quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

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Reforma da Esplanada é uma troca de cúmplices

Se 2017 foi o ano da tempestade, 2018 será o ano da cobrança. Depois de vender a alma para enterrar duas denúncias criminais na Câmara, um exame de consciência levaria Michel Temer a pensar numa boa faxina. Mas este é um governo guiado pela inconsciência moral. E o presidente, sem demora, já nas primeiras horas do ano, deflagrou uma nova orgia em cima dos detritos da farra anterior. Não teve tempo nem de limpar a mancha na almofada, colocar o abajur em pé e verificar se alguém ficou escondido atrás do sofá. Reabriu o balcão das barganhas à luz do dia, na frente das crianças.

Se a Lava Jato serviu para alguma coisa foi para elevar à última potência a sensação de que o caruncho do clientelismo e do fisiologismo resulta em corrupção. Mas Temer decidiu que todas as zonas da administração pública entregues a partidos com vocação para tirar lasca$ do Estado serão mantidas sob os cuidados das mesmas legendas. Os suspeitos que deixarem a Esplanada para ir às urnas darão lugar a outros suspeitos indicados pelos mesmos PTBs e PRBs. É como se o governo admitisse tacitamente que considera uma dose de perversão inevitável.


Em qualquer país do mundo, um volume de 12,5 milhões de desempregados levaria o governo a tratar com reverência uma pasta batizada de Ministério do Trabalho. No Brasil de Temer, esse pedaço vital da máquina pública pertence ao PTB. E passará a ser gerenciado pela deputada Cristiane Brasil, filha do ex-deputado Roberto Jefferson. Na saída de um encontro com o presidente, Jefferson contou como tudo se deu:

“O nome dela surgiu, não foi uma indicação. Nós estávamos conversando, aí, falou, ‘Roberto, e a Cristiane, por que não a Cristiane?’. Foi da cabeça do presidente. Ela é uma menina experimentada, foi secretária municipal em vários governos na cidade do Rio de Janeiro, por que não? Falei, ‘presidente, aí o senhor me surpreende, eu vou ter que consultar’. Aí liguei para ela. Ela disse: ‘pai, eu aceito’.”

Súbito, as lágrimas inundaram os olhos de Jefferson diante das câmeras. Está emocionado?, indagou uma repórter. O entrevistado confirmou. Delator do mensalão, Jefferson teve o mandato de deputado passado na lâmina. Condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 7 anos e 14 meses de cadeia, puxou 1 ano e 2 meses de cana. Contra esse pano de fundo tóxico, disse ter enxergado na conversão da filha em ministra um resgate da imagem da família.

Que beleza! Os empregos continuam sumidos. Mas o governo sujo de Temer resgatou a imagem mal lavada do clã de Jefferson. “Alvíssaras!”, gritarão os desempregados nas filas, brandindo seus currículos inúteis. O nome de Cristiane soou na delação da JBS como participante de negociação que rendeu R$ 20 milhões ao PTB. O dinheiro comprou o apoio da legenda à candidatura presidencial de Aécio Neves em 2014. Cristiane foi mencionada também na delação da Odebrecht como beneficiária de mochila com R$ 200 mil.

Nada disso resultou, por ora, em investigação, apressa-se em dizer a filha de Jefferson. Preocupação tola. Num governo presidido pelo primeiro presidente da história a ser denunciado criminalmente no exercício do mandato, um par de menções em inquéritos vale como medalhas de honra ao mérito. Não bastasse tais credenciais, ao pronunciar a frase fatídica —“Pai, eu aceito!”— a filha de Jefferson deixou aliviado o oligarca José Sarney, que vetara o deputado maranhense Pedro Fernandes, primeira sugestão do PTB para a pasta do Trabalho.

Assumirá a vaga de Cristiane na Câmara dos Deputados um suplente do também governista PSD, partido controlado pelo ministro Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia). Chama-se Nelson Nahin. É irmão de um político manjado: Anthony Garotinho. Arrasta a bola de ferro de uma condenação a 12 anos de cadeia por exploração sexual de menores e adolescentes no Rio de Janeiro. Passou uma temporada de quatro meses atrás das grades. Foi libertado em outubro passado, graças a um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal..

O condenado Nahin será recepcionado na base congressual de Temer com fogos de artifício. Se der uma declaração a favor da reforma da Previdência, verá um tapete vermelho estender-se sob seus pés na entrada do Palácio do Planalto. Não demora e estará na fila das emendas e dos cargos, pois em Brasília nada se cria, nada se transforma, tudo se corrompe.

Mal foi resolvido o impasse da pasta do Trabalho, já aportou na mesa de Temer a carta de demissão do ministro da Indústria e Comércio. Você talvez não se lembre, mas esse outro cargo estratégico era ocupado por um personagem opaco: Marcos Pereira. Trata-se de um pastor da igreja Universal, que dá as cartas no PRB. Ele responde a inquérito no Supremo. Seu nome também soou na delação da JBS. Mas Temer já bateu o martelo: a vaga permanecerá com o PRB. Amém!

