terça-feira, 13 de julho de 2021
Nossos comandantes militares e a oportunidade perdida
Um sargento do Exército Brasileiro é flagrado, ao pousar em um aeroporto da Europa usando um avião da comitiva presidencial, com 39 kg de cocaína nas maletas de mão. É preso e, réu confesso, condenado pela Justiça espanhola. A Polícia Federal abre uma investigação e conclui que o militar traficou cocaína em aviões da FAB ao menos sete vezes.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
O Ministério Público Militar (MPM) apura que pelo menos R$ 191 milhões foram desviados do orçamento das Forças Armadas em 10 anos. Os crimes são cometidos por diferentes patentes e abrangem corrupção passiva e ativa, peculato, estelionato e fraudes em licitações.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Em plena pandemia, 73.200 militares com salário mensal religiosamente depositado em suas contas receberam indevidamente o auxílio emergencial de R$ 600.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Um general da ativa – com base no fato de que “um manda e outro obedece” – não compra vacinas então disponíveis, promove o aumento da produção de cloroquina que nenhum país sério utiliza na prevenção e tratamento da Covid, deixa morrer milhares de compatriotas sem oxigênio e ao ser demitido declara “missão cumprida”.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Um coronel – acompanhado de um amigo “intermediário” – janta em um shopping de Brasília negociando, com um dirigente do Ministério da Saúde, porcentagem na compra de vacinas inexistentes.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Este “intermediário” – também militar, cabo da PM de Minas Gerais – acaba denunciando o achaque, dizendo que lhe foi pedido um dólar a mais em cada dose de vacina para que o negócio fosse fechado. O escândalo acaba sendo pauta na CPI da Pandemia.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Um capitão reformado pelo Exército por repetidas más condutas – que como prêmio foi para a reserva com gordo salário, apesar de ter apenas 33 anos, com 15 de serviço prestado – tornou-se deputado e agora uma ex-cunhada denuncia que ele cometia o crime de peculato, recolhendo 90% do salário dos assessores que nomeava para seu gabinete, gesto repetido pelo filho também deputado.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
O Senador Omar Aziz (Presidente da CPI da Covid que investiga o porquê da morte de mais de 530 mil brasileiros) diante da quantidade de militares envolvidos em falcatruas na Saúde declara que “a parte boa do Exército deve estar envergonhada com a pequena banda podre que mancha a história das Forças Armadas”.
Como se a carapuça tivesse se adaptado dos pés à cabeça dos quatro, os excelentíssimos senhores Walter Souza Braga Netto (Ministro de Estado da Defesa), Almirante Almir Garnier Santos (Comandante da Marinha), General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Comandante do Exército) e o Tenente Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Comandante da Aeronáutica) levaram poucos minutos para emitir nota para protestar (aspas) “veementemente” contra (aspas) “as declarações do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Senador Omar Aziz, no dia 07 de julho de 2021, desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção”.
Das duas, uma. Ou nossos comandantes militares não sabem ler (o que seria um fato grave), já que não houve nenhuma generalização na fala do Senador; ou (pior ainda) não se identificaram com a “parte boa” das forças armadas citadas por ele, se sentindo portanto atingidos pelas críticas à “banda podre”.
