sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Assim é um líder

O líder é um canalha. Dirá alguém que estou generalizando. Exato: estou generalizando. Vejam, por exemplo, Stalin. Ninguém mais líder. Lênin pode ser esquecido, Stalin, não. Um dia, os camponeses insinuaram uma resistência. Stalin não teve nem dúvida, nem pena. Matou, de fome punitiva, 12 milhões de camponeses. Nem mais, nem menos: — 12 milhões. Era um maravilhoso canalha e, portanto, o líder puro. E não foi traído. Aí está o mistério que, realmente, não é mistério. É uma verdade historicamente demonstrada: — o canalha, quando investido de liderança, faz, inventa, aglutina e dinamiza massas de canalhas. Façam a seguinte experiência: — ponham um santo na primeira esquina. Trepado num caixote, ele fala ao povo. Mas não convencerá ninguém, e repito: — ninguém o seguirá. Invertam a experiência e coloquem na mesma esquina, e em cima do mesmo caixote, um pulha indubitável. Instantaneamente, outros pulhas, legiões de pulhas, sairão atrás do chefe abjeto.

Mas dizia eu que Stalin não foi traído, nem Hitler. O Fuhrer, para morrer, teve de se matar. (Nem me falem do atentado dos generais grã-finos. Há uma só verdade: — nem o soldado alemão, nem o operário, nem o jovem, nem o velho, traíram Hitler.) E, quanto a Stalin, ninguém mais amado. Só Hitler foi tão amado. Aqui mesmo, no Brasil. Bem me lembro, durante a guerra, dos nossos stalinistas. Na queda de Paris, um deles veio-me dizer, de olho rútilo e lábio trémulo: - «Hitler é muito mais revolucionário do que a Inglaterra.»


Sim, o que se sentia, aqui, por Stalin, era uma dessas admirações hediondas. Eu via homens de voz grossa, barba cerrada, ênfase viril. Em cada um dos seus gestos, a masculinidade explodia. E, quando falavam de Stalin, eles se tornavam melífluos, como qualquer «travesti» do João Caetano ou do Teatro República. O que se sentia, por trás desse arrebatamento stalinista, era um amor quase físico, uma espécie de pederastia idealizada, utópica, sagrada. Com as mandíbulas trémulas, uma salivação efervescente, os fanáticos chamavam o Guia de «o Velho». E essa paixão era de um sublime ignóbil.

Já o Czar foi o antilíder. Há um quadro russo da matança da Família Imperial. (A pintura de lá, tanto a czarista, como a soviética, é puro Osvaldo Teixeira.) Eis o que nos mostra a tela: empilhados, numa bacanal de defuntos, o Czar, a Czarina, as princesinhas, etc., etc. Uns por cima dos outros, e cravejados de balas. Os soldados receberam a ordem e estouraram a cara dos velhos, das mocinhas, dos meninos. Mas não vamos assumir, aqui, nenhuma postura sentimental. Eis o que importa dizer.

Na véspera de morrer, o nosso Nicolau entretinha-se na redação do seu diário. Fazia diário como qualquer heroína da Coleção das Moças. Reparem no antilíder, no anti-rei no antitudo. No dia seguinte estariam à mostra os intestinos dele mesmo, as tripas da mulher, dos filhos, dos sobrinhos, dos netos. Mas ele não teve nenhum sentimento da morte. No jardim havia um «lago azul» como o da nossa canção naval. E, lá, dois ou três cisnes deslizavam mansamente. Um mundo já morria e outro ia nascer. E o Czar estava fascinado pelos cisnes, e a última página do diário era a eles dedicada. Um homem assim teria de ser exterminado a bala ou a punhaladas, como uma ratazana.

Alguém lembrará a figura e o nome de Kennedy. Era um líder que preservava um mínimo de humanidade. Mas não era líder. Lembro-me da babá portuguesa da minha garotinha. Ao ver o retrato de Kennedy gemeu com sotaque: - «Bonito como uma virgem.» Era um líder de luxo, isto é, o antilíder. Ao entrar na política, o pai, outro aristocrata, deu-lhe um cheque de um milhão de dólares. E mais: - Johnny casou-se com Jacqueline. E a mulher bonita é própria do falso líder. Nem Stalin, nem Hitler, fariam essa dupla concessão ao sentimento e ao sexo. Reexaminem toda a vida de Kennedy: - não foi, em momento nenhum da sua história e da sua lenda, um canalha. E não soube fazer pulhas para juntá-los em torno de sua liderança.