Estima-se que até o início de abril, prazo limite para que os candidatos deixem seus cargos no Poder Executivo, pelo menos 17 ministros pedirão para sair. Mantido o padrão das primeiras substituições, os partidos que enxergam na Esplanada oportunidades de negócios não perdem por esperar. Ganham!

O problema não começa nas legendas. Começa no presidente, que oferece graciosamente os ministérios. Temer não é o primeiro a fazer isso. É apenas um dos mais despudorados. Se existem áreas abertas à barganha mesmo com a Lava Jato a pino é porque o cinismo tornou-se uma marca indissociável do atual governo. PTBs e PRBs apenas jogam o jogo que lhes é proposto. E Temer decidiu tratar a reforma de sua equipe de governo não como uma substituição de ministros, mas como uma troca de cúmplices.

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Domingo tem NATUREZA no blog

Maioria dos políticos investigados não precisará se preocupar com a Lava Jato no STF em 2018

Ao longo do ano de 2017, a aposta entre analistas e até mesmo investigadores que acompanhavam o andamento da operação Lava Jato era de que o Supremo Tribunal Federal (STF) começaria ainda no ano passado a julgar os casos da operação envolvendo políticos, o que não aconteceu. E uma análise mais profunda mostra que a maioria desses investigados ainda não precisa se preocupar: dos mais de cem inquéritos, só dois estão prontos para serem julgados.

Na prática, a existência do chamado "foro privilegiado" para os políticos com mandato adia o risco de punições. E, em muitos casos, evitará que investigados na Lava Jato sejam enquadrados pela Lei de Ficha Limpa, o que poderia excluí-los das eleições deste ano - a norma impede que condenados na segunda instância por certos crimes sejam candidatos.

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Quem não tem cargo no momento, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é que precisa se preocupar. Um dos processos de corrupção contra o petista, no qual ele já foi condenado em 1ª instância pelo juiz Sergio Moro, será julgado em janeiro pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Caso a condenação seja confirmada, ele poderá ficar inelegível e, com isso, de fora das eleições deste ano.

Outro exemplo é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, hoje preso em Curitiba. Sem mandato, ele já foi condenado em segunda instância e, na teoria, teria pretensões de disputar as eleições frustradas, caso a tivesse.

Já no STF, a maior parte dos processos da Lava Jato ainda está no começo, e provavelmente não será concluída em 2018. É o caso das denúncias contra políticos da cúpula do PT, do PP e do PMDB, consideradas algumas das mais importantes da operação: as denúncias só foram apresentadas pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot, em setembro passado.

O mesmo se dá com os 74 inquéritos que foram abertos em abril passado, decorrentes da delação da Odebrecht. Janot não teve tempo de apresentar nenhuma denúncia nesses casos antes de deixar o cargo. A sucessora dele, Raquel Dodge, tampouco apresentou alguma até agora.

Do acervo de mais de uma centena de inquéritos relacionados à Lava Jato no STF, só 35 tiveram denúncias apresentadas até o momento. E, destas, apenas nove foram aceitas e se tornaram ações penais, o que significa que os políticos acusados são, formalmente, réus. As informações são da Procuradoria-Geral da República, e foram confirmadas pela reportagem da BBC Brasil em um levantamento no sistema eletrônico do STF.

O destino das investigações da Lava Jato no Supremo não é, por enquanto, muito diferente da maioria dos processos criminais de políticos com foro privilegiado naquele tribunal.
O que explica nosso fascínio com Frankenstein, 200 anos após sua criação?

Em meados do ano passado, uma equipe de pesquisadores da FGV Direito Rio publicou um estudo (leia aqui) mostrando que só 0,6% dos crimes de políticos apurados no STF resultaram em condenação. E, em cerca de dois terços dos casos (65%), os processos nem sequer chegaram a ser julgados: os supostos crimes prescreveram antes, ou (o que é mais comum) a questão deixou de ser da alçada do Supremo quando os políticos envolvidos deixaram os cargos.

Um dos autores do estudo, o professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann, disse à BBC Brasil que é "provável" que a corte não conclua os principais casos da Lava Jato em 2018. "Esta previsão é amparada no tempo médio da tramitação dos casos penais no STF", diz ele. Os processos julgados em 2016, por exemplo, estavam "na fila" durante uma média de 1.377 dias (ou 3,7 anos), segundo a pesquisa da FGV.

A possibilidade de prescrição dos crimes também pode favorecer os investigados. No caixa dois, por exemplo, esse prazo é de 12 anos. Nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, 16 anos. Se o acusado tiver mais de 70 anos, o tempo cai pela metade.

