terça-feira, 8 de agosto de 2017

Deixar de lado o desânimo

A mobilização que levou a derrota do projeto criminoso de poder petista deu esperança de que o Brasil poderia rapidamente mudar. Não havia confiança em Michel Temer — muitos, inclusive, sequer conheciam sua carreira política. Mas o determinante era a sensação de que a política poderia ser realizada sobre outras bases — bases republicanas. Era mais um desejo do que a possibilidade real de que tal acontecesse. Basta recordar a votação da autorização do processo de impeachment e a péssima impressão deixada pelos deputados. Não foi um bom sinal.

Logo em seguida, Temer prometeu um Ministério de notáveis, mas o que veio foram ministros encalacrados com a Justiça, representando a velha política. Mais uma decepção. O governo começou, e foram pipocando escândalos envolvendo assessores diretos do presidente. Em nenhum momento, Temer enfrentou as denúncias de forma republicana. Pelo contrário. Fez questão de defender seus auxiliares, dificultou as investigações.

Quando veio à luz a delação premiada da JBS, caiu a máscara de Temer. O presidente — no exercício do cargo — agia da mesma forma que aqueles que foram defenestrados do governo no ano anterior. Ficou a desilusão. O que adiantou ir às ruas se a corrupção permanecia? Será que a vitória foi ter trocado uma presidente que falava um dialeto muito particular por um presidente que abusa das mesóclises?

Charge do dia 07/08/2017

Depois o Brasil ficou aguardando a tão esperada condenação de Lula. O processo — como de hábito na Justiça tupiniquim — caminhava a passos de tartaruga. Quando saiu a sentença do juiz Sergio Moro, veio mais um desapontamento. Apesar da pena de reclusão em regime fechado, o juiz evitou solicitar a imediata prisão do sentenciado sob o pífio argumento de que poderia ocorrer distúrbios e, para manter a paz social, era melhor deixá-lo em liberdade. Lula, claro, agradeceu a benesse atacando sistematicamente a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o próprio juiz. Teve alguma resposta? Foi preso? Não. Sergio Moro fez ouvido de mercador, como se o seu silêncio significasse algum tipo de desprezo para com o sentenciado. Mas o que ficou para a sociedade foi a impressão de que o juiz agiu politicamente, com temor do criminoso.

Após muita cobrança, um dos principais instrumentos da nova — e desastrosa — matriz econômica petista, o BNDES, divulgou que apresentaria um amplo relatório do que a nova gestão tinha encontrado naquela instituição financeira. Parecia algo alvissareiro. Afinal, a divulgação das mazelas do projeto criminoso de poder, seria uma boa notícia — pois a despetização do Estado tinha ficado para as calendas gregas. Ledo engano. O chamado “Livro Verde” transformou a gestão petista em paradigma de eficiência. Nem Josef Stálin teria coragem de apresentar aquele relatório. Era tão fiel à verdade como o seu homônimo líbio, o Livro Verde de Muamar Kadafi, que pretendia instituir uma nova forma de democracia.

Finalmente, na última quarta-feira, esperava-se que a Câmara dos Deputados apreciasse a denúncia da PGR contra Temer de corrupção passiva. Mais uma frustração. O centrão renasceu usando e abusando dos velhos métodos. Já o PT tentou assumir a roupagem utilizada até 2003, antes de assumir o governo, a de defensor intransigente da ética. O espetáculo foi deprimente.

Tantas derrotas — e é absolutamente compreensível — geraram um sentimento de impotência, de que não adianta participar, que nada muda, que o Brasil sempre foi e será assim. E de que no horizonte nada indicaria que haveria condições de derrotar a velha política, uma percepção de que o máximo permitido pelo sistema foi a derrubada do PT do governo.

Os donos do poder consideram que a Lava-Jato foi longe demais. Também desejam afastar a participação popular dos negócios públicos. Para coroar o restabelecimento da “ordem”, almejam a construção de candidaturas presidenciais que preservem este estado de coisas. Isto não é nenhuma novidade. Novo é tentar esta manobra quando a sociedade brasileira deu, nos últimos anos, mostras de vitalidade, de enorme capacidade de mobilização. Sem exagero, é possível afirmar que o interesse por política nunca foi tão grande como nos tempos atuais.

