segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Brasil capa de revista

 


Que país é este do ‘imbrochável’?

Sei que é uma pergunta batida, mas, na comemoração dos 200 anos da Independência, é razoável perguntar que país é este.

O que nos diz o presidente Bolsonaro subindo no palanque e gritando que é imbrochável? O que nos diz a multidão que o segue? O que nos diz o presidente comparando sua mulher com a do rival?

Estava meio perdido na melancolia de um desfile militar quando comecei a fazer essas perguntas. Como um velho delirante, concluí que estávamos quase prontos para participar da Segunda Guerra Mundial, embora até para isso os equipamentos tenham me parecido um pouco obsoletos.

No momento em que um grupo fez acrobacias com a própria arma, jogando-a para o ar, rodando-a febrilmente, pensei: isso é uma preparação para dias difíceis, um trampo diante dos sinais luminosos de trânsito?

Na verdade, enquanto Bolsonaro exorcizava aos gritos seu pavor da castração, a fumaça das queimadas na Amazônia começava a chegar a São Paulo. O cheiro de fumaça sempre teve um efeito de despertar consciências adormecidas, sobretudo quando acompanhado de calor.


Pouca coisa acontece. O presidente beijou sua mulher na boca, a conselho do marketing. Alguns vizinhos saem vestidos de amarelo com a bandeira do Brasil. Ignoram que um grande porta-aviões, o São Paulo, navega pelo mundo, carregado de substância tóxica, o amianto, e é rejeitado por todos. Venderam para a Turquia, e os turcos se uniram na praia com cartazes: não somos a lixeira do mundo. O Reino Unido proibiu que navegasse pelo Estreito de Gibraltar, e ele segue, solitário e rejeitado, para consumir-se no seu veneno, possivelmente na Ilha das Cobras.

A fumaça de nossa futura ruína continua chegando às metrópoles do Sudeste, e tudo o que presidente pode nos dizer é isto: “Sou imbrochável”. É preciso mais que um pênis ereto para debelar a fome de 33 milhões de brasileiros e a insegurança alimentar de quase 100 milhões.

Segundo Vinícius, o homem que diz sou não é, o homem que diz “tou” não “tá”. Os gritos de Bolsonaro na esteira de um desfile militar não são de bom-tom, diante do grande consumo de Viagra pelas Forças Armadas.

Na véspera desse espetáculo, em Copacabana, se você gritasse o clássico “joga a chave, meu amor”, era capaz de cair um paraquedista. Trazidos pelo vento, andaram se embaralhando nas árvores. Felizmente ninguém se feriu, exceto a confiança na eficácia de nossa defesa.

Foi um aniversário melancólico, se olhamos para a saúde de nossa democracia arranhada por Bolsonaro, para a integridade de nossas florestas, ardendo com o sopro de uma política destruidora.

Continuo acompanhando a saga de nosso porta-aviões, vendido como ferro-velho, expulso de portos onde tenta ancorar, e fico me perguntando se isso não é o Brasil ou apenas o símbolo de uma época, cujo veneno ainda pode durar muito e demandará paciência e habilidade para neutralizá-lo.

Se nosso limitado presidente fosse visitar Paquetá e refletir um pouco sobre José Bonifácio, certamente aprenderia alguma coisa — pelo menos a lição elementar de que a História não é algo que se conquiste com um pênis ereto, mas uma construção coletiva que nos tornou uma das importantes nações econômicas do mundo, com suor, coração e cérebro. Em outras palavras, estamos comemorando 200, e não 12 anos. Não é possível que, agitando tanto a Bíblia, ainda não tenha deparado com a “Primeira carta de Paulo aos Coríntios”: quando era menino, pensava como menino, agia como menino, agora que sou grande, dei de mão às coisas de menino.

No fim da tarde, quando saí para o trabalho, vi alguns vizinhos de Ipanema voltando com suas bandeiras, um pouco desfeitos pelo calor da primavera que se anuncia.

Pensei: este é o nosso país. Sobreviveremos ou seremos destruídos por uma política suicida? Duzentos anos de independência, não imaginava conviver com essas dúvidas. Muito menos, que estadistas como José Bonifácio fossem substituídos por fanfarrões gritando “imbrochável, imbrochável”.

