terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Bolsonaro desrespeita a presidência ao repetir calúnia contra jornalista

É repugnante que o presidente desrespeite o cargo público que ocupa e a democracia. Jair Bolsonaro ofendeu uma jornalista ao dar razão a uma calúnia sexista. O objetivo é claro: intimidar a imprensa.

A sensação é de repúdio completo. Uma pessoa que comete o crime de calúnia, como fez Hans River do Nascimento, certamente vai responder na Justiça como um cidadão. Mas o filho do presidente, um deputado federal, repetiu a calúnia na Câmara. E agora foi o próprio Jair Bolsonaro quem repetiu a calúnia contra a jornalista Patrícia Campos Mello. Como está no cargo, ele não pode ser processado enquanto estiver no mandato. Essa prerrogativa é dada para proteger a Presidência da República, essa mesma que ele desrespeita ao caluniar a jornalista.

Patrícia é uma excelente jornalista com uma grande currículo. Neste caso, ela ao ser atacada publicar os diálogos com Hans, e o caminho da apuração feita na reportagem sobre a empresa que vendia disparo de fakenews. Essa prática é ilegal e manipula o desejo do eleitor. A matéria contribui para que nas próximas eleições esse tipo de prática possa ser reprimido. Na CPI, Hans caluniou a jornalista ao dizer que ela se insinuou sexualmente para conseguir a matéria. Hans cometeu um crime dentro da Câmara dos Deputados.

Bolsonaro passou de todos os limites. A democracia brasileira não pode aceitar esse tipo de comportamento do presidente da República. Em 48 anos de profissão, já vivi sem a liberdade de imprensa e sem o respeito de autoridades ao papel institucional do jornalismo. É preciso repudiar imediatamente e de forma rigorosa e veemente o que fez hoje o presidente Jair Bolsonaro. O cargo que ocupa lhe dá poderes, mas também traz obrigações, e ele as têm descumprido frequentemente. Aconteceu no conflito sobre a tributação dos estados, em que ele ameaça a Federação. Ocorreu de novo agora, com a quebra de decoro por calúnias sexistas. Todos precisam ter noção da gravidade do que está acontecendo. A perda de respeito pelas instituições é o começo do fim do projeto de uma democracia. Os outros poderes precisam reagir para que o presidente entenda os seus limites.

Nunca um presidente foi tão vulgar com uma mulher. Espere o efeito bumerangue

Os covardes machistas podem fingir que não são covardes machistas, mas em algum momento eles se revelam. E não há momento mais oportuno para os atores públicos do Brasil mostrarem que não o são, longe de serem coniventes com a baixaria empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, na manhã desta terça-feira. Num país em que 52% do eleitorado é feminino, deputados e senadores deveriam ficar alertas. Eles têm a grande oportunidade de mostrar que não vão deixar a vulgaridade assumir o Brasil, rasgando todo e qualquer senso de decência do Estado em relação a uma mulher, deixando que se propague uma mentira orquestrada dentro do Congresso. Deixem de lado o fato de Patrícia ser jornalista. Ela é mulher. Poderia ser uma economista, uma copeira, uma faxineira, uma jogadora de futebol. Ela foi exposta com insinuações sexuais por um presidente, como nunca o Brasil viu. Ele não está na mesa de bar com amigos, está na frente das televisões dizendo que Patrícia queria “dar um furo a qualquer preço”, sugerindo sexo em troca de informação, o que é o mesmo que chamar uma mulher de prostituta. Só uma cabeça pervertida pode se sentir tão à vontade para dizê-lo em alto e bom som.

Nunca na democracia um chefe de Estado havia caído tão baixo apelando à vulgaridade para falsear a realidade. Quiçá no mundo. Nem Donald Trump chegou a tanto. O Congresso tem as provas à mão para admitir que Hans River do Rio Nascimento mentiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Parte dessas mentiras a insinuação asquerosa de Bolsonaro, pai de uma filha de 9 anos, que Patrícia faltou com a ética para ter uma informação. De qual referência parte Bolsonaro? Todo mundo sabia do que ele era capaz, desde que ele xingou uma repórter em abril de 2014. Mas editou a si próprio para fazer sua campanha e venceu. Legitimamente.