Tudo indica que o desânimo é momentâneo, produto de uma certa ingenuidade. De que a mudança venceria facilmente as forças retrógradas. Construir um efetivo estado democrático de direito, proclamar a República — que só foi anunciada em 1889 — deverá ser um longo processo, com vitórias e derrotas. O Brasil é um país complexo, díspar, contraditório. A democracia raramente esteve presente na nossa história. Fomos marcados pelo autoritarismo. O nosso pensamento político é mero reflexo de um país que conviveu com diversas desilusões, com mudanças que, paradoxalmente, representaram continuidade. Daí a sedução pelas soluções de força.

A defesa intransigente do espírito republicano não é uma tarefa fácil. Tudo conspira contra. Os principais atores políticos e econômicos jogam pela preservação da “ordem.” O desafio da sociedade civil é continuar pressionando e exigindo mudanças. Negar os políticos não é negar a política. Fazer política, agora, é ainda mais importante do que foi no momento do impeachment de Dilma. Naquela conjuntura tudo se resumiu no enfrentamento do PT e seu maligno projeto de poder. Foi uma grande vitória. Isto é inegável. É necessário dar um passo à frente: manter a democracia como norte, organizar a sociedade e construir instituições verdadeiramente republicanas.

Marco Antonio Villa

A essência municipal da democracia

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Quinze dias atrás, com "Um caso de cura da nossa doença", mostrei aqui como, começando pelo Oregon, em 1902, as “reformas Progressistas” empurradas por Theodore Roosevelt presidente implantaram o sistema de democracia semidireta, que pôs o comando da política nas mão dos eleitores e a corrupção sob controle, nos EUA, após uma crise em tudo semelhante à do Brasil de hoje.

Essa revolução se esgueirou pela brecha aberta pela Constituição da Califórnia de 1879, que garantiu às suas cidades o direito de criar as próprias constituições. A política de todo o Oeste do país era dominada pelos donos das ferrovias, que controlavam as estruturas partidárias estaduais. Operando serviços públicos essenciais que só forneciam a quem lhes declarasse obediência, os caciques a soldo das ferrovias tinham força para bloquear ou desfazer todas as reformas tentadas por prefeitos independentes. Ao fim de dez anos de luta contra os chefões em São Francisco, Los Angeles inscreve na sua, em 1889, os direitos de iniciativa, referendo e recall, que só chegariam à Constituição estadual da Califórnia em 1903. A partir daí foi uma avalanche. Sacramento em 1903, San Bernardino, San Diego, Pasadena e Eureka em 1905, São Francisco em 1907, todas foram adotando as mesmas ferramentas.

O Movimento Progressista dividiu-se em duas linhas aparentemente conflitantes no âmbito municipal. Uma procurava dar mais poder aos eleitores, com primárias e as demais ferramentas de democracia direta, e a outra, nascida meio por acidente, empurrava no sentido oposto, de substituir políticos eleitos por executivos dispensados da obrigação de seduzir eleitores para exercer funções públicas. Nasceram assim os “governos de comissão”, que até hoje são a opção da maior parte das cidades americanas. Galveston, Texas, arrasada por um furacão em 1900, criou o modelo. A prefeitura mostrou-se incapaz de restabelecer a ordem e a cidade determinou, então, que uma comissão de especialistas acumulando poderes executivos e legislativos fosse nomeada para comandar a reconstrução. Funcionou tão bem que ela continuou no poder pelo voto a partir de 1903. Não demorou muito e Houston, Dallas, Fort Worth, Austin e El Paso adotaram o modelo.

As comissões consistiam em cinco a sete administradores eleitos em pleitos não partidários, cada um com poderes sobre uma área das atividades do governo municipal (obras públicas, segurança, finanças, saneamento, etc.). O sistema convivia com os mecanismos de iniciativa, referendo e recall. Mesmo debaixo de uma enorme celeuma por colocar uma distância maior entre executivos e eleitores e ferir o sentido republicano prescrito pela Constituição nacional, de governo de representação e separação dos Poderes, o modelo foi-se espalhando como uma febre, imposto com as ferramentas da iniciativa e do referendo por munícipes cansados da corrupção e da ineficiência dos políticos.

Novas combinações foram sendo experimentadas ao sabor dos acidentes de percurso. Daytona, Ohio, quase destruída por uma grande enchente em 1913, elegeu cinco especialistas que indicaram um manager para executar suas deliberações. Berkeley, em 1921-22, assolada por uma crise financeira arrasadora, do tipo Rio de Janeiro, tentou outra variação de convivência entre poderes executivo e legislativo de seu council e respectivos executivos. Ao cabo dessas e outras experiências, dois modelos principais acabaram por se consolidar. Nos governos de council-mayor, uma comissão é diretamente eleita e tem poderes para deliberar as políticas, votar desapropriações, estabelecer objetivos e nomear um profissional para aconselhá-la e executar suas políticas. Nomeia também um prefeito com funções apenas cerimoniais entre seus próprios membros (rotativo em alguns casos, diretamente eleito em cidades maiores). Já o modelo de city-manager se inspira mais diretamente no modelo corporativo. Um conselho eleito nomeia uma espécie de CEO, que, por sua vez, nomeia uma “diretoria” para executar as políticas do conselho em cada área de especialização. As leis mais importantes, de qualquer maneira, propostas pelo povo ou pelos legisladores, vão a voto direto.