Resumindo o resumo: os comandantes militares perderam ótima oportunidade de seguirem calados.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
O Ministério Público Militar (MPM) apura que pelo menos R$ 191 milhões foram desviados do orçamento das Forças Armadas em 10 anos. Os crimes são cometidos por diferentes patentes e abrangem corrupção passiva e ativa, peculato, estelionato e fraudes em licitações.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Em plena pandemia, 73.200 militares com salário mensal religiosamente depositado em suas contas receberam indevidamente o auxílio emergencial de R$ 600.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Um general da ativa – com base no fato de que “um manda e outro obedece” – não compra vacinas então disponíveis, promove o aumento da produção de cloroquina que nenhum país sério utiliza na prevenção e tratamento da Covid, deixa morrer milhares de compatriotas sem oxigênio e ao ser demitido declara “missão cumprida”.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Um coronel – acompanhado de um amigo “intermediário” – janta em um shopping de Brasília negociando, com um dirigente do Ministério da Saúde, porcentagem na compra de vacinas inexistentes.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Este “intermediário” – também militar, cabo da PM de Minas Gerais – acaba denunciando o achaque, dizendo que lhe foi pedido um dólar a mais em cada dose de vacina para que o negócio fosse fechado. O escândalo acaba sendo pauta na CPI da Pandemia.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
Um capitão reformado pelo Exército por repetidas más condutas – que como prêmio foi para a reserva com gordo salário, apesar de ter apenas 33 anos, com 15 de serviço prestado – tornou-se deputado e agora uma ex-cunhada denuncia que ele cometia o crime de peculato, recolhendo 90% do salário dos assessores que nomeava para seu gabinete, gesto repetido pelo filho também deputado.
(Os Comandantes Militares não emitiram nota)
O Senador Omar Aziz (Presidente da CPI da Covid que investiga o porquê da morte de mais de 530 mil brasileiros) diante da quantidade de militares envolvidos em falcatruas na Saúde declara que “a parte boa do Exército deve estar envergonhada com a pequena banda podre que mancha a história das Forças Armadas”.
Como se a carapuça tivesse se adaptado dos pés à cabeça dos quatro, os excelentíssimos senhores Walter Souza Braga Netto (Ministro de Estado da Defesa), Almirante Almir Garnier Santos (Comandante da Marinha), General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Comandante do Exército) e o Tenente Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior (Comandante da Aeronáutica) levaram poucos minutos para emitir nota para protestar (aspas) “veementemente” contra (aspas) “as declarações do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, Senador Omar Aziz, no dia 07 de julho de 2021, desrespeitando as Forças Armadas e generalizando esquemas de corrupção”.
Das duas, uma. Ou nossos comandantes militares não sabem ler (o que seria um fato grave), já que não houve nenhuma generalização na fala do Senador; ou (pior ainda) não se identificaram com a “parte boa” das forças armadas citadas por ele, se sentindo portanto atingidos pelas críticas à “banda podre”.
Resumindo o resumo: os comandantes militares perderam ótima oportunidade de seguirem calados.
Em decomposição
Aos 58 anos de idade, cabeleira grisalha vicejante e porte condizente com o de tenente-coronel da Força Aérea Brasileira (na reserva desde 2006), Marcos Cesar Pontes tem desempenhado a contento um dos cargos mais pusilânimes da República criados pelo capitão-presidente: participante/figurante nas lives semanais do mandatário do Brasil. (Nas horas vagas, o astronauta Marcos Pontes também é ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações.)
Embora seja presença frequente no espetáculo Grand Guignol encenado por Jair Bolsonaro às quintas-feiras, Pontes não é páreo para o homem forte da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães — este sim, o participante número um em animação e frequência no quadro. Não se tem notícia de nenhum ministro bolsonarista que tenha declinado de participar. Muitos fazem apenas cara de paisagem quando o presidente profere horrores (diligentemente traduzidos em libras graças à ação social a favor dos surdos introduzida pela primeira-dama, Michelle). Difícil saber o que será mais ignóbil para as respectivas biografias quando estiverem fora do governo — se a expressão pretensamente neutra/distraída ante o linguajar do chefe ou o semissorriso dúbio, a ser usado no futuro como justificativa de “constrangimento”. A covardia cívica é a mesma.
Na live da última quinta-feira, Pontes talvez não tivesse sido alertado de que se tornaria testemunha do reverberante “Caguei pra CPI” presidencial, dirigido a senadores da República. Mas o sorrisinho dúbio com que reagiu foi sua opção pessoal. Nestes tempos de fervura máxima do presidente, a degringolada moral, cívica e civilizatória dos agarrados a seu governo tampouco deve ser varrida para debaixo do tapete. Faz parte.