Desde então, empreende uma guerra grosseira, agressiva e mentirosa contra a realidade para esquivar-se de suas próprias capivaras. A morte de Adriano da Nóbrega, que convenientemente morreu nas mãos da polícia da Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores, foi um presente no colo de Bolsonaro que agora se tornou o maior defensor de presos assassinos, embora repetisse sempre que “direitos humanos era para humanos direitos”, e seja um dos que faz coro ao jargão “bandido bom é bandido morto”. De onde vem essa mudança?

Os homens públicos deste país, empresários e agentes da Justiça vão deixar que o que já se construiu em termos de sociedade vá para o ralo? Em nome de quê? Senhores deputados e senadores, vocês podem ter um papel tremendamente decisivo neste início de 2020. Pelas suas filhas, pelas suas mães, pelas suas eleitoras, pelas suas irmãs. Não desprezem a construção que mulheres têm feito até aqui por um país mais decente e menos violento. A violência das palavras de um chefe de Estado reverbera em todas as esquinas e rincões do Brasil. Já se matam uma mulher a cada duas horas aqui, um estupro acontece a cada 11 minutos. Tenham decência, coragem, de estancar esta sangria desatada que abriu as portas para uma perversidade gratuita. Vocês foram eleitos para que o Brasil fosse um país melhor, mais próspero, mais respeitado, mais ético. Não há melhora onde uma mentira é naturalizada na Casa em que vocês representam cada brasileira. Não há prosperidade num país onde se quer estabelecer o medo como forma de governo. Não há respeito por um país que fecha os olhos e silencia diante dos disparates que estamos assistindo. Isso também é corrupção. Corromper seu papel público em nome do poder.

Bolsonaro se cercou de ministros sem filtro, como Paulo Guedes ou Abraham Weintraub, e nos vemos agora tentando medir quais declarações foram mais ou menos canalhas que outras. O primeiro ano já havia sido execrável e neste 2020 ele dobrou a aposta. Brasil perverso. Estamos perto do dia 8 de março. Isso vai ter impacto. Foi assim que começaram grandes manifestações femininas pelo mundo. O presidente está dando farto material para as campanhas de seus adversários e dos inúmeros inimigos que está fazendo. Sabendo-se que é incorrigível e que está cego pelo poder, vai tropeçar em suas próprias palavras.

Pensamento do Dia


Munição de guerra

A década de 1880 teve início agitado na capital do Império por conta da Revolta do Vintém. A agitação estendeu-se por uns três anos liderada, sobretudo, por pasquins que guerreavam contra a grande imprensa e entre si. O mais agressivo deles foi o “Corsário”, redigido por Apulco de Castro. Em 13 de novembro de 1882, o redator publicou em edição extraordinária os autos de um imaginado conselho de guerra contra Carlos Bernardino de Moura, redator do jornal “A Pátria”. O acusador, isto é, o próprio Apulco, realizou a proeza de lançar 328 acusações contra o réu, na realidade uma saraivada de insultos. Temos também vivido nos últimos anos, desde o impeachment, intensa guerra verbal travada no grande pasquim atual que são as redes sociais. Parece, no entanto, que a munição dos combatentes anda a escassear. A guerra se monotoniza. Ocorreu-me, então, tomar a iniciativa, que creio patriótica, de reabastecer os combatentes com novas armas recorrendo ao arsenal do Corsário. Seguem os novos insultos, tirados dos autos.