O objetivo é profissionalizar a gestão pública e torná-la tão ágil quanto o resto da economia privada. Quem não desempenhar perde o emprego, dispensando-se processos políticos. Esse modelo, hoje, é usado em 40% das cidades americanas de porte médio para baixo.

O país migrou, portanto, de um sistema totalmente amarrado ao princípio representativo e à política partidária para outro libertado do apego a falsos critérios de coerência ideológica e regido exclusivamente pela conveniência prática, que mistura à invenção política dos “pais fundadores” a eficiência da gestão corporativa inventada por seus empresários, tudo mediado por ferramentas que dão poder absoluto ao eleitor. O sistema representativo puro sobreviveu intacto só no nível federal. No municipal e estadual, embora toda a reforma tenha começado para defender o povo da ganância dos robber barons, o povo também reconheceu o progresso induzido por eles e do qual era beneficiário. Tiveram a inteligência de impor-lhes um freio por cima (a legislação antitruste), mas, ao mesmo tempo, institucionalizar o que tinham feito de bom (as técnicas de gestão).

Desde então os americanos têm sido absolutamente inflexíveis em manter nas mãos dos eleitores o direito de propor diretamente ou dar a última palavra sobre as leis que se comprometerão a seguir, mas recorrido à contribuição de especialistas dispensados da obrigação de seduzir eleitores para desenhar as melhores possíveis, permitindo-se errar quantas vezes for preciso nessas tentativas até chegar ao melhor resultado... que não hesitam em alterar mais adiante se novas necessidades assim recomendarem. Trocam peças defeituosas (recall) e reescrevem suas leis sem nenhuma cerimônia. São absolutamente flexíveis na porta de entrada para dar eficiência ao sistema, mas mantêm estritamente nas mãos dos eleitores o controle da porta de saída.

Paisagem brasileira

Rua da Bahia, em Belo Horizonte, 1930 (Mauro Ferreira)

Parlamentarismo de corrupção

O homem que se vende recebe sempre mais do que vale
Barão de Itararé (1895-1971)

No reinado de Pedro II houve o “parlamentarismo de imitação”: a partir do final dos anos 50 do século XIX, o chefe do gabinete de ministros era escolhido no partido que tinha maioria na Assembleia Geral do Império. Liberais e conservadores, vinculados à lavoura cafeeira escravocrata em expansão, revezaram-se no comando. Grãos de café do mesmo saco: “nada mais parecido com um conservador do que um liberal no poder”.

Ganhar as eleições era fácil para os de cima: voto de cabresto, currais eleitorais, fraudes (“eleições a bico de pena”) e, em casos extremos, a “fidelidade do cacete”. Tudo isso continuou na República presidencialista, com uma breve experiência parlamentarista para reduzir os poderes de Jango, entre 1961 e 1963. O Legislativo, a partir da Constituição de 1988, ganhou ainda mais relevância.

Temer transitou do presidencialismo de cooptação – imposição da “governabilidade”, juram os presidentes que fizeram alianças fisiológicas para ter apoio no Congresso – para o atual “parlamentarismo de corrupção”.


Corrupção institucional. Afinal, liberar R$ 4,1 milhões em emendas parlamentares de junho para cá, empenhar recursos da ordem de R$ 10 bilhões para obras em redutos eleitorais de aliados, refinanciar dívidas do agronegócio e oferecer cargos no governo é “legal”. Na real, é COMPRA DE VOTOS, que a lei e a moralidade pública incriminam. Derrame de dinheiro público superior ao despendido para Sarney ter cinco anos de mandato e FHC aprovar o direito à reeleição.

No dia 2/8, na Câmara, surgiu uma nova modalidade de ética de ocasião: depois do “rouba mas faz” (desde os anos 50, dos tempos de Adhemar de Barros) e do “rouba mas é pela causa” (com que setores da esquerda tentaram justificar sua entrada no banquete dos desvios), inaugurou-se o “rouba mas é pela estabilidade”. Alguns pediram trégua temporal: “investiga depois”.

