sábado, 7 de janeiro de 2017

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No país da insegurança

O colapso da segurança pública é o mais trágico retrato da crise social, moral e política brasileira.

Não é obra de nenhum governo em particular, mas um legado de negligência de cada um dos que se sucederam desde o advento da assim chamada Nova República, a partir dos anos 80.

Ao longo da Era PT, o quadro agravou-se. Em 13 anos e meio de reinado, buscou-se ideologizar o fenômeno, sustentando-se que o crime deriva da injustiça social (e a Lava Jato está aí para mostrar que não). Em decorrência, investiu-se no abrandamento da legislação penal, estimulando-se a impunidade e a expansão do crime.

O resultado mede-se em números. A criminalidade mata por ano no Brasil mais gente que a guerra civil da Síria. São cerca de 60 mil pessoas – uma média de sete homicídios por hora -, estatística que se repete há mais de uma década. E é precária: registra apenas as mortes ocorridas no local dos crimes, excluindo as posteriores e os casos que provocam invalidez ou sequelas psicológicas irreversíveis.

Na Síria, de março de 2011 (início dos combates) a julho de 2015 – quatro anos -, a guerra, segundo levantamento do Observatório Sírio para Direitos Humanos, matou 71.781 civis.

Nesse período, no Brasil, foram assassinadas cerca de 240 mil pessoas, o mesmo número total de mortos, civis e combatentes, no mesmo período na Síria, segundo o mesmo Observatório, uma ONG conceituada, com sede em Londres.

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Os homens representam 94,4% das vítimas, jovens em sua esmagadora maioria, de 15 a 29 anos. Há estudos isolados a respeito, destacando-se o Mapa da Violência, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

Mas o tema, do ponto de vista político-institucional, jamais constou das prioridades de nenhum dos governos que testemunharam (e permitiram) o descontrole desse quadro.

Há abordagens eventuais, diante de algum caso mais escabroso, como agora, nas matanças desta semana nos presídios de Manaus e Boa Vista, frutos dos já rotineiros conflitos entre facções do crime organizado, Comando Vermelho e PCC.

A simples existência dessas organizações, sem que se mapeiem suas articulações internas e externas, como obtiveram o poder que exercem nos presídios, já configura uma espantosa anomalia.

Passado o impacto, o tema sai de cena, como se não fizesse parte dos dramas nacionais crônicos, como se não tivesse uma dimensão política de enorme envergadura. Não se estuda – não no âmbito institucional – o fenômeno social que representa.

Fala-se em planos nacionais de segurança pública, mas de maneira reativa, para acalmar a opinião pública, como o fez esta semana o ministro da Justiça, Alexandre Moraes. Ninguém crê na eficácia desses planos, nem quem os difunde – e não porque sejam fracos, mas porque dependem menos de sua consistência técnica e mais da determinação política em fazê-los valer.

A ideologização do crime impôs uma inversão de papéis: a criminalização da polícia e a vitimização dos bandidos. Daí a gradual e sistemática promoção de leis que, a pretexto de defender direitos humanos, atenuam penas e intimidam ações repressivas.

Não há dúvida, no entanto, de que a insegurança decorrente da criminalidade é hoje a principal calamidade pública no país. Atribuí-la à questão econômica é uma forma escapista de empurrá-la com a barriga ou de torná-la mote eleitoral ou mantra revolucionário. Até aqui, só fez intensificar o problema, sem dar pistas de solução.

O país sempre padeceu de desigualdade social e vivenciou inúmeras crises econômicas, sem que isso derivasse para a guerra civil. Para que se tenha uma ideia da evolução vertiginosa dos números, em 1980, registraram-se 6.104 homicídios.

Já havia crise, já havia desigualdade, que, inclusive, segundo a propaganda petista, teria diminuído consideravelmente, nestes mais de 13 anos em que as estatísticas de criminalidade só fizeram aumentar. Como então chegamos aos cerca de 60 mil de hoje?

O país ainda aguarda um estudo sério a respeito, no Parlamento e na Academia. Há pistas: expansão do narcotráfico, contrabando maciço de armas pesadas, vitimização do bandido etc.

Mas não se fez ainda um levantamento do conjunto de medidas legais que, nesse período, atenuaram as infrações e inibiram o seu combate. Uma delas, bem recente: a audiência de custódia, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, sob o comando do então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, que considera esta a medida com que quer ser lembrado no seu período no cargo.