“O réu é acusado de ser gatuno, larápio, salteador, sem-vergonha, traste, biltre, safado, ladrão, estelionatário, cara de tacho, sevandija, canalha, bêbado, devasso, bandido, cigano, dantas, trigo loureiro, debochado, besta, lesma, imundo, matéria excrementícia, besta do sexo macho, escória, vergonha, reles, saltimbanco, ignóbil, torpe, bicho, cínico, fresco, gato magro, Cruzeiro, Montoro [monturo?], nojento, rato de latrina, libertino, cão sem dono, sicofanta, porco varado, venal, burro, corrupto, comua, cloaca, José do Patrocínio, cano de esgoto, capadócio, patife, cabral pinheiro, polícia secreta, lazarento, Otaviano Hudson, pústula, sarna, tinha, mula de médico, tocador de pífanos, zebra, cobra, sapo, serpente, sogra, excomungado, onanista, capacho, escarradeira, cabungo, filho de sete pais, veado, azêmola, hiena, Serpa Junior, cáften, batedor de carteira, city improvements, cadela, ilha de Sapucaia, cara de guardanapo, infame, égua, pântano viscoso, atoleiro, podre, deletério, miasmático, peste, esfaimado, sacripanta, mariola, hediondo, repugnante, incestuoso, rua de S. Jorge, biraia, meirinho, monturo, esterquilínio, guano do Peru, sifilítico, vômito, urubu, caixa d’água, caloteiro, pedaço d’asno, ignorante, abutre, fedorento, invejoso, caluniador, mentiroso, vil, Franklin Dória, lama, podridão, escorpião, lagartixa, raia, cação, mono, piolhento, Van-Halle, monarquista, jogador, sujo, porco, horroroso, Calino, Serzedelo, ingrato, mosca morta, Adelino Fontoura, vagabundo, especulador, tagarela, língua de trapos, Fávila Nunes, azeiteiro, Clímaco dos Reis, Município Neutro, Tribuna Portuguesa, ratoneiro, limpa praia, necrotério, ferradura, pirata, hidrófobo, maluco, gira, Traviata, peru de roda, escarro, fúnebre, gato pingado, quilombo, cara de réu, Tinta Roxa, parvo, cisco, cavalgadura, camelo, garoto, moleque, judas, vendido, unhas de fome, idiota, moeda sem cunho, paciente, testa de ferro, filho de mulher solteira, arlequim, casmurro, trampolineiro, bacalhau sem vinagre, traficante, galé, prostituído, charlatão, falsário, mico, megera, piolho, praia do peixe, D. Brás Tizana, Sousa Freitas, Pereira Monte, inepto, salamarreco, borra-botas, bigorrilha, esfola bodes, troca tintas, canhão, pandorga, peralta, lobisomem, ostra, mulher de padre, pau de virar tripas, bosta, mula sem cabeça, pão duro, parati de quiosque, feijoada de frege, ventas de sumaca, sulanca sem peito, vunga, mal assombrado, mendigo, esqueleto, rufião, Russinho, Mané gostoso, figura de gesso, alarve, José do Telhado, Lucas da Feira, assassino, corujão, alcoviteiro, parasita, chorão, Leão XIII, morcego, parteira, ratazana, desbocado, enjeitado, borracho, cemitério, cadáver, prostituta, gajo, caixa d’ossos, cocota, intrigante, bilioso, sátrapa, mundano, horripilante, desdentado, vasilhame, raposa, chinelo velho, espertalhão, vampiro, planista, japonês, bargante, coruja, cascavel, entanha, Iscariote, hipócrita, venenoso, sandeu, animalejo, jumento, escorbútico, odre, jerico, estúpido, tapado, fleimão, escalavrado, roto, esquálido, envenenado, lazarista, jesuíta, pus, santa casa, sexta-feira, magro, pulha, palhaço, fadista, epidemia, sete de setembro, jiboia, jararacuçu, tanajura, afonso vintém, pandilha, ladrão de estrada, malandro, botocudo, pio Enéas, febre amarela, lorpa, madraço, bugio, farsola, poldro, marau, centopeia, lacrau, água suja, suíno, hipopótamo, impingem, parlapatão, laparoto, perverso, petulante, dromedário, pedante, sensual, sem dignidade, burro esporeado, empacador, ridículo, gorgota, vândalo, beldroega, pateta das luminárias, chifre, arrebentado, badameco, muxibento, pelanca, papa-moscas , lambe pratos, onze-letras, lixo, calango, víbora, caninana, burrego, jacaré, paiorra etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc. etc.”

