quinta-feira, 9 de maio de 2024

Mentem, mentem e de tanto mentir constroem um país de mentiras

Israel usa a fome como arma de guerra. Os bolsonaristas, assumidos ou disfarçados, que sempre se sentiram em guerra contra os que não rezam por sua cartilha, usam a mentira como arma. Não lhes importa se a mentira é a mais absurda. Eles a espalham. Não lhes importa que a mentira faça mal aos seus próprios eleitores.

Boa parte do Sudeste e do Sul do país votou em Bolsonaro. Ou porque se identifica com suas ideias ou porque em 2018 e em 2022 ele foi a única alternativa eleitoralmente viável ao PT. E o que faz a azeitada máquina bolsonarista de produção de fake news? Inventa notícias que, ao fim e ao cabo, prejudicam os gaúchos debaixo d’água, mas não só a eles.

Não existem “supostas fake news” como bolsonaristas envergonhados costumam escrever. Ou a notícia é verdadeira ou ela é falsa. Jornalista ou veículo de comunicação reconhecidamente sério pede desculpas e se corrige quando publica uma notícia errada. Os não sérios, mesmo que apenas tenham errado sem nada inventar, não a corrige.

Uma coisa é o erro, imediatamente admitido e acompanhado de um pedido de desculpas. Outra coisa é a invenção de um fato que nunca aconteceu. Há que se distinguir entre fato e opinião. Eu posso ter uma opinião diametralmente oposta à sua sobre um fato, e ambos temos o legítimo direito de expressá-la. Mas fato é fato.

Se eu invento, cometo um crime. Se eu apenas comento um fato de um jeito e você de outro, não há crime nisso. Ninguém é obrigado a pensar da mesma maneira. Eu posso achar que as autoridades públicas do Rio Grande do Sul são responsáveis, em grande parte, pela tragédia que já matou mais de 100 pessoas; e você acha que elas são inocentes.


Mas você, assim como eu, não podemos dizer que o governo gaúcho ou federal, por exemplo, impediu que caminhões com ajuda humanitária chegassem mais rapidamente ao interior do Rio Grande do Sul porque cobrava notas fiscais das mercadorias que eles transportavam ou queria pesá-los antes. Isso é uma grossa mentira.

Mentira que ganha um peso maior quando levianamente, ou de caso pensado, é encampada por líderes políticos. O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, bolsonarista de raiz, publicou um vídeo em que afirma que caminhões de suprimentos advindos do seu estado com destino ao Rio Grande do Sul foram barrados e multados.

Mello classificou o episódio de “vergonhoso”. A falsa informação, porém, já havia sido desmentida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e por órgãos do governo gaúcho. O que não impediu que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) a repetissem.

A obsessão pela mentira não é exclusividade de bolsonaristas, mas é uma marca característica deles e do seu guia. Mentiram sobre o Covid, o tratamento precoce e as vacinas. Mentiram sobre as urnas eletrônicas e o processo de apuração de votos. Mentiram sobre o golpe de Estado que fracassou. E agora mentem sobre a crise climática.

Socorro-me do escritor Affonso Romano de Sant’Anna, autor do poema “A implosão da mentira”. Segue um trecho:

Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem sobretudo impunemente.
Não mentem tristes,
alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acho que mentindo história a fora
vão enganar a morte eternamente.

Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constroem um país de mentiras diariamente.

Importância de política de resiliência climática e adaptação com participação popular

Ao longo dos últimos anos tem se intensificado os eventos extremos no País relacionados à mudança do clima — secas prolongadas, ondas de calor e chuvas extremas que passam a ser recorrentes em diferentes regiões. Entre 2013 e 2022, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 4 milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos relacionados às mudanças climáticas em mais de 90% dos municípios brasileiros, e o número de vítimas fatais tem aumentado a cada ano. Faltam investimentos e uma política robusta de adaptação.

Atualmente, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMAMC), 1.038 municípios são mais vulneráveis, e o órgão estuda formas de intensificar ações emergenciais e estruturantes, que passam, por exemplo, pela decretação de emergência para facilitar obras. Ao mesmo tempo, o MMAMC tem se debruçado sob o Plano Clima (2024-2035), que tem como objetivo principal “aumentar a resiliência do país”, articulando 15 planos setoriais e integrando políticas federais e a agenda do clima. Mas o desafio não é pequeno e tem inúmeros obstáculos, como garantia de orçamento, integração entre estados e municípios e participação.

O fato é que quanto mais tempo demoramos, mais vidas podemos perder.