Quanto à autocombustão pública de Jair Bolsonaro, que nesta semana atingiu um patamar crítico e serial, ela tem tudo para se agravar. As causas que a alimentam não apontam para qualquer mudança de direção. A CPI da Covid no Senado já deu mostras suficientes de que nem pensa em arrefecer o trabalho. Ao contrário — a cada sessão, seus integrantes desnudam novas camadas da responsabilidade do governo na mortandade das nossas mais de 530 mil vítimas da pandemia. E a laboriosa exposição do vasto cipoal de ilícitos que envolvem a compra de vacinas também avança.
A crescente impopularidade do presidente, por seu lado, tampouco aponta para um horizonte mais ameno. A julgar pela pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira do “Caguei” presidencial, talvez não exista respirador democrático (frise-se o “democrático”) capaz de impedir uma surra eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022.
Não bastasse o pior índice de reprovação nacional (51%) desde que assumiu o poder, Bolsonaro se viu retratado pela maioria dos brasileiros como desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário, pouco inteligente. Parabéns ao Datafolha pelos eufemismos. O único segmento em que foi menos mal avaliado é o empresarial. De resto, o presidente eleito em 2018 por 57 milhões de votos hoje se vê reprovado, com variações, em todas as regiões do país, por todas as categorias de renda, cor, instrução, idade ou sexo. As variáveis que resultaram na maior invertida em relação a dois anos atrás referem-se a “sincero/falso” (20 pontos de diferença), “pouco inteligente” (18) e “muito inteligente” (19).
Diante de notícias tão indigestas, o capitão proclamou fraudada não apenas a pesquisa, como voltou a investir contra o sistema eleitoral democrático — passado e futuro. Sem apresentar prova, garantiu novamente em entrevista à Rádio Guaíba que houve fraude na eleição de Dilma Rousseff em 2014 e que haverá nova fraude em 2022 se não for instituído o voto impresso, eufemismo para “se eu não for declarado vencedor”.
Na sexta-feira, em conversa com apoiadores que o esperavam à saída do Palácio da Alvorada, Jair retomou seu linguajar autoral:
—Pessoal, presta atenção. É sério o que vou falar aqui. Tem muita gente filmando, então tem repercussão. Lá atrás, no passado (tô com 66 anos), sempre se buscava aí fraudar, de uma forma ou outra, as eleições, no papel, botando mesário pra contar favorável a ele, anulando votos que interessavam… Porque é luta do poder. Hoje em dia, mudou. É de cima para baixo. A fraude está no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], para não ter dúvida.
Tanto descontrole tinha por combustível o dado mais devastador para os rancores presidenciais: segundo outra pesquisa divulgada pelo Datafolha, o “nove dedos”, como o presidente do Brasil se refere a Luiz Inácio Lula da Silva, derrotaria Bolsonaro por 58% a 31% (quase o dobro dos votos) num eventual segundo turno em 2022. Somos parte dos próximos capítulos, sejam quais forem.
Embora seja presença frequente no espetáculo Grand Guignol encenado por Jair Bolsonaro às quintas-feiras, Pontes não é páreo para o homem forte da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães — este sim, o participante número um em animação e frequência no quadro. Não se tem notícia de nenhum ministro bolsonarista que tenha declinado de participar. Muitos fazem apenas cara de paisagem quando o presidente profere horrores (diligentemente traduzidos em libras graças à ação social a favor dos surdos introduzida pela primeira-dama, Michelle). Difícil saber o que será mais ignóbil para as respectivas biografias quando estiverem fora do governo — se a expressão pretensamente neutra/distraída ante o linguajar do chefe ou o semissorriso dúbio, a ser usado no futuro como justificativa de “constrangimento”. A covardia cívica é a mesma.
