Gischig foi à Suíça há 18 anos, levada pela paixão. No Brasil, ela cursava o quinto semestre da faculdade de Direito e planejava transferir os estudos para a Universidade de Basileia para ficar próxima do namorado. Os créditos já cursados, porém, não foram reconhecidos e a paulista se viu em uma encruzilhada: recomeçar a faculdade do zero ou buscar uma nova carreira. Precisando conquistar sua independência financeira logo, ela optou por fazer a chamada "formação de aprendizagem", mais curta, com três anos de duração, e entrar no mercado de trabalho.


Entre aulas de alemão, tubos de ensaio e microscópios, ela se reinventou como assistente de laboratório. O treinamento vocacional exigiu que ela trabalhasse e estudasse ao mesmo tempo, sob a tutela do sistema educacional público e do empregador, uma multinacional farmacêutica.

Durante a formação, recebia um salário mensal de cerca de mil francos suíços (o equivalente a R$ 4,3 mil). Ao concluir, foi efetivada com ganhos na faixa de cinco mil francos suíços (R$ 21,5 mil).

"Aqui na Suíça, se você fizer um curso técnico e se empregar, você ganha muito bem em comparação com o Brasil. Não precisa ser pós-graduado ou ter mestrado para viver com conforto", diz.

A casa com jardim, o carro e a possibilidade de viajar nas férias com os dois filhos são fatores de qualidade de vida que ela conquistou inicialmente com a formação de aprendizagem e depois com aperfeiçoamento.

Após trabalhar como assistente de laboratório por mais de três anos, Adriane decidiu fazer um novo estudo. Com mais quatro anos e meio de dedicação, ela conseguiu se formar na Escola Superior de Administração. Ao longo desse tempo, avançou na empresa, passando a agente de compras até chegar no departamento de finanças, onde já está há seis anos.

"Os suíços não têm preconceito se um profissional não tem faculdade. Isso só existe no Brasil. Não existe discriminação justamente porque aqui todo mundo vive bem, independentemente de como você se formou", diz, sem lamentar o sonho abdicado de se tornar advogada e reafirmando que não se arrepende de trocar a universidade pelo aprendizado técnico.

"No Brasil, tenho vários amigos e colegas formados em Direito que não trabalham na área ou estão desempregados", pondera.

Na Suíça o sistema de formação de aprendizagem é amplamente estimulado, e cerca de dois terços dos estudantes optam por esse caminho, que se segue aos 11 anos de ensino compulsório, começando no jardim de infância, passando pela escola fundamental até a intermediária.

Mais de 250 profissões estão disponíveis por meio desse sistema de aprendizado, que propicia contato desde cedo com o mercado de trabalho. O tempo de formação depende da carreira escolhida, mas o mínimo é de dois anos, podendo chegar a quatro.

Pelo sistema de formação de aprendizagem são ensinadas ocupações como padeiro, açougueiro, cozinheiro, vendedor, operador de máquina, enfermeira, pintor, cabeleireiro, bombeiro e outros postos práticos.

A formação profissionalizante serve não só como porta de entrada para o mercado de trabalho, como também é base para uma educação contínua que pode se estender pela vida toda.

As aulas são intercaladas com treinamento praticado em construtoras, supermercados, restaurantes, lojas, hospitais, laboratórios e fábricas. As empresas que no futuro contratarão esses profissionais dividem com os governos local e nacional a responsabilidade pela implementação do currículo que foca em habilidades práticas. 

Os que concluem com sucesso recebem, normalmente, uma oferta de emprego da companhia onde treinaram e um diploma com validade nacional, o que os permite ter acesso a novos cursos, avançando na especialização da área que escolheram.

Se depois de formados os aprendizes quiserem mudar de profissão e seguir para um instituto superior politécnico ou ir à universidade, é possível, mas é necessário fazer um rigoroso estudo complementar de transição.

Os empregos de base que estão acessíveis por meio de aprendizagem despertam grande interesse porque garantem uma boa renda. Na média, esses profissionais recebem por mês algo entre R$ 21.500 e R$ 25.850 (de 5 mil a 6 mil francos suíços).

Um pedreiro, por exemplo, ganha por mês na Suíça, em média, 5,5 mil francos (R$ 24 mil), um marceneiro, 5,1 mil francos (R$ 22,2 mil) e um mecânico, 5,8 mil (R$ 24,9 mil). Nessas mesmas profissões, a média salarial no Brasil é de R$ 1.640 para pedreiros, R$ 1.550 para marceneiros e R$ 1.530 para mecânicos de automóveis.

O curso básico de aprendizagem de formação para pedreiro, marceneiro e mecânico dura dois anos na Suíça. É possível também estudar por três a quatro anos e receber uma qualificação avançada nessas profissões, o que garante um salário ainda maior.

O fato de os estudantes já estarem inseridos ativamente na economia faz com que a taxa de desemprego entre a população jovem da Suíça seja de apenas 4%. Além disso, a evasão escolar é baixa, pois mais de 90% dos inscritos conseguem concluir com sucesso o programa.

Stefan Wolter, professor de economia na universidade de Berna dedicado ao tema da Educação, alerta que o excesso de pessoas com formação superior leva não apenas ao desemprego, mas também deprecia o salário dos que estão ativos no mercado.

Wolter desaconselha jovens com perfil acadêmico fraco a buscarem obter um diploma universitário a qualquer custo, recorrendo a universidades pagas e sem credibilidade.

"Nos Estados Unidos há pesquisas que mostraram que essas faculdades que só querem lucrar causam um impacto negativo. Lá, na média para cada ano a mais que você estuda, você ganha entre 8% e 10% a mais de salário. Mas se você for para uma universidade sem prestígio, o impacto será negativo mesmo assim. Você acabará acumulando dívidas do financiamento educacional", alerta.