Embora o prazo seja relativamente longo, muitas vezes as apurações só começam décadas depois: é o que aconteceu na delação do empresário Emílio Odebrecht, da empreiteira de mesmo nome. Ele narrou pagamentos a políticos ainda na década de 1990, mas os casos dificilmente resultarão em punições.

Lula é o establishment

Leio com perplexidade análises que projetam no dia 24 de janeiro — data estabelecida para o julgamento de Lula em segunda instância — a solução do problema em que consiste o ex-presidente. Problema que, diga-se, a parcela do Brasil que, por exemplo, beatificou Cármen Lúcia criou (recriou) para todo o país, ao endossar bovinamente o enredo — escrito por Janot e seus meninos, e editado por Fachin — que criminalizou a atividade política e que, afinal, igualou a ação corrupta de grupos em busca de enriquecimento individual ao projeto autoritário de assalto ao Estado para permanência no poder, de captura da máquina pública para financiar a estrutura do partido, promovido pelo PT. Deu no que deu. Se rastejam todos os políticos na mesma lama, ora: aí se revitaliza aquele do qual o brasileiro se lembra, aquele experimentado, sob cujo governo — dane-se que origem da crise em que ainda nos afogamos — havia emprego e crédito fartos etc. Se são todos igualmente bandidos, Lula é o mais antigo e conhecido — espécie de segurança na hora de escolher um entre os marginais. Para ele, a lama é medicinal. E aí? O homem, carta fora do baralho em 2016, é hoje o melhor produto do jacobinismo de extração janotista, reerguido pela sanha dos justiceiros cuja estupidez agora faz de um Roberto Barroso — o Gilmar do mensalão — o herói na luta contra a impunidade. Parabéns! Essa é a caça às bruxas em decorrência da qual Lula ganhou de presente um discurso até para falar novamente em golpe: o de que derrubaram o governo popular para pôr no lugar um — segundo a narrativa da facção mais influente do Ministério Público — ainda mais criminoso.

Com esse texto sob medida para palanque, e com a fibra político-eleitoral que a ideia de resistência vende, ademais num ambiente conflagrado por tática desenhada pelo próprio “perseguido”, como supor que mais um julgamento — não importa em que instância — possa frear uma campanha que há meses testa limites e prospera? Como, aliás, não supor que a provável nova condenação não seja mais combustível à estratégia — fundamentada em vitimização e politização das ações judiciais — que o ex-presidente concebeu para si?

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Faz tempo que o “problema Lula” deixou de ser matéria de tribunal. Daí meu assombro ante a expectativa de que a decisão de 24 de janeiro possa significar revés para o ex-presidente; de que a chancela do TRF-4 à sua condenação por Moro tenha a mais mínima chance de tirá-lo do jogo e clarear o tabuleiro de 2018. É como se não fosse talvez mesmo o oposto: mais uma etapa no projeto de judicialização do processo eleitoral, esse em que Lula investe para tentar se impor formalização de candidatura adentro, mas do qual sairá candidato mesmo que não possa ser.

Alguém duvida de que já nos confinamos a um pleito em que porção relevante do eleitorado — tanto maior quanto mais próximo do dia 7 de outubro Lula for impedido de disputar — votará em desagravo a um cidadão legalmente culpado? De que a eleição do próximo presidente será em parte um plebiscito sobre a tal injustiça cometida contra Lula?

Este é o Brasil: país em que um indivíduo condenado pela Justiça lidera todas as pesquisas, sujeito cuja eventual (improvável) prisão representaria força eleitoral poderosa a ponto de lhe recuperar a capacidade de transferir votos como para Dilma Rousseff. Eis um ponto relevante — a força de Lula para levantar outro poste. As mesmas pesquisas indicam que — embora ainda considerável — já não é a mesma. É verdade. Mas verdadeiro também é que, uma vez sem Lula, o PT não terá candidato — a ser de todo construído — como Dilma. Jaques Wagner, por exemplo. Um político profissional, que governou a Bahia por dois mandatos e cuja proeminência eleitoral no Nordeste pode compensar fração da perda de alcance do ex-presidente para terceirizar votos. Que o leitor não se iluda: o candidato do PT — Lula ou não — estará no segundo turno. Lula ou não, Lula será.

Há mais a ser considerado.

Não são poucos os agentes políticos — inclusive adversários — que torcem (trabalham) por Lula em 2018. Não para que vença a eleição (se acontecer, porém, paciência); mas a que chegue a outubro livre para disputá-la. O que está na mesa é a conservação do sistema; circunstância em que pouco interessará a saúde do país. Convém atentar para a agenda tanto do STF — principal garantidor da insegurança jurídica no Brasil — quanto do TSE. Não é só a presumível revisão da jurisprudência que hoje autoriza o cumprimento de pena após condenação em segunda instância; mas também a possibilidade de que se afrouxem os critérios de inelegibilidade definidos na lei da Ficha Limpa.