Na live da última quinta-feira, Pontes talvez não tivesse sido alertado de que se tornaria testemunha do reverberante “Caguei pra CPI” presidencial, dirigido a senadores da República. Mas o sorrisinho dúbio com que reagiu foi sua opção pessoal. Nestes tempos de fervura máxima do presidente, a degringolada moral, cívica e civilizatória dos agarrados a seu governo tampouco deve ser varrida para debaixo do tapete. Faz parte.
Quanto à autocombustão pública de Jair Bolsonaro, que nesta semana atingiu um patamar crítico e serial, ela tem tudo para se agravar. As causas que a alimentam não apontam para qualquer mudança de direção. A CPI da Covid no Senado já deu mostras suficientes de que nem pensa em arrefecer o trabalho. Ao contrário — a cada sessão, seus integrantes desnudam novas camadas da responsabilidade do governo na mortandade das nossas mais de 530 mil vítimas da pandemia. E a laboriosa exposição do vasto cipoal de ilícitos que envolvem a compra de vacinas também avança.
A crescente impopularidade do presidente, por seu lado, tampouco aponta para um horizonte mais ameno. A julgar pela pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira do “Caguei” presidencial, talvez não exista respirador democrático (frise-se o “democrático”) capaz de impedir uma surra eleitoral de Jair Bolsonaro em 2022.
Não bastasse o pior índice de reprovação nacional (51%) desde que assumiu o poder, Bolsonaro se viu retratado pela maioria dos brasileiros como desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário, pouco inteligente. Parabéns ao Datafolha pelos eufemismos. O único segmento em que foi menos mal avaliado é o empresarial. De resto, o presidente eleito em 2018 por 57 milhões de votos hoje se vê reprovado, com variações, em todas as regiões do país, por todas as categorias de renda, cor, instrução, idade ou sexo. As variáveis que resultaram na maior invertida em relação a dois anos atrás referem-se a “sincero/falso” (20 pontos de diferença), “pouco inteligente” (18) e “muito inteligente” (19).
Diante de notícias tão indigestas, o capitão proclamou fraudada não apenas a pesquisa, como voltou a investir contra o sistema eleitoral democrático — passado e futuro. Sem apresentar prova, garantiu novamente em entrevista à Rádio Guaíba que houve fraude na eleição de Dilma Rousseff em 2014 e que haverá nova fraude em 2022 se não for instituído o voto impresso, eufemismo para “se eu não for declarado vencedor”.
Na sexta-feira, em conversa com apoiadores que o esperavam à saída do Palácio da Alvorada, Jair retomou seu linguajar autoral:
—Pessoal, presta atenção. É sério o que vou falar aqui. Tem muita gente filmando, então tem repercussão. Lá atrás, no passado (tô com 66 anos), sempre se buscava aí fraudar, de uma forma ou outra, as eleições, no papel, botando mesário pra contar favorável a ele, anulando votos que interessavam… Porque é luta do poder. Hoje em dia, mudou. É de cima para baixo. A fraude está no TSE [Tribunal Superior Eleitoral], para não ter dúvida.
Tanto descontrole tinha por combustível o dado mais devastador para os rancores presidenciais: segundo outra pesquisa divulgada pelo Datafolha, o “nove dedos”, como o presidente do Brasil se refere a Luiz Inácio Lula da Silva, derrotaria Bolsonaro por 58% a 31% (quase o dobro dos votos) num eventual segundo turno em 2022. Somos parte dos próximos capítulos, sejam quais forem.
Muito mais do que apenas desgoverno
A CPI da Pandemia convidou um grupo de juristas para estudar quais crimes podem ser imputados ao presidente Jair Bolsonaro por suas ações e omissões na condução do País durante a emergência sanitária. A rigor, o principal trabalho deste grupo de notáveis será dar um enquadramento jurídico-penal ao sobejamente conhecido comportamento de Bolsonaro como chefe de Estado e de governo no curso da maior tragédia que se abateu sobre a Nação em mais de um século.