O especialista destaca que a realidade da Suíça é bem diferente da do Brasil, em que há muito poucas alternativas à universidade para o jovem que quer continuar a estudar, em busca de aprimoramento e melhores salários.

"No Brasil, a alternativa que se tem a ir à universidade é zero. Você não recebe nenhuma educação decente se não for à universidade", diz.

O economista argumenta que os brasileiros menos qualificados, que muitas vezes acumulam anos de déficit de aprendizagem ao longo da educação básica, acabam se formando com notas sofríveis em instituições ruins e não conseguem se posicionar na sua profissão em um mercado de trabalho já saturado e muito competitivo. Para esses, teria sido melhor fazer um treinamento vocacional. "É um desperdício de capital humano", lamenta Wolter.

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Consumo, poderoso chefão

A cultura e a política se converteram em artigos de consumo. Os presidentes são eleitos pela televisão, como os sabonetes, e os poetas cumprem uma função decorativa. Não há maior magia que a magia do mercado, nem heróis mais heróis que os banqueiros.
A democracia é um luxo do Norte. Ao Sul é permitido o espetáculo, que não é negado a ninguém. E ninguém se incomoda muito, afinal, que a política seja democrática, desde que a economia não o seja. Quando as cortinas se fecham no palco, uma vez que os votos foram depositados nas urnas, a realidade impõe a lei do mais forte, que é a lei do dinheiro. Assim determina a ordem natural das coisas. No Sul do mundo, ensina o sistema, a violência e fome não pertencem a história, mas a natureza, e a justiça e a liberdade foram condenadas a odiar-se entre si
Eduardo Galeano

Como governar para os pobres?

Numa pesquisa eleitoral do Ibope em outubro, apenas 37% dos entrevistados apontaram Bolsonaro como defendendo os interesses dos mais pobres em comparação a Haddad. 65% viam-no como defensor dos mais ricos. E, mesmo assim, ele levou a maioria dos votos válidos. Houve pobre votando em um candidato que ele próprio via como defensor dos ricos.

Infelizmente, como revela o relatório da Oxfam publicado ontem ("País estagnado —um retrato das desigualdades brasileiras"), o foco na pobreza e suas mazelas está mais urgente. A desigualdade estagnou basicamente desde o início da crise em 2014, e a pobreza subiu acentuadamente.


O relatório reconhece que a grande culpada é a crise econômica. De maneira geral, todos perderam; mas os mais pobres sofrem muito mais. O outro vilão apontado é o teto de gastos aprovado pelo governo Temer.

Se vivemos, desde 2016, uma lenta recuperação econômica, com a queda paulatina do desemprego, isso se deve ao próprio teto de gastos, que deu um sinal real de comprometimento do Estado com o ajuste fiscal. Mas é só uma promessa; cumpri-la significará passar a reforma da Previdência.

Deixar o Estado quebrar seria o pior cenário possível, inviabilizando qualquer investimento social.

Querer que o Brasil abandone o teto de gastos agora é miopia. É justamente o teto que coloca em evidência a realidade fundamental do orçamento público: para gastar mais de um lado, é preciso gastar menos do outro. O Brasil precisa sim de mais gasto social; e por isso mesmo o Estado brasileiro terá que cortar outros tipos de gasto.

Se, além do ajuste fiscal, a equipe econômica do novo governo conseguir implementar reformas liberalizantes na nossa economia (privatizações, desregulamentação, desburocratização, integração à economia global), viveremos um ciclo de crescimento e investimentos que beneficiarão toda a população.

A pobreza no Brasil reduzirá de forma expressiva no longo prazo. O livre mercado, no entanto, não dá conta de tudo: há milhões de pessoas que demandam assistência hoje e continuarão demandando; se nada for feito, no longo prazo estarão mortas.

Atender aos mais pobres e reduzir a desigualdade passa por termos uma economia mais livre e um Estado mais eficiente. Mas não para por aí.

Precisaremos de medidas para garantir que uma fatia maior dos ganhos do crescimento vá para quem mais precisa. Isso passa por pelo menos duas condições: a primeira é uma reforma tributária que, mantendo fixa a carga total (reduzi-la agora é impossível, e aumentá-la é suicídio), aumente os impostos dos indivíduos mais ricos ao mesmo tempo em que reduz a carga sobre os pobres e as empresas.

Em segundo lugar, a capacidade dos mais pobres de auferir os benefícios da modernização econômica do país dependerá da qualidade de sua educação, que hoje é sofrível. Superada a emergência do ajuste fiscal e aprovadas medidas para liberalizar nossa economia, o Estado estará pronto para focar em mais uma grande lacuna social de nossa história: a educação básica.

É quase utópico esperar do governo Bolsonaro algum comprometimento com a reforma do ensino (para além das nocivas bandeiras ideológicas) e com uma reforma tributária que cobre mais dos mais ricos e alivie as costas dos mais pobres. Apesar dessa percepção de ser o presidente dos ricos, o fato é que recebeu o voto de confiança de muitos pobres. A partir do ano que vem, mostrará se trai ou não essa confiança.
Joel Pinheiro da Fonseca

Modelito Brasil


Alheia às urnas, Brasília vive a fase do oba-oba

Se as eleições de outubro demonstraram alguma coisa foi que o brasileiro cansou de ser um figurante, do tipo que apenas compunha o fundo contra o qual se cumpria o destino trágico da nação. As urnas informaram que foi extinto aquele Brasil especial em que políticos e autoridades se sentiam a salvo, imaginando que não deviam nada ao Brasil comum, muito menos explicações. A despeito da clareza, a mensagem parece ter sido compreendida com o sinal trocado. Inaugurou-se em Brasília a fase do oba-oba.