Corrupção institucional e sistêmica: metade dos R$ 24 bilhões investidos pelo FI-FGTS (fundo mantido com dinheiro do trabalhador!) em empresas privadas foi liberada com pagamento de propina; nomeações de segundo e terceiro escalões também se inscrevem no método de “criar dificuldades” (exigências burocráticas) para “obter facilidades” (paga-se para desembaraçar); propostas de mudanças drásticas na legislação, como as da Previdência, carecem de legitimidade básica, pois jamais foram submetidas à apreciação da população na campanha eleitoral. Tudo isso corrompe a democracia.

Para culminar, está em curso uma Operação Abafa contra as investigações sobre o conluio espúrio grandes empresas-partidos, a fim de salvar todos os da casta política. Essa poderosa articulação, liderada pelo governo comprometido com “estancar a sangria”, junta até adversários. Seu mantra enganoso é “salvar a política”, isto é, eles próprios.

A época é de resistência cidadã e democrática, de que cada um tem que ser capaz. Como versejou João Cabral de Melo Neto (1920-1999), no seu clássico “Morte e Vida Severina”, “mais vale lutar com as mãos do que abandoná-las para trás”.

Cantoria de excelência

Olho pra vossa excelência
E me dá até gastura.
Porque não tem compostura,
Nem respeito, nem decência.
Verdadeira excrescência,
Não cumpre o que é prometido,
Volta e meia anda metido
Em tudo que é obscuro
Por isso estou bem seguro:
Vossa Excelência é bandido!

Vossa excelência devia
Ter cuidado com o que diz,
Pra não ser tão infeliz
Nas coisas que pronuncia.
Quem tem a vossa mania
De roubar essa nação,
Não tem qualquer condição
De me chamar de bandido,
Pois é fato conhecido,
Vossa Excelência é ladrão!

Vossa excelência não tente
Por em mim o seu defeito,
Pois já conheço o seu jeito
Quando rouba e quando mente.
É ladrão reincidente,
Tirando de quem trabalha
Pra dividir com a gentalha
Que compõe sua quadrilha:
O filho, o genro e a filha,
Vossa excelência é canalha!

É melhor deixar em paz
Minha família decente,
Porque nela não tem gente
Que faça o que a sua faz.
Vivem por aqui, atrás
De pegar um descuidado.
É mãe, é filho, é cunhado,
Um bando de vigaristas.
E o chefe desses golpistas,
Vossa excelência, um safado!

Vossa excelência extrapola
Toda minha paciência,
Mas assim vossa excelência,
Se compromete e se enrola.
Vou lhe pegar pela gola,
E jogar dentro do esgoto,
Fedorento, sujo e roto.
E será bem merecido,
Pois, além de ser bandido,
Vossa excelência é um escroto!

Não pense, vossa excelência,
Que me assusta ou me faz medo.
Levantando esse seu dedo,
Prometendo violência!
Conheço toda a sequência
Dessa sua encenação.
Quer bancar o valentão
Mas apanha da mulher
Digo aqui o que eu quiser:
Vossa excelência é um cagão!

Cabra safado, ladrão,
Sujeito de má conduta!
Sua mãe é prostituta,
O seu pai é cafetão!
Não vou lhe meter a mão
Porque sei que você gosta.
No lugar onde se encosta
Fica uma mancha fedendo,
Que todos fiquem sabendo:
Vossa excelência é um bosta!

O quem e o quanto

A eleição mais importante de 2018 começou e não decide quem irá para o Planalto, mas por quanto tempo o eleito ocupará o palácio. Como o impeachment de Dilma e a manutenção de Temer demonstraram, ninguém permanece presidente se não tiver 172 votos selados, amarrados e cabresteados na Câmara dos Deputados. Até abril de 2016, esse número era teórico. Desde então, passou a ser o kit básico de sobrevivência para qualquer presidente.

A diferença em relação ao período pré-Dilma é que esses 172 votos não podem mais ser adquiridos a posteriori pelo governante. Para minimizar o risco de ser traído, o sucessor de Temer terá que ter participação direta na formação dessa bancada mínima de deputados. Não por acaso, o PT decidiu priorizar a eleição para o Congresso em detrimento das eleições para governador no próximo pleito. Mas não é, nem de longe, o partido mais adiantado no posicionamento das peças nesse novo tabuleiro.