É evidente que o Brasil não seria o único país do mundo a ser poupado dos efeitos devastadores de uma pandemia como a que ora aflige todos, mas tampouco mais de meio milhão de mortos representam o que seria o “curso natural” da peste entre nós. Houve esforços para que se chegasse a este funesto resultado.
“Precisamos de uma avaliação jurídica mais aprofundada sobre o enquadramento típico da conduta do presidente da República”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do requerimento de formação do grupo. “Até tenho minha opinião sobre os tipos legais que se aplicam, mas é oportuno buscar um respaldo maior.”
O grupo de juristas, coordenado por Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é composto pelos advogados Helena Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich, além da juíza Sylvia Steiner, que integrou o Tribunal Penal Internacional. Os advogados Salo de Carvalho e Davi Tangerino deixaram o grupo por “conflito de interesses”.
Há que esperar a conclusão do trabalho do grupo, mas Reale Júnior vê como inescapável considerar no relatório final o “conjunto da obra negacionista” de Bolsonaro, o que poderá lhe valer tanto a imputação de crimes comuns como os de responsabilidade.
A natureza do trabalho do grupo não é essencialmente diferente do escopo da própria CPI. Os senadores estão menos atarefados em desvendar o descalabro que é a administração federal da crise do que em sistematizar a miríade de condutas irresponsáveis – muitas delas, de fato, potencialmente criminosas – cometidas pelo presidente da República e seus auxiliares à luz do dia, reiteradamente, há 1 ano e 4 meses.
Já é conhecida, por exemplo, a deliberada recusa do governo em firmar contratos para aquisição de vacinas. Igualmente, é sabido que Bolsonaro age como o principal garoto-propaganda de medicamentos que não só são ineficazes contra a covid-19, como podem causar terríveis efeitos colaterais, e até a morte, quando usados fora de suas indicações terapêuticas. Também é de conhecimento público a ofensiva de Bolsonaro, inclusive acionando o Supremo Tribunal Federal (STF), para barrar quaisquer iniciativas de governadores e prefeitos para conter o avanço do vírus em seus Estados e municípios. Bolsonaro também não perde oportunidade de desinformar a população, expondo-a a perigo, e de sabotar medidas de proteção individual e coletiva preconizadas pela comunidade científica. Tudo isto certamente há de configurar muito mais do que apenas desgoverno, o que por si só já seria o bastante para reservar a Jair Messias Bolsonaro o lugar mais escuro do porão da História nacional.
Os juristas já começaram a analisar documentos, declarações, leis, atos normativos e administrativos emitidos pelo governo federal durante a pandemia. Ao final do trabalho, o grupo entregará o parecer que subsidiará o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
À Nação é devida a responsabilização de todos os que transformaram o que seria uma grave crise sanitária no maior morticínio já visto por muitas gerações. O trabalho da CPI é apenas uma etapa neste processo, a investigação. Mas fundamentais também são os papéis do Ministério Público e do Poder Judiciário para denunciar, processar e julgar quem quer que tenha agido contra a saúde e a vida dos brasileiros. Não há lugar para omissões.
É evidente que o Brasil não seria o único país do mundo a ser poupado dos efeitos devastadores de uma pandemia como a que ora aflige todos, mas tampouco mais de meio milhão de mortos representam o que seria o “curso natural” da peste entre nós. Houve esforços para que se chegasse a este funesto resultado.
“Precisamos de uma avaliação jurídica mais aprofundada sobre o enquadramento típico da conduta do presidente da República”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do requerimento de formação do grupo. “Até tenho minha opinião sobre os tipos legais que se aplicam, mas é oportuno buscar um respaldo maior.”
O grupo de juristas, coordenado por Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é composto pelos advogados Helena Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich, além da juíza Sylvia Steiner, que integrou o Tribunal Penal Internacional. Os advogados Salo de Carvalho e Davi Tangerino deixaram o grupo por “conflito de interesses”.