Sob essa atmosfera de oba-oba, extinguiu-se a noção de certo e errado. Nesse ambiente, Michel Temer, um colecionador de processos criminais, sente-se à vontade para conceder à cúpula do Judiciário um reajuste salarial que se irradiará por toda a administração pública, chegando ao contracheque dos juízes de primeira instância, que o julgarão quando ele deixar o Planalto. E o Supremo, em troca do aumento, interrompe a imoralidade do auxílio-moradia pago a juízes com teto.


Todos sabem que essa modalidade suprema de toma-lá-dá-cá não compensará o efeito cascata, já orçado em pelo menos R$ 4 bilhões. Mas o clima de oba-oba transforma em chato quem fica lembrando que o orçamento de 2019 carrega um rombo de R$ 139 bilhões. Além disso, Temer está ocupado demais para se preocupar com cifras. Enquanto faz as malas e verifica se haverá sol e praia no dia 1º de janeiro, Temer comanda um lobby para que o Supremo restabeleça nesta quarta-feira o indulto para corruptos, com perdão de 80% das penas.

Simultaneamente, políticos encrencados na Lava Jato aproveitam o ritmo de oba-oba para tentar emplacar no Congresso um projeto que o multiprocessado Renan Calheiros colocou para andar no ano passado. Prevê a suavização de penas e a antecipação da liberdade de presos, inclusive os que foram condenados por corrupção. O eleitor que manifestou na urna sua contrariedade contra tudo isso que está aí olha de longe e fica em dúvida. Já não sabe se vive num país que dá jeito para tudo ou numa nação que não tem jeito.

Bolsonaro no apocalipse estatal

A esquerda dizia que o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) era “neoliberal”. A esquerda, petistas inclusive, dizia até que o primeiro governo de Lula da Silva (2003-2006) se rendera ao “neoliberalismo”. Que nome vai dar ao projeto de governo da economia de Jair Bolsonaro? Sim, projeto, pois sabe-se lá o que vai Paulo Guedes “entregar”, como diz o anglicismo horrível dos mercadistas.

Guedes levou para o governo seus companheiros de escola, mercado, conselhos empresariais e dos institutos Liberal e Millenium, as bestas do apocalipse, aliadas do Satanás da conspiração liberal globalizada, segundo a demonologia de esquerda.

Desde que há um Estado com derramamentos importantes pela economia (isto é, depois de Getúlio Vargas), não houve no governo do Brasil equipe liberal como esta de Guedes. Relaxando as dificuldades de comparação, mesmo quando o Estado era uma merreca, sob o governo dos fazendeiros de Império e República Velha, jamais houve essa unanimidade liberal radical.


Sim, ainda é projeto, é ambição, restritos desde o início porque a Casa Militar e o velho espírito de Bolsonaro acham que o “Petróleo é Nosso” e que bancos públicos têm funções sociais e estratégicas. Sabe-se lá o que Jair Bolsonaro vai pensar desse projeto, se e quanto dele for implementado, se e quando compreendê-lo, se ou quando houver revolta antiliberal (de servidores a industriais, passando por políticos e o povo das aposentadorias).

Assim como a esquerda não tem nome para a coisa, Bolsonaro não sabe e, aparentemente, não quer saber do sentido e do tamanho da coisa. Gosta mesmo é de cruzadas, para as quais nomeou essas pessoas que vão comandar Itamaraty e Educação, as quais também mal conhece, no entanto.

O presidente eleito converteu-se a alguma ideia vaga liberal em algum momento do governo Dilma Rousseff, uma história que ainda se está a apurar. Conheceu Guedes de fato apenas no ano passado.

Jamais teve ligação com grupos organizados da elite econômica, menos ainda de grupos de estudo ou de pensamento da elite econômica, liberais ou outros. A julgar pela sua incompreensão quase total do que seja um Banco Central, do que se passa com a dívida pública ou o que são estatísticas econômicas, deve ter remota ideia das consequências do que propõe Guedes, se alguma.

No entanto, não parece dar a mínima para isso, como ficou evidente desde que encaminhou todas as questões de programa a Paulo Guedes durante a campanha. Apenas calou seu economista-chefe quando a conversa econômica baixava às redes sociais como polêmica (o caso da CPMF, por exemplo). Como vai ser se houver mais furor nas redes insociáveis?

Também relevante, Bolsonaro não se importa ou faz questão de ser um estranho no ninho da imensa equipe econômica. O presidente eleito arrendou a economia a Guedes e o insulou do restante do governo ou, melhor dizendo, do seu núcleo palaciano, sob controle maior dos generais, seus amigos de escola, irmãos mais velhos, conselheiros maiores.

É neles, nos oficiais-generais, que Bolsonaro confia a fundo, com eles compartilha mentalidade e camaradagem, faz mais de 40 anos. São eles que vão coordenar seu governo, formal ou informalmente. No limite, Guedes e seus colegas de mercado são fusíveis que podem queimar. Os militares são a estação de força.

Era tudo mentira

As informações na reportagem "Palocci acusa Lula de interferir em fundos de pensão", de Ricardo Brandt, publicada na página A10 do Estado de domingo passado, são fundamentais para que se conheça em toda a extensão a que ponto chegou o planejamento do Partido dos Trabalhadores (PT) para executar a maior rapina dos cofres públicos da nossa História.