Em grandes metrópoles como São Paulo, considerada a área mais suscetível às mudanças climáticas na América Latina, além do número alto de pessoas em áreas de risco, há menos investimentos do Estado nessas mesmas regiões e menos acesso a água encanada, tratamento de esgoto, estruturas para manejo de águas de chuva. Ou seja, racismo ambiental que potencializa não só as chuvas extremas, mas seus efeitos, como as enchentes.

De acordo a Defesa Civil, 750 mil casas estão localizadas em áreas de risco para deslizamento ou desabamento na região metropolitana de São Paulo, resultado direto da falta sistemática de uma política de moradia.

Em Manaus (AM), maior metrópole da Amazônia, o mesmo se repete. Somente a capital tem mais de 600 áreas de risco. Em 2023, durante as chuvas de março, nove casas foram engolidas pelo deslizamento no bairro Jorge Teixeira, zona leste da capital, matando oito pessoas. A ocupação existe há cerca de cinco anos, em área de risco, conhecida pelo poder público. Parte das famílias retornou para as casas após as chuvas, e convive com o risco por não ter condições econômicas de morar de aluguel ou comprar um imóvel em outro local. Essa é a realidade da maioria dos brasileiros que vivem nas áreas de risco pelo país.

Como se não bastasse, o número de ocupações em torno de rios e córregos urbanos tem aumentado 102% em pouco mais de três décadas. Segundo o Mapbiomas, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus e Curitiba concentram a maior parte do problema. Isso mostra que há um descompasso entre as políticas de adaptação e o planejamento da ocupação nos municípios, o que pode fazer com que o número de mortos em virtudes de enxurradas e enchentes, como no Vale do Taquari (RS) em novembro, se torne uma tendência.

Nos últimos dez anos, o país teve mais de R$500 bilhões de prejuízos calculados referentes a desastres provocados por secas e chuvas. De acordo com um estudo da ONU, a cada U$1 em prevenção, se economizava U$7 em recuperação. Ou seja, com a frequência e intensidade desses fenômenos aumentando, investir em estrutura de prevenção e adaptação poderia não só diminuir gastos a longo prazo, como também melhorar a qualidade de vida e risco que correm milhares de famílias.

Prevenir com ampla participação popular de moradores de áreas de risco e suscetíveis poderia ser outro diferencial de uma política robusta de adaptação. Hoje, o Estado tem uma ampla estrutura de monitoramento do Clima, a partir do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e de monitoramento de riscos com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mas na ponta, as ações de comunicação e educação ainda ficam a cargo das defesas civis estaduais e municipais, que continuam com pouca estrutura, formação e capacidade de atuação.

Na prática, essa situação faz com que, em muitos casos, conforme ocorreu em São Sebastião, no último 27 de janeiro, mesmo com as sirenes acionadas diante de uma chuva de mais de 100 mm, quase ninguém apareça nos pontos de apoio, ou que a comunicação se dê com mensagens vagas e gerais, como “fique em casa”, o que pode ser a pior situação em caso de áreas próximas a córregos e rios.

O Brasil tem uma oportunidade única — um país continental, desigual, em crescimento, com quase 9 milhões de pessoas em áreas de risco (o equivalente a uma Áustria) —, fazer uma política de resiliência climática e adaptação com participação, transformando as cidades brasileiras para um novo tempo.

Brasil, onde tudo melhora e ninguém parece feliz

O Brasil, gigante da América do Sul, vive um estranho paradoxo: desde que Lula chegou ao poder, todos os índices melhoraram, do econômico até o reconhecimento do peso do país no exterior. No entanto, todos parecem insatisfeitos ou desconfortáveis: ricos e pobres, trabalhadores e intelectuais, direita e esquerda. E Lula perde popularidade.

Há quem diga ironicamente que o país precisaria passar por um período de psicanálise para compreender o paradoxo que o angustia. E o primeiro que estranha, sem ocultar, é o próprio Lula, que chegou pela terceira vez ao poder, e esta com a árdua missão de libertar o país do peso de uma extrema-direita bolsonarista que o estava enterrando até levá-lo para um novo golpe de Estado.

O governo é inundado de razões que poderiam explicar essa agitação social quando deveria estar a celebrar uma espécie de ressurreição nacional. E Lula é o primeiro, e com razão, a se sentir desconcertado. Ele não entende que, apesar de desta vez ter criado um governo de centro-esquerda e ter se acertado no Congresso até com partidos de Bolsonaro para a aprovação de alguns de seus projetos, ele está de mãos atadas e em conflito com duas categorias que no passado foram seu campo de glória: a classe trabalhadora e a chegada à universidade do grande mundo dos pobres com a criação de bolsas de estudo.