Pensem no pacto germano-soviético. Todos os que o aceitaram ou que ainda hoje o justificam eram e são perfeitos, irretocáveis canalhas. De um só lance, Stalin e Hitler degradaram toda uma época. Eis o que desejo ressaltar: - faltava a Kennedy essa capacidade de aviltar um povo. Ao passo que Stalin fez seu povo à imagem e semelhança da própria abjecção. Mas foi na morte que Kennedy demonstrou a ineficácia e falsidade da sua liderança.

O líder não morre antes, nem depois. O derrame escolheu a hora certa para matar Stalin. Hitler meteu uma bala na cabeça no momento justo em que precisava estourar os miolos. Waterloo aconteceu quando se esgotou a vitalidade histórica da era napoleônica. Se Lênin vivesse mais 15 dias, seria outro Trotski. E Kennedy caiu antes do tempo, morreu quando não tinha que morrer. Imaginem um Cristo morto de coqueluche aos três anos. Não seria Cristo, não seria nada. Kennedy morreu ao lado da mulher bonita. E, de repente, veio a bala e arrancou-lhe o queixo, forte, crispado, vital.

Restava tudo por fazer; o horizonte da reeleição abria-se diante dele. Essa morte antes do tempo mostrou que Kennedy não era Kennedy. O amor que lhe consagramos é um equívoco.

Falo, falo, e não sei bem por que estou dizendo tudo isso. Agora me lembro. Eu disse algo parecido, ontem, num sarau de grã-finos. Não achem graça. Aprende-se muito no grã-finismo, e repito: — certos grã-finos têm um sutil faro histórico, diria melhor, profético. Sentem, por vezes, antes dos outros, o que eu chamaria «odor da História». E um desses estava-me dizendo, num canto, com uma convicção forte: — «Vai haver o diabo neste País.» O que era pouco para a minha fome. O grã-fino punha mais gelo no copo. Insinuou: — «Há muita insatisfação.» Ainda era pouco. E eu queria saber, concretamente, o que vinha por aí. Perguntei: — «Sangue?» E o outro, cara a cara comigo e um ar de quem promete uma hemorragia nacional inédita: disse e fez um «suspense». Instiguei-o: — «O diabo, como?» E ele, misterioso: — «Você não sente que vem por aí não sei o quê?» Esse «não sei o quê»— «Sangue.»

Todavia, o «suspense» continuava. «Sangue», dissera ele. Mas, quem ia derramar o sangue, e que sangue? Ainda olhei para os lados, como a procurar, entre os convidados, um possível Drácula. Quando, porém, o grã-fino falou em «esquerda», a minha perplexidade não teve mais tamanho. Recuei dois passos, avancei outros tantos e perguntei: - «Você acredita na nossa esquerda? Nessa que está aí?»

Ele acreditava. Então perdi a paciência e falei sem parar. Quem ia mudar alguma coisa neste País? A esquerda tem um canalha para exercer uma liderança concreta e proveitosa? Senhoras entraram no debate. Fez-se, ali, uma alegre pesquisa de pulhas.

Mas os canalhas lembrados eram, ao mesmo tempo, imbecis. E o que a História pedia era um crápula com seu toque de gênio. Em suma: não ocorria aos presentes um nome válido. A última palavra foi minha. Disse eu mais ou menos o seguinte: — enquanto a esquerda que aí está não for substituída até seu último idiota, não vai acontecer nada, rigorosamente nada.

Nelson Rodrigues, "O Homem Fatal"

Pensamento do Dia


Pão, pão, queijo, queijo

Ando muito pelo Brasil, mas não faço pesquisas. Nem pergunto em quem o interlocutor vai votar. Apenas converso. E com isso vou formando um quadro que, às vezes, é confirmado pelas pesquisas que dizem ter estreita margem de erro.