Nela o repórter reproduziu o depoimento completo, lógico, bem encadeado e muito verossímil dado em delação premiada pelo ex-ministro da Fazenda da primeira gestão petista na Presidência da República e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff à Polícia Federal (PF) em Curitiba, onde cumpre pena, da qual pede redução. Não chega mais a espantar ninguém, pois as notícias de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão já contaram em detalhes como os desgovernos da República entre 2002 e 2016 saquearam com volúpia, método, determinação e cinismo todos os cofres disponíveis do erário. Mas esclarece como foi possível realizar essa empreitada hercúlea e ambiciosa.

Segundo o relato, o ensaio geral do acabamento da ficção de terror e mistificação política e econômica começou com a criação, em dezembro de 2010, da empresa Sete Brasil, com o objetivo de contratar a construção dos navios-sonda de estaleiros. No depoimento ficou claro que o pretexto do investimento de dinheiro público na tal firma, segundo o qual serviria para garantir o apoio à indústria nacional e defender a autonomia do País, libertando-o da dependência de fornecedores estrangeiros, não passava de balela. Conforme Palocci, o que se queria desse dinheiro não era empregá-lo num objetivo teoricamente nacionalista e patriótico, mas apenas abastecer as campanhas políticas do PT com recursos desviados de contratos firmados entre a Petrobrás, estatal inteiramente aparelhada pela “companheirada”, e empreiteiras dispostas a se associarem no negócio sujo. O esquema foi treinado com diligência, como um curso prático a ser aplicado no Estado inteiro.

Os fundos de pensão – instrumento de poupança usado no sistema capitalista para substituir com mais eficiência e sustentabilidade os métodos da previdência social, que garante a sobrevivência de executivos e trabalhadores quando se aposentam – serviram como uma luva a interesses ladinos de larápios petistas. Afinal, eles lidam com quantias bilionárias e são geridos num sistema partilhado por representantes do poder público, dos sindicatos e dos funcionários a serem beneficiados com seu usufruto. Com a parceria de sindicatos dominantes nas estatais, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e militantes estrategicamente distribuídos em tais empresas, o PT tinha a faca e o queijo na mão.

“Segundo Palocci, Lula e Dilma teriam determinado indevidamente a cinco ex-dirigentes dos fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ), da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobrás (Petros), indicados aos cargos pelo PT, que capitalizassem o ‘projeto sondas’. A operação financeira, que resultou na criação da Sete Brasil, em 2010, buscava viabilizar a construção no Brasil dos navios-sonda – embarcações que perfuram os poços de petróleo – para a Petrobrás explorar o pré-sal. A estatal anunciara em 2008 que precisaria de 40 equipamentos – no mundo, existiam menos de 100. ‘Dentro desse investimento, tinha todo ilícito possível’, afirmou o ex-ministro, em depoimento à PF”, de acordo com Brandt. Os dirigentes citados são Sérgio Rosa e Ricardo Flores, da Previ, Guilherme Lacerda, do Funcef, e Wagner Pinheiro e Luís Carlos Afonso, da Petros.

Isso tudo é pra lá de repugnante. Afinal, o furto dilapidava a poupança de trabalhadores, cujo nome o PT usa. E a corrupção descarada só não arruinou os fundos de pensão citados porque dinheiro limpo dos contribuintes e dos próprios beneficiários os estão salvando. E a bancarrota do Postalis mostra que não são únicos.

Palocci revelou aos investigadores que “o PT ocupou os comandos da Previ, Funcef e Petros desde o início do governo Lula, em 2003. O ex-ministro das Comunicações Luiz Gushiken (que morreu em 2013) era o principal responsável pela área. Palocci diz que foi padrinho político de Sérgio Rosa e Wagner Pinheiro e que o ex-ministro José Dirceu indicou Guilherme Lacerda – todos com aval de Gushiken”.

José Dirceu, condenado solto por benemerência do trio “Solta o Chapa” do STF – Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli –, pode argumentar que o antigo rival no comando do primeiro desgoverno Lula não tem como comprovar as acusações. Mas Brandt já avisou que Palocci deu o roteiro para a PF encontrar as tais provas. E a simples menção a Dirceu na narrativa já deveria bastar para o plenário do STF revogar a decisão que o liberou até do uso de tornozeleiras eletrônicas.

O ex-presidente do STF Ricardo Lewandowski tem mais ainda a explicar depois desse relato dos prolegômenos da rapina. Gushiken, ex-dirigente sindical bancário em São Paulo e responsável pelos fundos no latifúndio do PT, foi absolvido post mortem com pompa e misericórdia no julgamento da AP 470, vulgo mensalão, no STF. O revisor do processo, Lewandowski, fez um elogio fúnebre hagiográfico sobre o ora citado por Palocci, como se, mais que monge budista, que ele fingia ser, fosse um santo.

É útil lembrar que em 2009 a revista Piauí publicou Sérgio Rosa e o mundo dos fundos, de Consuelo Dieguez. Lá está escrito: “Bolchevique de cabo a rabo na juventude, o presidente da Previ administra um caixa de 121 bilhões de reais e, segundo o sociólogo Francisco de Oliveira, é representante de uma nova classe”. Nos fundos de pensão foi usado o método descrito por Lenin no artigo Todo o poder aos sovietes, no Pravda, em 18 de julho de 1917.

É hora de cobrar a conta: investigar os beneficiados pelo PT com dinheiro dos fundos de pensão e fazer acareação de Palocci com seus dirigentes.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Pensamento do Dia


Bolsonaro e o Congresso

Jair Bolsonaro saiu de dentro do congresso mas o congresso não saiu de dentro de Jair Bolsonaro. Nem dele nem da família dele. (E termos de nos preocupar com ela é a pior parte desse começo de história).