Talvez seja atendido, mas não do modo como imagina. Essa audiência estipula prazo máximo de 24 horas para que um preso em flagrante seja levado diante de um juiz.

O objetivo, além de reduzir a superlotação dos presídios (como se essa fosse a causa e não a consequência), é verificar se os direitos humanos do preso estão sendo respeitados.

Só que, em 24 horas, não é possível averiguar se o detido é um criminoso avulso ou integra o crime organizado. Daí a recorrência de criminosos com extenso prontuário circulando livremente pelas ruas do país, no pleno exercício de seu (digamos assim) ofício.

Tragédia e barbárie

Poderia ficar por aí como um acontecimento triste, grave, perigoso. Mas não fica. A tragédia que se abate sobre as prisões brasileiras carrega a ausência do Estado, o abandono das políticas públicas, a insensibilidade à barbárie.

A reação das autoridades brasileiras a esse tipo comum de tragédia é praticamente igual, em qualquer ocasião: anuncia-se sempre a intenção de se construir novos presídios para acabar com a superpopulação das celas. Passa-se um tempo, as celas são de novo entupidas de gente, as gentes se matam de novo e as autoridades anunciam a intenção de construir novos presídios.

O sociólogo Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos de Segurança Pública da USP, é um estudioso do que acontece nos presídios brasileiros. Para ele, o Estado deveria ter um plano estratégico de curto, médio e longo prazos, com avaliação de cenários para a segurança pública, o sistema penal e a questão carcerária.

Nesse plano, a ser elaborado a partir do diálogo e da construção de pontes entre os mais variados setores do Estado e da sociedade, se pensaria sobre o que vai acontecer daqui a dez anos caso não seja feito nada; o que vai acontecer se forem construídas mais penitenciárias, e se de novo forem abarrotadas de condenados; o que acontecerá se houver uma política de desencarceramento pelos próximos 30 anos.

Charge do dia 06/01/2017

Hoje, diz Adorno, as autoridades estão sempre correndo atrás: a superpopulação dos presídios causa crises permanentes, depois vêm as mortes, a expansão da oferta de vagas e de novo a superpopulação carcerária, num círculo vicioso que não vai a lugar nenhum. Aliás, vai. Ajuda a solidificar as organizações criminosas que passaram a dominar os presídios.

Lembro a Sérgio Adorno que para ganhar nome, se tornar respeitadas no mundo do crime e temidas pela sociedade, as organizações que brigam pelo controle dos presídios têm de estar conscientemente envolvidas no crime. E que os líderes delas, para se tornarem lendas por onde circulam, têm de passar pelo menos uma parte da vida na cadeia.

Ele concorda. Afirma que, nos estudos que tem feito ao longo dos anos, a conclusão é de que a expansão do sistema carcerário alimenta as redes criminosas dentro dos presídios e permite o recrutamento fácil de novos membros.

Hoje, por exemplo, há uma conexão entre o que se passa nas prisões e o que se passa lá fora. Quando sai, um indivíduo controlado por uma dessas organizações será o elo entre a sociedade e a cadeia, porque ele leva e traz informações. No mundo lá fora ele é um propagador das ideias geradas dentro da cadeia para o fortalecimento das organizações e do crime.

Adorno afirma que hoje existe toda uma economia subsidiária em volta do sistema carcerário. Trata-se, segundo ele, de uma cadeia produtiva no verdadeiro sentido da palavra.

Como romper tudo isso, restabelecer a presença do Estado no interior dos presídios, evitar que o crime organizado infiltre seus integrantes no Legislativo, Executivo e Judiciário?

Para o sociólogo, se os governantes quiserem evitar que o Estado seja comprometido e se quiserem romper com a máquina viciada que tomou conta dos presídios, têm de mudar a política para o setor de segurança. Não só a relativa às drogas, mas também outras ligadas às leis penais.

Há anos, por exemplo, se fala nas penas alternativas. E hoje há uma tendência forte no Judiciário para o uso dessas penas. Mas os juízes dizem que não podem aplicá-las porque o Executivo, que deveria garantir a sua execução, não garante nada. Se forem aplicadas, o risco é o de desmoralização do próprio Judiciário.