Há que esperar a conclusão do trabalho do grupo, mas Reale Júnior vê como inescapável considerar no relatório final o “conjunto da obra negacionista” de Bolsonaro, o que poderá lhe valer tanto a imputação de crimes comuns como os de responsabilidade.
A natureza do trabalho do grupo não é essencialmente diferente do escopo da própria CPI. Os senadores estão menos atarefados em desvendar o descalabro que é a administração federal da crise do que em sistematizar a miríade de condutas irresponsáveis – muitas delas, de fato, potencialmente criminosas – cometidas pelo presidente da República e seus auxiliares à luz do dia, reiteradamente, há 1 ano e 4 meses.
Já é conhecida, por exemplo, a deliberada recusa do governo em firmar contratos para aquisição de vacinas. Igualmente, é sabido que Bolsonaro age como o principal garoto-propaganda de medicamentos que não só são ineficazes contra a covid-19, como podem causar terríveis efeitos colaterais, e até a morte, quando usados fora de suas indicações terapêuticas. Também é de conhecimento público a ofensiva de Bolsonaro, inclusive acionando o Supremo Tribunal Federal (STF), para barrar quaisquer iniciativas de governadores e prefeitos para conter o avanço do vírus em seus Estados e municípios. Bolsonaro também não perde oportunidade de desinformar a população, expondo-a a perigo, e de sabotar medidas de proteção individual e coletiva preconizadas pela comunidade científica. Tudo isto certamente há de configurar muito mais do que apenas desgoverno, o que por si só já seria o bastante para reservar a Jair Messias Bolsonaro o lugar mais escuro do porão da História nacional.
Os juristas já começaram a analisar documentos, declarações, leis, atos normativos e administrativos emitidos pelo governo federal durante a pandemia. Ao final do trabalho, o grupo entregará o parecer que subsidiará o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
À Nação é devida a responsabilização de todos os que transformaram o que seria uma grave crise sanitária no maior morticínio já visto por muitas gerações. O trabalho da CPI é apenas uma etapa neste processo, a investigação. Mas fundamentais também são os papéis do Ministério Público e do Poder Judiciário para denunciar, processar e julgar quem quer que tenha agido contra a saúde e a vida dos brasileiros. Não há lugar para omissões.
Homem armado não chora
“Homem armado não ameaça” — ameaçou-nos o comandante da Aeronáutica, cujas balas são pagas por nós. Um tipo que só é armado por delegação da sociedade, à luz da Constituição, motivo por que deveria tratar o monopólio da força com responsabilidade e contenção, com humildade, reservando-se ao quartel, e não sob a lógica miliciana expansiva que desde há muito envenena o guarda da esquina e que, de capitão em capitão, contaminou a política.
“Homem armado não ameaça.” Age — né? Ocupa.
Discurso miliciano na atividade política não é novidade. Elegeu até presidente. Novidade é discurso miliciano por militar da ativa enquanto — lembrando-nos de que vai armado — comenta a vida política. Nada aprenderam. E ainda regridem. Pagarão a conta do mito. O comandante da Aeronáutica sendo mais um investido de condição — a de poder moderador da República — que as Forças Armadas só têm na mesa de dominó de clube militar. E a arrogância é ainda pior: poder moderador seletivo — para tutelar Legislativo e Judiciário — e em favor do projeto de Bolsonaro.
Um vexame.
“Homem armado não ameaça.” Homem armado se impõe. Homem armado é. Não será assim? (Assim decerto falava Adriano da Nóbrega, o miliciano morto, chefe de grupo de extermínio, parça de Queiroz e cujos parentes foram pendurados no gabinete de Flávio Bolsonaro, o que lhe dera a Medalha Tiradentes.) A covardia — a de um militar se valer de atributo derivado de convenção social civil para arrostar os desarmados — autoriza-nos a qualquer complemento (e comparação).