“Menos Brasília e mais Brasil” é tudo que ele próprio não tem feito. “Dar a conhecer ao povo a verdade que o libertará” menos ainda. O presidente recebeu do Sérgio Moro juiz e dos eleitores um congresso posto no seu devido lugar mas parece não se ter dado conta do valor da graça alcançada. Está aceitando o estilo de jogo dele em vez de impor-lhe o seu. A falta de uma reação proporcional ao tamanho da ignomínia dos 16,38% que os eunícios e stf’s, mancomunados, atiraram abaixo da linha d’água do casco do Brasil, deu o sinal. Pode até ter sido o efeito surpresa pois mesmo nestes calejados trópicos é difícil não se embasbacar com tamanha cara de pau. Mas sentindo o espaço a canalha se agrandou.

Na sequência Bolsonaro abriu mão do seu compromisso solene com fichas-limpas e aceitou “fichas + ou –” como ministros, ficando o Brasil com aquela pergunta incômoda. Que argumento das “bancadas” o teria levado a concessão tão perigosa senão os daquele tipo que a justiça tornou crime e o eleitor mandou revogar para sempre?
Em seguida aceitou um veto a uma escolha anunciada em nome de quase-ideologias tão distorcidas quanto as que jurou de morte. Não se perca um minuto com os argumentos dos fariseus que “não enxergam desvio nenhum na educação” e insistem no bla-bla-blá sobre o salário que o professor deve ganhar e fazer crescer sem ler nem suar e, pior, sem fazer ler nem fazer suar, mas apenas com as “conquistas” que obtiver no vão do Masp ou nos cercos a palácios estaduais sob o escudo dessa indemissibilidade do funcionalismo que é a mãe de toda a corrupção. Eles valem tanto quanto os da camarilha do STF para expor suas partes pudendas na cara de um país em choque por hemorragia desatada de um Tesouro Nacional que tá feito “táuba de tiro ao álvaro” de tanto “levá frechada” das corporações de sanguessugas. Mas esse negócio de “Escola sem Partido” é um erro tão grande quanto o que pretende corrigir porque, ao focar naquilo que “deve ser dito e estudado” acaba, inescapavelmente, numa “Escola com o meu Partido” e não numa “Escola sem Censura”, com mandato para punir aquilo que hoje a patrulha proíbe que seja dito e estudado. Esta sim é a escola que tanto o ideal acadêmico quanto o ideal democrático exigem.


Por trás dessas capitulações estariam “as reformas”. De fato, este governo e o Brasil serão o que ele conseguir na reforma das previdências, nem um tostão de investimento a mais, nem um cadáver produzido pela miséria a pela desesperança no fim da miséria a menos. Sem o fim da desigualdade perante a lei ao menos nas aposentadorias num horizonte visível, ainda que longínquo o Brasil definitivamente não voa. Mas o apego das corporações militar e política das quais faz parte o presidente aos seus direitos adquiridos têm conseguido mante-lo num obsequioso silêncio. Ninguém sabe qual a reforma da previdência que ele quer. Evita até mesmo esse plural no qual deveria estar insistindo obsessivamente. É das previdências que o governo eleito deveria estar falando sem parar. Muito na pública, dos ricos, e quase nada na privada, dos pobres, contra cuja reforma não “emana” resistência alguma ao contrário do que afirma a falsificação pacificamente aceita pela situação e pela oposição de hoje e de amanhã. “Impopular” certamente não é cessar a exploração de 99,5% da população brasileira pelo 0,5% que é parte da corte, é misturar os alhos com os bugalhos como todos que não querem que nada mude têm feito.

São, enfim, muitas novidades para muito pouco tempo e o trauma do atentado também pode estar contribuindo para esse efeito mas Jair Bolsonaro dá frequentemente a impressão de não compreender a força do fenômeno que ele próprio traduz. É a rua que pauta o congresso. Quem vive de voto sente a rua até por debaixo do asfalto. Qualquer vontade manifestada por ela o congresso arranja meios de satisfazer nem que seja a de derrubar governos inderrubáveis. É à rua, portanto, que Bolsonaro se deveria estar dirigindo. Não necessariamente num tom de desafio. Para manter o congresso literalmente em estado de sítio bastaria honrar o mote da campanha que o elegeu, cuidando de informar a nação dos dados do problema das previdências, no plural, da sua gravidade explosiva e das alternativas que não ha que o resto aconteceria sozinho por esse subterrâneo que conecta a Câmara e o Senado à vontade popular.

Tem salvo a pátria e o humor do mercado o rigor do critério técnico nas escolhas da área econômica. Mesmo na de Joaquim Levy, na qual a capacidade técnica ultrapassou a medida da conveniência política ao criar uma atrapalhação séria para a obrigatória devassa do BNDES sem a qual não se porá a pedra definitiva por cima do crime organizado na política.

O outro grande ausente do discurso do governo eleito é, aliás, a reforma política, aquela que abre o caminho e dá consistência a todas as outras. De Bolsonaro ao PT e aos PT’s em volta do PT, dos juízes honestos aos juízes ladrões, dos brasileiros sem-vergonha aos indignados, todos atribuem a nossa desgraça aos defeitos pessoais dos indivíduos que já passaram ou estão por passar pelo poder, apesar de estarmos iniciando a segunda volta na roda completa das ideologias no comando do país colhendo sempre o mesmo fruto podre. Ninguém vê defeitos no “sistema”. Quem tem falhado são só os seus operadores. Tudo vai ser diferente quando as pessoas certas chegarem “lá”, diz-se de norte a sul e de leste a oeste, embora já seja óbvio, desde pelo menos 1776, que o problema está em de onde “emana” o poder no Brasil, que é de todo mundo menos do povo. A desconfiança no povo, que neste país tem de ser “guiado” até para dar um passeiozinho no parque, é uma unanimidade que transcende todas as ideologias.