Faz algum tempo que tento me acostumar com a realidade que vem pela frente, um confronto polarizado entre dois líderes populares, Lula e Bolsonaro. Como um está na cadeia e o outro no hospital, a eleição ganha um tom de realismo fantástico. É preciso abstrair a dimensão romanesca e cair na realidade: um dos dois será vitorioso, com todas as consequências que isso implica.

Senti no Nordeste que Lula tem muita força. Na Bahia, sobretudo, um sentimento de gratidão a Lula e a popularidade do governo local indicam uma supremacia da esquerda. No Norte, Sudeste e Sul, ouço muito o nome de Bolsonaro. Se o que vi tem o valor de uma pesquisa espontânea, minha inclinação é supor que a aspiração de mudança está encarnando nele.


Às vezes tendo a imaginar se essa imensa resistência ao governo de esquerda não se parece com o susto que os franceses tiveram com o Maio de 1968, optando pela volta de De Gaulle.

Não vejo o momento que virá pela óptica dos anos 60 no Brasil, pelo menos não o descreveria como Roberto Campos ao analisar a queda de Goulart e a tomada do poder pelos militares. Para ele, a alternativa eram anos de chumbo ou rios de sangue. E também não é, como às vezes dizemos brincando, um dilema entre Venezuela e Filipinas. O presidente das Filipinas é um peso-pesado no gênero. E um destino venezuelano é altamente improvável. Maduro não se aguentaria tanto tempo se não tivesse cooptado as Forças Armadas com empregos que rendem muito aos generais. No Brasil isso seria diferente.

Ainda assim, descartando modelos mais assustadores, viveremos uma situação delicada. As duas forças em presença são dificilmente conciliáveis.

Nos Estados Unidos, apesar da rivalidade, em alguns e raríssimos momentos democratas e republicanos reconhecem o interesse nacional. Já a polarização brasileira, de uma certa forma, reduziu as chances de um esboço de projeto nacional para enfrentar a crise e reconstruir o País. Certamente cada uma das partes tem o seu. Mas ele dificilmente atravessa os limites dos seus entusiasmados seguidores.

O estímulo ao equilíbrio deve vir da sociedade, mas isso não é fácil quando a maioria dos eleitores pende para uma visão mais radical. O discurso do equilíbrio é sentido como uma das formas de manter o sistema político-eleitoral. As expectativas são muito maiores.

Num posto de gasolina da estrada, um homem com um longo chapéu de palha me disse: “Voto no Bolsonaro porque é preciso virar a mesa”. Nesses momentos sinto a fragilidade dos instrumentos com que deveríamos contar quando o presidente assumir: Congresso e Supremo Tribunal.

O Congresso, na verdade, é a força sobre a qual a sociedade ainda pode exercer uma influência maior. Ainda assim, com discretíssimas mudanças será sentido mais como parte do problema do que como solução.

O Supremo... Bem, o Supremo todos sabemos que está parcialmente empenhado em neutralizar a Lava Jato. Cada vez que concede um habeas corpus, liberta um condenado, desmembra um processo para tirá-lo de Curitiba, está alimentando o desejo de uma renovação pela direita.

Vejo um amplo jogo de grandes forças sociais e, diante dele, poucas as chances da intervenção individual. Reconheço que vivemos num país com alto nível de imprevisibilidade. Mas, com os dados que tenho, creio que a tarefa será cada vez mais pensar os próximos passos, estabelecer um roteiro de redução de danos. É uma tarefa para todos os que querem sair do atraso, incluídos os eleitores mais moderados dos dois líderes.

Ultimamente têm surgido alguns livros no Brasil sobre a decadência da democracia, que não sofre mais golpes de Estado, mas simplesmente transita para regimes autoritários. Os livros são ótimos, porém o cenário dos últimos anos no Brasil é um livro aberto. Várias vezes o Congresso votou projetos absurdos sabendo que estava cavando um abismo maior entre os políticos e a sociedade. Os escândalos de corrupção, que levaram um grupo para a cadeia e deixaram seu principal aliado agonizando diante da pressão policial, tudo isso contribui para um desencanto geral com o sistema político-partidário.