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peroba - ICAPUI, Ceara
Icapui (Ceará)

Ano novo, vida nova: A necessidade de refletir sobre o politicamente correto

Começo dizendo que, quando as pessoas começam a pensar que um mero agradecimento a Deus é sinônimo de ser retrógrado ou até mesmo de burrice, deixando de fazê-lo, aí estaremos diante de um caos absoluto chamado politicamente correto e que vai evoluir na perda de nossa individualidade até nossos sentidos ou sentimentos humanos. O pensar será desnecessário, já que existem pessoas que pensam por mim. Tirando um sentimentalismo que, espero, é o último reduto para uma bondade natural, de resto o que sobra é uma mera máquina de repetição do senso comum.

Os afazeres e a correria do nosso dia a dia quase sempre nos impedem de pensar e refletir sobre se nossas ações estão sendo boas ou más, se são capazes de nos atingir positiva ou negativamente. O cotidiano feroz que entendemos como uma necessidade nos é como um obstáculo intransponível ao reconhecimento de nossa necessidade de reflexão sobre a própria vida. A pressa, a necessidade de dar conta de tudo, o trabalho, ganhar dinheiro, enfim, tudo que ocupa nossa mente e nossa atenção objetiviza nossa vida e faz de nosso reflexo no espelho parecer tudo muito estranho.

Embora politicamente correto, o apelo ecológico que abrilhantou a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, se choca com a dura realidade da poluição na Baía de Guanabara, onde alguns jogos serão disputados e também com a própria conduta do povo brasileiro no que se refere a ações de preservação do meio ambiente que muito deixam a desejar.:

Aí, surge final de ano com a expectativa de um novo marco zero a partir do começo do ano, onde se pensa em tudo se iniciar para fazer melhor, ou fazer do contrário, diferente, enfim, desta vez fazer dar certo. Parece que somente nesse tempo é que temos a chance de vermos o espelho de nossa alma, de observarmos nossa própria vida e do jeito que a estamos conduzindo, se positiva ou negativamente. A começar pelo simbolismo representativo do natal, que nos cai como momento necessário de reflexão e avaliação para posterior, se for o caso, mudança, os dias que sucedem após a data em que se comemora o nascimento de Jesus nos servem para pensar. Nesse grande momento, não duvido que devem existir pedidos ateus de socorro a Deus.

Tudo isso é muito louvável. O bom e o ideal seria que isso acontecesse todos os dias, numa pausa reservada para meditação ou em algum intervalo de pensamento no trabalho. Theodore Dalrymple faz esse exercício sempre quando vai em livrarias e pega livros ao acaso, neles também tendo encontrado os mais diversos objetos que os faz pensar. Desse seu costume fez publicar O prazer de pensar, onde cita: “Encontramos coisas em livros velhos: principalmente insetos mumificados, é claro, mas também manchas de sangue, flores secas prensadas, bilhetes velhos de ônibus, listas de compras, fichas de embarque, orçamentos de consertos a serem feitos, contas de açougue, marcadores de páginas de livros anunciando seguros de vida, festivais de arte e livrarias e alguns chegam a chamar o leitor para a fé e o arrependimento.” (o destaque é meu). Ou seja, não duvido que as livrarias e os livros aleatoriamente pegos sejam os seus oráculos.

Porém, se é sempre apenas em momentos de descanso prolongado que nos tornamos mais introspectivos e subjetivos é porque tem algo de muito errado acontecendo…

Às vezes caímos na armadilha enganosa de sempre agradar aos outros mais até do que a nós mesmos. Nessa trilha auto fraudulenta, deixamos de opinar, aconselhar, manifestar o que pensamos, enfim, até mesmo de ajudar quem não tem o conhecimento e precisa dele, quando nós o temos. Há, de nossa parte, um receio de perder alguma coisa que nos é muito valioso. Politicamente, achamos que o correto é ser o isento, o neutro, o que ainda não tem opinião formada sobre o assunto. Há sempre algo mais valioso a ser preservado do que a manifestação de uma opinião que pode custar, em tese, muito caro.

Vivendo enredados, os politicamente corretos estão dispostos a acreditar sempre na bondade natural de Rousseau e acreditar que o ser humano é sempre bonzinho e esquecer do pecado original e da queda que leva a uma consciência cética, a qual acredito estar correta para os dias que seguem. A gênese de um tal estado de coisas digamos “modernas” ou “progressivas” (como se tudo que estivesse acontecendo fosse algo natural e rumo a um bem comum de mais liberdade, igualdade e fraternidade em escala mundial) remonta a Jean Jacques Rousseau, que pregou uma sementinha do mal com os seus discursos (romantismo, totalitarismo, moderna antropologia, revolução sexual e da família foram deflagrados em parte por força de suas idéias). Para ele, o homem primitivo era bondoso e inocente. Ao contrário do que o cristianismo prega e parece ser uma impressão falsamente difundida no meio público, o homem nasceu bom mas pecou e, por isso, os conceitos de queda e de pecado original que estão a permear, sem discriminação, as impressões sobre todos.