Lula é a força em função da qual todos os atores políticos se organizam: a âncora de previsibilidade eleitoral, que confere memória à disputa e interdita brechas à ascensão de outsiders. Mas não somente; pois também é o termômetro que afere a temperatura da Lava-Jato. O cálculo sobre sua sobrevivência é ciência exata: se, com tudo que corre contra si, condenado em primeira instância, sentença virtualmente confirmada em segunda, sujeito a ser ainda (provavelmente neste ano) apenado no processo relativo ao sítio de Atibaia, conseguir concorrer à Presidência, terá sido porque a operação fracassou. O raciocínio consequente é óbvio: se ele — ainda que derrotado nas urnas — vencer, ninguém mais cairá.

Lula é o indulto de Natal do establishment projetado para 2018.

Gente fora do mapa

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Deu o que tinha que dar

Deveria haver tanto perigo para quem tira a ilusão de um sonhador como existe para quem rouba o filhote de um tigre. Mas não há. Só a justiça freia o demagogo.

Pregado ao poder ele não pode parar. Imponderado, espalha algazarra como fio desencapado. Quando as coisas não vão bem o passado sobe às costas das pessoas e, pesado saco de pedra, as impede de ver o futuro. O vácuo vira agente do destino. Por isso há sempre um senso anedótico nas confusões da vida desse adulto inadequado. Na maternidade chora mais que o bebê; no velório dança sobre o morto; interpelado reage como pedaço da bandeira nacional.

Em toda cidade existe um político imbatível que nem preso perde eleição. Arbitrário, egoísta, ilusionista, é vasto seu campo de ação. Assume ares de proprietário do eleitor, exige esforço excessivo de atenção.


De recurso ilimitado não vê distâncias, intimida autoridade, engana roqueiro politizado, atrai gosto e desgosto. Mesmo separando as inconveniências, agora reveladas pela frequência com que entrava em diferentes antiquários, é fácil identificar a mobília que decora sua cabeça.

O líder de si é um encantador, um investigador do outro. Não leva em conta dificuldade. Faz aparecer e desaparecer a coisa desejada, mas, tal qual o mágico, o coelho da sua cartola é real. Mantém guarda na porta da imaginação de ricos e pobres. É um papa-jantares. Usa, de cada um, suas vantagens. Associações, deslumbramentos, ilusões, todo seu ato é documento, forma primária e secundária de conhecimento do ordenador de desejos. É dono de tudo que usa: por intuição e favor, reconhece, por abstração e receio, nega. Ser honesto involuntário é a patologia do seu amor-próprio.

Sempre empenhado em não ir pelos ares, ele gasta todo o tempo do mundo para aparecer. Em sua companhia é preciso ser capaz de ouvir, sem julgar.

São coisas da vida política. Sempre é possível confiar em quem nunca é muito claro, como é fácil amar por um equívoco. E tem sido um equívoco considerar alguém popular por sua origem. A popularidade nasce dos modos modestos da pessoa. Assim, fulano pobre pode ser mais pedante do que beltrano rico.

Adepto do prazer sem penalidade cobre sua nudez com discursos renitentes. Acuado, usa o superlativo, eleva o tom, como se fosse inútil esperar a alma sossegar e assim compensar o alvoroço do corpo. Tipo que estraga os outros com facilidade não calculou bem a dose do elixir que utilizou.
A bondade, se leva alguém muito longe, é um sentimento que conduz a vantagens. Um jeito, não é bondade. E essa fusão bondade-vantagem, que solidificou durante anos sua liderança, formou um bloco semelhante, um fato histórico. Todo aquele período de complacência atraiu complacentes, e um todo flexível se erigiu justificado por conta das necessidades do edifício da política.

Arestas de desejos visíveis, detalhes de um prédio nada público, usufruto de pessoas especiais que se reservaram velozes elevadores para baixar seus interesses e íngremes escadas para subir o do país. Quando ele se entregou aos ascensores, em seus surtos de sultão presenteado-bajulado-revelado-negado ficou evidente que permanecia firme o lado quadrado da arquitetura da nação. E deu o que tinha que dar.

Múmias futuras

Deu no “Estadão”: “Três múmias encontradas na Cordilheira dos Andes em 1999 foram usadas na defesa do jogador peruano Paolo Guerrero diante das acusações de doping nas eliminatórias para a Copa da Rússia”. Guerrero, como se sabe, foi suspenso por terem encontrado em seu xixi, depois de um jogo pelo Peru, vestígios da substância ilícita benzoilecgonina, “um metabólito comum à cocaína e à folha de coca”. As múmias, velhas de 500 anos, tinham folhas de coca entre os dentes e também acusavam a substância. Isso demonstra que a droga encontrada em Guerrero não se referia necessariamente a uso antes do dito jogo.