Frei Caneca lutou contra Portugal e dom Pedro e acabou fuzilado

Frei Caneca foi o principal pensador político do processo de emancipação do Brasil que se desenhou a partir de Pernambuco, saltando do convento para as trincheiras na Revolução de 1817 e na Confederação do Equador, de 1824. Em seus escritos e atos práticos, associou a ideia de pátria à noção de virtude civil em relação à terra que se habita, defendeu uma Constituição que abarcasse uma lista de direitos e se opôs ao despotismo de dom Pedro, o que o levou à morte por fuzilamento.

A cabeleira amarelo-avermelhada era inconfundível. "Sou ruivo", disparou frei Caneca, em meio à polêmica que travou com o redator do jornal A Arara Pernambucana em junho de 1823, para confirmar, de uma vez por todas, a ascendência paterna portuguesa —aliás, a avó, Francisca Alexandrina, ganhara o apelido de Ruibaca, no Bairro Alto, em Lisboa, em consequência da ruividão.

A origem materna, ao contrário, estava entroncada desde meados do século 17, entre os indígenas e os escravizados africanos. Principiava na figura de sua trisavó, que ele reinventou com o nome Maria das Estrelas: "Pois é ponto de fé pia que essa Maria das Estrelas, minha trisavó, havia de ser alguma Tapuia, Potiguari, Tupinambá, senhora de muito mingau, tipoias, aipim e macaxeira; e também se foi alguma rainha Ginga, nenhum mal me fez; já está à porta o tempo de muito nos honrarmos do sangue africano".

O que se conhece sobre as origens de frei Caneca deve-se a ele mesmo, registrou o historiador Evaldo Cabral de Mello na introdução do volume que reúne seus principais escritos políticos. Difícil saber ao certo quando a investigação genealógica teve início, mas ela não tinha nada de inofensivo; servia bem ao debate público.

Desenrascar o enredo de sua ascendência talvez tenha lhe fornecido, ainda em 1822, algumas das respostas de que precisava para concretizar as bases de um projeto alternativo ao processo de Independência como empresado no Rio de Janeiro: federalista, voltado para a garantia do princípio do autogoverno provincial, ancorado na ideia de pátria e na figura de um personagem de inspiração republicana —o "cidadão patriota".

No dia 6 de março de 1817, antes mesmo de se processar a ruptura com Lisboa, a República foi proclamada na cidade do Recife. A Revolução de 1817 contestou o projeto de Império brasileiro encabeçado pela Corte instalada no Rio e abriu o ciclo revolucionário da Independência.

Em julho de 1824, a Confederação do Equador reafirmou a autonomia de Pernambuco, reimplantou a República, conjurou nova revolução e convidou os vizinhos do Norte a aderirem: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Paraíba.

Foi "a outra independência", nomeou Evaldo em seu livro, e frei Caneca era seu mais importante pensador político. A "pátria do cidadão não é só o lugar em que ele nasceu como também aquele em que ele fez sua morada e fixou o estabelecimento", escreveu em sua "Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão e deveres deste para com a mesma pátria", logo nos primeiros dias de 1822.

Em uma província disposta a conceber e liderar um projeto de soberania para escapar ao controle tanto de Lisboa quanto do Rio e que sustentava uma longa história de hostilidade contra os reinóis, ele estava propondo uma solução inédita em termos de independência para o então Reino do Brasil: articulou a ideia de pátria, a terra onde se nasce, à cidade onde se compartilha uma vida em comum.

Associar pátria à noção de virtude civil permitiu-lhe convocar a sociedade pernambucana para um pacto histórico. "Patriota" identificava uma pessoa capaz de admitir ser possível compatibilizar a existência de um território nativo e ancestral com o reconhecimento de que o convívio entre os homens demanda a construção de um modo próprio de viver livre em uma cultura comum.

Como seria típico de seus escritos, o argumento exige uma tomada de posição imediata e concreta diante da conjuntura política: os portugueses domiciliados em Pernambuco e empenhados em seu progresso, onde tinham família e ofício, eram tão patriotas quanto os naturais da terra —não cabia antagonismo entre eles.

Também deixava claro que isso teria consequências frente ao que estava por vir: Pernambuco era a pátria de direito da comunidade reinol, o lugar onde se estabeleceram e por onde deveriam optar, em caso de conflito com Lisboa ou com o Rio.


Joaquim do Amor Divino Rabello, o frei Caneca, nasceu em 1779, no Recife. Era o primogênito de Francisca Alexandrina de Siqueira e Domingos da Silva Rabelo, um tanoeiro que fabricava e consertava pipas, barris, tinas e, naturalmente, canecas, que o filho iria adotar ao nome quando se ordenou frade carmelita, em 1801, com apenas 22 anos. Como a Ordem do Carmo oferecia ensino aos filhos de imigrantes portugueses e a carreira eclesiástica seria uma via segura de promoção social, Joaquim se fez noviço.