Aos insultos, cidadãos!

José Murilo de Carvalho

Cara da 'nova História'

Poucos se importam com a perspectiva de que as mentiras que toleram sairão dos jornais e entrarão nos livros de história
George Orwell

Coringa, Parasita e Desemprego

A pergunta é simples e decisiva. A resposta deveria ser simples e precisa. Quantos brasileiros estão, a cada mês, empregados, recebendo seus plenos direitos trabalhistas? E vice-versa?Quantos brasileiros estão, a cada mês, desempregados, sem receber seus plenos direitos trabalhistas?

Interessa saber a todo brasileiro, empresas, sindicatos, partidos, Banco Central. Sem o que não se pode avaliar se a política econômica do governo faz bem ou mal ao país. Espera-se que bem.O sucesso da política financeira não se mede apenas por inflação e juros baixos. Quanto mais baixos, melhor.

Vejam a dura crítica social, indignação, mesmo criminosa, do povo, nos filmes “Coringa” e “Parasita”, ao atual sistema financeiro que gera desemprego.

Países adotam juros negativos. Outros querem subir juros e não conseguem. Outros querem baixar – até onde? – e conseguem. O doente econômico ficou sem remédio unívoco e eficaz.

O normal seria comparar o índice de emprego deste mês com o índice de emprego do mês passado, dentro da mesma métrica. Simples assim.

Mas não somente cada instituição tem seu índice. OIT, IBGE, CAGED etc. Como cada índice tem sua métrica. Cada métrica tem conceitos diferentes de emprego e desemprego.


Em nome de buscar a transparência total da realidade do emprego - o que é bom – criaram-se tantos conceitos, preconceitos, distintas realidades econômicas, especificidades, que a confusão é geral. Pura Babel.

Vejam só. Começam conceituando “força de trabalho” como todos os trabalhadores acima de 14 anos. Podem ser do setor privado, do setor público, empregadas domésticas. Com ou sem carteira assinada.

Dividem-se depois em “ocupados” e “desocupados”. Mas nem todos os ocupados estão empregados. Ocupados podem fazer bicos, trabalhar por conta própria; podem ter ou não a carteira assinada; uns estão procurando emprego, outros já desistiram, desesperados.

Tem os desalentados. Existem os empregadores do “bloco do eu sozinho e os empregadores com mais de dois empregados”.

Existem os que estão no setor formal, e os que estão no setor informal, o subemprego, e por aí vamos.

Na ânsia de dar boas notícias, o governo aumenta a confusão. Canta como vitória da política econômica o maior número de ocupados naquele mês, quando decaiu, no mesmo mês, o número de empregados com direitos plenos.

É como um empregado valesse dois terços.

Cheguei mesmo a procurar autoridades do IBGE, doutores de think tanks econômicos, professores de economia de escolas acima de qualquer suspeita. Nada. Não consegui as respostas simples e precisas que procurei. Aumentou-me a confusão.

No máximo, sabem que a produtividade do PIB continua diminuindo. Precisamos de mais horas de suor do trabalhador para fazer o mesmo. Ou menos.

Exemplo? Antes, precisávamos de oito horas de trabalho de um trabalhador para fazer o produto X. Hoje, precisamos de 9 horas para fazer o mesmo produto.

Para entender é preciso um doutorado em economia. E não apenas um título de eleitor.

Não são poucos os que acham que a queda de juros, em vigor há três anos - desde Temer -, não trouxe mais e melhor emprego para nossos trabalhadores e empresas.

A moda econômica é dizer que este é problema global. Ou culpar o UBER e os diversos aplicativos de entrega. Ocupam, mas não empregam. Se chegarmos assim em 2022, vai ter problema. Ou mesmo antes.

Quando anunciam que a taxa Selic está em 4.5, são precisos e concordes. Quando dizem que o Banco X lucrou vinte bilhões no semestre, também. Mas com o número de empregados e desempregados com plenos direitos, não.

Às vezes fico pensando que os economistas, financistas e estatísticos, em vez de entrarem em acordo, viraram advogados e juízes.

