“Quem fala demais dá bom dia a cavalo”, diz o antigo ditado. Mas às vezes isso pode se transformar numa qualidade. No caso do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, esse hábito é salutar para a sociedade, que precisa saber em detalhes o que pensam as autoridades. Na tarde deste domingo, ao retornar ao Tribunal Superior Eleitoral após uma breve visita ao Rio de Janeiro, Gilmar enfim admitiu que o modelo do foro privilegiado para políticos não atende mais à realidade brasileira. Segundo ele, é preciso encontrar uma nova fórmula.
É uma declaração a ser comemorada, porque o foro privilegiado se transformou em sinônimo de impunidade de políticos e autoridades corruptas. O ministro Luís Roberto Barroso foi o primeiro a denunciar essa aberração. Suas declarações a respeito tem sido impactantes. Afirmou, repetidas vezes, que o Supremo não tem a menor condição de conduzir os inquéritos e processos contra parlamentares envolvidos na Lava Jato e em outros atos criminosos.
O ministro Barroso fez essas gravíssimas revelações e defendeu mudanças no foro privilegiado, mas parecia estar clamando no deserto. Não houve a menor repercussão no Supremo, no Congresso e no Governo. Mas ele continuou insistindo.
Desde 1988, ano em que a Constituição entrou em vigor, mais de 500 parlamentares foram investigados no Supremo, mas a primeira condenação só ocorreu em 2010. De lá para cá, apenas 16 congressistas que estavam no exercício do mandato foram condenados por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de verba pública. Entre os condenados, apenas o ex-deputado Natan Donadon está atrás das grades, na Penitenciário da Papuda, em Brasília, por desviar recursos da Assembleia de Rondônia. Além dele, quatro ex-parlamentares estão em prisão domiciliar no momento. Outros dois já cumpriram a punição.
Três recorrem da sentença – um deles, o senador Ivo Cassol (PP-RO), segue no exercício do mandato dois anos após ter sido condenado pelo Supremo a quatro anos e oito meses de prisão por crimes contra a Lei de Licitações.
Outros cinco condenados – Cássio Taniguchi (DEM-PR), Abelardo Camarinha (PSB-SP), Jairo Ataíde (DEM-MG), Marco Tebaldi (PSDB-SC) e Marçal Filho (PMDB-MS) – escaparam da punição porque a Justiça perdeu o prazo para condená-los. Em outras palavras, seus crimes prescreveram.
Como o Supremo não tem condições de conduzir inquéritos e processos, a impunidade está praticamente garantida, conforme Barroso denuncia. O maior exemplo é o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que responde a 12 inquéritos no STF, um deles tramita desde 2007, com abundantes provas contra ele – pagamento de pensão alimentícia pela empreiteira Mendes Júnior e uso de notas fiscais frias.
Mesmo com essa extensa folha corrida, Renan preside o Senado e está como segundo nome na lista sucessória da Presidência da República, vejam a que ponto chegamos.
O foro privilegiado, nos moldes adotados no Brasil, é mais uma jabuticaba política, não existe em nenhum país respeitável. Temos 22 mil autoridades beneficiadas por essa excrescência jurídica. É uma vergonha, que deprecia o Brasil no concerto das nações, como se dizia antigamente.
Com a adesão de Gilmar Mendes, é quase certo que o Supremo enfim se levante contra o foro privilegiado. Mas na verdade tudo depende do Congresso, que precisa aprovar uma moralizadora emenda constitucional. É aí que mora o perigo. Deputados e senadores somente aceitarão perder o foro privilegiado se o próprio Supremo encabeçar um movimento nacional pela moralização. Mas é aí que também mora o perigo.
Mas não se pode desanimar. É preciso que os brasileiros de boa vontade deem força a essa campanha do ministro Luís Roberto Barroso. Mas quem se interessa?