Era um leitor voraz que transitava entre a matemática e a geometria, a teoria literária e a retórica, a história e o pensamento político. Tornou-se um leitor público, anotou o historiador Denis Bernardes, partilhando e espalhando suas leituras e ideias nas salas de aula —na condição de professor de geometria, retórica e filosofia—, no púlpito da igreja e, naturalmente, nas reuniões e assembleias que se repetiam com intensidade cada vez maior no Recife, sobretudo a partir da Revolução de 1817.

Sua formação política, com as leituras republicanas, foi resultado das disciplinas que cursou no Seminário de Nossa Senhora da Graça, em Olinda, a instituição de ensino mais inovadora do Brasil no período colonial e polo irradiador das ideias do Iluminismo no Nordeste.

A frequência com que comparecia às reuniões na Academia do Paraíso, por sua vez, facultou-lhe o trânsito entre a palavra e a agitação revolucionária. Instalada no hospital do Paraíso, a academia se organizava como círculo de sociabilidade intelectual e intervenção política, além de centro de difusão de ideias republicanas e núcleo de conspiração anterior à Revolução de 1817.

A carreira eclesiástica deslanchou bem. O problema eram os interesses de frei Caneca que ultrapassavam, e muito, os muros do convento do Carmo. Havia a relação amorosa que manteve com uma mulher que nunca nomeou e com quem teve uma filha. Às vésperas de sua execução, em 1825, escreveu uns versos que ficaram famosos, dedicados à mulher que arrebatou seu coração e a quem se dirigia de acordo com o protocolo árcade, bem à moda de Tomás Antônio Gonzaga: "Entre Marília e a Pátria/ coloquei meu coração:/ A Pátria roubou-m’o todo;/ Marília que chore em vão".

E havia a política. Na Revolução de 1817, frei Caneca é um insurgente. Conclamou a população a se levantar contra o domínio português, animou grupos de pessoas em exercícios de tiro praticados no quintal do Convento do Carmo e ingressou nas tropas da República que deveriam marchar para o Norte.

Caiu prisioneiro ainda em território pernambucano na batalha do engenho Utinga, na região do Cabo de Santo Agostinho. Nos anos seguintes, equilibrou-se entre insurgente, agitador, polemista e pensador político. Em seus escritos, contudo, nunca se sabe onde começa a palavra e termina a ação, registrou o cientista político Vamirech Chacon, na introdução ao livro que reúne os artigos originalmente publicados no Typhis Pernambucano, o jornal que frei Caneca editou entre dezembro de 1823 e agosto de 1824.

Às vésperas da Confederação do Equador, ele alinhavou nas páginas desse jornal o formato final do argumento autonomista que Pernambuco estava construindo desde a Revolução de 1817 para sustentar o projeto político dessa outra independência. "Nós estamos, sim, independentes, mas não constituídos", escreveu em 1824.

"O Brasil, só pelo fato de sua separação de Portugal e proclamação da sua Independência, ficou de fato independente, não só no todo como em cada uma de suas partes ou províncias; e estas independentes umas das outras. Ficou o Brasil soberano, não só no todo, como em cada uma de suas partes ou províncias."

Uma vez desfeita a unidade do Reino de Portugal, Brasil e Algarves, a soberania revertia às províncias onde, aliás, deveria residir. Cabia a elas negociar um pacto constitucional com a Coroa, no Rio, ou constituir unidades separadamente sobre o sistema que melhor lhes conviesse.

Em 1823, com a reunião da Assembleia Constituinte, frei Caneca avaliava ser possível pactuar com o Rio a aceitação da monarquia —desde que autenticamente constitucional e desde que estivesse garantido o principio da autonomia provincial na Constituição brasileira.

Pedro 1º, contudo, tinha outros planos. Em novembro de 1823, fechou a Constituinte; em 1824, outorgou ao Brasil uma Constituição. Para frei Caneca, não havia mais volta: "Do Rio de Janeiro, nada, nada; não queremos nada", declarou.

A Confederação do Equador eclodiu em julho de 1824, e ele estava na liderança do movimento revolucionário. Era urgente se dirigir aos brasileiros e às províncias do Norte e frei Caneca publicou uma sequência de artigos com uma análise notável e algo profética sobre o despotismo.