Como será o amanhã?

Há exatamente dois anos, logo após as eleições municipais de 2016, eu afirmei em entrevista para este jornal que a eleição presidencial de 2018 seria ganha por um outsider da política ou por uma figura anti-establishment. Desde então, eu reafirmei o mesmo prognóstico em entrevistas para outros veículos e também em diversos textos que escrevi para este jornal. Muitas vezes, fui questionado pelos meus clientes do mercado financeiro e por tradicionais players do mundo da política por conta desta afirmação – questionamentos esses que eram mais fruto de um desejo que tal prognóstico não se concretizasse do que consequência de uma análise racional a respeito do comportamento do eleitorado brasileiro.

Ao final do primeiro turno das eleições, veio a comprovação: as duas candidaturas mais rejeitadas pelo establishment (popularmente conhecido como O Sistema) estavam no segundo turno.

Hoje, eleitores de cada um dos dois lados, me criticam por não considerar o candidato do campo oposto como parte do establishment. Essa é uma discussão apaixonada, mas ela se torna irrelevante quando trazida para o campo da objetividade. Para isso, basta olharmos as matérias e as linhas editoriais que dominaram a grande mídia do país até dez ou quinze dias antes do primeiro turno - quando o Sistema ainda sonhava com uma vitória de Geraldo Alckmin. Ao fazer esse exercício, fica fácil perceber que o pior pesadelo para o establishment era exatamente um segundo turno entre o candidato do PT e Jair Bolsonaro.

De fato, para o punhado de plutocratas que comanda o Sistema, a candidatura do PT trazia diversos riscos que poderiam ameaçar sua contínua acumulação de riqueza e poder: 1) a adoção de políticas fiscais expansionistas; 2) o combate ao rentismo; 3) a desvalorização do câmbio; 4) a proposição de uma reforma tributária ousadamente progressista; 5) a revogação da reforma trabalhista; 6) o repúdio à reforma da previdência nos termos desejados pelo mercado; 7) a luta por uma reforma política capaz de tornar o Congresso Nacional mais partidário, mais ideológico e consequentemente, menos pulverizado e menos “fluido e manobrável”; 8) o fim da concentração do mercado de comunicação na mão de pouquíssimos grupos familiares; 9) o enfrentamento ao poder que o judiciário, a polícia federal e o ministério público acumularam ao longo da última década; e por último, 10) a soltura do ex-presidente Lula.

O deputado Jair Bolsonaro, por outro lado, aos olhos desse mesmo punhado de plutocratas, representa(va) outros riscos: 1) o enfrentamento à agenda de costumes defendida por eles (relacionada à descriminalização do aborto, ao desarmamento dos cidadãos, ao aprofundamento dos direitos dos grupos LGBTs, à descriminalização do consumo de drogas e à defesa do meio-ambiente e de políticas afirmativas); 2) a promoção de um autogolpe durante o mandato; ou 3) a volta dos militares ao poder - menos “fluidos e maleáveis” que os políticos tradicionais. Além desses três riscos, a eleição dele também pode(ria) ameaçar o poder da grande mídia, do Congresso Nacional (historicamente comandado pelo “centrão” – um importante aliado do establishment) e do Supremo Tribunal Federal.

Logo, por mais que ao longo do segundo turno, tenhamos visto esses plutocratas aderindo ao candidato do PSL (para eles, o bolso é sempre mais importante que os ideais...), não dá para falar que o parlamentar do Rio de Janeiro era o candidato dos sonhos desse pequeno grupo que comanda o Sistema. Da mesma forma, só alguém com a cabeça muito contaminada nessa era da pós-verdade, poderia afirmar que esses titãs do capitalismo tupiniquim desejavam a eleição do candidato do PT - por mais que na década passada, eles tenham enriquecido enormemente durante o governo pelo ex-presidente Lula.


Enfim, o grande derrotado do primeiro turno das eleições presidenciais foi o establishment. Não poderia ser diferente num país em que a soma dos eleitores que diziam não confiar nada ou confiar pouco no Congresso Nacional em meados de abril, chegava a uma taxa impressionante de 89%. Similarmente, não poderia ser diferente num país em que cerca de 80% dos eleitores diziam - em questionamentos separados – confiar pouco ou não confiar nada na grande mídia, nos grandes bancos, nas grandes empresas e na justiça brasileira – apesar da avaliação bastante positiva acerca da Operação Lava Jato.

Curiosamente, apesar do mercado financeiro e desse punhado de plutocratas brasileiros terem aderido ao deputado Jair Bolsonaro no segundo turno, ele venceu a eleição exatamente por ter encarnado a narrativa antissistema melhor que Fernando Haddad.

Mas, não pretendo me prolongar nesse texto sobre as razões que fizeram Bolsonaro vencer Haddad. Meu objetivo aqui é traçar um possível prognóstico a respeito do futuro Governo.

Nesse sentido, a teoria dos jogos nos ensina que quando conhecemos os valores pessoais, as relações de poder e os objetivos dos jogadores, fica fácil prever as ações dos mesmos e consequentemente, o resultado final do jogo.

O presidente eleito defende valores morais bastante conservadores – outro fator fundamental que explica sua vitória sobre Fernando Haddad. Ele é contra a descriminalização do aborto, contra a descriminalização do consumo de drogas e contra o aprofundamento das agendas LGBT, feminista e pró-minorias. Por outro lado, é a favor do direito das pessoas portarem armas de fogo para defenderem suas posses e a sua integridade física.