Fico me perguntando se o futuro terá solicitações a ponto de, um dia, precisar buscar provas em algo cometido por nossos contemporâneos – pessoas, por exemplo, como Lula, Michel Temer, Aécio Neves, José Sarney, Paulo Maluf.

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Tal busca não dependerá da sobrevivência desses indivíduos como múmias. Se, hoje, um fio de cabelo ou milímetro de unha já é suficiente para se levantar o DNA completo de alguém, imagine em 500 anos – a simples menção de seus nomes para uma máquina permitirá saber muito mais sobre eles do que pensamos conhecer hoje, com a Lava Jato e tudo.

Minha preocupação é sobre o juízo que o futuro fará de nós se eles resolverem pesquisar os citados. Com certeza se interessarão em saber como um mesmo país conseguiu produzir –e na mesma época!– pessoas tão semelhantes em ambição, cinismo, caráter (ou falta de), capacidade de iludir e desfaçatez pela coisa pública. Seria alguma coisa na atmosfera ou na água? Talvez organizem expedições às ruínas de Brasília, assim como, hoje, escavamos o Egito em busca das tumbas dos faraós.

Mas acho que o que mais os impressionará será: como o Brasil conseguiu não quebrar para sempre tendo essa turma no poder?

Just Friends

Oscar Peterson e Joe Pass 

Centrofrenias e centrofobias

Entre delírios e sandices, há uma nota de sensatez neste início de ano: o centro está no centro. Melhor dizendo, a preocupação com uma saída política que, mais do que evitar, consiga ultrapassar os extremismos adquiriu razoável centralidade no debate nacional. É claro que no meio disso, como seria natural, afloram os mais exaltados, os centrofrênicos, que, embora se pretendam de centro, não conseguem dialogar (a centrofrenia é um oxímoro de centro). Mas mesmo eles reforçam a tendência a que se abram trilhas na direção de um “caminho do meio” para o impasse brasileiro.

Também existem – e não se recomenda desprezá-los – os que não podem ouvir falar em centro de jeito nenhum. São os centrofóbicos. Há centrofóbicos de esquerda e centrofóbicos de direita, embora os dois lados costumem valer-se da mesma retórica, ou de retóricas espelhadas, equivalentes. Para os centrofóbicos que se acreditam de esquerda, todo centro é de direita. Para os que se jactam de se afirmar de direita, o centro encarnaria a pusilanimidade ou mesmo a falta de caráter.

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As variantes da centrofobia costumam se expressar em oratórias de mau gosto, como piadas involuntárias e desastrosas. Dia desses, um pré-candidato que se insinua viril para o eleitorado de esquerda deu a entender que propostas de centro pecam por não ter testosterona. Foi uma gafe descomunal, sobretudo porque dirigida contra uma mulher. Já os fascistas da era digital, viúvos da repressão política, primam em ver nas manifestações de centro nada menos que comunas em pele de cordeiro.

Deixemos de lado uns e outros. No fim das contas, também eles, ao reagir com tanta fúria contra a procura de uma saída de centro, não deixam de confirmar que, por baixo do alarido das polarizações mais histriônicas, o centro está no centro da pauta.

A resultante dessas correntezas que convergem, em seus fluxos caóticos, para tentativas desconjuntadas de encontrar soluções de centro é uma interrogação que a todos intriga e a quase todos paralisa: quem representa o centro? Em termos mais pragmáticos: qual o nome que poderia empolgar o eleitorado já exaurido com um programa que não padeça dos radicalismos encerrados em suas próprias doutrinas, infrutíferos e estéreis? Que personagem terá o condão de unir o País em torno de uma plataforma exequível, moderna e moderada?

O adjetivo “moderada” não aparece aqui para fazer mera figuração. Numa sociedade que já convive com focos de ameaças abertas à ordem pública, como se percebe cruamente em movimentos grevistas de policiais civis e militares, o valor da moderação desponta como um pilar essencial, ao lado da prudência e da capacidade para o diálogo. Essas virtudes tipicamente de centro podem entrar em alta em 2018, se o Brasil não quiser embarcar no anacronismo dos extremismos.

A ser verdadeira a hipótese, é bem possível que mesmo os postulantes mais esbravejantes se vejam impelidos a posar de centristas convictos. Com isso, o antigo axioma dos cientistas políticos de que a vitória eleitoral pertence aos que logram ocupar o centro voltará à cena. A mais recente inflexão dos discursos de Lula e de Bolsonaro é prova disso. Um e outro procuram ocupar o centro. O curioso é que, tanto para Lula quanto para Bolsonaro, a tarefa de parecer centrista exige deles que se qualifiquem como liberais na economia.