Não se trata de um “bem que avisei” ou de caça aos culpados, apenas uma constatação importante de como será difícil a nova fase.

Se uma visão mais moderada perder a batalha eleitoral, e isso me parece provável no momento, não terá perdido com isso a sua importância. Ela pode ser um fio de esperança para que surja um projeto de reconstrução mais consensual. E ser uma espécie de algodão entre cristais, lembrando que a guerra fria acabou e é necessário superar os grandes dilemas ideológicos para recuperar o tempo perdido.

A polarização entre dois líderes populares de certa forma simplifica e torna o processo mais caloroso ainda. Mas revela como surgem os líderes nacionais no Brasil democrático. Eles simbolizam também a força da comunicação oral. São capazes de transmitir a mensagem que a forma literária dos intelectuais não consegue.

Claro que seu discurso também é lido, perpassa os jornais e revistas. No entanto, é a linguagem oral, com seus erros, hesitações e exageros, que consegue chegar ao coração dos eleitores em escala nacional. Outros podem usá-la sem êxito. Entra aí um outro fator importante: o papel do indivíduo, sua trajetória e personalidade.

Poderia divagar muito sobre o dilema brasileiro. Poderia até desejar que não fosse assim. Mas seria perda de tempo. Se não estou muito equivocado, essa é a realidade que está aí. E é com ela que teremos de construir incessantemente nossos sonhos, ainda que modestos.

O verdadeiro mandatário

É o dinheiro quem controla o processo democrático, não as pessoas. É difícil ter uma democracia genuína se as eleições são tão caras
David-Harvey, "A loucura da razão econômica: Marx e a economia do século XXI" 

Ereções presidenciais

 Agora que não é mais candidato, Luiz Penitenciário Lula da Silva vai poder finalmente se dedicar ao que mais gosta: o ócio com indignidade.

Trancafiado nas dependências da Polícia Federal, Lula poderá se concentrar em suas leituras, escritos filosóficos e pensatas de formulação intelectual. Também vai voltar às suas aquarelas, paisagens bucólicas, marinhas e cenas pastoris. Lula também poderá retomar suas esculturas em metal. Enfim, a atividade intelectual e artística, que é o que ele realmente gosta de fazer.


Lula teve a generosidade, o espírito público, de sacrificar sua carreira artística em nome da grandeza do país. História bem parecida com de um cabo alemão que acabou chefe de Estado.

Ok, tudo bem que, no caso do Lula, a grandeza do Brasil começou justamente pela sua conta bancária, mas, enfim, a grandeza tinha que começar de algum lugar.

Na verdade, Lula espera, graças ao ministro Dias Toffoli, ser beneficiado com a prisão domiciliar. Só ainda não resolveu se vai para o sítio de Atibaia ou para o tríplex do Guarujá.

Fernando Haddad, o novo poste petista, não para de subir nas pesquisas eleitorais. Certo de que vai vencer Haddad, já superfaturou com a Odebrecht a construção de um imenso e profundo buraco onde pretende enterrar o Brasil. Vai ser uma obra e tanto. Vamos sentir saudades do buraco em que estamos hoje.

No Hospital Albert Einstein, o candidato Jair Bolsonaro continua em franca recuperação. Segundo os médicos, em mais alguns dias Jair já vai estar cagando e andando. No comando da campanha bolsonarista, ficou o General Morrão, o silvícola indolente. Quem está pedindo intervenção militar não pode reclamar das eleições brasileiras : tem cabo, capitão, major, general e até o coronel Ciro Gomes.

O Brasil é um país muito original: as principais campanhas presidenciais estão sendo comandadas a partir do CTI de um hospital ou de uma cela da cadeia: tudo a ver com a nossa situação.

Vencendo Bolsonaro ou Luiz Haddad Lula da Silva, a vida sexual do brasileiro vai ficar legal. Seja esquerda, seja direita, todo mundo vai se fuˆ%$#@#$%$#.