A cornucópia de verbas derramadas por Temer nas semanas passadas para deputados ao se agarrar à faixa presidencial aumentou consideravelmente a probabilidade de reeleição dos aquinhoados - ao ponto de mais da metade da Câmara achar que valia a pena contrariar seus eleitores referendando o presidente mais impopular da curta história da democracia brasileira.


A liberação geral das emendas parlamentares pelo governo não apenas põe dinheiro em obras e serviços que podem alavancar votos para seus autores em 2018. Ela faz circular a moeda que engraxa a máquina político-partidária desnudada mas não contida pela Lava Jato. É, ao mesmo tempo, o combustível de centenas de Joesleys regionais, e o lubrificante de suas relações com chefetes partidários e candidatos a deputado Brasil afora.

Ao abrir as comportas de verbas federais - ao preço de explodir a meta de déficit público que se auto-impusera -, Temer não estendeu sua sobrevida apenas. A enxurrada ajuda a empurrar mais de duas centenas de deputados de volta a Brasília em 2019. O presidente deu, assim, contribuição decisiva para manter o status quo da política brasileira - seja quem for seu sucessor.

Salvo uma avalanche que transforme as enormes reservas de insatisfação da opinião pública de energia potencial em cinética, o jogo jogado em 2017 determinará a correlação de forças até o fim não apenas deste mas também do próximo mandato presidencial. Do ponto de vista do futuro presidente, é a diferença entre ter um Eduardo Cunha ou um Rodrigo Maia como presidente da Câmara, um escorpião ou um louva-deus.

A prioridade dada às eleições parlamentares não é lição aprendida com atraso pelo PT, é necessidade. Ao sofrerem a maior derrota eleitoral de sua história em 2016, os petistas perderam dezenas de prefeitos e centenas de vereadores que estão entre os principais cabos eleitorais de deputados e senadores. Ou mobiliza seus famosos para tentar puxar votos para a Câmara em 2018, ou o PT se condenará à irrelevância por quatro anos.

Se o risco já é alto para o partido do líder das pesquisas para presidente da República com um terço das intenções de voto, o que dizer dos presidenciáveis que se lançarão em 2018 por legendas que têm bancadas nanicas no Congresso e que não fizeram nada para aumentá-las ao longo dos últimos anos?

Se um deles for eleito, restam-lhe poucas alternativas. Pode render-se às circunstâncias, contrariar seus eleitores, ceder aos parlamentares e esquecer a mudança que inevitavelmente terá prometido para se eleger. Ou pode confrontar o Congresso, bradando os milhões de votos que tiver recebido. Nesse caso, sem os 172 votos que de fato contam, durará no cargo enquanto durar sua popularidade.

Imagem do Dia

Castelo de Maintenon - França                                                                                                                                                                                 Mais
Château de Maintenon (séc.XII - XVII), França. 

Leniência interessada

Aguardavam sermão na missa fúnebre na igreja da Rocinha, uma das maiores favelas do país. Dois caixões grandes diante do altar apartavam famílias, amigos e conhecidos — todos vizinhos nos becos estreitos, onde o ar é rarefeito, a luz do sol quase não penetra, e os índices de tuberculose sobem 11 vezes acima da média nacional.

O sacerdote havia aberto o Livro com versículos de súplica pela misericórdia divina ao par de defuntos, mas estancou, com as páginas abertas nas mãos. O som da sua mudez, talvez, tenha parecido infinito. Reagiu, fechando a Bíblia:

— Desculpem, estou cansado disso.

Seguiu-se um desabafo coletivo, lacrimal e solidário:

— Nós também — responderam do lado da vítima assassinada, em coro com as pessoas que ladeavam o cadáver do assassino.

Esse episódio, retrato em 3 x 4 do cotidiano carioca, foi relatado em recente reunião na qual estavam bispos, o cardeal Orani Tempesta, o general Sérgio Etchegoyen, chefe da Segurança Institucional da Presidência da República, e o ministro Raul Jungmann, da Defesa.

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A falência estadual e a ameaça de conflagração ainda mais intensa nas ruas do Rio, confirmada por órgãos de segurança, estão na raiz dos argumentos para justificar a intervenção com tropas federais até a eleição do próximo governo, em ações pontuais como as realizadas no fim de semana na Zona Norte. Em Lins de Vasconcelos, o primeiro ensaio fracassou, por vazamento de informações.

A violência na região metropolitana do Rio virou mercadoria política. Não por acaso, a Assembleia, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público estadual e a prefeitura do Rio mantêm uma tropa exclusiva de 648 policiais militares.