A tática de ambos, de reivindicar para si a mesma bandeira liberal, seria contraditória e patética se não fosse apenas lógica e necessária – e, também ela, a tática eleitoral dos dois, confirma que o centro vem ganhando centralidade. Ao procurar passar a imagem de que são defensores da economia de mercado, de que não professam cartilhas nacionalistas ou estatizantes, tanto Lula como Bolsonaro percebem que, para ganhar o centro, precisam jurar que são a favor da livre-iniciativa e da livre concorrência – uma ideia, um princípio ou um regime que faz parte do receituário de centro.

Por um caminho ou por outro, o que já vai ficando suficientemente claro é que, sem uma alternativa ao centro, o processo eleitoral será mais estreito, mais violento e bem menos inteligente. O grau de reflexão e o cardápio de escolha aberto aos eleitores serão mais ralos. O pleito será pior. Um bom candidato de centro pode até não se sagrar vencedor ao final, mas qualificará as discussões e elevará o nível clareza das propostas.

Ao que voltamos à mesma interrogação: qual seria essa candidatura? Até agora não sabemos se as siglas partidárias disponíveis terão a grandeza necessária para sacrificar interesses imediatos em prol de uma aliança menos oportunista. Não sabemos se terão capacidade para forjar uma solução menos óbvia, menos rasteira.

Compreende-se a dificuldade. Costurar uma chapa nesses moldes requer um patamar de elaboração e de articulação mais complexo do que as agremiações baseadas em cultos irracionais – e um tanto primários, ou mesmo primitivos – de personalidades mais ou menos salvacionistas. Os indícios de que o centro está no centro da pauta, que são numerosos e convincentes, sinalizam uma provável inclinação da esfera pública a adotar um caminho sem extremismos – só o que falta é uma resposta partidária que dê concretude e viabilidade a esse caminho. O tempo é curto e, até aqui, os agentes que poderiam assumir o encargo apenas batem cabeça. Será que os partidos políticos que aí estão vão fracassar também nisso?

Uma lembrança talvez ajude os dirigentes empenhados nessa empreitada. O centro, na política presente, não se define como um ponto equidistante, e passivo, entre as duas pontas do espectro ideológico, mas como um enfeixamento que se alimenta do que é contraditório para apresentar não uma síntese conclusiva, não um ponto de chegada, mas um ponto de saída, a partir do qual o presente se desarme e o futuro possa respirar.

Temer navega sem rumo e não tem nenhum projeto para governar o país

É o que se constata do episódio cujo desfecho foi a nomeação da deputada Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho. Não por ela em si, mas pelo processo que antecedeu a escolha. Michel Temer não pensa no Brasil. Só pensa em votos, ora para escapar de dois julgamentos de sua conduta pelo STF, ora em busca de votos que deseja arregimentar para o projeto de reforma da Previdência Social. Não tem planejamento estratégico algum. Tampouco se importa com isso. A economia entregou a Henrique Meirelles. Temer representa um desastre para o Brasil e para o povo brasileiro.

Seus ex-ministros Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves estão na cadeia. Acusações não faltam a outros integrantes de sua administração. E ainda há quem pense em obter seu apoio para sucessão presidencial de 2018. Os argumentos só podem repousar sobre a influência fantasiosa do peso de sua máquina administrativa.

Nunca um presidente da República foi tão impopular quanto ele. Nunca um governo foi tão desaprovado pela opinião pública. Eleito duas vezes pelo apoio de Lula, como vice de Dilma Rousseff, somente chegou ao poder pela incompetência da ex-presidente da República.

Como é possível escolher um ministro do Trabalho, Pedro Fernandes, e em seguida retirar a nomeação, em consequência de uma pressão surpreendente por parte de José Sarney? Isso prova que o atual presidente não ouviu o ex-presidente Sarney antes de formalizar a indicação de um ministro que era escolhido, mas cuja escolha foi barrada por alguém que sequer pertence aos quadros do PTB de Roberto Jefferson. O governo Michel Temer é uma autêntica nau sem rumo que não resiste às ondas da realidade.

A falta de rumo e organização espalha-se por todos os setores, principalmente o da saúde, o mais sensível de todos. E a desordem não se restringe apenas ao sistema público. Estende-se a unidades particulares, as quais mantêm convênios com os planos de saúde. É o caso, por exemplo, da Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, na qual a desorganização predomina até para aqueles que recorrem mediante consultas pagas. Foi o meu caso, ontem, ao fazer um exame de imagem de uma lesão muscular. O exame, depois de uma espera de longas horas, não conseguiu ser totalmente realizado. Faltou comunicação de uma médica que saia de um plantão para outro que assumia seu lugar.

Este é o retrato verdadeiro da administração brasileira que foi levada a falência pelas ações diretas e indiretas lançadas no vazio pelo Palácio do Planalto.