Isso prejudica, pois encerra um alto preço pessoal a pagar, um sentimentalismo tóxico que impregna o fundo da alma humana. Não se quer ser egoísta e ao mesmo tempo há necessidade de não se desprezar o “eu” que fala muito alto dentro de cada um. Há a criação impensada de um paradoxo a ser resolvido.

A postura politicamente correta de hoje em dia, na sua grande maioria extremada e ressentida, acaba por reprimir sentimentos e interesses maiores e mais valiosos do que aqueles defendidos pela postura contrária. Se esses politicamente corretos deixassem de o sê-lo, veriam o quão grande e autêntico galardão que ganhariam. No entanto, não é o que ocorre e as consequências são de uma larga desvantagem para os interesses pessoais, pois eles são deixados em segundo plano. Aqueles que, por conta de posturas politicamente corretas, sufocam os seus sentimentos mais ou menos aflorados, deixam de lhe garantir uma vida altamente qualificada se adotassem proceder contrário. Em resultado na própria saúde física e mental, a ciência já detectou que reprimir gritos de denúncia, de socorro ou de mera manifestação pessoal de um sim ou de um não sintomatizam o corpo com as mais variadas doenças cuja origem é a repressão.

Afora isso, pode-se contar também que terceiros resultam como pessoas atingidas e vitimizadas pela negligência ou condescendência politicamente correta. Foi divulgado na internet o caso de um pai que deixou de denunciar o abusador de seu filho por receio de estar lhe agredindo. Ou seja, quis mais proteger o abusador do que o seu próprio filho! A escolha mais acertada para esse ajuste de condutas é pensar no coletivo, no bem comum, no outro, sabendo-se que agindo de forma contrária estará sendo ofertado à comunidade um bem maior, que é o resgate da consciência da verdade e possibilidade de reflexão e mudança dali em diante. Exemplos de uma cultura sentimentalista e politicamente correta vemos diariamente. É o professor e os pais que não disciplinam o aluno e os filhos por acharem desnecessária a correção ou por quererem ser modernos. São os desvios de intelectualidade com os novos direitos que vieram em prol de desprotegidos ou supostos desprotegidos, os quais acabam sendo deturpados em seu núcleo essencial e virando abuso de direito.

Theodore Dalrymple diz que o triunfo da visão romântica da educação foi desastroso por coincidir com o triunfo da visão romântica das relações humanas e, em especial, da família. Ou seja, traz-se a falsa ideia de que todas as relações humanas devam ser perfeitas, sem desavenças ou sempre sorridentes, inclusive na relação entre pais e filhos, uma falsa prática e um ideal a ser perseguido em continuidade, quando o contrário é o que se tem. Nada é perfeito e tudo tem os seus momentos de crise. Quando se mistura interesse financeiro com dever e se tem desgaste, nada além do amor e do afeto deve ser mais observado, dizem os românticos. Aí, não temos mais estabilidade nas relações sociais, inclusive familiares, e qualquer crise, por mais simples que seja, é motivo de ruptura total. Aqui, neste ponto, há uma verdadeira inversão de valores em jogo, algo que se está deixando acontecer por imperceptível diante de uma cultura transformada ou que se quer transformadora de uns tempos para cá. As artimanhas esquerdistas e extremadas caiu num senso comum e faz parecer que tudo seja verdade, objetivo último do fim socialista e comunista dos antigos ainda em perseguição. De um certo cárcere italiano, já que preso a mando de Mussolini, levou ao mundo seus cadernos com a fórmula para a destruição cultural no ocidente judaico-cristão. A inversão de valores que hoje se sente, o sentimentalismo impregnado na mente e como resultado de uma bondade natural são o norte do agir de um politicamente correto. Theodore Dalrymple escreve que “O politicamente correto é muitas vezes a tentativa de tornar o sentimentalismo socialmente obrigatório ou aplicável por lei”.

