terça-feira, 17 de junho de 2014

Ódio, teu nome é revolta


Depois de começar com uma campanha da “esperança para vencer o medo”, lembrando os idos de 2002, os petistas liderados pelo supremo guru Lula se lançam na luta da “esperança para vencer o ódio” em resposta aos xingamentos à presidente na abertura da Copa. Como de costume, são camaleônicos, vestem a camisa da vez, esbanjam o blábláblá, e criam motes aos borbotões. É mais uma alteração de última hora para camuflar, ou tentar, a queda presidencial nas pesquisas.
O chavão desgastado não emplacou se tão pouco durou. Era preciso colocar o trovejante e bom de boca ex-presidente para dar uma resposta ao ataque do estádio. E embora pareça que se saiu bem, em verdade tropeçou nas palavras para um mero entendedor.
Se já não era bom falar em medo de mudança de 12 anos de governos marcados por corrupção, agora inventou-se o ódio como mote de uma campanha que querem isenta de agressões.
Mas convém lembrar que ódio é gratuito quando seja de um psicopata. E estamos tratando de eleitores que não são delinqüentes mentais. O ódio em questão, muito mal expressado nos xingamentos, não é nada mais do que expressão, extrema e equivocada, da imensa revolta pelo destrambelado governo de Dilma e o petismo marcado pela corrupção, o conchavo, a cooptação, o toma lá dá cá, a farta distribuição de benesses aos mais ricos, tudo sob uma capa de socialismo à brasileira. Essa a revolta que não querem ver, nem muito menos admitir, para não influir na eleição.
Querem os petistas de qualquer forma esconder a revolta, em maioria no país, contra um governo e seu principal partido que estão pretendendo instituir uma ditadura de bananas, para que possam se locupletar por mais tempo até do que o previsto de 20 anos no poder. Mas definir os opositores como estandartes do ódio é simplesmente colocar num balaio todos os revoltados do país, e não são poucos. E se arriscam muito a que o balaio transborde nas urnas afogando suas esperanças de continuísmo acima de tudo, acima de todos e atropelando todas as leis.

"Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”
 Georg Lichtenberg (1742-1799)

A Copa ou o cálice da amargura


"O problema parece muito complicado, mas no fundo é muito simples: não há bala nem exército capazes de deter as vontades do povo"  
O ministro do Esporte brasileiro, Aldo Rebelo, disse que Dilma Rousseff não iria à abertura da Copa do Mundo. E a presidenta, mostrando ter uma mente aberta, que está incluída em seu salário, foi e ouviu o apito que deu início ao jogo entre Brasil e Croácia. E escutou também as vaias e xingamentos para os quais já estava preparada porque costumam acompanhar a comitiva presidencial.
São Paulo é como Madri e é também como qualquer outro lugar do mundo. O problema parece muito complicado, mas no fundo é muito simples: não há bala nem exército capazes de deter as vontades do povo.
Por isso, o que revelam as imagens do Exército nas ruas, seja ao vivo ou pela televisão, é que, na era do Twitter, os que têm medo são os uniformizados, representantes de uma ordem já insustentável porque a semente da desordem vem da desigualdade. Os incidentes do Rio, de São Paulo, Madri, Barcelona ou Paris não são lamentáveis; o que é lamentável é a linguagem, porque as promessas já ficaram para trás.

Dois legados da Copa


“Um legado da Copa é a percepção da corrupção nas prioridades; outro é descobrir que os candidatos estão sendo incapazes de perceber essa novidade”
 Ainda é cedo para saber qual legado da Copa ficará entre todos os que foram prometidos, mas é possível saber que um ficará: a percepção popular da corrupção nas prioridades. Faz anos, descobrimos a corrupção no comportamento dos políticos, mas ainda não tínhamos consciência da corrupção nas prioridades da política.
Horrorizamos-nos com o roubo de dinheiro público levado para o bolso de políticos, mas ainda não nos horrorizávamos com o desperdício de prioridades que desviam dinheiro sacrificando os interesses da população e do futuro.
É muito possível que seja descoberto roubo de dinheiro público durante as obras da Copa, mas desde já é possível perceber que houve desvio de outras finalidades mais úteis ao futuro do país e ao bem-estar da população de hoje. Um exemplo é o estádio de cerca de R$ 2 bilhões em Brasília.
Foi preciso fazermos a Copa para descobrirmos que desviar dinheiro para prioridades menos importantes é também roubo: mesmo se não houver apropriação privada do dinheiro público.
A população brasileira — tolerante com a desigualdade social, com forte preferência pelo presente, habituada ao uso do artifício histórico da inflação para financiar os gastos, e submetida à manipulação facilitada pela pouca educação, mesmo entre aqueles com nível de instrução superior — não costumava fazer as contas de quanto custava cada obra, nem o que poderia ter sido feito de diferente.
Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)
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