No vazio só não: o apartamento de Salvador estava cheio de malas contendo 51 milhões de reais. Esta é a prova mais forte de um sistema criminoso que une os corruptos e divide o povo brasileiro.

Paisagem brasileira

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Mercado de Paranaguá (1979), Paul Garfunkel 

A pobreza como forma de dominação

Em seu magistral livro, O Capital no Século XXI, o economista francês Thomas Piketty afirma que uma das maneiras de diminuir o enorme abismo entre ricos e pobres, além da óbvia taxação das fortunas, é a disseminação do conhecimento. A ignorância revela-se como uma trava ao desenvolvimento, tanto pessoal quanto coletivo, impedindo uma melhor distribuição da renda. Em países periféricos como o Brasil, no entanto, a ignorância é mantida porque serve para promover a apatia da população – e, como consequência, a pobreza se perpetua como eficaz instrumento de dominação.

O novo valor do salário-mínimo, R$ 954, estabelecido pelo presidente não eleito, Michel Temer, representa um aumento de 1,8% em relação ao piso anterior, de R$ 954, o que não corrige nem mesmo as perdas para a inflação, que deve fechar o ano em torno de 2,8%. Segundo a Constituição de 1988, o salário-mínimo deveria ser capaz de atender “às necessidades vitais básicas” do trabalhador “e de sua família” com “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.

Ora, apenas a cesta básica – o item “alimentação” – custava, em novembro, entre R$ 327,85 (a mais barata, em Recife) e R$ 444,16 (a mais cara, em Porto Alegre), conforme levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Para cumprir a lei, o valor do salário-mínimo – pensando numa família composta por quatro pessoas – deveria ter sido, naquele mês, de R$ 3.731,39 – equivalente a quase quatro vezes o valor estipulado para este ano.


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Entretanto, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca da metade dos trabalhadores brasileiros sequer recebe um salário-mínimo por mês. Realizada a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), dos 88,9 milhões de trabalhadores ocupados em 2016, 44,4 milhões recebiam, em média, o equivalente a 85% do valor do salário-mínimo vigente, ou seja, R$ 747. Por outro lado, 889 mil pessoas (1% do total da população empregada) recebia, em média, R$ 27 mil mensais. Por isso, ocupamos o vergonhoso 10º lugar no ranking dos países mais desiguais do mundo...

E mais: a miséria está voltando a patamares anteriores ao início da nossa crise econômica. O documento Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE, mostra que, em 2016, o número de brasileiros vivendo com rendimentos mensais abaixo de ¼ do salário-mínimo havia aumentado 53% em comparação com 2014, alcançando 24,8 milhões de pessoas, ou seja, 12,1% do total da população vivem na “pobreza extrema”. E a desigualdade social também discrimina por cor: entre os 10% da população com os menores rendimentos, 78,5% eram pretos ou pardos.

Em setembro, a Polícia Federal descobriu, num apartamento em Salvador, dezenas de caixas contendo um total de R$ 51.030.866,49, que, acusa, pertencem ao ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo de Michel Temer, ex-ministro da Integração Nacional de Luiz Inácio Lula da Silva e ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo Dilma Rousseff, Geddel Vieira Lima. Este dinheiro seria suficiente para remunerar 53.491 trabalhadores que recebem um salário-mínimo por mês! Infelizmente, o caso de Geddel é apenas uma ínfima amostra do quadro de total descalabro em que se encontra o Brasil.

Em março de 2010, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) divulgou o documento “Corrupção: custos econômicos e propostas de combate”, que calculava em 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) o custo médio anual da corrupção. O relatório concluía que “o custo extremamente elevado da corrupção no Brasil prejudica o aumento da renda per capita, o crescimento e a competitividade do país, compromete a possibilidade de oferecer à população melhores condições econômicas e de bem-estar social e às empresas melhores condições de infraestrutura e um ambiente de negócios mais estável”.

A má qualidade da nossa educação – ocupamos o penúltimo lugar no ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – explica a nossa alienação em relação às questões coletivas: sem acesso ao conhecimento temos dificuldade de compreender o mundo e, por consequência, de tentar mudar a realidade à nossa volta. Assim também a pobreza. Uma população premida por solucionar cotidianamente questões primárias de sobrevivência individual – comida e teto – e que não alimenta a menor esperança de que amanhã será um dia melhor, não tem energia para despender na resolução de problemas coletivos. Junte-se a isso a total desmoralização da classe política e do Poder Judiciário, e o resultado é esse que estamos assistindo: o desdém pelas próximas eleições.

Como escreveu o grande escritor Machado de Assis, a respeito do Brasil, em crônica de 29 de dezembro de 1861: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”...