A postura politicamente correta é de cunho político, já que por trás dela existe uma ideologia tida por salvadora e ela pode ser considerada um instrumento de cunho neutralizador de seus opositores. Apesar dessa sua natureza, carrega em si uma grande carga de cunho emocional e psicológico, já que é resultado de um ato do pensamento ou espiritual. Sabendo-se que é em nossas mentes que circulam os menores e maiores demônios, não devemos jamais desprezar o passado nessa luta, o histórico, o legado que nos foi deixado até o presente momento. Cito Jesus Cristo como o homem que mais influenciou a história no caminhar da humanidade até aqui, tendo ele dado criação a uma cultura que se vê em nós até os dias atuais, assim como, por sua causa, guerras e revoluções foram desencadeadas e estão sendo ainda planejadas nos dias hodiernos e em escala global. Não somente guerras com material bélico de fato, mas, principalmente, no espaço cultural e espiritual (novamente cito Antônio Gramsci, muito embora o pessoal “pensante” ou auto endeusado que lhe antecedeu também quis aniquilar o legado judaico-cristão e cujas mazelas se sentem ainda hoje). E a saga politicamente correta nada vê, nada ouve, nada sente, nada sabe, nada manifesta em uma conduta que chega a ser criminosa (o caso da imigração em massa e que está levando inocentes à morte na Europa). Jesus trata o politicamente correto dessa forma: pelo amor. O seu legado não foi de moralidade, e sim de relacionamento. E também desta: sim sim ou não não. Ou seja, sejamos firmes e não fiquemos em cima do muro. E, por fim, também desta: ser humilde e não passivo. Ser isentão é querer viver à sombra dos outros e do destino que nos é imposto, o qual pode ser por nós mesmos construídos e do nosso próprio jeito.

Sergio Renato de Mello

E a responsabilidade dos governos, enfia aonde?

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Cada cidadão é responsável por combater o mosquito
Ricardo Barros,  ministro da Saúde

O riso do diabo

Em 1963, consegui meu primeiro emprego. Tinha 18 anos recém feitos e fui contratado para trabalhar como auxiliar de administração no Presídio Central de Porto Alegre. Cursava o último ano do Científico (etapa final do ensino médio da época), preparava vestibular, ganhava uma merreca, mas sabia que, com aquela idade, deveria comprar meus próprios cigarros (levei 40 anos para me livrar disso!). O presídio que me permitia fumar com o suor do meu rosto fora inaugurado quatro anos antes e era o mesmo hoje apontado como o pior do país. No ano seguinte, fui aprovado num concurso e efetivado como funcionário do órgão que administrava os institutos penais do Estado. Novo em folha, articulado com outros dois estabelecimentos da região metropolitana, o Central cumpria perfeitamente bem suas funções.

Faço esse relato para referir a degradação do sistema penitenciário brasileiro. A exemplo de tantos outros aspectos da vida nacional - mal sabem disso os leitores jovens - nosso sistema penitenciário já foi melhor. Aliás, o Brasil, também já foi melhor. Imperfeito, claro, mas em quase tudo superior a este onde nos trouxeram as filosofias que adotamos e as políticas que escolhemos.

Entre 1959, ano-base deste relato, e 2015, a população do Rio Grande do Sul apenas duplicou, o Produto Interno Bruto cresceu 10 vezes (se não me enganei nas contas que pude fazer a partir das tabelas da FEE disponíveis na rede) e as alíquotas dos tributos estaduais sofreram diversas majorações. Apesar disso, o poder público estadual não tem, no horizonte, a menor perspectiva de recuperar capacidade de investimento e retirar o sistema penitenciário da falência.


Impossível recusar o que explode diante de nossos olhos. Sucessivas décadas de imprudência, imperícia e negligência, levaram as unidades da Federação e a própria União Federal à atual ruína. Ela foi gerada por governos perdulários e suas prodigalidades; pela ávida busca das manchetes e benefícios políticos de planos de impacto meramente publicitários; pela corrupção e pelo histórico patrimonialismo que confunde e funde o público e o privado; pelos corporativismos espraiados nos poderes de Estado, contaminando a atividade privada e transformando o que é público num botim sob múltiplos e permanentes ataques.

A miséria do sistema penitenciário tem outras causas adicionais. A sociedade brasileira foi, deliberadamente, submetida a uma sistemática destruição de seus valores. Ridicularizou-se o bem e se relativizou a verdade; o errado fala do alto das torres e o certo sussurra nos porões; silenciaram-se as consciências e se tornou proibido proibir; jogou-se sobre a alma da vítima o peso de todos os males sociais e se aliviou a do criminoso, de quem não seria possível exigir outra conduta. Nossos policiais não temem enfrentar os bandidos. É das críticas da sociedade e das manchetes que têm receio. Por causa delas muitos morrem, desnecessariamente, em combate.