"A soberania reside na Nação. [...] Como sua Majestade Imperial não é nação, não tem soberania, nem comissão da nação brasileira para arranjar esboços de Constituição e apresentá-los, não vem esse projeto de fonte legítima e por isso se deve rejeitar por exceção de incompetência."

Frei Caneca detalhou cada um dos ingredientes despóticos que Pedro 1º introduziu na Constituição. O Poder Moderador era "a chave-mestra da opressão da nação", decerto; mas "a guarda avançada do despotismo", como ele dizia, sustentava-se em duas frentes.

Uma na concentração de poderes: "se S. Majestade há de ser o chefe do Poder Executivo, como há de ter parte na legislação?". A outra frente na renitente disposição das Forças Armadas para se envolverem em política: "Quando [soldados] pretendem influir nos negócios civis e políticos são despóticos, obstruem os vasos vitais da sociedade, empecem o andamento regular das suas molas, são inimigos da pátria e temerosos aos seus cidadãos".

Como antídoto contra o despotismo, frei Caneca propôs, pela primeira vez no Brasil, os termos para uma Constituição livre que incluísse um catálogo de direitos: liberdade de imprensa, liberdade política, igualdade civil.

O Rio de Janeiro reagiu de imediato. O porto do Recife foi bloqueado, e a cidade canhoneada pelos navios de guerra do almirante Cochrane, o mercenário escocês contratado por Pedro 1º para as operações militares que garantiram a centralização do território brasileiro.

No dia 12 de setembro de 1824, o Recife rendeu-se. Comandado por frei Caneca, o Exército da Confederação tentou resistir. Entrou pelo interior rumo à Quixeramobim (CE), onde havia a esperança de unificar a resistência. Mas não deu tempo: as forças confederadas foram cercadas e derrotadas pelas tropas imperiais já em território cearense.

Após julgamento sumário, frei Caneca foi condenado à forca. Nenhum carrasco se dispôs a cumprir a sentença. Foi então fuzilado a tiros de arcabuz, em 13 de janeiro de 1825, na fortaleza das Cinco Pontas, no Recife.

A outra independência

O Bicentenário da Independência do Brasil inspirou o lançamento e relançamento de obras sobre o evento histórico. Atento ao curto espaço, dediquei algumas reflexões ao livro Adeus Senhor Portugal (Ed. Companhia das Letras) de Rafael Cariello e Thales Zamberlan Pereira e ao relançamento de A outra Independência: O Federalismo Pernambucano de 1817 a 1824 (Todavia) de Evaldo Cabral de Mello.

Ambos se distanciam da historiografia clássica marcada pela visão riocêntrica e centralista. Cariello e Zaberman enfatizam a crise fiscal que mobilizou a nascente “cultura política”, arejada pelas ideias iluministas e pela agonia do absolutismo.


De um lado, gastos extravagantes, uma burocracia parasitária e a corrupção emergente (relatório de Cailhé de Geine para o Intendente Paulo Fernandes), provocavam “ódio” e “cega prevenção” na opinião pública; de outra parte, as províncias do norte, notadamente Pernambuco, financiavam o déficit fiscal do erário e a iluminação do Rio de Janeiro, extorquindo impostos sobre a produção algodoeira.

Com precisão, os autores descrevem o cenário que precedem revoluções liberais: “gastos do governo, déficits crescentes, empréstimos do erário ao Banco do Brasil, emissão descontrolada de papel-moeda, inflação, aumento dos preços e serviços – aluguéis e alimentos – perda de poder de compra das famílias e falta de pagamento por parte do governo”.

Sobre a obra de Evaldo Cabral de Mello, a prefaciadora, Heloísa Starling, afirma: “A Outra Independência é um livro fundador: revela a existência, entre 1817 e 1825, uma alternativa concreta ao processo de emancipação como empresado no Rio de Janeiro”.

O autor identifica esta alternativa no “ciclo revolucionário da independência” que continha um projeto de País: emancipado, republicano e autonomista. É injusta a pecha separatista imputada a Pernambuco. O ideal de autonomia preconizava a ampliação do poder local, opondo-se à matriz centralizadora e autoritária consagrada na constituição outorgada pelo Imperador: déspota no Brasil e liberal em Portugal.

As lutas libertárias de 1817 e 1824 – a “Revolução dos Padres” e a Confederação do Equador – foram severamente reprimidas, porém, imortalizadas em Frei Caneca. Além do sangue derramado, o território pernambucano foi esquartejado com a perda das comarcas de Alagoas e do São Francisco.