Fato é que o tenente-brigadeiro referia-se a outra ameaça, aquela do Ministério da Defesa ao fim da nota em que Braga Netto e seus valentes pretenderam intimidar o Senado: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.
O que será “leviano” para quem — julgando-se defensor da democracia e da liberdade — aceita ser mula para que Bolsonaro afinal tenha um exército de apoio a seu ímpeto autocrático?
O Exército, sobretudo o Exército, comporta-se como partido político, incorpora-se ao governo já a ponto de suprimir a fronteira entre Planalto e Forte Apache, passa a servir personalissimamente a um golpista; mas, quando leva pancada — política — por sua deliberada militância (e investigadas traficâncias dos seus), quer ser tratado como instituição impessoal da República. Não dá.
O Exército puxa — agora, parece, a ter a aguerrida concorrência da Aeronáutica — a configuração, já inescapável, de um governo militar. Governo incompetente — provavelmente corrupto — e militar. Esse filho não é da imprensa nem da oposição. O Exército que, em meio a uma pandemia, tomou o Ministério da Saúde — que fez aparelhar de élcios, nas mãos dos quais colocou toda a gestão de negócios e contratos para aquisição de vacinas. Que culpa terão os jornalistas — esses petistas — se os coronéis e outros blancos estabeleceram a concorrência ali dentro e tiraram os barros e seus dias da zona de conforto?
Bata-se o coturno à vontade. O filho feio tem pais — e não são só os férteis do Progressistas. Segundo o comandante da Aeronáutica, os militares não têm “qualquer intenção de proteger ninguém que está à margem da lei”. Não acredito. São eles próprios a se desacreditar. Ou terão ao menos advertido Pazuello depois de participar de ato político? “Homem armado não ameaça.” Sobe em carro de som, rasga o regramento militar e recebe afagos. E, quando o bicho pega em contratos de uma pasta controlada por militares, ora: mande-se os militares que a controlavam investigar.
“Homem armado não ameaça.” Adverte, contudo: haveria um movimento na imprensa para plantar no imaginário popular que os militares, principalmente os de mais alta patente, “não são tão honestos, sequer tão capazes”. Não sei o que quererá significar alguém não “tão honesto”. Haverá o “meio honesto”? O “um pouco honesto”? Sobre a capacidade dos estrelados, registre-se que nem o mais influente jornalista seria capaz de conceber um Pazuello. Esse produto é de vossas escolas.
“Homem armado não ameaça.” Só quer participar. Governar. Qual o problema? O tenente-brigadeiro defende o partido militar: “Fernando Henrique trouxe quem ele conhecia, em quem ele confiava. Trouxe acadêmicos, professores, políticos, profissionais do meio dele. O presidente Lula trouxe, da mesma forma, sindicalistas. (...) Não vejo como diferente do que aconteceu com o governo Bolsonaro. O presidente Bolsonaro trouxe para o governo em sua maioria militares da reserva, que podem atuar como qualquer cidadão. E uma minoria da ativa, que é autorizada pela legislação vigente a ocupar cargos de natureza civil por até dois anos”.
Na próxima entrevista, coerentemente, o comandante da Aeronáutica defenderá o direito do militar à greve.
“Homem armado não ameaça.” Age — né? Ocupa.
Discurso miliciano na atividade política não é novidade. Elegeu até presidente. Novidade é discurso miliciano por militar da ativa enquanto — lembrando-nos de que vai armado — comenta a vida política. Nada aprenderam. E ainda regridem. Pagarão a conta do mito. O comandante da Aeronáutica sendo mais um investido de condição — a de poder moderador da República — que as Forças Armadas só têm na mesa de dominó de clube militar. E a arrogância é ainda pior: poder moderador seletivo — para tutelar Legislativo e Judiciário — e em favor do projeto de Bolsonaro.
Um vexame.