Antes da carnificina nos presídio de Manaus e Roraima, houve a chacina da lei e o estupro da ordem. Lá atrás, bem antes de tudo, reprimiu-se a necessária repressão ao mal. Lavrou-se, cuidadosamente, o terreno para a insanidade geral, enxotando-se a propagação do bem, do verdadeiro sentido da liberdade e da responsabilidade. Foram décadas de elogio à loucura! Agora, o diabo ri seu riso sarcástico diante das cabeças decepadas. Ali estão as oferendas da estupidez, dispostas frente ao seu altar. E a ironia o faz seguir gargalhando de uma nação que se extraviou ao ponto de perder, para as facções criminosas, o controle de seus presídios.

Percival Puggina

Audrey Hepburn cantando

Audrey Hepburn, no filme "My fair lady", foi dublada por Marni Nixon,
a voz por trás de muita outras atrizes. Aqui é a própria Audrey cantando

Estado que humilha

As grandes corporações dominam a economia e isso cria uma grande leva de pessoas pobres. O Estado deve apoiá-las, mas não quer ou não tem recursos. Por isso cria a ilusão de que, se você é pobre, a culpa é sua. Porque você não preencheu seu currículo direito ou chegou tarde a uma entrevista.  
B2/C1: ¿Qué ves en la imagen?, ¿qué es la globalización?, ¿qué aspectos positivos y negativos tiene? ....:
Montam um sistema burocrático que te pune por ser pobre. A humilhação é um elemento-chave na pobreza. Rouba a sua dignidade e a sua autoestima. E o Estado contribui para a humilhação com toda essa burocracia estúpida
Ken Loach, diretor de "Eu, Daniel Blake", que conta a história de um homem bom abandonado por um sistema mau. Sem renda, solicita apoio do Estado e se vê enroscado em uma cruel espiral burocrática. Esperas absurdas ao telefone, entrevistas humilhantes, formulários estúpidos, funcionários desprovidos de empatia por causa do sistema

Atrás das grades

– Alô, José, pode me passar o que foi encontrado aí atrás das grades?

– Sim, senhor. Deixa ver, deixa ver: aparelhos de ar-condicionado, móveis de luxo, celulares, dólares, joias, drogas…

– Peraí, conseguiram as drogas com quem?

– Com o nosso pessoal, né? Também o básico: facas, garfos, colheres, torradeiras, micro-ondas, frigobar, TV…

– De que tipo?

– Daquelas com tela plana e sinal digital.

– Ah, essas vítimas da sociedade! Se justificam dizendo o quê?!

– Dizem que têm o direito de ter.

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– Hummm. E nossa vigilância? Viu tudo isso entrar no mole?

– Acho que qualquer um vê, né? Essas coisas não entram sem serem notadas.

– Cara, e ainda se queixam…

– Se queixam muito, senhor. Principalmente da opressão. E que não podem dar um passo sem uma câmera de vigilância controlar. E que há muitas regras e horários, a revolta de sempre.

– Nosso homem infiltrado já sabe como melar isso tudo?

– Sim, senhor. Deu todo o serviço. Operação armada.

– Bom, bom. Manda estourar. Pra já.

– Com violência ou sem violência?

– Vai depender deles. Não reagiu, violência moderada, só pra mostrar quem manda. Reagiu, pode aloprar!

– Beleza! E o senhor, senhor, sai aí da cadeia quando?

– Eu? Ah, não f*! Aqui dentro só tem irmão e eu sou topo da cadeia alimentar. Aí fora tu sabe: ninguém tá seguro.

Rubem Penz

Paisagem brasileira

Wilson Vicente

A culpa não é do mordomo, Temer

A maior epidemia no Brasil não é a da chikungunya. A carnificina de 56 detentos, mutilados e decapitados no presídio de Manaus, filmada sem vergonha ou medo, desnuda uma endemia histórica e nacional: a mediocridade de nossos quadros públicos, a omissão federal, estadual e municipal na segurança, o jogo de empurra venal que faz vítimas dentro e fora das cadeias e as parcerias suspeitas entre a política e o narcotráfico, que envolvem dinheiro, poder e empresas.