Se continuarem assim, vão todos acabar no Supremo. Onde, às vezes, a vítima, o Brasil, vira o culpado, o Brasil
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O elefante cor-de-rosa

Já fizeram o exercício do elefante cor-de-rosa? Só têm de não pensar num elefante cor-de-rosa durante alguns minutos. Já tentaram? É difícil e especialmente irónico. É que o raio do elefante só nos aparece à frente a partir do momento em que nos propomos a não pensar nele. Passámos anos sem que ele cruzasse o nosso pensamento e, de repente, por querermos ativamente evitá-lo, não nos sai do meio das sobrancelhas!


Pois é precisamente isso que está a acontecer com a extrema-direita em Portugal. Quanto mais nos esforçamos por não pensar nela, mais ela nos aparece em força e com a subtileza de um elefante numa loja de porcelanas. Dizem-nos que falar sobre o assunto é dar-lhe o protagonismo e o palco de que os seus representantes necessitam para crescer. Que ignorar é recusar o jogo da polémica que faz com que ganhem espaço nos média. Que bater de frente é dar azo à sua crescente vitimização. Que tomar medidas é dar argumentos para que forças antidemocráticas levantem a bandeira da liberdade de expressão. Nada mais ilusório.

Ignorar os discursos de ódio, não rebater a demagogia populista, não tomar posição firme em momentos simbólicos e fulcrais para a demarcação de fronteiras entre as forças democráticas e as que querem destruir a democracia, é ficar do lado errado da história, é ser conivente, é facilitar. Porque, nos últimos anos, com a crise e as respostas austeritárias, com as mudanças sociais e o acentuar das desigualdades, com a revelação de vários casos de corrupção e a lentidão da Justiça, com a atomização crescente e a delapidação do Estado social, muito espaço foi aberto para que, do desamparo, se criassem as condições ideais para os messias do populismo terem a cama feita. Deitarem-se nela ou não, é uma questão de tempo ou de luta (porque é preciso combatê-los).

Se dúvidas houvesse, com os acontecimentos recentes ficámos esclarecidos. Há muito racismo em Portugal. Das caixas de comentários a agentes das forças policiais. De um deputado da República à forma como muitos meios de comunicação têm amplificado ou legitimado os seus discursos. Sendo cada vez mais claro que há uma significativa parcela da população que considera, por exemplo, que uma pessoa negra, cidadã portuguesa, não pode criticar publicamente as instituições do País, ou falar do nosso passado colonial, ou mesmo sobre racismo, sem ser imediatamente instigada a voltar para a sua terra (dentro da lógica do quem está mal muda-se, agravada por acusações de “ingratidão” e outros julgamentos morais). Ou que prefere procurar justificações ou atenuantes para a violência policial, se a vítima for uma pessoa racializada, ignorando que a polícia é o Estado e que tem de ser a primeira defesa do Estado de direito.

Há quem afirme que o racismo não existe, do alto dos seus privilégios e de dentro dos seus condomínios. Há quem garanta que, na verdade, é provocado, agravado ou legitimado pelas pessoas que o combatem, ou que estas exercem racismo inverso e que, entre os negros, o racismo chega a ser pior ainda. Ignorando que o racismo é uma estrutura histórica, política e cultural, estabelecida há séculos, que hierarquiza o poder e reifica a desigualdade, dando hegemonia ao homem branco e subalternizando e estigmatizando a população negra. Não existindo, enquanto estrutura política e cultural no sentido inverso, e não sendo, infelizmente, uma mera questão interpessoal.

Ora, como quem evita a todo o custo ver o elefante na sala, as forças políticas democráticas andam a usar demasiados eufemismos, panos quentes e outros subterfúgios. Enquanto o elefante cresce e nos vamos tornando cada vez mais insensíveis e habituados à escalada de barbaridades e discursos de ódio. Enquanto o elefante que incomoda muita gente se vai transformando em muitos elefantes para incomodar muito mais. E enquanto nos dizem que se não falarmos sobre ele, o gigante desaparecerá.