Ela foi retirada das ruas para servir à segurança privativa de deputados, juízes, promotores, secretários municipais e prefeito. É maior que as aquarteladas nos batalhões no Méier, Tijuca, Olaria, Ilha do Governador e Copacabana.

São 244 no Ministério Público, 172 na Justiça, 115 na prefeitura da capital e 117 na Assembleia. Há deputados com duas dezenas de policiais militares. Alguns somam a própria milícia.

A intervenção federal, dissimulada num acordo com o governo estadual, tem lado ostensivo e, obviamente, saudado pela população. Começou há apenas duas semanas, mas já é vitrine cobiçada no jogo político. Nos palanques acotovelam-se presidente, governador, ministros, prefeitos e parlamentares. Caçam votos e prestígio num eleitorado traumatizado pela guerra, que testemunhou a morte de 3.234 policiais no período de 1994 a 2016, segundo relato da repórter Aline Macedo.

Agora, com olhos nas urnas de 2018, prefeitos armam as guardas municipais como outro trunfo eleitoral. Acontece em cidades como Macaé, Araruama, Rio das Ostras, entre outras. Em outras, como Niterói, planeja-se pedir ajuda à Justiça Eleitoral para um “plebiscito” em outubro.

Rota de contrabando de armas e drogas, como descreve o repórter Allan de Abreu no ótimo livro “Cocaína”, o Rio é a única área do país onde armas de guerra compõem a paisagem. Percebe-se nela uma liturgia de leniência política interessada, enquanto se multiplicam os funerais.

José Casado

Voto do crime

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Há 800 comunidades que estão sob o controle do crime organizado. Ora, quem controla território tem voto. Quem tem voto elege seus representantes ou seus aliados. Isso significa que o crime tem capacidade de colocar no Legislativo do Rio alguns de seus representantes

Raul Jungmann, ministro da Defesa, em entrevista à Rádio CBN

É notável o esforço para passar o Brasil a sujo

Desde o início da Lava Jato, há pouco mais de três anos, a conjuntura nunca foi tão alvissareira para os larápios como agora. A maior operação anticorrupção da história ganhou ares de ópera-bufa. E caminha perigosamente para um desfecho de tragédia. Os capítulos mais agudos da ópera são a união dos gatunos e as cabeçadas entre autoridades que deveriam combater o crime.

Dias atrás, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, resumiu a cena. ''A Operação Abafa é uma realidade visível e ostensiva no Brasil de hoje'', ele disse. Barroso dividiu os corruptos em duas bandas. Numa, estão os que fogem da punição. Noutra, os que acham que é possível continuar roubando.

Unidos, investigados ajudaram a blindar Michel Temer na Câmara. Na outra ponta, a Polícia Federal desqualifica delações. É briga por poder, responde a Procuradoria. Gilmar Mendes, do Supremo, diz que Rodrigo Janot é o procurador-geral mais desqualificado da história. Colegas de Gilmar torcem o nariz para sua proximidade com investigados como Temer e Aécio Neves.

É compreensível o otimismo da bandidagem. O esforço para aplicar um nariz de palhaço no brasileiro e passar o Brasil a sujo é notável.

Gente fora do mapa

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Seul (Coreia do Sul), Brian Cassey)

Segurança de urna digital acende luz amarela no Brasil

Foi realizada há poucos dias a maior conferência "hacker" do planeta, a Defcon, que acontece anualmente em Las Vegas, nos EUA.

Nesta edição, a novidade foi que hackers investigaram pela primeira vez a segurança das urnas eletrônicas. A conclusão não é animadora. Todos os modelos testados, invariavelmente, foram facilmente invadidos em menos de duas horas.

Esse experimento acende uma luz amarela para o Brasil, grande usuário de urnas digitais, especialmente em face das eleições vindouras.

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A Defcon acontece desde 1993. Neste ano, atraiu mais de 20 mil pessoas, incluindo profissionais de segurança, advogados, jornalistas, agentes governamentais e, obviamente, hackers.

A decisão de se debruçar sobre as urnas eletrônicas decorre de um contexto em que ciberataques internacionais estão se tornando cada vez mais comuns nos processos eleitorais das democracias do Ocidente. Nesse cenário, qualquer sistema digital pode ser vítima de manipulação, e as urnas não são exceção.

Mais de 30 máquinas foram testadas, de várias marcas e modelos, incluindo Winvote, Diebold (que fabrica as urnas brasileiras), Sequoia ou Accuvote.