Vivemos a terceirização da culpa. É uma endemia, não uma epidemia, por ser crônica. Mata a credibilidade de instituições e autoridades. Visa diluir a responsabilidade e confundir a opinião pública. Não chegaremos a lugar nenhum se não houver mea-culpa no cartório. Vemos o desespero para encontrar um bode expiatório, seja na matança de Manaus, no descalabro do Maracanã ou no crime ambiental de Mariana. Planos e programas redigidos às pressas, com medidas paliativas e espetaculosas, não exterminarão o vírus. É preciso enfrentar algumas verdades duras.

Não temos um ministro da Justiça à altura dos desafios da segurança pública. Por quanto tempo ainda ouviremos as bobagens de Alexandre de Moraes, o mesmo que defende “a erradicação da maconha”? No dia 18 de outubro, Moraes chamou de “mera bravata” a briga entre facções de detentos, ao comentar mortes em presídios do Norte. Disse não enxergar coordenação entre facções de vários estados. Moraes não deve enxergar um palmo diante do nariz. Para o ministro, a matança de Manaus foi “uma clara falha” da empresa Umanizzare, contratada pelo governo do Amazonas para administrar o presídio.

A aparição do presidente Michel Temer, depois de silêncio ensurdecedor, também foi desastrosa. Chamar de “acidente pavoroso” o massacre anunciado de Manaus não tem justificativa. Era normal que Dilma Rousseff, conhecida por seus tropeços na língua, cometesse uma gafe após a outra. Mas quem adora uma mesóclise e uma mesura precisa estar ciente de que não se pode chamar de acidente ou fatalidade o que aconteceu no Amazonas.


Todos os alertas já tinham sido emitidos em relatórios da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Havia um plano de extermínio. Havia mensagens. A facção FDN (Família do Norte) planejava torturar e matar os presos da facção rival PCC (Primeiro Comando da Capital). Era investigado um suposto acordo entre o governador do Amazonas, José Melo, e a FDN. Já se sabia da ligação entre a FDN e o Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro.

Pavorosa mesmo foi a omissão do governo federal e do governo estadual. O descaso com as condições carcerárias medievais não começou com o mandato de Temer – mas um presidente precisa saber o que falar à nação nessas horas dramáticas, para não parecer perdido. A emenda foi pior que o soneto.

Temer, a exemplo de Moraes, colocou a culpa no mordomo, a Umanizzare. Disse que “a responsabilidade direta e imediata” era da empresa. Não cola. Numa parceria público-privada para gerir um presídio, é evidente que a segurança dos presos e a entrada de armas de fogo são responsabilidade do Estado. Os presos estão sob custódia do Estado. Como colocar vida e morte nas mãos de uma empresa privada que ganha por preso, que subcontrata empresas do mesmo dono e é dona de concessões para administrar oito complexos prisionais no Amazonas e no Tocantins?

A maioria da população não sente a menor empatia pelos presos. Quando o governador José Melo diz que “não havia nenhum santo” na pilha de mortos, mas sim “estupradores e matadores”, sabe que fala em nome de quem não sente pena de bandido e não acredita em ressocialização. Muitos não analisam o quadro geral. Há presos “provisórios”, sem julgamento, nas cadeias. Há presos que já cumpriram sua pena, esquecidos. Há inocentes e ladrões de galinha junto a homicidas. E, fora dos presídios, também está difícil encontrar santo, não é mesmo, senhores ministros, governadores, prefeitos, deputados, senadores?

De que adianta construir uma rede de presídios que só fará cócegas no déficit de 250 mil vagas e elevará ainda mais o custo do preso? Uma das informações que mais indignaram o cidadão honesto nesse “acidente pavoroso” foi saber que o governo do Amazonas paga por mês à Umanizzare R$ 4.709,78 por preso – enquanto o salário mínimo é de R$ 937. Isso está acima da compreensão popular.

Outro dado que não comove a população, por mais terrível para os padrões internacionais, é que uma pessoa é assassinada por dia em prisões do país. Em 2015, foram assassinadas 58.492 pessoas no Brasil. A imensa maioria fora dos presídios. É macabro. E não vejo no Ministério da Justiça ou no Planalto alguém com capacidade e estratégia para aglutinar a sociedade, repensar a fracassada política contra drogas e amenizar nossa guerra civil.

A austeridade é progressista

Na política, ser progressista é pensar e agir olhando o futuro, sem medo do novo e querendo domá-lo para servir a propósitos de liberdade, igualdade e sustentabilidade. Neste sentido, a política brasileira não foi progressista nas últimas décadas, porque se caracterizou pela irresponsabilidade do desperdício e não considerou as consequências no futuro.