O Brasil ficou atrás da Venezuela em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano Fica a pergunta: o que estes venezuelenses vêm fazer aqui?

Agamenon Mendes Pedreira tem zero de intenção de votos nas pesquisas, mas, em compensação, não é candidato a nada

Paisagem brasileira

Casario, Roberval Cunha 

Partidos estão usando R$ 1,7 bilhão d fundo eleitoral para reeleger políticos

A paulistana Fernanda Gama, de 34 anos, disputará eleições pela primeira vez este ano. Ela mora na Zona Leste de São Paulo (SP) e decidiu se lançar candidata a deputada federal por convite de um amigo que milita no Partido da Mobilização Nacional (PMN). No início das conversas, diz Fernanda, a legenda acenou com a possibilidade de assistência jurídica e uma fatia do Fundo Especial para Financiamento de Campanha (FEFC).

Mas bastou que a candidatura dela fosse oficializada pela Justiça Eleitoral para a conversa mudar.

"O papo era 'Ah, vai ter uma verba, a gente não sabe quanto ainda'. Mas isso foi até o deferimento da candidatura. Aí, eles disseram que a gente não receberia nem um real. Disseram que estes 30% do Fundo, destinado às mulheres, o presidente (municipal) do partido destina para quem ele quiser", diz a candidata. Fernanda contará com a ajuda de familiares e de um grupo beneficente da Zona Leste de SP para a campanha.

Esta será a primeira eleição geral no Brasil desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2015, proibir as doações de empresas privadas para partidos e candidatos. Este ano, as campanhas serão financiadas principalmente com dinheiro do Fundo Especial - R$ 1,71 bilhão, no total. As maiores fatias serão as de MDB (R$ 230 milhões), PT (R$ 212 milhões), PSDB (R$ 185 milhões) e PP (R$ 131 milhões). Pelo menos 30% do valor do Fundo precisa ir para candidaturas de mulheres, conforme decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Além do Fundo de campanha, as campanhas poderão ser financiadas este ano por doações de pessoas físicas (seja diretamente ou por meio de 'vaquinhas' online, o chamado crowdfunding). Cada brasileiro pode doar até o limite de 10% dos seus ganhos no ano anterior.


Além disso, candidatos também podem fazer doações para as próprias campanhas, sem limite de gastos. E os partidos podem usar também o dinheiro do Fundo Partidário, diferente do Fundo Eleitoral, e que este ano será de cerca de R$ 800 milhões.

O PMN de Fernanda terá cerca de R$ 3,8 milhões do FEFC para distribuir aos candidatos. Ao TSE, a sigla disse apenas que 98% do valor seria destinado às campanhas de deputados federais, mas não disse quais - a decisão fica a cargo da direção do partido.

A reportagem da BBC tentou contato com o presidente municipal do PMN, Ronaldo Barbosa, mas não obteve resposta.

A situação de Fernanda Gama está longe de ser uma exceção: a maioria das direções partidárias tende a concentrar os recursos do Fundo eleitoral em políticos tradicionais - principalmente os que já têm mandato.

Algumas das siglas reservam formalmente recursos para deputados e senadores, como fizeram PP e MDB. Outros não inscreveram os valores num documento formal, mas privilegiaram os políticos estabelecidos: é o que acontece no PT e no PSDB.

Até o momento, os partidos já distribuíram R$ 843 milhões do Fundo em campanhas para o Congresso. Deste total, 67% (ou R$ 563 milhões) foram para políticos que já têm mandato, segundo números compilados pelo jornal O Globo e checados pela BBC News Brasil usando informações do Repositório de Dados Eleitorais do TSE.

O cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP), Hilton Cesário Fernandes, lembra que caciques partidários sempre tiveram controle sobre a máquina partidária: decisões sobre o Fundo Partidário e o tempo de TV sempre foram deles.

"A diferença é que, antes, as doações de empresas em maior volume ajudavam a contrabalançar este poder das direções partidárias", diz. "Este ano, com menos fontes de recursos (para campanha), este poder dos líderes partidários ficou mais evidente", diz o professor.