Algumas foram hackeadas sem sequer a necessidade de contato físico, utilizando-se apenas de uma conexão wi-fi insegura. Outras foram reconfiguradas por meio de portas USB. Houve casos de aparelhos com sistema operacional desatualizado, cheio de buracos, invadidos facilmente. O fato é que todas as urnas testadas sucumbiram.

Nas palavras de Jeff Moss, especialista em segurança da internet e organizador da conferência, o objetivo do experimento foi o de "chamar a atenção e encontrar, nós mesmos, quais são os problemas das urnas. Cansei de ler informações erradas sobre a segurança dos sistemas de votação".

Um problema é que a manipulação de uma urna digital pode não deixar nenhum tipo de rastro, sendo imperceptível tanto para o eleitor quanto para funcionários da justiça eleitoral.

Uma máquina adulterada pode funcionar de forma aparentemente normal, inclusive confirmando na tela os candidatos selecionados pelo eleitor. No entanto, no pano de fundo, o voto vai para outro candidato, sem nenhum registro da alteração.

Há medidas para se evitar esse tipo de situação. Por exemplo, permitir que as urnas brasileiras possam ser amplamente testadas pela comunidade científica do país, em busca de vulnerabilidades. Quanto mais gente testar e apontar falhas em uma máquina, mais segura ela será. Outra medida é fornecer mais informações públicas sobre as urnas. No site do TSE, o único documento sobre segurança é um gráfico que não serve para qualquer tipo de análise.

Nenhuma dessas soluções está em prática hoje no Brasil. Com isso, ou acreditamos que as urnas brasileiras são máquinas singulares, muito superiores àquelas utilizadas em outros lugares do planeta, ou constatamos que elas são computadores como quaisquer outros, que se beneficiariam e muito de processos de transparência e auditabilidade.

Missão quase impossível

Animada com a rejeição da denúncia contra o presidente Michel Temer pela Câmara dos Deputados, na quarta-feira, a equipe econômica do governo faz planos ousados, muito ousados. Por exemplo: aprovar a reforma da Previdência até o fim de outubro e a reforma tributária “idealmente até outubro”, nas palavras do ministro Henrique Meirelles (Fazenda). “Mas se for novembro também, tudo bem”, admite ele.

Quem conhece o Congresso – principalmente agora, depois do arquivamento da denúncia contra Temer, que o Congresso está forte e o governo está fraco – sabe que o cronograma estabelecido pela equipe econômica é quase uma miragem.

Daqui até outubro é muito provável que a única ideia que vai ocupar a cabeça de deputados e senadores será a reforma política, com um ponto específico: a criação de um fundo eleitoral de cerca de R$ 3,5 bilhões, a ser incluído no Orçamento do ano que vem.


Como não haverá mais doação de empresas, esse fundo é tudo o que os políticos desejam. Por isso mesmo é que há uma intensa disputa pelo controle da direção dos 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Quem estiver na direção de um deles terá também a chave do cofre. E, com ela, grande poder sobre quem vai ser candidato a isso e àquilo, quem terá prioridade nas campanhas, quem vai ficar dentro, quem vai ser posto para fora.

Deixando de lado a ideia fixa dos políticos e voltando aos planos da equipe econômica. Se Henrique Meirelles e seu pessoal conseguirem convencer o Congresso a votar até outubro, ou novembro, ou mesmo dezembro, as reformas previdenciária e tributária, a eles deve ser erguida uma estátua na Praça dos Três Poderes. Poderiam ganhar o título de realizadores de tarefas impossíveis.

A reforma da Previdência, todos sabem, enfrenta resistências muito fortes no Congresso. É uma emenda constitucional e precisa de no mínimo 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos de votação em cada uma das Casas. Os defensores da reforma podem até conseguir esses votos, mas hoje eles não existem. As dificuldades são tantas que se fala, em última instância, e com o aval do mercado, em enxugá-la ao máximo. Quem sabe, aprovar a idade mínima para as aposentadorias. Nas atuais circunstâncias, já será um grande passo.

Quanto à reforma tributária, não houve um presidente da República pós-redemocratização que não dissesse que era prioridade absoluta de seu governo. O máximo que eles conseguiram foi um remendo aqui, outro ali. Uma reforma para valer, jamais.

E ninguém conseguiu fazê-la porque a reforma tributária envolve interesses da União, de 26 Estados, do Distrito Federal e de mais de 5 mil municípios. Quando se tenta levá-la para a frente, um lado empurra para cá, outro para lá, e ela não sai do lugar. Para se aprovar a reforma tributária é preciso ter uma base forte e coesa, capaz de enfrentar a pressão que vem de todos os lados. Temer não a tem.