Buscamos aumentar aceleradamente o consumo, sem perceber os limites ecológicos; gastamos desenfreadamente, sem perceber os limites fiscais. Em busca de votos e apoio para o imediato, as forças que deveriam ser progressistas caíram nas mesmas promessas dos reacionários, com o agravante da demagogia de prometer elevado consumo privado para todos.

Gastos públicos, lucros privados (Imagem da internet)

A esquerda brasileira abandonou os filósofos socialistas e adotou a economia keynesiana; preferiu abandonar a luta pelo público prometendo que o Estado proveria a renda necessária para o consumo individual por transferências de renda para os consumidores e subsídios para os industriais. O resultado desta aliança perdulária ficou visível na crise fiscal dos estados, municípios e da União.

Foi a pedagogia da catástrofe que despertou nossos prefeitos recém-empossados para a defesa e imposição de medidas de austeridade. O Brasil e cada estado e cidade estariam melhores se, décadas atrás, a política brasileira tivesse descoberto o valor moral e a eficiência fiscal da austeridade. Se no lugar da bandeira da renda e do consumo, as esquerdas tivessem adotado bandeiras educacionais com escola pública de igual qualidade para todos; e se no lugar de os prefeitos se vangloriarem por gastar muito em educação, eles fossem prestigiados pelos bons resultados, se possível com gastos menores.

A austeridade sempre foi uma bandeira histórica da política e dos políticos de esquerda, antes de eles serem corrompidos pelo imediatismo, pelo corporativismo, pela renda e o consumismo. A literatura mostra que a vida pessoal de cada militante era austera, quase franciscana, e suas bandeiras tinham rigor nos gastos, os desperdícios eram caracterizados como pecados burgueses.

Para ser progressista, a austeridade tem de fazer escolhas que beneficiem a população e o país, ao invés de benefícios individuais, benefícios públicos; tem que se preocupar com a essencialidade (escolas ou estádios) e com a eficiência (sem corrupção, nem desperdícios), dois fatos renegados nas últimas décadas; em vez de gastar mais, gastar melhor; no lugar de atender às vozes das corporações de eleitores de hoje, entender o que desejam as crianças para o Brasil onde elas viverão.

Esta é a austeridade progressista que a esquerda abandonou e que a pedagogia da catástrofe está forçando ser adotada por todos os partidos, a um alto custo; porque abandonada no passado, a austeridade agora é necessária mesmo provocando dificuldades. Teremos de enfrentá-la e, depois, praticá-la não como medida emergencial, mas como prática moral permanente: uma austeridade progressista, comprometida com o interesse público e com eficiência técnica.

A barbárie que dá lucro

O governador do Amazonas, José Melo, não é um político muito original. Depois do massacre de 56 detentos no maior presídio do Estado, adotou a velha tática de culpar os mortos. “Não tinha nenhum santo”, disse, em entrevista à CBN. “Eram estupradores e matadores que estavam lá dentro”, acrescentou.

Ao repetir o discurso brucutu que prolifera nas redes sociais, Melo tenta se eximir de responsabilidade pela matança. Antes que alguém pergunte se existem santos no governo amazonense, é preciso questionar o que as autoridades locais fizeram para evitar o banho de sangue. Ao que tudo indica, não fizeram nada.

Caminhão transporta corpos de mortos em chacina em Manaus

O presídio estava superlotado, com quase três detentos por vaga. Armas e drogas circulavam livremente, e os presos usavam celulares para comandar o crime de trás das grades.

Em outubro, o CNJ classificou a unidade como “péssima”. A inspeção constatou que os detentos não recebiam assistência jurídica, educacional, social ou de saúde. Tratados como animais, reagiram à altura, como sugerem as imagens de corpos decapitados na rebelião.

Além de evidenciar a falência do sistema carcerário, a barbárie de Manaus lembra que a privatização não é uma solução mágica para todos os problemas brasileiros. O palco da chacina foi terceirizado em 2014, quando Melo assumiu o Estado.

Nesta quarta-feira, o Ministério Público de Contas pediu a rescisão do contrato por indícios de superfaturamento. Uma das empresas sob suspeita doou R$ 300 mil à campanha do governador à reeleição. Ao que parece, a desordem nas cadeias amazonenses era um negócio lucrativo.