Mas, calma, o tenente-brigadeiro, homem armado e decoroso, está mui preocupado com o “tão baixo nível” da disputa política — como se não fosse o chefe de seu partido aquele a “cagar” ante ofício de senadores. “Sinto que esta disputa deve ter como limite os riscos que ela pode trazer à institucionalidade do país” — como se não fosse o patrão o agente desestabilizador a avançar contra o sistema eleitoral brasileiro.
“Homem armado não ameaça.” Homem armado se impõe. Homem armado é. Não será assim? (Assim decerto falava Adriano da Nóbrega, o miliciano morto, chefe de grupo de extermínio, parça de Queiroz e cujos parentes foram pendurados no gabinete de Flávio Bolsonaro, o que lhe dera a Medalha Tiradentes.) A covardia — a de um militar se valer de atributo derivado de convenção social civil para arrostar os desarmados — autoriza-nos a qualquer complemento (e comparação).
Fato é que o tenente-brigadeiro referia-se a outra ameaça, aquela do Ministério da Defesa ao fim da nota em que Braga Netto e seus valentes pretenderam intimidar o Senado: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.
O que será “leviano” para quem — julgando-se defensor da democracia e da liberdade — aceita ser mula para que Bolsonaro afinal tenha um exército de apoio a seu ímpeto autocrático?
O Exército, sobretudo o Exército, comporta-se como partido político, incorpora-se ao governo já a ponto de suprimir a fronteira entre Planalto e Forte Apache, passa a servir personalissimamente a um golpista; mas, quando leva pancada — política — por sua deliberada militância (e investigadas traficâncias dos seus), quer ser tratado como instituição impessoal da República. Não dá.
O Exército puxa — agora, parece, a ter a aguerrida concorrência da Aeronáutica — a configuração, já inescapável, de um governo militar. Governo incompetente — provavelmente corrupto — e militar. Esse filho não é da imprensa nem da oposição. O Exército que, em meio a uma pandemia, tomou o Ministério da Saúde — que fez aparelhar de élcios, nas mãos dos quais colocou toda a gestão de negócios e contratos para aquisição de vacinas. Que culpa terão os jornalistas — esses petistas — se os coronéis e outros blancos estabeleceram a concorrência ali dentro e tiraram os barros e seus dias da zona de conforto?
Bata-se o coturno à vontade. O filho feio tem pais — e não são só os férteis do Progressistas. Segundo o comandante da Aeronáutica, os militares não têm “qualquer intenção de proteger ninguém que está à margem da lei”. Não acredito. São eles próprios a se desacreditar. Ou terão ao menos advertido Pazuello depois de participar de ato político? “Homem armado não ameaça.” Sobe em carro de som, rasga o regramento militar e recebe afagos. E, quando o bicho pega em contratos de uma pasta controlada por militares, ora: mande-se os militares que a controlavam investigar.
“Homem armado não ameaça.” Adverte, contudo: haveria um movimento na imprensa para plantar no imaginário popular que os militares, principalmente os de mais alta patente, “não são tão honestos, sequer tão capazes”. Não sei o que quererá significar alguém não “tão honesto”. Haverá o “meio honesto”? O “um pouco honesto”? Sobre a capacidade dos estrelados, registre-se que nem o mais influente jornalista seria capaz de conceber um Pazuello. Esse produto é de vossas escolas.
“Homem armado não ameaça.” Só quer participar. Governar. Qual o problema? O tenente-brigadeiro defende o partido militar: “Fernando Henrique trouxe quem ele conhecia, em quem ele confiava. Trouxe acadêmicos, professores, políticos, profissionais do meio dele. O presidente Lula trouxe, da mesma forma, sindicalistas. (...) Não vejo como diferente do que aconteceu com o governo Bolsonaro. O presidente Bolsonaro trouxe para o governo em sua maioria militares da reserva, que podem atuar como qualquer cidadão. E uma minoria da ativa, que é autorizada pela legislação vigente a ocupar cargos de natureza civil por até dois anos”.
Na próxima entrevista, coerentemente, o comandante da Aeronáutica defenderá o direito do militar à greve.
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