A preocupação do Congresso que está aí, que salvou o pescoço de Temer há três dias, é também salvar o próprio pescoço, garantindo a reeleição e o foro privilegiado para fugir da Justiça de primeira instância.

Mesmo diante desse quadro, Meirelles mostra confiança, o que, no fundo, no fundo, é seu papel. Diz que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem se aproximou muito, está falando em já pautá-la para setembro. Pode ser. Maia, no entanto, tem outra prioridade, como um projeto para a segurança pública, fundamental para a sobrevivência política dele no Rio de Janeiro.

Portanto, se Meirelles e equipe conseguirem fazer mesmo a reforma previdenciária e uma reforma tributária que valha esse nome, eles merecem mais do que a estátua sugerida um pouco acima. Merecem um lugar no Panteão da Pátria.

América Latina se recupera, mas sem criar empregos

Uma boa e uma má notícia para a América Latina. Depois de dois anos de recessão, o Produto Interno Bruto (PIB) da região crescerá 1,1% no fechamento de 2017. A recuperação será motivada por um aumento do comércio mundial, uma melhora nos preços das matérias-primas e uma baixa volatilidade financeira nos mercados internacionais, segundo as mais recentes previsões da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). A saída do buraco, no entanto, é inócua para a criação de empregos. A taxa de desemprego urbano, que continua crescente desde 2014, chegará ao nível recorde de 9,4% ao final deste ano, depois de ter alcançado 8,9% em 2016. A cifra se traduz em 23 milhões de desempregados nas cidades, em um continente com mais de 512 milhões de habitantes, quase 50% deles com um trabalho na informalidade.

“A situação dos mercados de trabalho na região é grave. Estamos ante as taxas de desocupação mais altas em uma década”, afirma José Manuel Salazar Xirinachs, diretor do escritório regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para América Latina e Caribe. De acordo com o representante da instituição internacional, o desemprego total (rural mais urbano) na região foi de 8,1% em 2016 (25 milhões de pessoas). Estima-se que aumentará para 8,4% em 2017 (26 milhões). “A recuperação tem sido insuficiente para reverter o aumento do desemprego”, disse Alicia Bárcenas, secretária-geral da Cepal, durante a apresentação das perspectivas econômicas da região, nesta semana.

Para além de Dilma: Por que o desemprego no Brasil aumentará ainda mais nesta década    http://www.brasilpost.com.br/2016/04/29/desemprego-vai-aumentar_n_9811278.html?ir=Brazil
“Essa é apenas a ponta do iceberg”, afirma Salazar Xirinachs. Na região, 47% dos trabalhadores ocupados, cerca de 134 milhões de pessoas, o fazem na informalidade, com baixa produtividade e sem direitos trabalhistas nem proteção social. O desemprego entre os jovens, por sua vez, é de 18%, o que significa que quase 1 de cada 5 jovens latino-americanos está desempregado. Além disso, diminuiu o emprego assalariado e aumentou o trabalho por conta própria, dois indicadores da deterioração na qualidade do trabalho. Apesar de a recuperação econômica representar uma melhora indiscutível, diz o representante da OIT, ainda está longe de diminuir a piora no mercado de trabalho da região, onde o Brasil é quem mais sofre.

O país – que após dois anos de contração do PIB terá avanço de 0,4% em 2017 – registra um grande prejuízo no número de pessoas empregadas. No ano passado, a taxa de desemprego chegou a seu maior nível na última década, com 13% de sua população desempregada. Durante o primeiro trimestre do atual exercício, o número de desocupados subiu para cerca de 14 milhões de pessoas (uma taxa de 13,7%). A América Latina, sem dúvidas, tem sido arrastada pelo Brasil, afirma Alfredo Coutiño, diretor da Moody´s para a região. O Brasil, afetado por uma crise política e institucional, registrou sua maior recessão nos últimos 24 anos, com oito trimestres consecutivos de queda do PIB, segundo o especialista.

Apesar da luz no fim do túnel este ano, o especialista da agência de classificação de risco afirma que repor os trabalhos perdidos na região levará tempo. “A região passou de dois anos de recessão a um crescimento econômico pobre em 2017”, afirma o especialista da Moody´s, que inclusive prevê um cenário não tão positivo no encerramento do atual exercício. O aumento do PIB poderia ficar abaixo de 1%, o que impediria a geração de empregos adicionais, afirma. Para que o número de desempregados pare de aumentar, segundo o analista, a economia precisaria apresentar taxas sustentadas de ao menos 4% nos próximos anos, do contrário a sangria continuará.