Asfalto e calçamento se tornaram sinônimo de corrupção na política

Uma tarde, tocou o telefone na liderança do governo na Câmara Federal. Era o presidente Juscelino. Pedia urgência urgentíssima na aprovação do crédito de 8 bilhões para o asfaltamento da estrada Rio-Bahia. Às 8 da noite, o líder Abelardo Jurema ligou para o Catete: – Crédito aprovado, presidente.

Juscelino saiu do Planalto, foi jantar na casa do empresário mineiro Marco Pólo. E fez os maiores elogios a Jurema:

– É o líder mais barato que eu já tive. Me dá tudo e não pede nada.

O empreiteiro Spitzman Jordan ouvia a conversa, saiu e foi à casa de Jurema:

– Dr. Jurema, acabei de ouvir o Presidente fazer as mais calorosas referências ao senhor. Percebi que o que o senhor lhe pedir, ele dá. Tenho uma construtora. O senhor poderia pedir ao presidente que recomendasse ao DNER para me entregar um dos trechos?

– Dr. Jordan, o líder só cuida de problemas políticos.

– Dr. Jurema, podemos ver a coisa sob o aspecto político. O senhor é o candidato do PSD ao governo da Paraíba. Uma campanha eleitoral, hoje, exige muitos recursos. Posso depositar 100 milhões à disposição do PSD da Paraíba, para ajudar o partido. E, ajudando o partido, assegura sua eleição.


Abelardo desviou o assunto, falaram de outras coisas. Mas Jordan insistiu no asfalto da Rio-Bahia. Jurema encerrou a conversa:

– Doutor Jordan, se o senhor me conhecesse melhor já saberia que não é esse o tipo de política que eu faço. De qualquer maneira, se o senhor quer fazer o pedido ao Presidente, procure a bancada da Bahia. O asfaltamento foi uma reivindicação dela. Problema administrativo eu só encaminho os da Paraíba e por delegação da bancada ou do governador.

No dia seguinte, Spitzman Jordan procurou o senador Rui Carneiro, líder do PSD da Paraíba :

– Seu Carneiro, seu amigo Abelardo Jurema vai morrer pobre.

No governo de João Goulart, Jurema foi ministro da Justiça. No golpe militar de 64, foi cassado e exilado. E morreu pobre.

Outra história antiga e exemplar. Draiton Nejaim foi prefeito de Caruaru, em Pernambuco, e era deputado estadual da Arena. Francelino Pereira, presidente nacional do partido, foi a Recife, Draiton encontrou-o:

– Dr. Francelino, pode pôr nos seus cálculos que a Arena vai derrotar o deputado Fernando Lira em Caruaru e tomar a Prefeitura do MDB. Sou candidato e vou ganhar. Agora vai ser tudo diferente. Da outra vez, quando fui prefeito da UDN, me acusaram de roubo e eu saí pobre, inteiramente liso. Para me eleger deputado e depois eleger minha mulher, foi um sofrimento, um sufoco. Não se pode fazer política sem dinheiro, sem muito dinheiro, sobretudo no Nordeste. Desta vez vou sair rico da Prefeitura. Nunca mais volto a ser pobre.

– Sair rico, como, deputado? O senhor sabe o que está falando?

– Sei, sim, presidente. Vou roubar mesmo. Mas não vou roubar para mim. Vou roubar para nosso partido. Roubar para ter dinheiro e nunca mais a oposição ganhar eleição em Caruaru.

Francelino ficou perplexo:

– Mas isso é uma confissão louca, deputado. Não pode ser, o partido não pode permitir nem sequer ouvir isso. Seria um escândalo.

– Não, dr. Francelino, não vai ter escândalo, não. Ninguém fica sabendo. Tenho uma receita perfeita: calçamentos e aterro. Ninguém mede, nem conta nem pode fiscalizar calçamento e aterro.

Draiton derrotou o MDB, reelegeu-se prefeito de Caruaru. Não sei se cumpriu a palavra. Mas, só fez calçamento e aterro.

Asfalto e calçamento eram sinônimos de progresso. Tornaram-se símbolo de corrupção.