Instrumento de redução

Porque é que a TV foi essa "caixinha que revolucionou o mundo"? Faço a pergunta e as respostas vêm em turbilhão. Fez de tudo um espetáculo, fez do longe o mais perto, promoveu o analfabetismo e o atraso mental. De um modo geral, desnaturou o homem. E sobretudo miniturizou-o, fazendo de tudo um pormenor, misturado ao quotidiano doméstico. Porque mesmo um filme ou peça de teatro ou até um espetáculo desportivo perdem a grandeza e metafísica de um largo espaço de uma comunidade humana. 

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Já um ato religioso é muito diferente ao ar livre ou no interior de uma catedral. Mas a TV é algo de minúsculo e trivial como o sofá donde a presenciamos. Diremos assim e em resumo que a TV é um instrumento redutor. Porque tudo o que passa por lá chega até nós diminuído e desvalorizado no que lhe é essencial. E a maior razão disso não está nas reduzidas dimensões do ecrã, mas no facto de a «caixa revolucionadora» ser um objecto entre os objetos de uma sala.

Mas por sobre todos os males que nos infligiu, ergue-se o da promoção do analfabetismo. Ser é um ato difícil e olhar o boneco não dá trabalho nenhum. Ler exige a colaboração da memória, do entendimento e da imaginação.

A TV dispensa tudo. Uma simples frase como «o homem subiu a escada» exige a decifração de cada palavra, a relação das anteriores até se ler a última e a figuração do seu sentido e imagem correspondente. Mas na TV dá-se tudo de uma vez sem nós termos de trabalhar. Mas cada nossa faculdade, posta em desuso, chega ao desuso maior que é deixar de existir. Mas ser homem simplesmente é muito trabalhoso. E o mais cómodo é ser suíno...

Vergílio Ferreira, "Escrever"

Um indulto em favor da sociedade talvez fosse um bom começo

No finalzinho de 2017, o presidente Michel Temer, como se não bastassem os problemas que tem enfrentado, inclusive pessoais, desde que assumiu a Presidência da República, assinou um decreto de indulto de Natal que provocou críticas furiosas, além de discussões de todo tipo. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, declarou à imprensa que o presidente, ao assinar o referido decreto, ampliando seu alcance, ou seja, estendendo-o aos crimes cometidos sem violência, agiu politicamente.

O perdão, portanto, poderá ser concedido aos presos que cumprirem o percentual de 20% da sanção prevista na sentença. Acrescente-se, ainda mais, a dispensa do pagamento da condenação pecuniária para obtenção do perdão do resto da condenação. Tudo indica que condenados na operação Lava Jato poderão ser alcançados por ele, mas nem sequer se sabe quais deles poderiam finalmente ser beneficiados.


Para os investigadores de Curitiba, como ocorreu com o procurador Dalton Dallagnol, em reação que ultrapassou os limites do razoável, o indulto de 2017 tem como finalidade única “esvaziar a maior operação de combate à corrupção já levada a efeito na história do país”. O decreto teria sido feito sob encomenda para condenados da Lava Jato.

Talvez achando que pudesse acontecer o que de fato aconteceu, alguns procuradores propuseram, antecipadamente, algumas mudanças ao Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal na concessão do indulto. O presidente, porém, não aceitou as ponderações dos órgãos consultores. Sozinho, optou pela ampliação de seus efeitos. Uma providência, aliás, que já aconteceu em muitos outros Natais.

O juiz Sergio Moro, quase sempre dono da melhor exegese, também entrou na discussão e afirmou, claramente, que o decreto foi generoso com o crime de corrupção. Generoso. Apenas isso. A procuradora geral da República, Raquel Dodge, todavia, foi além: afirmou que o decreto fere a Constituição e, por isso, ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI): “O chefe do Poder Executivo”, disse ela, “não tem poder ilimitado de conceder indulto. Se o tivesse, aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira”.

Não quero botar mais lenha na fogueira. No mínimo, Temer foi inoportuno ao usar a prerrogativa constitucional. Mas não sou adepto do rigor punitivista que se espalha pelo país de forma realmente amedrontadora. A reação ao indulto, para mim, trouxe mais preocupação do que sua concessão.

Os que adotam o rigor punitivista, sobretudo nas redes sociais, devem se achar criaturas mais que perfeitas, que nunca cometem pecados, nem erros, nem desvios. Não percebem que não é (só) a férrea prisão que pune aquele que se desviou do bom caminho.

Quando vi a notícia, na televisão e no rádio, e, depois, nos jornais, veio-me à mente, imediatamente, a frase que deu título a estas linhas. Não será exatamente de um indulto que a sociedade brasileira, como um todo, está mais do que necessitada? Não seria esse um meio eficiente para combater o ódio que está tomando conta dela?

Muito melhor, leitor, do que a operação Lava Jato será a maneira com que vamos encarar as eleições deste ano. É delas, de nossa escolha, que vai depender o futuro de nosso país. Pense nisso.