Politicamente, o deputado e ex-capitão do Exército tem uma retórica ultranacionalista e é um grande admirador da linha dura do regime militar brasileiro (que reagiu à abertura política iniciada no governo Geisel), do Coronel Brilhante Ustra e do General Augusto Pinochet.

Ele enxerga os partidos, intelectuais, políticos, movimentos e organizações de esquerda como os maiores inimigos da nação e dele próprio – em seu discurso, ele também os classifica como os maiores inimigos do povo.

Dentre suas referências mais atuais, destacam-se o ensaísta Olavo de Carvalho, o Juiz Sérgio Moro e o Presidente Donald Trump.

Na economia, apesar de ter defendido durante toda sua carreira parlamentar o modelo nacional-desenvolvimentista implantado pelo regime militar brasileiro, o presidente eleito foi recém-convertido ao liberalismo econômico.

Com essa conversão, que fez aumentar ainda mais sua admiração pelo regime militar chileno, o deputado Jair Bolsonaro passou a declarar-se um defensor da reforma trabalhista, da reforma da previdência, das privatizações e da redução do tamanho do estado.

No campo internacional, o presidente eleito defende uma relação umbilical (para alguns analistas, vassalar) com os Estados Unidos e, por isso, se mostra reativo ao multilateralismo e aos laços que o Brasil construiu ao longo das últimas décadas com a China, a Rússia, o Mercosul e alguns países africanos, árabes e até mesmo europeus de tradição social-democrata.

Por último, na questão do meio-ambiente, assim como o atual presidente norte-americano, o parlamentar do Rio de Janeiro também entende que há exageros na agenda do aquecimento global e acredita que, atualmente, ela é prejudicial ao progresso do país e do mundo.

Passemos agora, para o entendimento de sua base eleitoral - originalmente construída a partir da defesa dos interesses dos integrantes das forças armadas e das polícias. Além das questões salariais e de carreira que afetam essas corporações, o presidente eleito destacou-se nos últimos anos, pela sua proposta de mudança da legislação do excludente de ilicitude. Na prática, ele pretende dar mais garantias legais para policiais que são acusados de homicídio ou de abuso de autoridade por parte do Ministério Público - com as propostas de afrouxamento das exigências para a comercialização de armas de fogo e de ampliação do excludente de ilicitude, é natural que grupos parapoliciais e milicianos tenham sido fortes defensores de sua candidatura conforme já foi retratado por este jornal em algumas matérias.

A partir das eleições de 2014, essa base eleitoral original foi bastante ampliada.

Uma classe média com valores conservadores, que não foi favorecida pelas políticas sociais dos governos do PT, que sofre com o aumento da violência nas ruas, e que foi convencida pela grande mídia que a corrupção política é a grande responsável pela crise econômica, pelo desemprego e pela perda do seu poder aquisitivo, passou a se sentir representada pelo parlamentar do Rio de Janeiro - são pessoas que entre 1994 e 2014, “tapavam o nariz” para votar no PSDB nas eleições presidenciais apenas porque este tinha o PT como adversário.

Essa classe média é filha e neta da mesma classe média que apoiou a queda de João Goulart em 64 e que ainda carrega em suas entranhas a bipolarização do pós-guerra, isto é, a visão de um mundo em que patriotas defensores da família, da propriedade privada e do cristianismo devem lutar continuamente contra a expansão do comunismo ateu.

Depois dessa classe média conservadora, a base se ampliou com o rebanho evangélico neopentecostal. Uma massa que cresce pari passu com a carestia, o desemprego e a miséria nos grandes centros urbanos. O forte posicionamento do presidente eleito a favor de algumas causas ligadas à defesa da família tradicional e contra as pautas comportamentais e de identidade que passaram a dominar a militância de esquerda na última década, foi fundamental para que ele conquistasse o eleitorado evangélico – inclusive um grande número de eleitores de baixa renda que se beneficiaram imensamente pelas políticas públicas dos governos do PT e que costumavam votar em candidatos apoiados pelo ex-presidente Lula.

Simultaneamente, veio o voto “sertanejo” - tradicionalmente mais conservador que o voto nas áreas urbanas. As propostas de 1) promover um relaxamento da legislação e da fiscalização ambiental e trabalhista nas áreas rurais; 2) de permitir que os proprietários de terra possam se armar mais fortemente para proteger suas posses; e 3) de combater duramente (ou até mesmo, de criminalizar) o MST, ganharam o coração das lideranças políticas e econômicas do Brasil Rural. Como essas lideranças ainda detém forte influência sobre o voto popular em seus domínios, o deputado Bolsonaro obteve larga vantagem sobre o candidato do PT no interior do país.

De fato, a retórica nacionalista, messiânica, de resgate de valores morais tradicionais e de criminalização da esquerda, foi fundamental para a vitória do parlamentar do Rio de Janeiro. Por outro lado, essa mesma retórica também faz com que o presidente eleito acabe sendo percebido pela imprensa internacional como mais um representante do neopopulismo de extrema direita que vem conquistando eleitores no mundo todo.

A combinação dessa mesma retórica com a admiração declarada pela linha dura do regime militar (e por figuras como o Coronel Ustra), somada ao apoio recebido por militares, policiais e parapoliciais, faz com que outros analistas políticos desconfiem das declarações de respeito à democracia e à Constituição feitas pelo deputado Bolsonaro depois de eleito - são analistas que vão além e que afirmam que seu futuro Governo representa uma ameaça fascista para o Brasil.

Todavia, no atual contexto de pós-verdade, todas essas expressões precisam ser relativizadas. Afinal o que seria esse neopopulismo de extrema direita? O que significa uma ameaça fascista? Será que ao longo dos últimos anos, as instituições da nossa República têm de fato respeitado a Constituição e a democracia?