Quanto aos professores das universidades federais que estiveram nos governos de esquerda anteriores, Lula, incrédulo, encontra hoje manchetes em jornais nacionais como: A greve dos professores já atinge 38 universidades. Todo mundo pede aumento salarial. O descontentamento geral está a alastrar-se, o que continua a preocupar o governo.

E não há menos descontentamento na classe do trabalho manual, a das fábricas, onde Lula cresceu ainda jovem e se tornou líder indiscutível dos movimentos sindicais que acabaram sendo uma categoria privilegiada. Hoje, o mítico sindicalista sem instrução que criou talvez o maior movimento sindical do mundo ocidental, parece desorientado quando percebe que aqueles milhões de trabalhadores que depositaram todas as suas esperanças nele já não parecem apoiar as suas antigas estratégias.

O último exemplo foi o 1º de maio passado, data mítica em que a esquerda, em bloco, reunia todos os anos em torno de Lula uma gigantesca manifestação de trabalhadores. Este ano, o primeiro surpreendido com a baixa participação dos trabalhadores em São Paulo foi Lula, que atribuiu isso ao fato de o evento “ter sido mal organizado”.

A extrema direita aproveitou-se imediatamente do fato de Bolsonaro, apesar de estar fora do jogo político e proibido de participar de eleições por oito anos, ter acabado de reunir uma multidão inesperada em São Paulo. As redes sociais de Bolsonaro foram atrivadas para anunciar que “um boneco de Bolsonaro leva mais gente às ruas do que Lula”.

Levará mais tempo para compreender esta antinomia do Brasil que, por um lado, melhora em todos os índices de desenvolvimento e prestígio internacional, e permanece preso no descontentamento e no desânimo que vai das fábricas às universidades. No momento, as primeiras explicações oferecidas por analistas políticos e os gurus da psicologia social dizem que a esquerda tradicional, que fundamentalmente apoia Lula no seu terceiro mandato, ainda não assimilou as novas tecnologias que estão revolucionando o mundo do trabalho.

Se ontem ter contrato permanente numa fábrica, com todos os direitos sociais e sindicais, era um privilégio, hoje isso está a mudar. Hoje, os jovens do trabalho manual e os próprios intelectuais nas universidades procuram outros caminhos. Estão menos interessados em empregos permanentes que consideram um espartilho, e procuram formas mais flexíveis, mais alinhadas com as possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias. Eles não querem mais ser empregados, embora privilegiados, mas sim protagonistas do seu próprio trabalho.

Um dos exemplos mais marcantes que surpreendem Lula neste campo de trabalho é que as novas categorias de empregos, dos milhões de trabalhadores de entregas ao domicílio, resistem a entrar nos caminhos das antigas empresas sindicalizadas. Querem novos tipos de organização, novos métodos de segurança social, numa palavra: preferem ser livres embora inseguros e sentem-se donos de novos tipos de organização do trabalho.

Não é fácil para Lula, líder indiscutível das grandes greves metalúrgicas do passado, compreender esta mudança copernicana que atravessa o mundo do trabalho na era das novas tecnologias. Para Lula, a quem nunca faltou sentido político e triunfou nos dois governos anteriores, alguém terá que lhe explicar que o mundo mudou em pouco tempo, que o Brasil está ligado, para o bem e para o mal, ao mundo da novas tecnologias, e que isto, seguramente, não tem caminho de volta.

Hoje um presidente não pode orgulhar-se de não ter celular e ter que usar o da mulher, nem continuar a acreditar que as redes podem continuar a atrair, como no passado, para as suas inflamadas manifestações, os mais pobres ou os operários. Tudo isto ignora o facto de que neste mundo digital, por vezes uma simples ironia, seja ela inteligente ou grosseira, como a ideia de que um boneco de Bolsonaro leva mais gente às ruas do que o mítico ex-líder sindical, poder ser triste e até embaraçosa.

Em tempos de inteligência artificial intrigante, o perigo de ficar preso aos velhos clichês políticos e sociais, que outrora foram uma vitória para a classe trabalhadora, é real e provavelmente imparável. O que resta ao Brasil e àqueles que não desistem de querer entender que o mundo está em trabalho de parto, ainda sem conseguir digerir que o ontem já se foi, é apostar sem medo na novidade. Não esqueçamos que, graças a estes novos horizontes que começam a ser vislumbrados, os jovens desiludidos pelos velhos políticos poderão produzir novas colheitas de esperança.