O baiano Cipriano Barata, notável defensor da liberdade, observou: “É certamente Pernambuco a província […] mais ciosa de sua liberdade e por isso a mais abundante de sucessos políticos e a mais capaz de servir de farol ao espírito público do Brasil inteiro”.

No presente, os tempos são sombrios, mas o futuro é uma questão em aberto que depende das nossas escolhas.

O que fazer durante o horário eleitoral

Entenda aqueles minutos que invadem a programação da televisão ou do rádio como um chamado. Assim, anote o nome de um candidato a deputado estadual, de uma rara jovem lançando-se como deputada federal, de um ou uma senadora em reeleição e dê uma pesquisada para saber um pouco mais sobre eles, pois a aparição relâmpago é insuficiente, não ajuda em quase nada.

Ou fuja à análise mais detalhada do aspirante a legislador, sente-se e ria. É uma comédia, não resta dúvida. Não só há nomes estranhos — alguns remetem à profissão, ao negócio, ao fato de o indivíduo ser pastor ou policial, outros parecem apelidos forjados no mais escandaloso bullying —, como também “plataformas” de rachar o bico. No Rio, a credencial de uma determinada candidata é ser irmã de um sujeito cujo mandato acaba de ser cassado por ele ser acusado, entre outras barbaridades, de pedofilia. Quando se para e se toma fôlego, o riso estanca.

A eleição levada como esquete de circo caça-níquel prenuncia um péssimo futuro. Não seria espantoso assistir a um engolidor de fogo devorar a luz, pois é o que faz grande parte desses títeres de donos de partidos. Aquela máxima dos tempos da ditadura — o último a sair apague a luz — se voltou contra nós; não saímos, resistimos, mas um saudosista daqueles tempos não só apagou a luz, mas também arrebentou todos os fios, danificou a caixa de luz, explodiu as usinas.

Melhor então, quem sabe, se distrair com outra coisa. Um olho na TV e o outro no passado. Por favor, só não se engane com o papo de que naqueles tempos tudo era melhor. Leia “Vila dos Confins”, de Mário Palmério, e veja como eram as campanhas eleitorais quando o Brasil era rural e nem em sonho se cogitava a existência de urnas eletrônicas. No romance, um cabo eleitoral se mete no Brasil profundo com a função de agregar os grandes fazendeiros em torno da candidatura para a qual trabalha. Se o coronel fecha um acordo, bem, todos os seus empregados o acompanham — o famoso voto de cabresto. A turma que defende foto do voto ou voto manual deseja a volta daqueles tempos, bons para eles e para mais ninguém. Na realidade, sonham com a época em que nem eleições havia ou só havia, sob muita vigilância, para os cargos menores. São eles os restolhos de uma ditadura que não foi, como deveria, superada, morta e enterrada.


O tempo que o horário político sequestra de nós é propício a rememorar a infância, aquele mágico período em que, retirando alguns probleminhas, problemas ou problemões, ninguém se angustia quanto aos rumos do país, só isso vale um tesouro. Mas insisto: ontem não era melhor que agora, nem hoje será melhor que amanhã, ainda que, sim, houvesse coisas muito boas que se perderam, assim como algumas se perderão daqui para o futuro. Nesse interregno no qual uma horda de siderados quer nos convencer — seguindo um roteiro além de ruim, manipulador — de sua capacidade de resolver todos os problemas do país com soluções simplistas, malabarismos, se é para se dar o direito a um pingo de alienação, entre pela porta de Shangri-lá.

Que tal preparar um milk-shake para compartilhar com as crianças? Ou se aproximar de seu amor e dizer-lhe o quanto a vida é melhor em sua companhia? Ou roubar desse amor um beijo, um arrepio, e oferecer-se de corpo e alma ao corpo e à alma dele? Falar com um velho amigo, aquele que nunca ligou para política e só pensa em futebol? Ah, nada como uma discussão sobre futebol!

Há, ainda, o caminho dos pedregulhos, ou seja, com um paralelepípedo nas mãos, tomar as ruas com a intenção de derrubar tudo ligado a essa gente: sedes de partidos, congresso, assembleias, os palácios modernos de Niemeyer. Confesso que de vez em quando tenho vontades assim, mas a coisa só se acertará a partir da política. São falsos esses que, estando nela, vendem a ideia de que não estão. Preste atenção no horário eleitoral, ainda que só de vez em quando, pois, entre tantos paspalhos, alguns defendem causas urgentes, pertencem a grupos marginalizados, precisam ganhar voz. Alguns carregam uma vela.