As palavras têm poder, mas às vezes, pouco importam. Para a maior parte dos brasileiros, o importante agora é entender o que presidente eleito vai fazer a partir de primeiro de janeiro.

Se ele for tão sagaz quanto tem se mostrado desde o início da campanha eleitoral em agosto, ele vai conseguir implantar grande parte da sua agenda.

Com algumas ações heterodoxas e tendo o Juiz Sérgio Moro como seu ministro da Justiça, não será difícil para o presidente Jair Bolsonaro conseguir criminalizar e, eventualmente, banir a esquerda da cena política nacional. Com a criação de alguns fatos, a instalação de novos inquéritos, o apoio da Procuradoria Geral da República (o presidente eleito já sinalizou que assim como fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não vai se comprometer a seguir a lista tríplice proposta pelo Ministério Público para a escolha do próximo Procurador Geral da República) e a complacência do Congresso Nacional, da grande mídia e do Judiciário, não será difícil incriminar, encarcerar e calar as principais lideranças de esquerda do país – tudo feito sob o manto do combate à corrupção e dentro da legalidade.

Com a escolha do próximo chanceler, também não haverá nenhuma dificuldade para o presidente Jair Bolsonaro implantar uma política externa umbilicalmente associada à política externa norte-americana – afinal, tal movimento não afeta em nada os interesses daquele punhado de plutocratas a que me referi anteriormente.

Por exemplo, é muito provável que a embaixada brasileira em Israel seja mesmo transferida para Jerusalém. Além do desejo de alinhamento com os Estados Unidos, há também a pressão das igrejas evangélicas neopentecostais brasileiras que apoiaram o presidente eleito – elas, assim como suas coirmãs norte-americanas, associam o retorno de Jesus ao reconhecimento de Jerusalém como a única capital do estado judeu. Dessa forma, é improvável que o lobby do agronegócio (que gostaria de evitar uma eventual retaliação dos países árabes por causa dessa transferência) seja capaz de reverter o anúncio que foi feito logo após o fim das eleições.

Adicionalmente, o endurecimento das relações comerciais com a China e com a Rússia também deve acontecer apesar dos potenciais prejuízos para o agronegócio e para o setor de mineração do país.

A agenda comportamental conservadora (relacionada a temas como aborto, drogas, maioridade penal, porte de armas de fogo e excludente de ilicitude) e o afrouxamento da legislação ambiental também devem ser implantadas com sucesso. Para isso, basta atrelar a condução de tais medidas no Congresso Nacional à aprovação da reforma da previdência (a grande obsessão do establishment e do mercado financeiro) e ao programa de privatizações que será proposto pelo futuro Ministro da Economia.

Na verdade, o economista Paulo Guedes será muito útil ao Sistema enquanto estiver na linha de frente da reforma da previdência, do programa de privatizações, da redução do tamanho do Estado, da independência do Banco Central e do aprofundamento da reforma trabalhista recentemente aprovada.

“A porca só vai torcer o rabo” quando ele resolver acelerar sua agenda liberal na tentativa de fazer o país crescer de forma significativa.

O futuro ministro da economia encontrará um muro intransponível quando quiser: 1) reduzir os juros reais e tornar o Real mais competitivo para favorecer a exportação e com isso, gerar demanda para o setor produtivo brasileiro; 2) combater privilégios fiscais e os juros subsidiados oferecidos pelos bancos estatais; e 3) enfrentar os poderosos cartéis e monopólios privados do país para aumentar a produtividade da nossa economia por meio de políticas antitruste, da redução de tarifas de importação e da atração de investimento estrangeiro direto para aumentar a competição nesses setores.

Quando entrar nesse “capítulo”, o futuro ministro deixará de ser visto como herói pela grande mídia e passará a ser alvo dos plutocratas e de seus aliados no Congresso Nacional, no Ministério Público e no Judiciário.

O presidente Bolsonaro terá então três alternativas: 1) bancar a agenda liberal do seu “Posto Ipiranga”; 2) dar um “cavalo de pau” na economia e adotar políticas de expansionismo fiscal e/ou de distribuição de renda para tentar gerar crescimento econômico; e por último, 3) ceder à pressão do establishment e manter o velho capitalismo de compadrio brasileiro – o mesmo que que favorece o rentismo, a concentração de renda e que é responsável pela estagnação econômica do país nos últimos 30 anos.

As duas primeiras alternativas farão com que o presidente eleito também se torne alvo do Congresso, do Ministério Público e do poder judiciário. Nesses casos, assim como aconteceu com Jânio Quadros e Fernando Collor, que também foram eleitos com um discurso “apolítico”, anticorrupção e liberal na economia, é possível que o mandato de Jair Bolsonaro fique ameaçado - tendo o General Mourão como seu substituto direto, é pouco provável que as Forças Armadas se arrisquem a defender o presidente eleito num eventual embate contra o Congresso e o Judiciário.

A terceira alternativa vai lhe garantir a permanência no cargo até o final do mandato, mas não será capaz de gerar o crescimento econômico necessário para melhorar seus níveis de aprovação nos dois últimos anos de governo.

Dessa forma, para sua própria sobrevivência política, lhe restará “caçar e queimar novas bruxas” - no que tiver sobrado na esquerda, em outro campo político, ou quem sabe até fora do país. Seria o uso da velha tática do “se você não pode dar pão ao povo, dê a ele o sangue de um inimigo” - imaginário ou não.

O mundo já viu muitos exemplos trágicos dessa tática ao longo da história. No curto prazo, ela pode até dar algum resultado, mas no final, nunca acaba bem.