quarta-feira, 14 de julho de 2021

Bolsonaro está com soluço

Como se não bastassem todas as crises, o presidente Jair Messias Bolsonaro ainda tem que lidar com mais uma: de soluço. Há mais de dez dias seu diafragma está fora de controle. Uma dica, neste caso, seria levar um susto para tentar se livrar do soluço. Mas o presidente garantiu, numa recente entrevista, que, por enquanto, não está "assustado com nada que acontece no governo". Será que nem as revelações vindas diariamente da CPI da Covid no Senado deixam o presidente preocupado?


Confesso que não esperava muito da CPI. Comissões parlamentares de inquérito sempre me lembram do meu programa predileto de humor britânico, o excelente Yes, Minister e sua continuação Yes, Prime Minister. Uma produção da BBC dos anos 80, que conta a história de um político ingênuo e incompetente galgando a ladeira do sucesso governamental até se tornar primeiro-ministro.

No seriado, quando aparecem erros do governo, abre-se rapidamente um inquérito, uma Royal Commission, com a justificativa falsa de investigar a fundo. Mas, na verdade, os inquéritos servem para encobrir os erros. Pois espera-se que quando o relatório final estiver pronto, quatro longos anos depois, ninguém se lembre mais do problema. Ou que até lá, apareça um bode expiatório.

No caso da CPI da Covid no Senado brasileiro, eu esperava apenas muitas manchetes negativas para o governo, mas nada de essencialmente novo. Pois já estava tudo na mesa, achava eu: o governo negacionista sabotou as medidas de combate ao coronavirus, oferecendo medicamentos sem eficácia para tranquilizar a população, e ignorou a crise de oxigênio no Amazonas. Além disso, só quis comprar vacinas em quantidade suficiente depois de João Doria ter largado na frente com a vacina chinesa. Tudo documentado e filmado pelo próprio Bolsonaro e cia.

Mas, mesmo depois de 20 anos vivendo aqui e cobrindo o Brasil, ainda me surpreendo. No começo da pandemia, participei de uma oficina da Fundação Getúlio Vargas sobre Direito para jornalistas. Nela, falava-se muito sobre mecanismos para evitar e combater corrupção ligada à pandemia. Eu achava que não seria preciso, pois: quem iria se atrever a desviar dinheiro público destinado ao combate à pandemia, com toda a mídia em cima?

Bom, aparentemente muita gente. Há várias suspeitas de corrupção nos diversos níveis da administração pública. Mas os casos da vacina chinesa Covaxin e o da negociação mais que estranha sobre a compra de milhões de doses da AstraZeneca me surpreenderam. Principalmente o cara-de-pau-ismo dos supostamente envolvidos, sendo eles políticos influentes ligados ao Centrão ou vendedores picaretas.

Ainda não está claro até que ponto o presidente está envolvido, se ele sabia, se acobertou os erros de aliados ou se ele se aproveitou da situação emergencial do país em meio à pandemia. Mesmo assim, uma recente pesquisa Datafolha revelou que a reprovação ao governo Bolsonaro atingiu a marca recorde de 51% e que, para 70% dos brasileiros, existe corrupção no governo. Aparentemente, as manchetes negativas vindas da CPI influenciaram espectadores.

Enquanto isso, o governo segue sem rumo. O presidente, pelo menos, anda de motocicleta rumo ao horizonte. Dizem que quando uma criança pega vento demais, fica com soluço. Será que o presidente, nas suas aventuras motociclísticas sem máscara ou capacete com viseira engoliu vento demais?
Thomas Milz

E os valentes desarmados reagem!

Ao dizer que homem armado não ameaça, insinuando que usa logo a arma, o comandante da aeronáutica passou a ideia de que as Forças Armadas não avisariam antes de agir contra o Congresso, ou ao menos contra o senador Omar Aziz. Ao fazer isto, o comandante degradou a Aeronáutica por colocá-la ao nível de um homem armado, com faca ou revólver ameaçando um desafeto.