O buraco é maior

O pessoal do Ministério da Fazenda encontrou o que parece ser uma boa notícia: há uma folga de R$ 8 bilhões no orçamento deste ano. Folga é isso mesmo que o leitor está pensando: dinheiro para gastar.

A primeira reação de uma pessoa que acompanha o noticiário econômico, incluindo nossos comentários, é de espanto. Como pode haver sobra se só se ouve falar de déficits e dívida? Espanto correto. A folga é técnica, digamos assim.

Não é que esteja sobrando dinheiro, mas apenas que o buraco é menor que o antecipado.


Poucos números: o déficit do governo federal autorizado para este ano é de R$ 159 bilhões. É o que consta do orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. Como a atual equipe econômica faz um esforço para segurar os gastos, verificou-se na última checagem que, mantida a atual programação, o déficit será de R$ 151 bilhões. Daí a tal folga de R$ 8 bilhões.

Ótimo, diria uma pessoa normal. Para quem está atolado em dívida qualquer economia já serve.

Mas não estamos em uma situação normal. O fato é que os serviços prestados pelo governo, educação, saúde, segurança, andam tão prejudicados pela contenção de recursos que faz sentido aproveitar aqueles R$ 8 bi e dar algum alívio a setores da administração.

Isso mostra bem como é dramático o estado das contas públicas e como isso ameaça toda a economia. Fechado 2018, serão cinco anos seguidos de déficits, acumulando-se um buraco de mais de R$ 572 bilhões – valor que foi incorporado à dívida bruta. Esta, obviamente em alta, se aproxima do equivalente a 80% do PIB, quando deveria ser inferior a 40% pelos padrões internacionais.

A atual equipe econômica, de reconhecida competência, calcula que haverá déficits nos próximos três anos, mesmo que sejam feitas reformas. Sem reformas, como a da Previdência, a dívida explode e o governo cai no dilema fatal: precisa ao mesmo tempo cortar gasto e gastar – para prestar serviços essenciais – e reduzir impostos, abusivos, e aumentá-los para fechar a conta.

E com isso, se vai da crise econômica para a política.

Acrescentem ao quadro que as despesas obrigatórias do governo com previdência, pessoal e programas sociais (pagamentos a pessoas, como desempregados, idosos mais pobres e do Bolsa Família) e isso chega a mais de 80% do orçamento. Sobram menos de 20% para todo o funcionamento – mau funcionamento – da máquina e um mínimo de investimentos.

Diante desse quadro, Paulo Guedes, economista do líder das pesquisas, diz que será até fácil zerar o déficit no primeiro ano de governo. Como? Vendendo estatais e imóveis.

É não conhecer o governo, o Congresso, os entraves legais, a resistência das corporações, dos sindicatos de funcionários de estatais e dos políticos que controlam aquelas estatais. Todas as privatizações já feitas passaram por uma complicada disputa política. Já pensaram o tamanho dos obstáculos para vender a Petrobras?

Por outro lado, podem notar, novos governos começam assim: a gente vende alguns prédios e terrenos e, pronto, está resolvido. Não está. Começa que estão sobrando imóveis comerciais novos. E quem vai querer comprar, a não ser por preço de banana, imóveis antigos e frequentemente legalmente enrolados?

Do lado do PT, a conversa é pior. Alguns economistas do partido dizem que basta cobrar impostos dos ricos – das grandes fortunas – para fechar o déficit. Não fecha. Não há ricos suficientes para isso.

Mas o pior é o retrospecto do governo Dilma. Assumiu com um superávit de R$ 126 bilhões e entregou com um déficit de R$ 170 bilhões. Sim, podem dizer que Lula fazia superávit. Mas foi o próprio Lula que endossou a política de gastança de Dilma e o PT continua oficialmente defendendo o programa de aumentar gasto público, sem fazer qualquer autocrítica da gestão anterior.

Na verdade, o PT teve até sorte com o impeachment de Dilma. O partido pode fazer campanha dizendo é tudo culpa do golpista Temer e seus aliados. Mas isso serve para campanha – e mentirosa – não para governar.

Parecia que essas eleições seriam de mudança. Parecia.