A Aeronáutica é uma força, com missão nobre: usar seus soldados, aviões e bombas para defender a Pátria contra inimigos externos. Não pode ser comparada a um homem enlouquecido por alguma raiva.

O governo Bolsonaro deixará tristes marcas – queima de florestas, descuido com a epidemia que matou mais de meio milhão de brasileiros, muitos outros equívocos e atos antipatrióticos –, mas uma das mais graves de suas marcas poderá ser a degradação do prestígio, do respeito e da confiança do povo para com suas Forças Armadas.


A eleição de Bolsonaro foi pelo voto, resultado dos erros de governos democráticos anteriores. Ele não foi imposto pelas Forças Armadas, nem mesmo era um militar desde quando foi expulso do Exército. Mas ele conseguiu comprometer as Forças Armadas ao pôr militares dentro de seu governo e expor incompetência e suspeitas, ainda não comprovadas, de corrupção por oficiais.

Durante os 21 anos do regime militar, o Brasil enfrentou a brutalidade de uma lamentável ditadura: as Forças Armadas podiam ser odiadas pelos perseguidos ou opositores, seus oficiais podiam ser temidos, mas eram respeitados pela competência e honestidade. Todos os quatro presidentes terminaram suas vidas aposentados sem riqueza.

Mário Andreaza fez estradas e quando aposentado teve de receber ajuda para tratar de sua saúde. Costa Calvalcanti fez Itaipu e não deixou qualquer fortuna para a família. Foram competentes, honestos e respeitados, apesar de merecerem críticas e repulsa como parte das maldades da ditadura.

O respeito e as críticas ficaram na história, quando as Forças Armadas saíram do poder em um processo de negociação com as lideranças civis. Diferentemente de outros países, no Brasil os militares entregaram o poder sem serem derrotados, ficaram como participantes do processo de democratização. Desde então, os governos eleitos, de direita, centro ou esquerda, foram respeitados pelas FFAA em um comportamento democrático exemplar. E elas receberam respeito da sociedade.

A eleição de Bolsonaro pareceu acender uma chama revanchista contra a democracia e os civis, levando as Forças Armadas a aceitarem uma simbiose com um governo incompetente que está destruindo o Brasil, florestas, ciência, saúde, democracia, direitos conquistados, isolando o país como pária e motivo de galhofas no mundo. E os militares se deixaram envolver, comprometidos e até coniventes com os erros e incompetências. Deixaram de ser Forças Armadas e passaram a ser parte do governo.

Esta simbiose começa a ameaçar a democracia ao ameaçar o Congresso e a Justiça, ainda pior, quando as Forças Armadas passam a impressão de aliar-se a setores armados, policiais, milícias e bandoleiros, para impedir o reconhecimento do resultado das eleições. A imagem que aos poucos começa a chamuscar nossas Forças Armadas poderá ser um dos piores legados do governo Bolsonaro, mas a culpa não será apenas dele. Alguns oficiais colaboraram.

O resultado é que as pessoas desarmadas começam a se preparar contra as ameaças insinuadas pelos armados. Depois que acabaram as ditaduras na Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Brasil, circulava em meios acadêmicos destes países a ideia de um pacto pela desmilitarização do continente. Alguns sonhadores imaginavam que além de continental, o pacto poderia ser transatlântico. Sem armas do outro lado das fronteiras terrestres e do oceano, seria possível a extinção das Forças Armadas em todos os países da América Latina e da África, liberando centenas de bilhões de dólares para investir em educação, ciência, tecnologia, saúde, infraestrutura e policiamento para a segurança interna, como fez Costa Rica há 70 anos.

O comportamento das Forças Armadas naqueles países apagou estas ideias utópicas. Na constituinte atual no Chile, este assunto pode surgir, sem prosperar por causa dos conflitos fronteiriços deste país com todos seus vizinhos, Peru, Bolívia e até mesmo Argentina. O Brasil não tem esses conflitos, e o desgaste que Bolsonaro provoca nas Forças Armadas pode fazer ressurgir o tema por aqui, porque homem armado não ameaça e homens e mulheres valentes desarmados reagem.